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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO MESTRADO EM TEATRO

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO

MESTRADO EM TEATRO

MORGANA FERNANDES MARTINS

O SOM OUVIDO, VISTO E SENTIDO

O repertório sonoro da cena teatral e a dramaturgia sonora dos espetáculos do Circo Teatro Udi Grudi

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MORGANA FERNANDES MARTINS

O SOM OUVIDO, VISTO E SENTIDO

O repertório sonoro da cena teatral e a dramaturgia sonora dos espetáculos do Circo Teatro Udi Grudi

Projeto apresentado como requisito para o Exame de Defesa da Dissertação de Mestre em Teatro, Curso de Mestrado em Teatro, Linha de Pesquisa: Teatro, Sociedade e Criação Cênica.

Orientadora: Profa. Vera Regina Martins Collaço, Dra.

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MORGANA FERNANDES MARTINS

O SOM OUVIDO, VISTO E SENTIDO

O repertório sonoro da cena teatral e a dramaturgia sonora dos espetáculos do Circo Teatro Udi Grudi

Este projeto foi julgado

, em 19 de agosto de 2011.

Profa Vera Regina Martins Collaço, Dra.

Coordenador do Mestrado

Apresentada à Comissão Examinadora, integrada pelos professores:

Profª Vera Regina Martins Collaço, Dra. Orientadora

Prof. Luiz Otávio Carvalho Gonçalves de Souza, Dr. Membro

Profa. Maria Brígida de Miranda, Dra. Membro

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à minha orientadora, Professora Vera Collaço, pela infinita dedicação e confiança que depositou em mim e na realização desta dissertação.

Agradeço, com muita honra, aos professores residentes e membros da banca: Professora Maria Brígida Miranda, que desde o início de minha pesquisa, ainda na graduação, acompanhou-me lado a lado; a Professora Fátima Costa de Lima, que, mais do que aulas, me proporcionou inspirações em todos os âmbitos do meu trabalho.

Agradeço ao membro convidado da banca, Professor Luiz Otávio Carvalho Gonçalves de Souza, por ter aceitado com grande receptividade a tarefa de avaliar esta dissertação.

Agradeço ao Professor José Ronaldo Faleiro, um grande mestre para mim. Agradecimentos especiais a todos os integrantes do Circo Teatro Udi Grudi, Leo, Beré, Luciano, Marció e Joana, pois novamente me receberam muito bem em Brasília, e colaboraram generosamente com a realização desta dissertação.

Agradeço, com muito carinho, à minha companheira Lisa Brito, por estar ao meu lado em todos os instantes deste processo, desde os mais difíceis momentos, às mais gratificantes realizações.

Agradeço infinitamente aos meus pais, Maria Salete Fernandes Martins e Luiz Roberto Martins, por acreditarem sempre em todos os meus trabalhos e pela ajuda e confiança que depositam em mim.

Agradeço à secretaria do PPGT, especialmente à Mila e à Sandrinha, pela prestatividade e apoio.

Agradeço à carinhosa Tatiana por ter me recebido em São Paulo durante a pesquisa de campo, e ao admirável casal, Iremar e Maria Cristina Brito, por terem me recebido no Rio de Janeiro durante a pesquisa de campo.

Agradeço aos meus amigos, em especial à Claudia Salomoni e a todos que colaboraram, direta e indiretamente, com a realização deste projeto.

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RESUMO

A presente pesquisa tem como principais focos a análise do repertório sonoro no âmbito teatral e como este elemento cênico pode se tornar o condutor da dramaturgia da cena. Essa análise explora diversas vertentes do tema, partindo da importância e das funções do repertório sonoro em meio ao contexto cênico. A explanação dos assuntos levantados é discutida e refletida por meio do estudo realizado sobre o trabalho do Circo Teatro Udi Grudi de Brasília. Esse grupo dedica grande destaque e diversidade aos repertórios sonoros de seus espetáculos teatrais. São três os trabalhos do grupo analisados nesta dissertação: O Cano, O Ovo e A Devolução Industrial. Nos três espetáculos é possível perceber, cada um a sua maneira, que o repertório sonoro é o condutor da dramaturgia da cena. Como sustentação da base teórica deste estudo recorri aos autores Lívio Tragtenberg, Luiz Otávio Carvalho Gonçalves de Souza e Roberto Gill Camargo, pesquisadores práticos e teóricos a respeito do tema. E para aprofundar a discussão utilizei também as teorias de José Miguel Wisnik e Murray Schafer, autores que discorrem de maneira reflexiva a respeito do som.

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ABSTRACT

This dissertation presents an analysis regarding the sonorous repertoire within the theater ambit and how it can become the conductor in a dramaturgy. This analysis runs through the importance and functions of the sound repertoire in the theatrical ambit as well as other aspects of the subject. The explanation on the subject is discussed from a study about the Circo Teatro Udi Grudi from Brasilia. This group is known for its eminence on the sound repertoire as diversity. For this

dissertation three plays were analyzed: O Cano, O Ovo e A Devolução

Industrial. In all three plays it’s possible to realize that the sound repertoire is the conductor of the scene´s dramaturgy, each one in it´s own way. The following

authors were used as reference for the theoretical basis support: Lívio

Tragtenberg, Luiz Otávio Carvalho Gonçalves de Souza e Roberto Gill Camargo. They are theoretical and in practice researchers. The following authors were taken to deepen the discussion: José Miguel Wisnik and Murray Schafer, who write about sound in a reflective matter.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 Planta baixa mapa som Retrato de Augustine p.66

Imagem 2 Marimbau ou Jirimum p. 79

Imagem 3

Beré em O Cano p. 80

Imagem 4

Beré em O Cano p. 80

Imagem 5

Beré em O Ovo p. 81

Imagem 6 Marció, Porto e Beré em O Ovo p. 82

Imagem 7 Beré em A Devolução Industrial p. 82

Imagem 8 O Panzão p. 86

Imagem 9 O Panzinho p. 86

Imagem 10 O Ladrilhê, o Baron e o Gira Sino p. 87

Imagem 11 As Latas p. 89

Imagem 12 Polly ou Pet, Blowzão e Reco-Rex p. 90

Imagem 13 O Original p. 91

Imagem 14 O Microtônio p. 91

Imagem 15 O Trombone p. 92

Imagem 16 O Negão, ou Negão que fugiu do julgo

português p. 93

Imagem 17 Desenho frontal do cenário de O Cano p. 94

Imagem 18 Mini tambores p. 95

Imagem 19 Marció com mini corneta de copinho de café p. 96

Imagem 20 Placas de alumínio com ladrilhos p. 96

Imagem 21 Apresentação do espetáculo Udi Grudi em

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Imagem 22 Beré com seu figurino do Lixaranga p. 98

Imagem 23 Porto com seu figurino do Lixaranga p. 98

Imagem 24 Marció com seu figurino do Lixaranga p. 99

Imagem 25 Porto, Beré e Marció em O Cano p. 107

Imagem 26 Cenário de O Cano p. 108

Imagem 27 Beré, Marció e Porto em O Ovo p. 118

Imagem 28 Beré, Marció e Porto em O Ovo p. 120

Imagem 29 Beré, Marció e Porto em O Ovo p. 122

Imagem 30 Beré em A Devolução Industrial p. 128

Imagem 31 Joana, Beré e Porto em A Devolução Industrial p. 130

Imagem 32 O elenco e crianças em A Devolução Industrial p. 132

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SUMÁRIO

RESUMO _______________________________________________________06 LISTA DE IMAGENS ______________________________________________08 INTRODUÇÃO ___________________________________________________13

CAPÍTULO 1 – UM POUCO DE TEORIA PARA OUVIR/VER MELHOR O SOM DA CENA_______________________________________________________18 1.1 CONCEITUANDO REGISTROS E FRAGMENTOS SONOROS __________19 1.2 DIÁLOGO ENTRE ELEMENTOS CÊNICOS E REPERTÓRIO SONORO___21 1.2.1 “Repertório sonoro na cena teatral”: importância ________________23 1.3 UMA BREVE PASSAGEM PELOS QUATRO FORMATOS DO ELEMENTO SONORO: A MÚSICA, O SOM, O RUÍDO E O SILÊNCIO _________________28

