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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO MESTRADO EM TEATRO

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO

MESTRADO EM TEATRO

LOREN FISCHER SCHWALB

O TEATRO NAS RUAS DE LAGES:

Reconstrução do imaginário cênico em espaços públicos - As experiências do Grupo Gralha Azul (1970) e do Grupo de Teatro

Menestrel Faze-dô (1990) -

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LOREN FISCHER SCHWALB

O TEATRO NAS RUAS DE LAGES:

Reconstrução do imaginário cênico em espaços públicos - As experiências do Grupo Gralha Azul (1970) e do Grupo de Teatro

Menestrel Faze-dô (1990) -

Dissertação apresentada ao Programa de Pós – Graduação em Teatro (Mestrado) do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre.

Orientadora: Profa. Vera Regina Martins Collaço, Dra.

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LOREN FISCHER SCHWALB

O TEATRO NAS RUAS DE LAGES:

Reconstrução do imaginário cênico em espaços públicos - As experiências do Grupo Gralha Azul (1970) e do Grupo de Teatro

Menestrel Faze-dô (1990) –

Esta dissertação/tese foi julgada aprovada para a obtenção do Título de Mestre em Teatro, na linha de pesquisa: Teatro, Sociedade e Criação Cênica, em sua forma final pelo Curso Mestrado em Teatro, da Universidade do Estado de Santa Catarina, em 17 de agosto de 2009.

Banca Examinadora:

Orientadora:____________________________________________________ Profª Vera Regina Martins Collaço, Drª

Membro:_______________________________________________________

Prof Narciso Telles (parecerista externo), Dr

Membro:________________________________________________________

Prof. André Antunes Netto Carreira , Dr

Suplente:________________________________________________________

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AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Pós – Graduação em Teatro – PPGT, pela bolsa concedida através do PROMOP, sem a qual a realização desta pesquisa teria sido muito difícil.

Aos professores do Programa em especial ao Prof. Dr. Nini Beltrame, que na disciplina de Metodologia da Pesquisa me ensinou como organizar as informações e deste modo escrever uma dissertação. Também por ter me cedido uma caixa com inúmeros documentos a respeito da história do grupo Gralha Azul, de onde descobri grande parte da história, muito obrigada.

Ao Professor Dr. José Ronaldo Faleiro, pelo apoio e incentivo de sempre;

A professora Dra. Vera Collaço, pela orientação, pela parceria, pela paciência, pela generosidade e pelo incentivo de sempre. Orientação imprescindível para que este trabalho se realizasse, sem a presença desta orientadora brilhante, creio que nada teria acontecido;

Ao Grupo Menestrel Faze – dô, que sempre me recebeu de braços abertos, nas pessoas de Guiguí Fernandes e Márcio Machado, pela paciência de selecionar material para me repassar, responder às entrevistas, e pelas inúmeras conversas de sempre, sobre teatro e sobre a vida;

À Sérgio Gregório e Gilmar Costa, por terem concedido as entrevistas que foram muito úteis na construção do trabalho;

A Lôtta Lotar Cruz, por ter gentilmente cedido materiais e uma pasta de recordação com documentos do Grupo Gralha Azul;

Aos meus companheiros do Grupo de Pesquisa, Leon de Paula, Ivo Godois, Laura e Vivian Coronato, com os quais compartilhei aflições e conquistas, também muitos encontros de estudo, leituras e discussões, todos estes momentos foram muito importantes para a realização desta pesquisa.

Ao André Francisco, por dividir comigo minha vida e compreender momentos difíceis no processo da pesquisa, sempre auxiliando e incentivando meu trabalho;

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A Teca, Nelson, Deise, Fábio e Tales por cuidarem do Francisco quando eu precisei e pelo apoio de sempre;

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SCHWALB, Loren Fischer. O teatro nas ruas de Lages: Reconstrução do imaginário cênico em espaços públicos - As experiências do Grupo Gralha Azul (1970) e do Grupo de Teatro Menestrel Faze-dô (1990) – Dissertação (Programa de Pós – Graduação em Teatro – Mestrado). Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, 2009.

Resumo

Esta pesquisa busca refletir sobre a modalidade do teatro de rua, através de três pontos – chave: o ator, a cidade e o público. Este estudo propõe desenvolver um resgate da prática do teatro de rua em Santa Catarina através da investigação da trajetória de dois coletivos: O grupo Gralha Azul e o grupo Menestrel Faze - dô, ambos da cidade de Lages/SC. A estrutura deste trabalho está dividida em três capítulos que apresentam a história de cada um destes grupos e as diferentes maneiras de execução do teatro de rua. No capítulo primeiro a cidade de Lages é descrita, desde sua fundação até a década de 1970, data em que surge o Grupo Gralha Azul. Neste capítulo apresenta-se a história do teatro nesta cidade e o surgimento deste coletivo. No segundo capítulo é contemplada a história do grupo Menestrel Faze –dô, que surge na cidade de Lages na década de 1990. Por fim, o capítulo terceiro aborda a relação entre estes dois coletivos, tanto nos pontos em que se assemelham quanto nos que se diferenciam através da análise de suas práticas. São também abordados neste último capítulo os conceitos de teatralidade e imaginário, atrelados à experiência do teatro de rua, além da análise de alguns depoimentos do público e a descrição das poéticas de cada um destes coletivos.

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SCHWALB, Loren Fischer. O teatro nas ruas de Lages: Reconstrução do imaginário cênico em espaços públicos - As experiências do Grupo Gralha Azul (1970) e do Grupo de Teatro Menestrel Faze-dô (1990) – Dissertação (Programa de Pós – Graduação em Teatro – Mestrado). Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, 2009.

Abstract

The purpose of the present work is to consider the modality of street theatre through the analysis of its three key elements: the actor, the city and the audience. This paper proposes a recovering of the street theatre practice in Santa Catarina by researching the career of two local collectives: Grupo Gralha Azul and Grupo Menestrel Faze-dô, both from the city of Lages-SC. The work is divided in three chapters to present each group's history and the different approaches to street theatre making. The first chapter describes Lages from its founding to the decade of 1970, when Grupo Gralha Azul came up to the scene. This chapter presents the city's history as well as the beginnings of that collective. The second chapter focus on the career of Grupo Menestrel Fazê-dô, active during the 1990s in Lages. The final chapter establishes connections between both groups, examining the differences and the similarities in terms of their practices. This chapter also presents the concepts of theatrality and imaginary linked to street theatre experiences, analyses testimonials from the audience and describes each collectives' poetics.

Keywords: Theatre in Santa Catarina. History of Theatre. Actor. Audience. City.