1.3.1 O escorregadio conceito de paisagem sonora _________________31 1.3.2 A voz – o som e a palavra __________________________________35 1.3.3 As qualidades do elemento sonoro _________________________36 1.4 FUNÇÕES E POSSIBILIDADES DO REPERTÓRIO SONORO DA CENA__37 1.4.1 A expressividade do som e suas funções na cena_____________43 1.5 O COMPOSITOR E OS RECURSOS TÉCNICOS_____________________48 1.6 RELATO SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO DO REPERTÓRIO SONORO DO ESPETÁCULO RETRATO DE AUGUSTINE_________________________52

1.6.1 Descrição da concepção do repertório sonoro da peça teatral

Retrato de Augustine_____________________________________________53 1.6.2 Repertório sonoro do espetáculo Retrato de Augustine _________63 1.6.3 Informações técnicas a respeito da realização da emissão do

repertório sonoro do espetáculo Retrato de Augustine_________________65

CAPÍTULO 2 – O CONCEITO DE “DRAMATURGIA SONORA” A PARTIR DOS ESPETÁCULOS DO CIRCO TEATRO UDI GRUDI_______________________67 2.1 O PONTO DE PARTIDA_________________________________________70 2.2 CIRCO TEATRO UDI GRUDI: UM BREVE RELATO DE UMA LONGA

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2.3 OS ATORES / MÚSICOS: UMA SOMATÓRIA DE CONHECIMENTOS ____78 2.4 OS INSTRUMENTOS MUSICAIS QUE COMPÕEM AS CENAS__________84

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DOS ESPETÁCULOS DO CIRCO TEATRO UDI

GRUDI_________________________________________________________101 3.1 ANÁLISE DESCRITIVA DE O CANO: O SOM COMO PRINCIPAL

CONDUTOR____________________________________________________102 3.1.1 O desenrolar das intrincadas sonoras e cômicas cenas ________102 3.1.2 As ações cênicas em função da construção dos instrumentos

musicais_______________________________________________________106 3.1.3 Os instrumentos musicais como cenário____________________107 3.1.4 O som cômico __________________________________________109 3.1.5 Parcas palavras e seus efeitos fonéticos sonoros ____________110 3.1.6 As músicas e suas proposições cênicas ____________________111 3.1.7 A paisagem sonora_______________________________________113 3.1.8 Ver / ouvir: o som que se vê, os olhos que ouvem ____________114 3.1.9 Som de todas as direções espaciais________________________115 3.2 ANÁLISE DESCRITIVA DE O OVO: O SOM SOBRE AS AÇÕES________116

3.2.1 A produção da galinha dos ovos de garrafas de plástico _______116 3.2.2 Os instrumentos musicais animados de O Ovo_______________121 3.2.3 Os pequenos objetos sonoros que compõe a cenografia_______122 3.2.4 A temática social das ruas para a cena ______________________123 3.2.5 Texto não: diálogos fonéticos______________________________124 3.2.6 As músicas _____________________________________________125 3.2.7 O clima: os efeitos dos sons e das músicas sob auxilio indispensável da iluminação _____________________________________126

3.2.8 Ver / ouvir: o som que se vê, os olhos que ouvem ____________127

3.3 DESCRIÇÃO DE A DEVOLUÇÃO INDUSTRIAL: O SOM CRIADOR DE

ATMOSFERA ___________________________________________________128 3.3.1 A evolução devolvida em músicas e palhaçadas ______________128 3.3.2 A construção evolutiva dos instrumentos musicais em meio à cena__________________________________________________________133

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3.3.4 Os grandes e os pequenos instrumentos musicais____________136 3.3.5 Texto não: palavras cantadas______________________________136 3.3.6 As músicas / o canto_____________________________________137 3.3.7 Ver / ouvir: o som que se vê, os olhos que ouvem ____________138 3.3.8 Som como diálogo entre os atores__________________________139 3.4 O SOM CONDUZ A DRAMATURGIA?_____________________________140

CONSIDERAÇÕES FINAIS________________________________________142 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _________________________________147

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INTRODUÇÃO

Nenhum som teme o silêncio que o extingue John Cage

Permita-me, caro leitor, que as primeiras palavras que venho a discorrer sejam a descrição de uma sensação. Particularmente o ato de escrever o início de um trabalho acadêmico é algo que sempre enfrento com certa dificuldade (especialmente neste caso com o peso de uma dissertação). Pelos caminhos das possibilidades desse início deparei-me com a introdução do meu Trabalho de

Conclusão de Curso (TCC) que desenvolvi no ano de 2007.1 No período em que

desenvolvi o projeto da dissertação tinha total clareza de que recorreria ao meu TCC em alguns momentos, afinal esta presente pesquisa é continuação não apenas da monografia e sim de toda a pesquisa que venho desenvolvendo sobre

repertório sonoro na cena2 teatral desde o ano de 2001.

O meu interesse em estudar o som na cena teatral começou em 2001 quando realizei a criação do repertório sonoro do espetáculo 2 da O’ctus Cia. de

Atos3. Porém, meu empenho por esta área esteve presente desde muito cedo. Na

adolescência iniciei o estudo de violão e, a partir daí, o interesse por conhecer diferentes estilos musicais acarretou em um aprendizado de reconhecimento das diversas vertentes dessa área.

Para a composição do repertório sonoro do espetáculo 2, período paralelo ao início de minha graduação em artes cênicas na UDESC, parti do ato de

1 Trabalho defendido sob a orientação da Profa. Dra. Maria Brígida de Miranda, com o título Música para ver, teatro para ouvir: quando o repertório sonoro se torna a dramaturgia da cena. Como etapa conclusiva do Curso de Licenciatura em Educação Artística - Habilitação em Artes Cênicas, do Centro de Artes, da Universidade do Estado de Santa Catarina.

2 Por uma questão de terminologia justifico a utilização do termo “repertório sonoro na cena”, ao

invés do comumente utilizado “sonoplastia”, não apenas por acreditar ser o mais adequado, como também para criar uma identidade própria do tema que adapto à pesquisa que desenvolvo. Maiores detalhes da justificativa dessa terminologia podem ser encontrados ao longo desta pesquisa, como também na minha monografia Música para ver, teatro para ouvir: quando o repertório sonoro se torna a dramaturgia da cena por meio do endereço eletrônico: www.pergamumweb.udesc.br

3 A O’ctus Cia. de Atos é uma companhia de dança contemporânea. Na época, além de bailarina

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selecionar músicas que correspondessem com a estética do espetáculo. Durante este processo percebi que a composição de um repertório sonoro vai muito além da seleção de músicas para a cena. A partir desta percepção nasceu o desejo de estudar, na prática e na teoria, as funções e possibilidades do som na cena teatral.

O meu contato com um trabalho cênico em específico atuou como agente desencadeador de meus futuros estudos. Em 2005 presenciei em Florianópolis o

espetáculo O Cano, do Circo Teatro Udi Grudi de Brasília, reconheci neste

trabalho uma proposta sonora bastante peculiar e detalhado em meio à cena teatral. Com o interesse por esta estética, optei pelo Circo Teatro Udi Grudi e pelo espetáculo O Cano como objetos de pesquisa de minha monografia de Conclusão de Curso da graduação. Em abril de 2007, de 19 a 22, tive a oportunidade de participar em Brasília do evento de comemoração relativo aos vinte e cinco anos de existência do Circo Teatro Udi Grudi. Deste encontro extraí a concepção da minha monografia e levantei também discussões a respeito do tema repertório sonoro na cena teatral e suas ramificações.

Três anos se passaram e a aspiração de pesquisar o Circo Teatro Udi Grudi se manteve por causa da proposta sonora que este grupo incorpora em seus espetáculos teatrais. Como o objetivo central deste estudo trata da possibilidade do elemento sonoro se tornar o condutor da dramaturgia da cena, reconheço nos espetáculos do Circo Teatro Udi Grudi que o som em sua cena carrega essa função. Por meio, então, da cena do Circo Teatro Udi Grudi, desenvolvo o termo “dramaturgia sonora”. Este termo está apenas citado, porém

não elaborado, pelo músico e pesquisador Lívio Tragtenberg4 em seu livro Música

de cena (2008).

Trabalhei o termo “dramaturgia sonora” na minha monografia de TCC, porém não o aprofundei enquanto conceito. Nesta dissertação pretendo discuti-lo com maior profundidade. Além de refletir sobre as teorias de Tragtenberg e

4 Livio Tragtenberg nasceu em São Paulo. Recebeu bolsas de composição de Vitae e

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demais pesquisadores sobre o assunto, pretendo exemplificar as possibilidades da dramaturgia sonora por meio de descrições e discussões a respeito do repertório sonoro desenvolvido pelo Circo Teatro Udi Grudi em seus espetáculos.

Para o desenvolvimento dos conceitos teóricos sobre repertório sonoro na cena teatral, além das teorias elaboradas por Tragtenberg, apóio-me nas

pesquisas de Roberto Gill Camargo5. O autor publicou dois importantes livros

sobre o elemento sonoro no teatro: Sonoplastia no teatro (1986) e Som e cena

(2001). Além de Tragtenberg e Gill Camargo, o professor da UFMG, Luiz Otávio

Carvalho Gonçalves de Souza6 também desenvolveu sua tese pela ECA-USP, em

1999, direcionada ao tema repertório sonoro na cena teatral. Outros materiais teóricos como dissertações, monografias e artigos também foram analisados para dar suporte à este estudo. Para reforçar o conteúdo teórico da pesquisa contei também com publicações de autores como José Miguel Wisnik que, em sua obra O som e o sentido (2009), reflete sobre a questão sonora presente no quotidiano. Murray Schafer foi outro teórico de suma importância neste estudo. Este autor teorizou a respeito do conceito “paisagem sonora” na obra A afinação do mundo (2001), e pesquisou sobre a diversidade sonora no espaço contemporâneo em seu livro O ouvido pensante (1991).

O material de análise dessa dissertação foi coletado em pesquisa de campo que realizei no período de 21 a 24 maio de 2010, em Brasília/DF e em Jataí/GO. Fui convidada pelo próprio grupo a acompanhá-los em um evento proposto por funcionários da Receita Federal de Jataí. Os integrantes que participaram da viagem, Luciano Porto, Marcelo Beré e Márcio Vieira, realizaram uma apresentação sobre seu trabalho, e não um espetáculo específico. Esta apresentação, assim como o novo encontro com o grupo, rendeu materiais para a elaboração do relato e pesquisa de campo dessa dissertação, somado ainda ao conteúdo que possuo sobre o grupo desde 2007.

5 Roberto Gill Camargo pesquisa sobre iluminação e sonoplastia teatral. É doutor em

Comunicação e Semiótica, foi professor de Lighting Design na ESMAE/Instituto Politécnico do Porto em 2004, leciona iluminação no curso de Graduação em Teatro da Universidade de Sorocaba-SP e nos cursos de treinamento aos iluminadores de teatros do SESI-SP. Fonte:

www.seminaluz.com/pal_vis.aspx?id=26 em 15 jun 2010.

6 Diretor e pesquisador teatral, doutor em Artes Cênicas pela USP-SP (2000), com estudos sobre

direção teatral e sonoplastia. Professor nos cursos de graduação e pós-graduação da Escola de Belas Artes da UFMG, na área de Artes Cênicas. Fonte:

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Entre 24 de maio e 06 de junho de 2010 também realizei pesquisas de campo. Neste período realizei coleta de material teórico sobre repertório sonoro na cena teatral em bibliotecas de universidades e instituições públicas de São Paulo e Rio de Janeiro, especificamente na PUC-SP, UNESP, Centro Cultural São Paulo e UNIRIO. Houve a tentativa de pesquisar nas bibliotecas universitárias da ECA-USP e UnB-Brasília, porém ambas encontravam-se em greve.

Para a escrita desta dissertação divido o trabalho em três capítulos. No primeiro capítulo elaboro a questão teórica do tema repertório sonoro na cena teatral. Discuto a importância e as funções do repertório sonoro na cena teatral, bem como o trabalho do compositor do repertório sonoro e as possíveis etapas do seu processo de composição. Neste capítulo abordo ainda as possibilidades do repertório sonoro na cena, focando tanto o sentido estético quanto técnico dessas possibilidades. Em um subitem desse capítulo, descrevo, como exemplificação, o processo de construção do repertório sonoro que compus para o espetáculo Retrato de Augustine (2010).

No segundo capítulo desenvolvo o conceito de “dramaturgia sonora”, a partir dos trabalhos do Circo Teatro Udi Grudi. Analiso o termo “dramaturgia sonora” com relação ao contexto de trabalho do grupo em questão. Aqui exponho a história do grupo, os processos de criação de seus espetáculos, o trabalho da diretora Leo Sykes e dos atores de seu elenco e, por fim, a construção e utilização dos instrumentos musicais do grupo em suas montagens.

No terceiro capítulo desenvolvo uma análise detalhada dos três

espetáculos do Circo Teatro Udi Grudi selecionados para este trabalho: O Cano

(1998), O Ovo (2003) e A Devolução Industrial (2010). Nesta análise procuro

apontar as possibilidades de exploração e confecção do som na cena a partir dos focos de análise levantados no primeiro capítulo, e relacionar os três espetáculos ao termo “dramaturgia sonora”, trabalhado no segundo capítulo.

Dentre diversas funções do som na cena teatral, discuto nesta dissertação que, quando o repertório sonoro é responsável pela condução da dramaturgia da cena, várias funções e possibilidades sonoras são exploradas para a cena teatral. E para apoiar essa afirmativa é que desenvolvo os estudos a respeito dos

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uma vez que a elaboração do repertório sonoro como condutor da dramaturgia da cena é uma das principais características presentes nos trabalhos deste grupo.

O ato de pesquisar a respeito do repertório sonoro da cena teatral é relevante pela carência de publicações e bibliografias no Brasil sobre este assunto. Muitas vezes, o compositor de repertório sonoro encontra-se sem materiais que possam servir como apoio e base de seu trabalho. São inúmeras as possibilidades de exploração e criação do repertório sonoro em um espetáculo cênico, e quanto maior o acesso do compositor ao material teórico que contribua

com sua prática, maior será a diversidade de sua experimentação. Como

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CAPÍTULO 1 – UM POUCO DE TEORIA PARA OUVIR/VER MELHOR O SOM DA CENA

A arte, independente de sua vertente, pode atingir seu público por diversas direções, provocar variadas emoções por meio de qualquer um dos cinco sentidos. Essa dissertação, produzida no âmbito da pesquisa artística teatral, foca na questão sonora e o que esta vertente é capaz de oferecer. Para o conteúdo deste primeiro capítulo desenvolvo a questão do repertório sonoro da cena teatral como conceito, funções e possibilidades de sua criação. Neste capítulo estabeleço um arcabouço de pressupostos teóricos e reflexivos que são fundamentais para a percepção e articulação de meu objeto de estudo, o som e a cena teatral. Observo, portanto, que a estrutura teórica aqui desenvolvida é subsidiária para melhor explanação de meu objetivo central de análise, qual seja, o estudo da dramaturgia sonora nos espetáculos do Circo Teatro Udi Grudi.

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1.1 CONCEITUANDO REGISTROS E FRAGMENTOS SONOROS

Ao estudar o elemento sonoro teatral deparei-me com a necessidade de criar um nome específico para ele, uma vez que percebi que termos como sonoplastia, trilha sonora, música de cena, dentre outros, não correspondiam exatamente com o que eu pensava em relação a toda a diversidade e ao universo sonoro que um espetáculo cênico é capaz de comportar. O termo não tardou a aparecer, sua origem vem do subtítulo de um capítulo do livro Som e cena (2001) de Roberto Gill Camargo, intitulado como “Repertório sonoro” (p. 67). Em 2007, ano em que comecei a teorizar sobre o tema, passei a utilizar o termo “repertório sonoro da cena teatral”. Acredito que o termo “repertório sonoro” abrange todo e qualquer tipo de sonoridade executada em cena.