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Lista de Imagens _____________________________________________10

INTRODUÇÃO ____________________________________________12

CAPÍTULO I A CIDADE COMO ESPAÇO DE REPRESENTAÇÃO________20

1.1 Lages: processo de urbanização e constituição do espaço urbano_____________________________________________________22 1.1.1 Lages: o sonho de modernidade e a prática teatral_______________24 1.1.2 Lages: o teatro de rua como instrumento para o desenvolvimento da

cidade e do cidadão______________________________________30 1.1.3 A trajetória do grupo de teatro gralha azul: primeiro grupo de teatro a

ocupar as ruas da cidade de Lages como espaço teatral___________36 1.2.1 A mudança tem início_______________________________________40 1.2.2 Em ação os projetos de popularização do teatro__________________42 1.2.3 A rua: o espaço cênico vital para o grupo_______________________45

CAPÍTULO II A CONSTRUÇÃO ATORAL NO TEATRO DE RUA_________59

2.1 A trajetória do grupo menestrel faze-dô__________________________62 2.1.1 Os quatro menestréis a procura de um caminho__________________66 2.1.2 Os menestréis buscam seu caminho sozinhos___________________69 2.2 Experiências de dramaturgia e atuação na rua____________________71 2.2.1 Histórias de Amor_________________________________________74 2.2.2 Bulha dos Assombros...______________________________________83 2.2.3Outros Projetos do Menestrel Faze – dô________________________88 2.3.4 O ator do Menestrel Faze – dô_______________________________94

CAPÍTULO III O IMAGINÁRIO CÊNICO NO ESPAÇO URBANO_________96

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3.3 As estéticas dos coletivos lageanos – as trocas e os encontros_______114 3.3.1 Pontos de Contato ________________________________________115 3.3.2 Pontos de Afastamento_____________________________________119

CONSIDERAÇÕES FINAIS______________________________________123 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA __________________________________127

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LISTA DE IMAGENS

Imagem no 1 - Segundo teatro de Lages. Teatro São João_______________27

Imagem no 2 - Praça João Costa, centro de Lages, no ano de 1960________29

Imagem no 3 - Folheto de Propaganda da ação do prefeito Dirceu Carneiro. Lages– 1978_________________________________________________38

Imagem no 4 - Grupo Gralha Azul em apresentação da Praça João Costa, 1979 – Lages_______________________________________________________46

Imagem no 5 - Recorte de Jornal -Material cedido por Valmor (Nini) Beltrame______________________________________________________50

Imagem no 6 - Recorte de jornal - Material cedido por Lôta Lotar__________51

Imagem no 7 - Crítica escrita por Yan Michalski e publicada no Jornal do Brasil, em 1° de fevereiro de 1980________________________________________54

Imagem no 8 - Foto com integrantes do Grupo Menestrel Faze-dô. Acervo do grupo_________________________________________________________70

Imagem no 9 - Foto de apresentação do espetáculo Histórias de Amor Acervo do grupo______________________________________________________78

Imagem no 10 - Foto de apresentação do espetáculo Histórias de Amor. Acervo do grupo______________________________________________________78

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Imagem no 12 - Foto de apresentação do espetáculo Bulha dos Assombros. Acervo do grupo________________________________________________85

Imagem no 13 - Foto de apresentação do espetáculo Bulha dos Assombros. Acervo do grupo________________________________________________86

Imagem no 14 - Foto de apresentação do espetáculo Bulha dos Assombros. Acervo do grupo________________________________________________86

Imagem n° 15 – Oficina Teatro ministrada por Ilo Krugli - Grupo Vento Forte - SP. Realizada em 2004 no espaço da capela do prédio do antigo seminário Diocesano de Lages_____________________________________________89

Imagem n° 16 – Oficina Teatro ministrada por Ilo Krugli - Grupo Vento Forte - SP. Realizada em 2004 no espaço da capela do prédio do antigo seminário Diocesano de Lages_____________________________________________89

Imagem n° 17 - Registro do dia da saída do grupo da sede do Seminário Diocesano para a Associação Comunitária do bairro Petrópolis_____________________________________________________91

Imagem n° 18 - Apresentação do espetáculo Bulha dos Assombros na cidade de Santo Amaro da Imperatriz no ano de 2007_______________________110

Imagem n° 19 –. O Grupo Menestrel Faze – dô, em uma de suas formações :

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INTRODUÇÃO

O início desta pesquisa teve como mote a busca por respostas para indagações relativas ao trabalho do ator que realiza sua atividade em espaços públicos. Iniciei os estudos, tendo como foco o ator que utiliza a cidade – o espaço urbano – como espaço cênico, como local de representação, de ação artística e todas as implicações resultantes desta escolha.

Desde o início, meu objeto de análise foi a prática cênica de dois grupos de teatro de rua, o Grupo Gralha Azul (1970) e Menestrel Faze - dô (1990), ambos da cidade de Lages/SC. Porém, com o avançar da pesquisa, o contato com as fontes, o objetivo inicial da investigação, que seria estudar o ator do teatro de rua, adquiriu outra configuração. Partindo de um recorte, das décadas de 1970 e 1990, procurei estudar o teatro realizado no espaço aberto da cidade de Lages, realizando um resgate da memória do teatro de rua neste município através da descrição da trajetória dos grupos estudados. E o estudo específico sobre o trabalho do ator no teatro de rua, tornou-se secundário.

Portanto o tema central desta pesquisa definiu-se não só pela problemática do trabalho do ator no espaço aberto da cidade, como também, e principalmente, por um estudo do teatro de rua na cidade de Lages, baseada na história dos grupos, caracterizando-se assim, por um estudo sócio-histórico e desta maneira, não tão focada na questão específica do ator.

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conceitos de teatralidade e imaginário, relacionados com a prática dos dois coletivos estudados.

Esboço a seguir algumas questões-problemas que serviram de norte na elaboração desta dissertação. Para elaborar este trabalho dividi os questionamentos em três eixos norteadores, que podem ser definidos pelo estudo de três grandes temas: a cidade, o ator e o público do teatro de rua. Partindo destes pontos foram delineados os capítulos que seguem. São eles:

A cidade como espaço de representação, título atribuído ao primeiro capítulo, onde procurei resgatar a história da constituição urbana da cidade de Lages, a fim de perceber como se estruturou este município e desde quando o teatro de rua se fez presente na história desta cidade. Após este panorama histórico, ainda neste capítulo, é abordada a trajetória do grupo Gralha Azul primeiro objeto de análise desta pesquisa. Através da pesquisa sobre a existência deste coletivo, que atuou na cidade de Lages ao longo das décadas de 1970 e 1980, pude responder a alguns questionamentos como, por exemplo: quais os espaços urbanos escolhidos para a modalidade cênica, quais os critérios e as motivações ao delimitar o espaço urbano para a prática cênica na rua.

No segundo capítulo intitulado A construção atoral no teatro de rua, é onde abordo a trajetória do grupo Menestrel Faze - dô, que utiliza as ruas de Lages desde a década de 1990 até os dias atuais, atuando como grupo de teatro de rua. Neste capítulo remonto a história deste coletivo e procuro ater-me a questões relativas ao trabalho do ator. Através do estudo da prática do grupo Menestrel Faze - dô, procurei responder a questões como: quais são as especificidades do ator que realiza sua apresentação em espaços abertos, no seio da cidade? Qual o processo de trabalho, utilizado pelo ator do teatro realizado em espaço aberto, com relação ao treinamento e a construção do espetáculo, além de procurar apontar quais os desafios que esta modalidade cênica propõe ao ator.

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pessoas e como podemos identificar o imaginário sendo despertado ou gerado por esta experiência.

Inicialmente minha pesquisa esteve direcionada mais agudamente para o trabalho do ator, sua formação e apropriações necessárias para efetuar seu trabalho num espaço aberto. Porém, para compreender o trabalho do ator neste tipo de espaço tornou-se inevitável abrir discussões para a arquitetura cênica na qual se insere este trabalho, ou seja, pensar a cidade como espaço teatral. Refletir sobre as apropriações que devem ser efetivadas para a concretização de um trabalho, onde as separações entre ator-espectador e palco-platéia se pautam por outros parâmetros que não os estabelecidos nos edifícios teatrais.