A reflexão de Camargo (2001) a respeito deste termo não condiz com a denominação do elemento sonoro na cena teatral propriamente dito. No entanto ele sugere, por meio do subtítulo "Repertório Sonoro", uma reflexão a respeito do repertório sonoro que cada pessoa carrega consigo, como um registro, uma memória sonora.

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Quando nos colocamos em lugares ainda não vivenciados a nossa audição parece estar mais atenta para perceber o registro sonoro desse novo lugar, ampliando desse modo o nosso repertório sonoro. O músico experimental

Giuliano Obici, em seu livro intitulado Condição da escuta (2008), discute a

questão do registro sonoro como o som enquanto um objeto externo que, a partir do momento que estabelecemos contato, ele se instaura em nossa consciência. “Quando ouvimos um som ‘externo’, ele se faz ‘interno’, existindo em nossa consciência, a partir de quando o percebemos. Ele existe simultaneamente fora e dentro de nossa consciência” (Obici, 2008, p.28). Nessa colocação o autor propõe uma incorporação do som, unindo o mundo externo ao interno.

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direcionar nosso foco de atenção para apenas um desses sons, tornando os demais secundários, ou ainda ouvir a todos sem atender a um som específico e sentirmos certo desconforto auditivo. É dessa maneira, sem muitas ordens a serem respeitadas, que se forma o repertório sonoro da cena, uma série de registros, organizados e divididos em fragmentos, em que o seu todo forma o repertório sonoro da cena teatral.

1.2 DIÁLOGOS ENTRE ELEMENTOS CÊNICOS E REPERTÓRIO SONORO

A inter-relação dos elementos cênicos7 numa montagem teatral se

desenvolve numa espécie de diálogo, como se pudessem compartilhar algo uns com os outros. Dessa maneira, determinado elemento cênico pode contribuir para a criação dos demais elementos da cena. O artista responsável por um desses elementos, geralmente absorve influências de outros durante a concepção de seu trabalho. A partir deste procedimento, a equipe criadora passa a perceber uma comunicação geral entre os elementos cênicos em meio à concretização da obra. Com relação a esse contexto, Luiz Otávio Carvalho Gonçalves de Souza afirma que: “todos esses elementos são significativa e igualmente responsáveis pela eficácia da articulação geral da interação comunicativa da representação teatral” (1999, p. 114). E ainda alerta para o risco que a falha ou a falta de um elemento cênico pode provocar na leitura/compreensão de uma obra:

[...] por falta da existência ou da articulação adequada de um dos signos, uma cena teatral pode ser lida ou interpretada muito diferente da forma planejada, induzindo o espectador [...] a conclusões nefastas àquelas pretendidas pela equipe artística (Souza, 1999, p. 114).

7 Utilizo o termo “elemento cênico” nesta dissertação como parte ou ferramenta cênica que

compõe a obra teatral. Optei pela utilização do termo a partir da definição da palavra “elemento” que consiste em: “Cada uma das partes integrantes e fundamentais de uma coisa.” Fonte: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=elemento.

Acesso: 15 nov 2010. Ou ainda: “s.m. Cada objeto, cada coisa que concorre com outras para a formação de um todo: os elementos de uma obra”. Fonte:

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Outra característica que podemos visualizar com relação à comunicação entre os elementos cênicos é a sua conexão, bem como os pontos onde eles se cruzam e se apóiam. Um elemento cênico pode tanto indicar a inserção de outro elemento na cena, como também, com relação ao seu propósito, pode reforçar ou contrapor o que o outro elemento pretende comunicar. No espetáculo Retrado de Augustine8, por exemplo – que estreou em 2010 em Florianópolis / SC –, do qual

compus o repertório sonoro, a primeira imagem do espetáculo (após a projeção e música de abertura) corresponde a uma imagem de um olho de um homem projetada num grande tecido que atravessa o palco numa linha horizontal. O início da projeção dessa imagem indica a mudança do fragmento sonoro de abertura para o fragmento da primeira cena, a música escolhida para essa projeção reforça o propósito da imagem. Este fragmento sonoro, por sua vez indica a intensidade gradativa do acionamento do foco de luz direcionado ao palco. A saída da projeção e do som em fade out indica a primeira ação do ator, que corresponde num estalar de dedos para avisar que neste momento estará tirando um retrato, junto com o dizer da palavra “Agora!”. Este gesto de estalar os dedos indica ao iluminador para fazer com que o refletor pisque em forte intensidade, simbolizando o flash de sua câmera fotográfica, fazendo assim com que o recurso da iluminação não apenas reforce a contextualização da cena como também complemente a ação do ator.

O exemplo acima permite perceber o cruzamento entre os elementos cênicos a partir da atenção de um integrante da equipe com relação aos demais integrantes, para saber o exato momento da inserção de sua criação na obra.

Levando em consideração que o teatro propõe a possibilidade de aguçar os cinco sentidos do espectador, dependendo da sua proposta, direciono a atenção neste momento ao estímulo dos dois sentidos que o púbico primordialmente experencia: a visão e a audição. Em uma montagem cênica a fusão entre som e imagem, quando bem planejados e executados, sugere infinitas combinações e, consequentemente, diversas informações para quem a presencia. Há uma estreita relação entre o que se vê e o que se ouve, como se não

8Retrato de Augustine é um espetáculo teatral, vencedor do prêmio FUNART Mirian Muniz / 2008,

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houvesse possibilidade de separar um do outro. O pesquisador teatral Roberto Gill Camargo afirma haver uma dependência entre som e imagem num espetáculo cênico: “Essa inter-relação entre o que se vê e o que se ouve estabelece no palco um tal jogo de dependência, que é quase impossível falar de um elemento isoladamente, sem citar o outro” (2001, p. 55). O autor reflete também sobre a sustentação que um elemento possibilita oferecer ao outro.

O ver e o ouvir são processos que se complementam e se explicam entre si. Onde um gesto não consegue ir mais além, há sempre uma nota musical que vem completar o sentido, onde uma palavra não consegue chegar, há um corpo no espaço que é capaz de dizer tudo [...]. É como se fosse um processo de cooperação entre dois códigos, o visual e o sonoro e a conseqüente inter-relação entre seus subcódigos, se é que podemos chamá-los assim (cenário, luz, música, ruído, palavra, etc.) (Camargo, 2001, p. 55).

Podemos perceber que em uma montagem cênica os elementos sonoros e visuais dispõem de vários recursos que possibilitam a proposta de sua exibição ao público. Quantos aos recursos que se destinam à imagem podemos pensar, dentre os recorrentes, em cenário, figurino, iluminação, gestual dos atores; no caso dos recursos que sugerem som numa peça teatral, de imediato podemos pensar em música, efeitos sonoros (ruídos, por exemplo), vozes dos atores (tanto texto falado, quanto músicas cantadas), movimentação dos atores (gestos que proporcionam sons). Nesta dissertação pesquiso o elemento sonoro inserido no teatro, que o denomino como “repertório sonoro da cena teatral”.

1.2.1 “Repertório sonoro na cena teatral”: importância

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camuflado em meio à narrativa do espetáculo. Porém, em seguida, Tragtenberg atenta que o repertório sonoro inserido desta maneira não possibilita ao espectador a oportunidade de se colocar com uma postura crítica em relação ao que ele vê, a partir do que ouve. Tragtenberg aponta a superficialidade do elemento sonoro quando este contribui apenas com o fluxo narrativo do espetáculo, desperdiçando assim, a oportunidade de se mostrar autônomo e contrastante na cena.