O espaço urbano-público, em uma primeira diferenciação, se estabelece como sendo o mundo exterior ao lar, ou seja, a praça, a rua; locais onde interagem os indivíduos. Portanto, como diz PESAVENTO (1996:9) o espaço público se define “por oposição ao espaço privado”. Ou ainda com as palavras de LIMA (2006:42-43) os locais públicos são espaços “onde grupos sociais complexos e díspares têm que entrar em contato inelutavelmente”, diferenciado da esfera privada que se atém à família e amigos íntimos.

Observa-se ainda que o espaço urbano possa ser percebido como local de passagem, e como acrescenta PESAVENTO (1996:64) “também de encontro e de troca”. Este cenário urbano de passagem pode servir também como meio de vida, onde pode ocorrer um mercado formal e informal de trabalho. Local onde as coisas acontecem, onde novos atores sociais se fazem presentes. Atores estes que podem ser portadores de novas práticas e idéias.

A rua, a praça, enfim os espaços públicos urbanos possuem um dinamismo que lhe é inerente, são caracterizados por LIMA (2006:41) como espaços “de intensa circulação”, e cujo sentido para seus transeuntes pode ser motivado para o trabalho quanto para o lazer.

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obra dramática intencionalmente produzida para ser apresentada em locais exteriores ao tradicional edifício teatral, especialmente na via pública”. Ao apontar a finalidade e razões de ser deste tipo de teatro, PAVIS observa:

A vontade de deixar o cinturão teatral corresponde a um desejo de ir ao encontro de um público que geralmente não vai ao espetáculo, de ter uma ação sociopolítica direta, de aliar animação cultural e manifestação social, de se inserir na cidade entre provocação e convívio. (2006:385)

Ser uma manifestação social é apontado por GUINSBURG (2006:275) a razão de ser de uma das primeiras manifestações de Teatro de Rua no Brasil, que segundo este estudioso teria iniciado em 1946, com a criação do “Teatro Ambulante”, em Pernambuco, por iniciativa de Hermilo Borba Filho e Ariano Suassuna. Este trabalho teve mais fecundidade na década de 1960, com criação do Movimento de Cultura Popular (MCP), em 1961, na cidade de Recife, com o apoio do então prefeito Miguel Arraes, cujo lema era “Educar para a Liberdade”.

Na década de 1960 o Teatro de Rua, no Brasil, teve também outro impulsionador, os Centros Populares de Cultura (CPC), cuja motivação era de intervenção social e política. Experiência que foi drasticamente rompida com o regime militar de 1964.

A objetivação política permeou também o renascer desta atividade no Brasil na década de 1970, “quando a cena retoma a via pública” (GUINSBURG, 2006:276). E transformou-se na década de 1980 “tanto no que diz respeito à quantidade de agrupamentos que surgem, quanto à qualidade e profundidade da pesquisa cênica que se realiza”. O espaço público liberto da censura militar possibilitou que o olho do artista pudesse ir além do político, e trazer para o palco da rua as preocupações estéticas e, principalmente, a pesquisa para aprofundar o trabalho no cenário urbano.

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ocupavam o adro das igrejas e as praças das cidades”. Portanto, se a origem do Teatro de Rua remonta as origens do próprio teatro, significa que ao estudarmos o Teatro de Rua estaremos dando encaminhamentos para compreender a própria origem do fazer teatral. E resgatando um valor intrínseco a esta prática que foi perdendo-se no decurso da história, em função do valor que foi sendo agregado, pela burguesia, ao teatro realizado nos edifícios teatrais. Desta forma, estudar o Teatro de Rua é dar visibilidade ao imaginário social que permeia as relações que se estabelecem, de modo passageiro ou não, nos espaços urbanos. E desta forma vir a contribuir para a ampliação da bibliografia acadêmica produzida sobre esta prática teatral, que muito embora já não seja tão escassa, persiste ainda em uma condição marginal no âmbito dos estudos teatrais.

No subtítulo do trabalho está exposto outro aspecto importante, proposto na pesquisa, que é o estudo do imaginário. O estudo sobre este termo foi utilizado para tentar compreender os reflexos do teatro realizado no espaço aberto da cidade. Mais uma vez valendo-me de breves explicações e definições, exponho a definição de PESAVENTO (2003:43) sobre este termo: “entende-se por imaginário um sistema de idéias e imagens de representação coletiva que os homens, em todas as épocas, construíram para si, dando sentido ao mundo”. O imaginário comporta os desejos, sonhos e utopias de uma época:

O imaginário é histórico e datado, ou seja, em cada época os homens constroem representações para conferir sentido ao real. Essa construção de sentido é ampla, uma vez que se expressa por palavras/discursos/sons, por imagens, coisas, materialidades e por práticas, ritos, performances. O imaginário comporta crenças, mitos, ideologias, conceitos, valores, é construtor de identidades e exclusões, hierarquiza, divide, aponta semelhanças e diferenças no social. (PESAVENTO, 2003:43).

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guarda em si importantes contribuições para perceber o histórico da prática cênica de rua no estado de Santa Catarina.

O Grupo Gralha Azul surge em Lages na década de 1970, atrelado a um projeto da Prefeitura Municipal de popularização da arte dramática. Desenvolveu com este projeto diversas montagens que foram apresentadas não só em Lages, como em outras cidades do Brasil e do exterior.

O grupo Menestrel Faze - dô surge em 1993 na cidade de Lages/SC e passa a atuar nas ruas a partir de 1997, desenvolvendo um trabalho junto à comunidade e disseminando a prática do teatro de rua não só na cidade como em lugares mais afastados, procurando assim levar esta possibilidade de expressão para pessoas que não têm acesso a este tipo de arte ou a qualquer outro.

Por considerar estes grupos como elementos indispensáveis no estudo da prática cênica em espaços públicos em Santa Catarina, pois os mesmos constituem o marco fundador e a continuidade desta prática, ambos foram eleitos objeto central desta pesquisa. Sendo a pesquisa de suas trajetórias de grande importância para compreender o teatro de rua catarinense.

O marco espacial embora parta de Lages, cidade sede dos dois grupos, deve expandir-se por outros pontos referenciais que auxiliaram a narração e a compreensão do Teatro de Rua em Santa Catarina. E, embora no decorrer do trabalho seja desenvolvido um estudo da prática de Teatro de Rua em Santa Catarina, a pesquisa procura revelar aspectos voltados para o trabalho do ator, seu imaginário, ou seja, como coloca PESAVENTO: entender os seus sonhos, desejos e utopias com esta prática teatral. E simultaneamente a este estudo buscar os parâmetros estéticos desta prática teatral, ou seja, a formação e os encaminhamentos do ator para o Teatro de Rua.

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faz além de contribuir para a difusão de conhecimento sobre esta linguagem, retornar às minhas origens, como artista, uma vez que sou natural desta cidade e as histórias aqui registradas, também fazem parte do meu imaginário e da minha história. Esta pesquisa parte de uma necessidade do resgate e do registro da memória teatral catarinense, aliados a uma identificação profunda e pessoal com o tema e os objetos de estudo.

A bibliografia utilizada como referência neste trabalho, além dos autores já citados nesta introdução foram livros que abordam o Teatro de Rua, além de autores da História Cultural, material de registro dos próprios grupos e entrevistas.

Para desenvolver o trabalho aqui apresentado utilizei diferentes procedimentos metodológicos, com o objetivo de conseguir o máximo possível de dados a cerca do tema de estudo, e de elementos que possibilitassem uma análise pertinente e aprofundada. Mas, pautei-me, sempre, por uma pesquisa qualitativa de viés sócio-histórico e estético.

Ao partir dos três eixos norteadores desta pesquisa: A cidade como espaço de representação, A construção atoral no teatro de rua e As trocas e os encontros no espaço da rua, que delineiam a divisão elaborada para abordar este estudo, percebe-se que estes nortes apontam para procedimentos diferenciados.

Para o debate sobre a cidade e o imaginário cênico, pautei-me pelos procedimentos propostos pela História Cultural, observando que a problemática do imaginário é um dos pilares centrais da epistemologia da nova História. Neste aspecto utilizei autores como: Roger Chartier, Michel de Certeau, Peter Burke e outros estudiosos, nacionais ou internacionais, que buscam esboçar o referencial metodológico da História Cultural.

Nos três aspectos abordados nesta dissertação (o teatro de rua, o ator do teatro de rua e a relação com o público) tornou-se fundamental uma profunda pesquisa bibliográfica para domínio das temáticas em questão. Algumas leituras serviram para meu esclarecimento a respeito de aspectos históricos e estéticos, de questões como a cidade, o ator e a problemática da recepção.

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bibliográfica com relação a este aspecto serviu para uma compreensão contextual do espaço onde estão inseridos os objetos de estudo, tanto nos seus aspectos culturais como sócio-político. Para isso pesquisei estudos dos historiadores e pesquisadores locais, tal como, a título de exemplo, o trabalho de Cesar Augusto Vargas Lavoura.

Com relação ao trabalho do ator, e mais diretamente sobre o trabalho com o Grupo Menestrel Faze - dô, adentrei no campo da História Oral, ou seja, o resgate de informações foi realizado diretamente com os integrantes do grupo através de entrevistas, coleta e análise de material visual do acervo do grupo.

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CAPÍTULO I – A CIDADE COMO ESPAÇO DE

REPRESENTAÇÃO

As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa.

(CALVINO, 1990:44)

Neste capítulo abordo a questão da constituição urbana da cidade de Lages e descrevo a história do grupo de teatro Gralha Azul que atuou nas ruas de Lages durante as décadas de 1970 e 1980. Esta incursão na história da cidade, objetiva perceber como se deu sua formação, desde seu povoamento até os dias atuais e contextualizar o objeto estudado neste capítulo: o grupo Gralha Azul. Deste modo, pretendo, no início deste trabalho, apresentar e discutir os conceitos de cidade e de urbano. Outro objetivo deste capítulo é realizar uma aproximação com o imaginário urbano da cidade de Lages. Assim, procuro perceber as possíveis relações entre o espaço urbano e a produção artística do grupo Gralha Azul.

Esta abordagem do imaginário da cidade se refere como coloca Certeau, (1996:191) à invenção da cidade, por outros meios que não a história oficial. A invenção da cidade, a partir da possibilidade dos citadinos de imaginar a cidade, de sonhá-la e, portanto de vivê-la. È neste sentido que pretendemos travar um diálogo entre a experiência teatral na rua e tentar perceber o que isto pode ter despertado no imaginário das pessoas, influenciando assim a história da própria cidade.

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contradizem, sem, por isso, serem uns mais verdadeiros ou importantes que os outros”. A cidade em questão é o município serrano de Lages, do estado de Santa Catarina. E nesta primeira parte do estudo, nos debruçaremos sobre seu processo de urbanização, para em seguida, iniciar o estudo da história de grupos de teatro inseridos neste espaço urbano.

Para compreender o ator do teatro que atua no espaço urbano, é preciso antes de tudo procurar compreender este espaço. Pois como relembra Denis Guénon (2003:76) a respeito do resgate da trajetória da prática teatral: “o teatro está ligado ao advento de uma cidade saída da assembléia, do culto, à produção do profano, do cívico, do político mesmo”. E, neste caso, para compreender o teatro feito pelo grupo Gralha Azul na cidade de Lages, faz-se necessário compreender a constituição deste espaço urbano, antes de tudo.

Escolher a cidade como campo de estudo é uma aventura desafiadora, pois se trata de um objeto dinâmico, em constantes transformações. Compreender o espaço da cidade e as atividades que nela podem ocorrer, requer um olhar que possa captar a complexidade deste universo repleto de fluxos e diálogos.

A cidade é campo de pesquisa de diversas disciplinas e é também um dos campos temáticos abordados pela História Cultural. Para Pesavento (2005:77) a abordagem temática da cidade introduzida pela História Cultural considera esta não mais apenas como um lócus seja da realização da produção ou da ação social, mas, sobretudo como um problema e um objeto de reflexão.

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Sendo assim, é com o intuito de apresentar a cidade de Lages, que neste capítulo descreveremos o processo de constituição do espaço urbano desta cidade. Considerando especialmente o imaginário – desejos, sonhos, medos... - que estão no cerne de sua construção. E em seguida, apresentaremos a trajetória do grupo de teatro Gralha Azul, que segundo informações preliminares teria sido o primeiro grupo a utilizar a rua, ou seja, a cidade de Lages, como espaço preferencial para a realização de espetáculos.

1.1 LAGES: PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO URBANO

As cidades também acreditam ser obra da mente ou do acaso, mas nem um nem outro bastam para sustentar as suas muralhas. De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas. (CALVINO, 1990:44).

Olhar para a cidade e procurar desvendá-la. Este é um dos objetivos desta parte do trabalho. Perceber a estrutura arquitetônica da cidade, o comportamento de seus moradores, costumes e crenças locais e através da “colagem” de elementos como memórias, escritos sobre sua fundação, pesquisa em jornais e fotografias, procurar re-contar a história de Lages, com o intuito de compreender sua constituição, seu imaginário fundador, agregado à sua trajetória histórica.

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discurso da modernidade e da mudança. E ainda hoje, ao nos depararmos com a paisagem urbana de Lages, podemos constatar que esta ainda vive um projeto de urbanização caótico e pouco organizado. O que faz com que o olhar, por vezes desvalorize os antigos prédios e construções e se perca em meio às novas tendências arquitetônicas.

Hoje, considerada uma cidade urbanizada, tendo mais de 90% da população fixada na área urbana, a cidade, ainda assim, preserva ares antigos. O traçado das ruas e as construções em estilo art déco nos remetem ao desejo de modernização que existe e existiu na cidade, desde os primórdios de sua ocupação. Este cenário revela também o passado conflituoso, de disputas oligárquicas e de controle e expulsão dos pobres para a periferia, fazendo com que a cidade de Lages se enquadre no modelo centro – periferia, até os dias de hoje.

É possível observar que a constituição da cidade de Lages ocorreu através de relações entre distintos grupos, do cruzamento de discursos e práticas. A história oficial data do início da ocupação desta região no século XVIII. Em 22 de novembro de 1766 Antônio Correia Pinto de Macedo se instalou no local, a fim de iniciar o povoamento. A ocupação dos “campos das Lajens” foi promovida pela capitania de São Paulo com fins de defender estas terras, frente à expansão do território espanhol e, aproveitar o ponto estratégico para produzir gado de corte e muares (mulas, utilizadas em grande escala como meio de transporte).

A região de Lages localiza-se em local de passagem, entre o Rio Grande do Sul (na época o centro produtor) e São Paulo (centro de comercialização e consumo), sendo rota de passagem dos tropeiros que circulavam entre as duas províncias.