Tornar o fenômeno sonoro imperceptível [...] objetiva com isso uma concentração da atenção do espectador na narrativa cênica, verbal ou visual, para estabelecer um maior controle no desenrolar do fluxo narrativo [...]. Mas essa desejada “neutralidade”, na maioria das vezes, é resultante de um filtro estreito na incorporação do som na textura e na narrativa geral, que procura evitar uma intervenção dispersiva ou bloqueadora, onde a linguagem sonora possa apresentar-se como um elemento autônomo, independente (Tragtenberg, 2008, p.13 e 14).

Nesta dissertação o objetivo é refletir como o repertório sonoro pode intervir diretamente em variados aspectos, sobre diversos formatos na cena. Apontar como este elemento, quando bem estudado, pode contribuir com tamanho efeito na montagem, onde só este – assim como cada elemento cênico tem suas particularidades – é capaz de causar determinadas reações e sensações no público.

O repertório sonoro pode interferir de maneira qualitativa na cena desde seu formato mais simples, até mesmo sobre a possibilidade de ele próprio ser o

condutor da dramaturgia9 do espetáculo. Este elemento pode assumir uma

postura com voz própria dentro da narrativa, e ser colocado como um elemento revelador, crítico, contrapontístico ou reflexivo perante a narrativa cênica. A inserção do som na cena suscita uma capacidade significativa e correspondente aos demais elementos de cena, mesmo que se apresente como um contraponto

9 O termo “dramaturgia” nesta dissertação é pautado a partir da teoria de Patrice Pavis. Em sua

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com relação a determinado elemento cênico. Dessa maneira o elemento sonoro apresenta-se disponível a dialogar com a iluminação, espaço, atuação do elenco, dentre outras possibilidades cênicas. Com relação ao elemento sonoro e sua possibilidade de comunicação, Souza (1999, p. 78) reflete sobre como é "[...] necessário que a trilha sonora planejada seja fruto de uma pesquisa significativa para a compreensão total do espetáculo, é preciso que ela esteja integrada à peça de acordo com os propósitos estéticos da concepção de encenação da mesma.”

A partir do estudo geral da concepção da encenação, torna-se possível a visualização de como – enquanto formato ao vivo, ou gravado – e quando – enquanto inserção na cena – o som irá interagir com os demais elementos de cena e, acima de tudo, qual o propósito dessa interação. Tragtenberg discute a respeito da interação do repertório sonoro na cena e os trajetos que este elemento pode explorar.

É preciso que ela [a sonoplastia] explore os diferentes ângulos e que interfira com suas qualidades específicas na encenação como um todo [...]. De forma que sejam identificadas e exploradas de maneira diagonal as diversas camadas que compõe o fenômeno cênico (2008, p. 22 e 23).

Nessas palavras podemos perceber que autor sugere uma atenção a todas as direções pelas quais o repertório sonoro, definido pelo autor neste fragmento como sonoplastia, tem a possibilidade de interagir na cena. O que não significa, evidentemente, que o compositor do repertório sonoro encare essa atenção como uma missão de, a qualquer momento, colocar um fragmento sonoro na cena, correndo assim, o risco de super-nutrir o espetáculo de músicas e efeitos sonoros dos quais poderia tê-los deixado de lado. Por vezes optar pelo som que a própria cena produz é uma escolha sensata, uma vez que também faz parte do repertório sonoro a produção destes sons da cena – a voz do ator representando o texto dramático, o som dos passos dos sapatos no chão de madeira, o som produzido no manuseio do cenário e objetos de cena, todos estes, por exemplo, também compõem o repertório sonoro.

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a ele a oportunidade de explorar os sons que irão interagir com os demais elementos de cena. Essa interação, quando colocada em cena, poderá desencadear ao som, mesmo a um simples efeito sonoro, uma série de interpretações de seu significado em meio ao contexto que se insere. Um ruído, uma música, ou um instante de silêncio, podem representar uma informação bastante significativa para o espectador. Essa informação pode interferir na compreensão total do espetáculo para esse espectador.

A música, em princípio, comunica alguma coisa que não pode ser dita por palavras nem por outro meio que não seja ela mesma. Os demais sons, uma vez colocados em cena, também têm algo a comunicar. Não são como os sons da vida real, que podem ocorrer independentemente de nossa vontade e, muitas vezes, se colocam em posição secundária ou terciária em relação a nossa atenção perceptiva (Camargo, 2001, p. 64).

Com relação aos sons inseridos na cena, quando não em formato de música, Camargo propõe uma importante reflexão a respeito de determinadas características desses sons, ou no caso, efeitos sonoros, e como eles podem atingir de maneira significativa a compreensão do público que presencia o espetáculo teatral.

As palavras, por mais poderosas que sejam, não conseguem descrever, por exemplo, os detalhes que caracterizam os sons de uma enxurrada, de uma correnteza, ou de um crepitar de arbustos secos pegando fogo. Com apoio nas comparações, correspondências, associações e sinestesias, as palavras conseguiriam, quando muito, dar uma idéia de como seriam esses sons, porém nada que se compare a sensação de ouvi-los, com a mesma intensidade, suavidade, peso, colorido, ritmo e outras qualidades que são próprias do som. Percebemos daí, a diferença que há em lermos uma rubrica de texto teatral, com respeito a determinado som que deve entrar em cena e o efeito sonoro por ele mesmo, percutido na sonoplastia (Camargo, 2001, p.68).

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som limpo, compassado e suave, ou de uma compreensão auditiva codificada do espectador, como as palavras. O som pode apresentar um aspecto sujo, distorcido, sobreposto de ruídos, descompassado, com intensidade muito forte ou muito fraca de volume; contudo, independente da forma de como o som se apresenta, sua existência, geralmente, aspira por um propósito perante a narrativa da cena. Tragtenberg discute o tema referindo-se a essa função como “transparência” sonora na cena.

[A] transparência na informação sonora é essencial para a música de cena, para que ela crie um espaço aberto de diálogo com os outros elementos. Para que não se isole, concebendo totalmente o seu espaço no tempo. [...] sua textura deve estar ligada estreitamente à função na cena teatral, de forma clara e imediata (2008, p. 54).

Essa característica que corresponde às possibilidades de diálogos entre os elementos cênicos, oferece ao repertório sonoro um amplo formato de construção. Ao mesmo tempo em que o repertório se corresponde com os demais elementos cênicos, a sua composição está livre para ser realizada num flexível campo de criação. O compositor pode variar as faixas, ou fragmentos sonoros, em tempo de duração, ritmo, timbres. Ele tem a possibilidade de realizar sua criação livre de seguir uma linearidade sonora correspondente entre um fragmento e outro, ou permanecer submisso ao tempo da cena, ou somente às referências que esta propõe. Diversas fontes podem servir de estímulo como sustentação de seu trabalho, atribuindo a este destacada capacidade de informação, enriquecedora para a obra cênica.

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é obrigado a respeitar. O importante mesmo é que o elemento sonoro contribua e faça diferença no desempenho dramatúrgico da cena. Partindo deste fato, fica clara a necessidade de conhecimento e experimentação das diferentes e inúmeras possibilidades que os fragmentos de um repertório sonoro podem propor à cena.

1.3 UMA BREVE PASSAGEM PELOS QUATRO FORMATOS DO ELEMENTO SONORO: A MÚSICA, O SOM, O RUÍDO E O SILÊNCIO

Para essa dissertação, foi possível realizar um levantamento a respeito dos formatos que compõem o elemento sonoro. As bases teóricas que serviram de suporte para analisar este tema encontram-se essencialmente nos estudos de José Miguel Wisnik e R. Murray Schafer. Este estudo propõe que o elemento sonoro, quando voltado para a cena teatral, é composto por quatro formatos que servem de base de composição do repertório sonoro. Estes formatos distinguem-se em: música, som, ruído e silêncio.

A música é a capacidade de reproduzir sons num formato organizado, mesmo que algumas pareçam apresentar certa desordem em sua organização. Até a música, no caso uma gravação, chegar aos nossos ouvidos, por meio de qualquer aparelho eletrônico, ela foi escrita, arranjada em cada instrumento musical que a compõe, gravada ao vivo ou em estúdio, processada em estúdio até atingir seu formato sonoro ideal, para daí sim, ser lançada da forma que o artista escolher. As pessoas, a partir daí, escolhem as músicas que querem ouvir e as apreciam, e é possível perceber nessa apreciação um grande envolvimento social da utilização desse recurso sonoro, assim como a intensidade de sua presença na sociedade em geral. Wisnik elaborou profunda reflexão a respeito da música na sociedade.