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O processo de higienização da cidade, data ainda de antes de sua institucionalização enquanto cidade. Entretanto, através destas informações é possível constatar a diversidade dos grupos étnicos que a compõem. Em 1771 com o nome de “Nossa Senhora dos Prazeres do Sertão das Lagens”, a localidade foi elevada à categoria de vila, nesta ocasião é demarcada a área urbana da vila, e em 1860 o território é anexado ao estado de Santa Catarina, desmembrando-se do estado de São Paulo.

No final do século XIX a cidade era ainda uma pequena vila e contava com apenas duas ou três ruas. A figura do “coronel” foi central na vida política e social da região, visto que as primeiras concentrações de terra ocorreram pela formação de latifúndios, grandes fazendas que geravam a economia do lugar com a produção de pecuária. Nos livros pesquisados é possível apontar que até 1973 as oligarquias das famílias “Ramos” e “Costa” governaram Lages.1

1.1.1 Lages: o sonho de modernidade e a prática teatral

Com o advento da República, em 1889, inicia-se em Lages um processo de modernização e novas formas de regular a vila e o crescimento urbano são delineadas. Podem-se destacar três marcos significativos das mudanças na configuração da cidade e na reorganização de forças sociais, são eles: A construção do palácio Municipal (1901), símbolo do poder público local; Catedral Diocesana (1922), templo da igreja católica que representa a hegemonia da religião oficial; e a construção do Colégio Vidal Ramos (1913) onde a educação aparece como preocupação dos dirigentes da cidade.

No ano de 1895 é instituído pela prefeitura da cidade o Código de Posturas, que retrata o projeto político e ideológico de intervenção e constituição urbana. As regras de conduta, expostas no Código de Posturas, vão desde a definição de aspectos das construções urbanas, saneamento e saúde pública, até a definição de regras de comércio. A obra está dividida em

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11 títulos nos quais podemos encontrar regras que se referem inclusive ao comportamento social, como destaca Peixer (2002:74):

O artigo 117 do Código de Posturas, além de proibir, regulamenta multas para quem infligir qualquer artigo. É proibido:

§ 1. Fazer bulhas, vozerias, dar gritos altos sem necessidade reconhecida;

§ 2. Fazer samba ou batuques, quaisquer que sejam as denominações, dentro das ruas da cidade e das povoações; § 8. Estar na própria casa ou na alheia, de modo indecente ou imoral, de sorte que possa ser notado pelos transeuntes ou vizinhos;

§ 9. Andar pelas ruas indecentemente vestido com roupas dilaceradas, ou sem que traje pelo menos calça e camisa, sendo essa por dentro d´aquella.

§ 11. Viver sem ocupação lícita, ou esmolar, não estando nas condições de indigência e sem permissão de autoridade de polícia.

O Código de Posturas é um exemplo do desejo de implantar a modernidade nos campos de Lages. É considerado por pesquisadores como um instrumento de seleção e exclusão social, engendrado pelas elites. Através do Código de Posturas, a cidade galgava rumo à urbanização. Período marcante da atuação do Governo do Estado na cidade de Lages, uma vez que Vidal José de Oliveira Ramos, representante da oligarquia fundiária da cidade, foi eleito, em 1910, governador do estado. No período de 1910 – 1914, correspondente ao mandato de Vidal Ramos como governador de Santa Catarina, pode-se detectar grande desenvolvimento da malha urbana da cidade de Lages, através do melhoramento e embelezamento das ruas e praças, instalação da iluminação pública, rede telefônica, entre outros símbolos do progresso, da modernidade e do crescimento da cidade.

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urbanas, como já citado, a cidade sofria inúmeras intervenções no sentido de modernizar o seu espaço urbano.

A atividade teatral na cidade, apontado no livro do pesquisador Asdrubal Guedes (1979) mostra que em 1847 já havia na Vila um teatro, construído de alvenaria e coberto de telhas. O autor destaca que sendo Lages em 1847 uma vila com apenas três ruas e aproximadamente cem casas é digno de menção o fato de ter uma população que dava importância ao teatro e apoiava a construção de um lugar mais apropriado para as representações. O autor considera este fato surpreendente e observa que isto valoriza o povo da época, e que deu o exemplo e o impulso para que posteriormente ocorresse o grande desenvolvimento cultural da cidade.

Oficialmente, é no ano de 1860 que se tem notícia da construção do primeiro edifício teatral da cidade, a Casa do Teatro. O prédio foi erguido através dos esforços da Sociedade Dramática Particular Phenix Lageana, que de acordo com Lavoura (2004:27), foi a primeira companhia de teatro amador da cidade. Assim como na capital do estado de Santa Catarina, o modelo de organização teatral amadora eram as sociedades dramáticas, que também existiram em Lages. Este modelo de funcionamento de um coletivo consistia na organização dos grupos teatrais, na época, como clubes, associações de famílias, sociedades dramáticas, etc., que pagavam mensalidades para manter os espaços destinados ao teatro, bem como os custos da produção dos espetáculos. Posteriormente, como podemos detectar através da pesquisa de Lavoura (2004:27) um teatro maior substituiu a Casa do Teatro, que segundo registros da ata de fundação “encontrava-se em ruínas”.

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Imagem n°1- Segundo teatro de Lages. Teatro São João2

O novo edifício foi construído pelo empenho da Sociedade Dramática Perseverança Lageana, que continuou as atividades da Sociedade Phenix Lageana, em 1887. O teatro foi construído sobre o mesmo terreno, lhe acrescentado dez metros de frente por trinta metros de fundo, levando o nome de Teatro São João.

Ainda junto à pesquisa de Lavoura, podemos constatar que o teatro realizado na cidade, neste período, não representava apenas uma forma de entretenimento, mas constituía uma atividade social onde se envolviam dezenas de homens ilustres do lugar.

Assim, a cidade de Lages segue seu curso voltado para o espaço administrativo, educacional, comercial e artístico. O município alcançou grande destaque no ramo das artes, tanto na música, quanto na literatura, no teatro ou nas artes plásticas. Esta última, geradora da Primeira Escola de Belas Artes de Santa Catarina, fundada na cidade em meados de 1958, pelo pintor e escultor Malinverni Filho.

Entre os anos de 1940 e 1960, onde a população total cresceu de 27.326 pessoas para 111.984, como podemos observar no livro de Zilma

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Peixer (2002:17), Lages rumou para um crescimento econômico e populacional. Peixer aponta dois possíveis fatores que trouxeram modificações no estilo de vida, no cotidiano local e no crescimento populacional da área urbana. O desencadeador deste processo teria sido a exploração da madeira (ciclo econômico que se estende até meados de 1960), período de grande circulação de pessoas, mercadoria e dinheiro e expansão dos limites da cidade; o segundo momento se dá em meados de 1970, com o fim do ciclo da madeira e a procura de alternativas para o desenvolvimento econômico.

O surgimento dos bairros na cidade, que durante o auge da exploração da madeira, somam mais de vinte e cinco novos bairros, atribui à urbe lageana a característica de uma cidade policêntrica, com o cotidiano urbano entrelaçado entre o centro e os bairros. Como salienta Certeau (1996) a formação dos bairros corresponde às maneiras de se morar na cidade e estes podem ser apreendidos como uma porção do espaço público geral (anônimo, de todo mundo) em que pouco a pouco se insinua um espaço privado particularizado, pelo fato do uso quase cotidiano desse espaço. Para o autor o bairro se define como uma organização coletiva de trajetórias individuais: com ele ficam postos à disposição dos seus usuários “lugares” na proximidade dos quais estes se encontram necessariamente para atender a suas necessidades cotidianas. (CERTEAU, 1996:46). A cidade de Lages então começa a esboçar traços característicos da cidade moderna, onde a cidade se “espalha” em direção ao policentrismo e o espaço urbano já não se distingue tanto do espaço rural.

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Imagem n°2 - Praça João Costa, centro de Lages, no ano de 19603

A foto acima ilustra o processo de modernização e progresso da cidade de Lages. A presença do banco Inco, em um prédio em estilo moderno, ao fundo, muitos carros circulando nas ruas, que são lidos como sinal de modernidade, e a praça esteticamente organizada e bem arborizada. Todas estas características ilustram bem um período no qual a cidade vivia o ideal de progresso.

Pelos registros pesquisados se percebe que a cidade alimentou um sonho de modernidade. E em sua história podemos constatar que na década de 1970 a cidade passou por uma experiência administrativa ousada e muito rica. Tratou-se de uma experiência pioneira em termos de administração de cidade, na gestão do prefeito Dirceu Carneiro. Tal experiência estimulou a participação popular na gestão do município, e também impulsionou a criação do primeiro grupo de teatro que atuou nas ruas da cidade.

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1.1.2 Lages: o teatro de rua como instrumento para o desenvolvimento da cidade e do cidadão

De 1964 a 1985 o Brasil vivenciou um longo período de ditadura militar. Período caracterizado pela falta de democracia, supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão aos que se colocavam contrários ao regime militar, e muita coerção às atividades artísticas que tentavam expor descontentamentos ou enfrentamentos ao regime militar.

A ditadura militar brasileira, similar a tantas outras deste e de outros períodos históricos, tentava reprimir uma manifestação teatral que estava na base da história do teatro brasileiro – teatro pedagógico/didático de José de Anchieta - e na origem do teatro ocidental – festividades dionisíacas na Grécia Clássica -, qual seja, o teatro de rua, a manifestação teatral nos diferentes espaços do urbano. Destaco ainda, mais a título informativo do que argumentativo, que a trajetória histórica do teatro de rua, no Brasil colônia, não se restringe ao período jesuítico, embora este seja o marco fundador desta prática teatral em terras brasilis, tal como aponta André Carreira (2007:104) ao comentar os antecedentes do teatro de rua no Brasil. Enquanto no século XVI a prática teatral estava profundamente ligada com questões religiosas, no século XVII o teatro passou a ser utilizado também em celebrações de caráter civil, tal como ocorreu quando da comemoração da coroação do rei João VI (1641) quando foi organizado um teatro ao ar livre, em uma praça próxima ao palácio do governador no Rio de Janeiro, quando também ocorreu uma grande representação com uma centena de cavaleiros pelas ruas da cidade.

Élio Gaspari resume em quatro fases os 21 anos da ditadura militar:

Durante os 21 anos de duração do ciclo militar, sucederam-se períodos de maior e menor racionalidade no trato das questões políticas. Foram duas décadas de avanços e recuos, ou, como se dizia na época, “aberturas” e “endurecimentos”. De 1964 a 1967 o presidente Castelo Branco procurou exercer uma ditadura temporária. De 1967 a 1968 o Marechal Costa e Silva tentou governar dentro de um sistema constitucional, e de 1968 a 1974 o país esteve sob um regime escancaradamente ditatorial. De 1974 a 1979, debaixo da mesma ditadura, dela começou a sair.

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Para o teatro de rua e especialmente para um determinado tipo de teatro – político/ engajado e de esquerda – promovido pelo CPC – Centro Popular de Cultura – desde 1961, o início do regime militar, em abril de 1964 significou o fim dessas atividades.4

Silvana Garcia (1999:99) caracteriza o teatro realizado pelo CPC como agitprop comenta que “o agitprop com força de permanência e alcance, só vai surgir no Brasil no início da década de 60, através do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes – o CPC da UNE.”

O CPC desenvolveu “a idéia do teatro – ambulante: peças curtas e esquetes produzidos em mutirão, em tempo mínimo, com os quais saíam as ruas para as apresentações” (GARCIA, 1999:102). Este teatro de rua desenvolvido pelo CPC não primava pela atenção à linguagem estética do espetáculo, seu foco voltava-se para o discurso, “nos moldes ágeis do agitprop, de intervenção” (GARCIA, 1999:110).

Sobre a problemática estética, vale à pena transcrever algumas falas de Carlos Esteves Martins5, por apontarem de forma bastante emblemática para o cerne do problema de um “teatro popular” e de rua.

O problema que havia era o da carreira artística dos que eram mais talentosos. Havia falta de espaço para a criação artística propriamente dita. [...] as pessoas faziam parte do CPC porque eram artistas ou porque queriam fazer uma carreira artística e entravam na aventura do CPC porque achavam que era possível ser artista e, ao mesmo tempo, fazer arte para o povo. [...] não havia exigências em termos de criação estética, e a filosofia dominante no CPC era: a forma não interessava enquanto expressão artística. O que interessava era o conteúdo e a forma enquanto comunicação com o público, como novo público. (MARTINS, 1980:78-79)

Estas falas de Esteves Martins expressam a tensão que percorreu toda a breve história do teatro de agitprop no Brasil, especialmente junto a “ala” mais artística do CPC como Oduvaldo Viana Filho, Chico de Assis e outros.

Mas, este processo não teve possibilidade de encontrar novas proposições no seu próprio desenvolvimento.

4 “O CPC surge em finais de 1961 [agosto de 1961 no Rio de Janeiro] e sua história se inicia com a montagem da peça A mais Valia vai acabar, seu Edgar, de Oduvaldo Viana Filho, direção de Chico de Assis”(GARCIA, 1990:101).

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Em 1964 a atuação do CPC é violentamente reprimida e os elementos que continuaram dispostos a fazer teatro engajado viram-se obrigados a reconsiderar sua critica ao circuito comercial, retomando suas atividades nesse nível. (Grupo Opinião, 1979:37)

Questionável em partes, especialmente na problemática estética, foi sem dúvida, uma rica experiência de teatro de rua no Brasil. E esta experiência foi a primeira vítima do novo regime que se implantou no país a partir de abril de 1964.

Carreira (2007:106) ressalta ainda outras experiências que estão na origem do teatro de rua no Brasil, como nos primeiros anos do século XIX, a experiência dos “bonecos de porta”, que recebeu este nome devido ao fato de que os bonequeiros ocupavam geralmente as portas dos bares e outros estabelecimentos comerciais para realizarem seu espetáculo. Festas religiosas e populares também ocupavam neste período o espaço do teatro de rua no Brasil. Além dos exemplos citados, Carreira aponta ainda o mamulengo, do Nordeste brasileiro e o fomento do teatro de rua ocorrido nos grêmios anarquistas das grandes cidades, como em São Paulo, realizado pelos imigrantes europeus, como experiências significativas para o uso dos espaços da cidade para espetáculos teatrais na era moderna.