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harmonizada e/ou, ao mesmo tempo, a mais bem acabada representação ideológica (simulação interessada) de que ela não tem conflitos (1989, p 33 e 34).

A música está presente em representações sagradas, em rituais; a música é adorada, é vivida, é sentida. A música se permite transitar por entre espaços, frestas, tomar conta de todo um ambiente e, ainda assim, atravessa a quem se coloca diante dela. É o membro virtuoso do quarteto que compõe o elemento sonoro – som, silêncio, música e ruído – que permeiam e predominam no mundo sonoro baseado entre barulho e silêncio.

A música extrai som do ruído num sacrifício cruento, para poder articular o barulho e o silêncio do mundo. Pois

articular significa também sacrificar, romper o continuum da

natureza, que é, ao mesmo tempo, silêncio ruidoso. (como o mar, que é, nas suas ondulações e no seu rumor branco, frequência difusa de todas as frequências) (Wisnik, 1989, p. 35).

As palavras de Wisnik a respeito da música são importantes por proporem uma reflexão sobre como a música é um elemento presente e significativo nas sociedades. Em torno desse pensamento, proponho neste momento refletir, brevemente, sobre a questão do som, do silêncio e do ruído, pelo viés de Wisnik, apoiada nas teorias de Schafer. Considero esses três termos, junto com a música, importantes de serem mencionados. Uma vez que o tema sugere a reflexão do elemento sonoro no teatro, logo é significativa a discussão, sobre características de base da sua formação.

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espaço, que parece impossível nos depararmos num momento de silêncio absoluto. O músico John Cage (1912-1992), vivenciou a experiência, nos Estados Unidos em 1973, de se fechar em uma cabine à prova de qualquer som com o objetivo de perceber a legítima presença do silêncio, porém neste espaço, sem nenhuma interferência sonora externa, pode ouvir o som grave de sua pulsação sanguínea e o agudo de seu sistema nervoso.

Na reflexão de Wisnik sobre som e silêncio, o autor comenta que um encontra-se envolto no outro. Além de nos oferecer um raciocínio sobre a estrutura espacial que interfere nessas duas qualidades sonoras, se pensarmos que só existe silêncio porque existe som, logo podemos concluir que o silêncio é tanto uma qualidade do evento sonoro quanto o próprio som.

O som é presença e ausência, e está, por menos que isso pareça, permeado de silêncio. [...] O mundo se apresenta suficientemente espaçado (quanto mais nos aproximamos de suas texturas mínimas) para estar sempre vazado de vazios, e concreto de sobra para nunca deixar de provocar barulho (Wisnik, 1989, p. 18 e 19).

Com relação a uma explanação que diferencia brevemente, por meio metafórico, a questão do som, exemplificando este como música, ruído e silêncio, Wisnik nos propõe uma imagem bastante clara para compreendermos melhor as relações e características peculiares de cada uma dessas qualidades sonoras.

O rádio é uma boa metáfora para que se entendam as relações entre som, ruído e silêncio, em seus muitos níveis de ocorrência. Como no rádio, o silêncio é um espaçador que permite que um sinal entre no canal. O ruído é uma interferência sobre esse sinal (e esse canal): mais de um sinal (ou mais de um pulso) atuam sobre a faixa, disputando-a (o ruído é disputando-a misturdisputando-a de fdisputando-aixdisputando-as e de estdisputando-ações). O som é um traço entre o silêncio e o ruído (nesse limiar acontecem as músicas) (Wisnik, 1989, p.33).

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apresenta de forma desagradável aos ouvidos, pode feri-los se for muito forte a intensidade de seu volume, ou muito aguda a tonalidade que carrega.

A reflexão de Schafer (1991, p. 68 e 69) com relação ao ruído, nos mostra o seguinte:

Ruído é o som indesejável. [...] é a estática no telefone ou o desembrulhar balas do celofane durante Beethoven. [...] é qualquer som que interfere. É o destruidor do que queremos ouvir. Schopenhauer disse que a sensibilidade do homem para a música varia inversamente de acordo com a quantidade de ruídos com a qual é capaz de conviver. Ele quis dizer que, quanto mais selecionamos os sons para ouvir, mais somos progressivamente perturbados pelos sinais sonoros que interferem (por exemplo, o comportamento de um auditório barulhento num concerto).

Todos nós sabemos o quanto um ruído pode ser indesejável aos ouvidos, porém se o analisarmos inserido num contexto artístico, especificamente contextualizado como um fragmento de um repertório sonoro, ele pode se tornar

uma comunicação muito útil à cena. No espetáculo Retrato de Augustine, como

exemplo, compus um fragmento sonoro para uma das cenas em que todo ele foi registrado e organizado a partir de uma série de ruídos. Este fragmento sonoro serve para dialogar com a personagem central da narrativa que vivencia momentos de ataques de surtos histéricos. Os ruídos, nessa cena, serviram como materialização do que esta personagem ouve nos momentos de seus ataques.

1.3.1 O escorregadio conceito de paisagem sonora

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cotidiano. O som que acompanha o espaço, ou o som que surge do espaço e nele se estabelece. Porém, esses são pontos que vão além: descrever, registrar, denominar e reproduzir uma paisagem sonora são ações bastante complexas de serem realizadas. Schafer comenta sobre essa complexidade ao discutir o termo em suas teorias.

Podemos isolar um ambiente acústico como um campo de estudo, do mesmo modo que podemos estudar as características de uma determinada paisagem. Todavia, formular uma impressão exata de uma paisagem sonora é mais difícil do que uma paisagem visual. Não existe nada em sonografia que corresponda à impressão instantânea que a fotografia consegue criar. [...] O microfone não opera dessa maneira. Ele faz uma amostragem de pormenores e nos

oferece a impressão semelhante a de um close, mas nada

que corresponda a uma fotografia aérea (2001, p.23).

Schafer nos mostra a dificuldade de descrever uma paisagem sonora. Uma partitura musical, por exemplo, é composta por símbolos dos quais são possíveis traduzir em sons. Pois trata-se de uma estrutura elaborada a partir de um determinado número de notas musicais, organizadas em uma pauta, sugerindo o compasso, a tonalidade, as pausas, dentre demais qualidades. Quando a questão refere-se à possível leitura de uma paisagem sonora, neste instante percebemos sua complexidade. É impossível catalogar todos os sons reproduzidos no espaço, criar uma simbologia visual para cada um deles e organizá-los de maneira que se possa reproduzi-los a partir de uma leitura. E ainda, desdobrando esta questão, Schafer reflete sobre a frágil legitimidade de reproduzir uma paisagem sonora como a original. Mesmo com a tecnologia da gravação de áudio, é muito difícil encontrarmos registros exatos de todos os sons de um determinado lugar. Mais difícil ainda se a tentativa for de reconstruir uma paisagem sonora de um tempo e espaço histórico, onde o compositor tem de se contentar com registros literários que, certamente, não possuem um relato preciso sobre a sonoridade da época e do local pesquisado. Podemos refletir por meio das palavras de Schafer sobre o assunto.

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década, ou qual foi o crescimento da população, mas não sabemos dizer em quantos decibéis o nível de ruído ambiental pode ter aumentado em um período de tempo comparável. Mais que isso: os sons podem ser alterados, ou desaparecer e merecer apenas parcos comentários, mesmo por parte do mais sensível dos historiadores. Assim, embora possamos utilizar modernas técnicas de gravação e análise no estudo das paisagens sonoras contemporâneas, para fundamentar as perspectivas históricas teremos que nos voltar para o relato de testemunhas auditivas da literatura e da mitologia, bem como aos registros antropológicos e históricos (Schafer, 2001, p26).