Já no início do século XX podemos destacar ainda uma experiência histórica do teatro realizado ao ar livre vivenciada no Brasil, intitulada Teatro da Natureza. No livro Teatro da Natureza: Histórias e idéias, de Marta Metzler é possível constatar que este evento, trazido para o Brasil através de um encenador português foi também um dos importantes marcos históricos do teatro de rua no país. Inspirado no teatro grego antigo, para criar seu espaço de representação, a experiência do Teatro da Natureza foi empreendida no Brasil em 1916 na cidade do Rio de Janeiro, onde teve duração de quatro meses ao longo dos quais foram apresentadas seis peças.

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regime, especialmente no governo de Ernesto Geisel – 1973/1979 -, ensaiava-se uma “abertura” política sob controle, abertura que o general Ernesto Geiensaiava-sel denominou de “lenta, gradual e segura”. (FAUSTO, 1999:489). Um caminho repleto de pequenos avanços e muitos recuos. E à medida que o regime vai se esgarçando e não conseguindo mais segurar e reprimir o desejo de liberdade de um povo sufocado por tantos anos de ditadura, o teatro de rua, bem como uma prática teatral mais combativa, começa a ganhar o seu verdadeiro e único palco – as ruas das cidades. E isso se deu em diferentes rincões do território brasileiro, e a cidade de Lages/SC também foi um destes palcos privilegiados de enfrentamento a um regime decadente e que ainda se manteria vigente por mais uma década.

No ano de 1977 a administração de Lages passa por uma mudança significativa com a eleição de Dirceu Carneiro (1977-1982) para o cargo de Prefeito da cidade. É a primeira vez, desde sua fundação, que ocorre em Lages uma proposta de uma experiência democrática com enfoque pioneiro da participação popular na administração pública. Tal experiência tinha como proposta equilibrar as relações de força entre setores populares e a elite econômica e neste sentido, a cidade passa a ser percebida não mais como uma unidade homogênea, mas como um espaço complexo onde interagem indivíduos, grupos, histórias, trabalhos e memórias. A cidade de Lages passa a ser vivenciada como um espaço aberto às alternativas democráticas e de desenvolvimento. O novo projeto administrativo da cidade partiu da idéia básica de que administrar consistia em mobilizar a população deixando que ela mesma encontrasse as soluções que atenderiam às suas necessidades. A eleição do prefeito Dirceu Carneiro, do partido MDB (Movimento Democrático Brasileiro), significou um marco definitivo e uma crise na velha oligarquia política da cidade.

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O governo municipal de Dirceu Carneiro vai conviver com dois momentos do final da ditadura militar brasileira, o final da distensão pretendida e incentivada pelo governo Geisel e a lenta e final dissolução do governo militar na gestão de João Baptista Figueiredo – 1979/1984, e com o final do Ato Institucional N0 5 (AI5), em 1979. Os movimentos sociais renasciam com toda a força do reprimido, o movimento operário, observa Fausto (1999:499) veio à tona “com um novo ímpeto e novas feições [...] o movimento sindical ressurgiu adotando formas independentes do Estado”. Entre 1978 e 1979 grandes greves dominam o cenário nacional principalmente no ABC paulista, lideradas pelo então metalúrgico Luis Inácio da Silva (Lula).

O regime começava a ser minado de diferentes ângulos. E a atividade artística vai se somar a estas diferentes vozes demolidoras do regime militar. De acordo com Carreira (2007) observa-se neste período o surgimento, em diferentes cidades do país de grupos que utilizaram as ruas como espaço cênico. Significando a reconciliação da população com o espaço urbano, com o seu palco de ação e percepção imaginária da cidade.

A gestão de Dirceu Carneiro foi bastante inovadora para seu tempo e alcançou reconhecimento nacional, tornando-se uma referencia de gestão popular. O material de campanha de Dirceu Carneiro apontava os principais projetos da futura administração com destaque para os seguintes pontos:

 “É na escola que se aprende a trabalhar” - projeto que estimula às crianças ao aprendizado das lidas com a terra, além de vincular os pais nas questões administrativas das escolas;

 “Viva seu distrito e Viva seu bairro, viva Lages” - projetos que visavam estimular a participação popular na relação administrativa dos bairros e da cidade;

 Fortalecimento das Associações de moradores, Cooperativas Agrícolas e Habitação e Educação;

 “Projetos de Arte e Cultura” - que visavam popularizar as artes.

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no processo de desenvolvimento local (2002:192). Durante o mandato de Dirceu Carneiro a cidade viveu sob o lema: “Lages a força do povo”, que trazia a idéia de que num “país subdesenvolvido” somente a organização da população e a mobilização dos seus recursos e de sua capacidade de trabalho, permitiriam a uma administração municipal, enfrentar problemas como os de habitação, educação e saúde.

Na área urbana foram desenvolvidos alguns projetos especiais e a equipe de Dirceu Carneiro trabalhou em função da inversão do êxodo rural sob o lema: “é para o campo que se deve marchar.” Esta administração chamou a atenção da imprensa nacional, como podemos verificar na matéria de Márcio Moreira Alves, publicada na revista Isto é, de 1980, onde coloca que:

O município de Lages, 200 mil habitantes, em Santa Catarina, só aparece no noticiário nacional durante o inverno. Juntamente com seu vizinho São Joaquim, tem a glória de ser um dos raros lugares onde neva regularmente no Brasil. No entanto, mais regulares que a neve são os pequenos milagres que acontecem na prefeitura local. Chefiada por um arquiteto de 35 anos, Dirceu Carneiro do PMDB. Desde 1977, com uma equipe de antiburocratas, ele tenta implantar uma experiência de democracia participativa, de utilização de recursos locais e de busca de alternativas econômicas independentes do consumo do petróleo. Os resultados dos seus muitos acertos e alguns erros servem para mostrar a possibilidade de se criar um poder local no Brasil, mesmo se a soma dos orçamentos das quase 4 mil prefeituras do país é seis vezes menor que o orçamento da Petrobrás.

Através de pesquisa em jornais e revistas da época, verificou-se que esta administração foi algo exemplar, tal como comenta Márcio Moreira Alves “foi quase um milagre”, com muitos acertos e alguns erros. Mas o interessante desta época para a cidade de Lages é o despontar de um novo modo de vida. A abertura das novas possibilidades de gerenciar uma cidade. A equipe da prefeitura municipal buscou além de reestruturar a cidade, levando em consideração as necessidades reais da maioria de sua população, resgatar a auto-estima do povo, recuperar o passado, as origens e as tradições.

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Turismo, da prefeitura do município, foi elaborado o “Projeto Lageano de Popularização do Teatro”. Este projeto tinha vários objetivos, dentre os quais:

1. Incrementar o teatro local (uma vez que a arte dramática sempre foi algo presente na cidade desde sua estruturação como vila); 2. Organizar outros grupos nos bairros da cidade, fazendo com que

o teatro pudesse ser uma ferramenta em prol do crescimento das pessoas enquanto cidadãos, capazes de contribuir para o desenvolvimento da cidade;

3. Promover o resgate da cultura popular6.

Neste capítulo apresento uma breve pesquisa sobre o teatro realizado em Lages durante a gestão de Dirceu Carneiro e o projeto de popularização do teatro, e simultaneamente a história do grupo Gralha Azul, visto que estes dois projetos – popularização do teatro e o grupo Gralha Azul – estão diretamente vinculados entre si. Observo apenas que a história do Grupo vai além da gestão popular de Dirceu Carneiro na prefeitura de Lages, este grupo vai estar atuante no teatro catarinense e brasileiro ao longo da década de 1980. Este recorte é significativo para o meu objeto final de análise, ou seja, o grupo Menestrel Faze-dô, pois a constituição deste coletivo e seu direcionamento estético tiveram forte influência da prática teatral e do projeto político proposto

pelo grupo Gralha Azul e o governo de Dirceu Carneiro.