No âmbito teatral, por exemplo, sabemos que nas representações das tragédias na Grécia antiga um recurso eficaz de ampliação da potência do volume da voz era justamente o coro que respondia ao ator utilizando-se de várias vozes ao mesmo tempo. Máscaras projetadas a fim de atingir maior trajetória auditiva também era um recurso, além da arquitetura do próprio teatro, construído pensado também em seu poder acústico. Porém, todos os registros desses recursos sonoros chegam até nós por meio de publicações teóricas e de imagens, não temos a menor noção de como esse som era propagado em si. Sabemos, inclusive, que o elemento sonoro dramático deste período teria de ser ouvido por um público de milhares de pessoas. Com relação a isso, temos de nos contentar com as imagens e os superficiais relatos históricos que tocam neste assunto, sem nunca sabermos ao certo qual o verdadeiro efeito sonoro representado em uma tragédia na Grécia antiga.

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[Paisagem auditiva trata-se] não apenas de reconstruir um meio ambiente ou uma atmosfera característica, mas sobretudo, de revelar a relação, o acordo ou a discordância, que liga a personagem ao que está em torno dela. Numa carta a Tchecov, datada de 10 de Setembro de 1898,

Stanislavski explica que está utilizando em A Gaivota o

coaxar dos sapos "exclusivamente para dar a impressão de um silêncio completo" (Roubine, 1982, p. 134).

Tragtenberg analisa o termo paisagem sonora como um recurso não-verbal que possibilita a compreensão de uma informação sem necessariamente recorrer ao uso da palavra. O autor ainda relaciona o termo com textura e timbre (cor) do som, dando ideia de sua densidade e postura em meio à cena teatral.

A ideia de paisagem sonora [...] utilizada amplamente no

cinema e na música para a dança, é cada vez mais frequente na cena teatral, influenciada pelas linguagens não-verbais na busca de um descondicionamento do tempo da

palavra. [...] A paisagem sonora é uma forma de textura

sonora que embute a ideia de que o sentido de totalidade vai se construindo passo a passo, cena a cena, pelo

espectador, [...] a estrutura básica da paisagem sonora

baseia-se numa estabilidade de textura, seja através do uso de um número restrito de timbres (cores), seja pela pontuação por eventos que se repetem em ciclos regulares (2008, p. 55 e 56).

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1.3.2 A voz – o som e a palavra

O elemento sonoro, seja ele apresentado em qualquer um dos seus quatro

possíveis formatos: ruído, som (efeito sonoro10), silêncio ou música, apresenta em

si várias características exclusivas que possibilitam serem organizadas e cadenciadas afins de atingirem determinadas sensações e emoções em quem os ouve. E saber como manuseá-las e explorá-las, quando se trata da construção de um repertório sonoro de cena, é possível transformar esse elemento em uma série de disposições que podem contribuir em todos os aspectos dentro da construção do processo de uma montagem teatral.

No caso da voz humana, volto à atenção não somente ao signo verbal que este recurso pode transmitir, como também ao som emitido pela palavra dita. Além da palavra em si, a voz também pode se apresentar em caráter de ruído (por exemplo, se o emissor pretende imitar o som de um rádio mal sintonizado), ou em caráter de efeito sonoro (quando o emissor da voz espirra, boceja, ou até mesmo emite um som desconhecido de decodificação).

Para esta pesquisa o som transmitido pela voz por vezes acarreta maior destaque do que seu significado enquanto palavra. Nos textos falados dos espetáculos do Circo Teatro Udi Grudi, por exemplo, podemos perceber que os sons das palavras ditas pelos atores muitas vezes tem maior destaque do que seus próprios significados.

Evidentemente, porém, não desconsidero ou subestimo a importância das palavras ditas nos espetáculos do grupo em questão, pelo contrário, reconheço o valor dos significados das frases emitidas e dos versos cantados pelos atores nas cenas. Para este estudo, no entanto, em alguns fragmentos direciono o foco para a relevância do som da palavra em meio ao contexto da dramaturgia sonora nos espetáculos do Circo Teatro Udi Grudi.

10Passarei a referir-me a esse formato sonoro (som) como efeito sonoro a partir desse momento,

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1.3.3 As qualidades do elemento sonoro

Há quatro características do elemento sonoro que permitem transformar a estrutura de seus formatos: duração, altura, intensidade e timbre. Me apoiarei na pesquisa de Luiz Otávio C. G. de Souza, e suas fontes, para ajudar a definir estas característica, uma vez que se tratam de termos difíceis de exemplificar, ou associar imagens a eles.

Comecemos pela duração. A ela corresponde o tempo em que o som é emitido, ou como observa Souza, a partir da teoria de Sérgio Magnani: “o período

de tempo do qual o som é captado pelo nosso ouvido” (Magnani apud, Souza

1999, p.60). Seu efeito pode proporcionar “sensações temporais virtuais, diferenciadas do tempo do relógio” (Souza, 1999, p. 60). A altura corresponde às tonalidades que um som pode alcançar, variando da qualidade sonora do grave ao agudo. O efeito da variação sonora correspondente à altura pode sugerir peso como referência de imagem: “pode desencadear impressões associadas, desde o peso da matéria, até levezas de almas mais sublimes” (Souza, 1999, p. 60). A intensidade é relacionada à variação de volume que corresponde à potência de um som, podendo diferenciá-la entre forte e fraco. Esta variação pode sugerir, enquanto intensidades fracas “impressões de suavidade e/ou profundidade” (Souza, 1999, p. 60) e quando fortes “um jorro de explosão proteínica e vital [...] ou a explosão mortífera do ruído como destruição” (Wisnik apud Souza, 1999, p. 60). E, por último o timbre, a ele se referem as cores do som, “dependem da forma das vibrações, mais ou menos regular, e consequentemente, da quantidade de sons harmônicos que convibram com o som fundamental e que nele contribuem com o acréscimo de sons complementares” (Magnani apud Souza, p. 60).

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como pensar o elemento sonoro em cena, quais são suas possibilidades e de que maneira podem ser explorados. Algumas sugestões técnicas e espaciais de como esses fragmentos sonoros podem ser trabalhados e inseridos em cena serão analisadas a seguir, ao serem discutidas algumas funções e possibilidades de repertório sonoro da cena teatral. E na sequência será exibido um relatório

detalhado do processo de composição do repertório sonoro da peça Retrato de

Augustine, como uma sugestão e possibilidade de construção de repertório sonoro da cena teatral.

1.4 FUNÇÕES E POSSIBILIDADES DO REPERTÓRIO SONORO DA CENA

A diversidade do elemento sonoro teatral sugere um enriquecimento à cena em todos os formatos que esta se apresenta. Um repertório sonoro, profundamente estudado e elaborado, ultrapassa os limites de uma simples ilustração auditiva inserida na cena, assim como assume maior responsabilidade do que servir de costura de transições de uma cena para outra. O elemento sonoro pode estar diretamente interligado aos demais elementos cênicos, e ao compositor do repertório cabe conhecer o objetivo de cada um deles na cena. Assim, ele encontra meios claros de como construir seu trabalho, ao mesmo tempo em que consegue visualizar o objetivo de sua produção artística na montagem. Souza salienta a importância de um dedicado estudo no processo de construção do repertório sonoro:

[...] músicas e efeitos sonoros não devem ser utilizados para mostrar recursos musicais de uma determinada montagem, nem para agradar a determinados espectadores e nem por simples gosto pessoal dos artistas envolvidos no espetáculo. É necessário que a trilha sonora planejada seja fruto de uma pesquisa significativa para a comunicação total do espetáculo, é preciso que ela esteja integrada a peça de acordo com os propósitos estéticos da concepção de encenação da mesma (1999, p. 77 e 78).

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também sugerir uma reflexão crítica do espectador diante a dramaturgia que presencia. Se o objetivo é provocar alguma emoção, o elemento sonoro geralmente está de acordo com as ações dos atores e com o texto que estes

estão representando. Em Retrato de Augustine, por exemplo, quando a

personagem Bernadete entra em cena chorando querendo compartilhar sua dor com a personagem Augustine, inseri como fragmento sonoro um melancólico e agudo som de violino, a fim de reforçar a emoção de tristeza trazida pela personagem Bernadete. Quando o objetivo do fragmento sonoro é contrastar com a cena, geralmente há uma quebra entre o ritmo do fragmento sonoro com relação ao ritmo da cena, ou a letra dos versos da canção contrapõe o texto falado pelos atores – se o fragmento sonoro, neste caso, for uma música que contem na sua estrutura versos cantados.

O encenador alemão, Bertolt Brecht (1898-1956), demonstrou profunda preocupação crítica nos versos cantados em canções relacionadas às cenas que apresentava em suas montagens cênicas. A partir da parceria com Kurt Weill (1900-1950), músico que compôs grande parte das canções das montagens de Brecht, o encenador dedicou às suas músicas a responsabilidade de propor ao público uma leitura crítica diante à cena assistida. Brecht intitulou as canções de

suas encenações como “Musica Gestus” (1967)11, referenciando, a partir deste

termo, o caráter crítico-político das músicas com relação à cena de suas

encenações. As músicas compostas por Weill para a obra A ópera dos três

vinténs (1928), são representantes de destaque da “Música Gestus”. Suas

estruturas foram construídas a partir de músicas de caráter popular12, o que

proporcionou a elas tamanha autonomia ao ponto de serem reconhecidas mesmo fora do contexto da obra.

Um exemplo contemporâneo que se assemelha à “Música Gestus” de

Brecht, pode ser presenciado no espetáculo Vinegar Tom, criado na disciplina de Montagem Teatral I e II da UDESC em 2007 e 2008 – também sob a direção de Brígida Miranda, que na época era professora da disciplina. O repertório sonoro

11 No livro Teatro Dialético: ensaios, edição de 1967, Brecht dedica um capítulo desta obra a

refletir sobre a música em suas encenações. Neste capítulo ele explica o termo “Música Gestus”, referindo-se à música da cena como uma das ferramentas de reflexão do conteúdo te seu teatro político.

12 Estilo musical denominado como songs (1967, p.83): músicas populares compostas para

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composto por Renata Swoboda e Claudia Mussi13 foi construído sobre duas

bases, paisagem sonora e músicas executadas por uma banda de mulheres em cena. A fábula do texto de Caryl Churchill, de 1976, “conta a história da caça às bruxas na Essex (Inglaterra) do século XVII sob uma ótica feminista” (Miranda & Mussi, 2008, p2). As músicas tocadas pela banda tinham o objetivo de se contrapor a dramaturgia da cena. Na montagem havia personagens femininas que, em cena, sofriam vários tipos de discriminação colocada de maneira cotidiana. O contraponto crítico era sugerido pela banda, a partir de uma estética musical inspirada no contexto brechtiniano, porém contextualizada num formato atual no ritmo de Rock. As sete músicas tocadas em Vinegar Tom sugeriam uma reflexão sobre os problemas enfrentados pelas mulheres no período do texto, possibilitando relacionar com os mesmos problemas enfrentados pelas mulheres no século XX, sendo ainda possível percebê-los em vários aspectos na atualidade.

O espetáculo Vinegar Tom é um dos diversos exemplos de como o

elemento sonoro pode interferir de maneira qualitativa numa montagem cênica. Seja essa contribuição de caráter emocional, crítica reflexiva, que dialogue a favor ou contra a cena representada pelos atores, o importante é que ele tenha uma postura ímpar no espetáculo e que transmita algo que somente o elemento sonoro pode representar.

O elemento sonoro na cena teatral por vezes pode ter o poder de intensificar tensões no público que a palavra e seus significados nem sempre atingem com a mesma precisão. Por meio desse pensamento é possível refletir sobre uma primordial função do repertório sonoro da cena teatral: transmitir ao espectador uma compreensão sensorial e/ou reflexiva na cena, de maneira em que apenas o formato sonoro possa comunicar. A música, como um dos formatos que compõe o elemento sonoro, por exemplo, carrega grande poder de sugestão, de variação emocional e sensorial em que a ouve. Este efeito depende das variações do ritmo e do andamento no qual a música desempenha durante sua execução. É comum a música de orquestra, por exemplo, possuir diferentes andamentos numa mesma obra, isso sugere, muitas vezes, diferentes maneiras

13 Renata Swoboda foi graduada pelo curso de Música da UDESC em 2009 e Claudia Mussi

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de recebê-la, possibilitando provocar emoções e sensações distintas, variadas conforme o andamento da música.

Na cena teatral, o elemento sonoro pode adotar a função de provocar diferentes emoções e sensações no público. Uma vez que o repertório sonoro não tem a obrigação de manter linearidade em seu estilo e andamento, a quebra dessas características pode ocorrer de um instante a outro durante uma cena, permitindo assim aguçar a experiência de diversas sensações e emoções no espectador. Sobre este assunto, Souza comenta: “dentre todas as características [da cena] responsáveis pelos vários reflexos emocionais e psicológicos, o jogo de tensões musicais parece ser o aspecto que mais se sobressai nas relações da música sem letra com a cena teatral.” (Souza, 1999, p.75)

Outra função bastante característica e eficaz que o repertório sonoro pode exercer na cena é a possibilidade de substituir ou prolongar algumas referências visuais por fragmentos sonoros. Contextualizar localizações cenográficas, inserir vozes de uma multidão de pessoas sem que estas estejam necessariamente presentes, são algumas das situações que podem ser resolvidas por meio do elemento sonoro. Camargo comenta como o elemento sonoro pode substituir, em alguns momentos, determinados elementos visuais.

O poder de representar elementos visuais e sonoros como objetos, lugares e seres, apenas por intermédio de sua contraparte sonora, chega a ser tão suficiente que, muitas vezes, o som vale pelo próprio cenário, a ponto de substituí-lo. [...] O teatro contemporâneo, aliás, apóia-se bastante nos recursos de luz e som como contraparte referencial, caminhando no sentido da síntese dos recursos cênicos e dos elementos significativos, muitas vezes conseguindo extrair dessa síntese mínima, um universo muito amplo de significação” (2001, p.87).

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desses espaços pode garantir a boa execução do elemento sonoro da montagem. Por vezes, optar por estruturas sonoras simples podem render soluções bastante apropriadas. Pequenos detalhes técnicos sonoros são capazes de produzir efeitos precisos para a compreensão da cena.

Variações em dimensões e profundidades sonoras podem ser planejadas a partir do posicionamento das caixas de som, assim como na alternação da potência do volume dos fragmentos sonoros. Podemos perceber este efeito sonoro em uma cena, por exemplo, em que o ator representa a ação de estar caindo em um precipício, onde o público não consegue ver o chão, e este emite um longo grito que, gradativamente perde seu volume, proporcionando a sensação de grande profundidade da queda. Esse tipo de efeito também pode ser explorado por meio de aparelhagem sonora eletrônica e, além do volume, a variação gradativa da tonalidade sonora pode proporcionar sensação semelhante. Como o exemplo de um ator que acompanha com o olhar o lançamento de um míssil desde sua origem até a explosão do alvo, porém toda a trajetória deste objeto é representada sonoramente. O som do lançamento começa com uma tonalidade bastante aguda e gradativamente fica mais grave até o apocalíptico som da explosão.

Além da exploração sonora a fim de variar diversos pontos referenciais no espaço, assim como a experimentação de diferentes dimensões e profundidades do som na cena, o elemento sonoro também pode propor a variação da dimensão do tempo do espetáculo. Essa variação sugere um ritmo temporal diferente do cronológico. Um fragmento sonoro em formato de música, com um andamento muito lento, composto por timbres graves e prolongados, podem sugerir a sensação de que a cena durou mais tempo do que o cronológico em que esta foi executada. Assim como a sucessão de fragmentos sonoros que quebram o ritmo frequentemente, geralmente executados num andamento acelerado, alternando trechos de músicas com efeitos sonoros, essa composição sonora pode sugerir uma sensação de que o tempo passou mais rápido do que o tempo cronológico real.

Referências

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