1.2 A TRAJETÓRIA DO GRUPO DE TEATRO GRALHA AZUL: PRIMEIRO GRUPO DE TEATRO A OCUPAR AS RUAS DA CIDADE DE LAGES COMO ESPAÇO TEATRAL

Como colocamos acima foi no ano de 1978 e através da Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo, da prefeitura do município, que se implantou o “Projeto Lageano de Popularização do Teatro” e foi criado o grupo teatral

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Gralha Azul. Sobre o nome dado ao grupo, encontramos a seguinte justificativa em um jornal de circulação estadual:

A gralha azul, uma ave da região do Planalto, que esconde o pinhão na terra e esquecendo-o propicia o nascimento do pinheiro. Foi daí inclusive que surgiu o nome do grupo, cuja luta pela liberdade do homem pode ser visualizada, de certa forma, nos trabalhos realizados nos bairros, ruas, praças e no interior de Lages. (O Estado, Florianópolis, 1983 – data incompleta, material cedido por Valmor Nini Beltrame para esta pesquisa)

Este grupo fez história e contribuições relevantes para a história do teatro na cidade de Lages. Portanto, é a história deste grupo que resgato num primeiro momento, por considerar o mesmo um marco significativo na prática do teatro de rua não só em Lages, como em Santa Catarina, e também no Brasil. O trabalho desenvolvido pelo grupo, por exemplo, atraiu os olhares do SNT - Serviço Nacional de Teatro – e promoveu o deslocamento de Orlando Miranda, então presidente do órgão, à Lages para conhecer e apoiar financeiramente a proposta de popularização do teatro promovida na cidade.

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Imagem n°3 – Folheto de Propaganda da ação do prefeito Dirceu Carneiro. Lages/SC, 1978

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popular, muito similar a utilizada nas paradas circenses ou no teatro de rua. Portanto, o grupo no seu material de divulgação apropria-se da mesma linguagem que utiliza na realização de seus espetáculos. Brinca com a linguagem, transplantando para o verbo o elemento surpresa que o espetáculo deseja provocar no público: “Tcham, tcham, tchannn”. E logo a seguir utiliza este mesmo folheto como um manifesto do seu pensar teatral, bem como de sua prática cênica. Manifesta, então, seu desejo de representar “a voz do povo”, de colocar no palco os anseios, desejos, sonhos e medos de um povo. E para tanto conclama ao povo para ir ao espetáculo. E esta conclamação torna-se um ato político, adoto aqui a tetorna-se defendida por Guénoun (2003:14), para quem: “a convocação, de forma pública, e a realização de uma reunião, seja qual for seu objeto, é um ato político”. Ainda com as palavras de Guénoun:

O teatro é, portanto, uma atividade intrinsecamente política. Não em razão do que aí é mostrado ou debatido – embora tudo esteja ligado – mas, de maneira mais originária, antes de qualquer conteúdo, pelo fato, pela natureza da reunião que o estabelece. O que é político, no princípio do teatro, não é o representado, mas a representação: sua existência, sua constituição, “física”, por assim dizer, como assembléia, reunião pública, ajuntamento. (2003:15)

Na sua convocatória o grupo se apresenta, se diz parte de um projeto maior – o de popularização do teatro – e resgata a história ao afirmar que a arte sempre foi popular e sempre foi, portanto, do povo. A arte teria sido usurpada do povo em algum momento histórico, e o grupo, através deste projeto maior, pretendia cumprir com a missão histórica de retornar a arte teatral a seu legitimo dono, ou seja: o povo. E esta confirmação está exposta no título do folheto: “E o espetáculo começou!” – qual seria o espetáculo? Não um espetáculo em particular, pois o folheto não anuncia um espetáculo específico, e sim o grande espetáculo que é o povo tomar em suas mãos o gerenciamento da cidade, de Lages, tornar-se um cidadão pensante e responsável por seu destino. E isso, ainda segundo o folheto, era possível devido a uma administração específica, ou seja, a administração do Prefeito Dirceu Carneiro.

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sendo possível devido a mudanças políticas na estrutura gerencial de uma cidade. Apontando que o mesmo poderia ocorrer em outras esferas, desde que fossem postas em execução as mudanças de base. Era uma proposta audaciosa se levarmos em consideração o momento histórico do país, ainda em plena ditadura.

Podemos afirmar, com as palavras de Guénoun (2003:38-39): “que as gerações que se batem por um teatro de rua são as que acreditam que é a Rua que faz a decisão política (lugar insurrecional, lugar de Revolução)”, que este era o projeto que embalava os sonhos do Grupo Gralha Azul. Também é perceptível, pela análise do panfleto, a utilização do teatro como ferramenta de articulação da comunidade, quando citam que “você também é ator, dramaturgo, protagonista. Basta escolher o papel”, deixam claro que o teatro constrói um vínculo de identificação com toda uma comunidade que passa a ter a possibilidade de viver a cidade a partir de outro olhar e de se colocar em uma situação mais participativa. Uma prática que convida os protagonistas da cidade para uma nova experiência dentro do espaço urbano. E, por fim, observamos que o panfleto defende e expõe a estética do grupo, qual seja, a de trabalhar com fantoches, com teatro de animação. São estas figuras animadas e mágicas que aparecem em destaque na fotografia do panfleto.

1.2.1 A mudança tem início

Para compreender a história e as contribuições do Grupo Gralha Azul para a cidade de Lages e para o teatro catarinense, foram utilizadas como fontes de pesquisa os jornais da época, informações retiradas de alguns livros dedicados a registrar a história da cidade de Lages, a dissertação de mestrado de César Lavoura, além de documentos do acervo pessoal de integrantes do grupo.

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Serviço Nacional de Teatro - SNT). Foi a partir deste curso, um ano depois, em 1978, que foi criado o grupo Gralha Azul.

O curso foi viabilizado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) – Serviço Nacional de Teatro (SNT), em parceria com o Serviço Social do Comércio (SESC) e a Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC), através da iniciativa do Teatro Universitário Lageano (TULA), grupo teatral lageano formado em 1969. Fernando Fierro, formado em arte dramática na Argentina, atuava no Brasil há alguns anos, trabalhando como professor contratado pelo LINEARTE, na escola Martins Pena, no Rio de Janeiro, e através do Serviço Nacional de Teatro (SNT) havia ministrado cursos em diversas cidades do país, como Porto Alegre e São Paulo, antes de vir à Lages. Em entrevista ao jornal Correio Lageano, Fernando Fierro destaca que ao final do curso será apresentado ao público um espetáculo e que segundo ele será:

Uma peça teatral diferente, quase que desconhecida na América Latina, que trata sobre a mímica e a pantomima, num trabalho interessante porque demonstra praticamente as possibilidades que tem o ator de atuar em outros espetáculos, cujo título será UM POUCO DE TUDO, porque durante o período de duração do espetáculo, ou seja, uma hora,

acontece mesmo de tudo um pouco.7

Através desta fala, podemos perceber o desejo do diretor em inovar o teatro local, trazendo informações sobre o teatro realizado em grandes centros e com isso, trabalhar no sentido da atualização do teatro em Lages. O curso, que teve duração de quinze dias, resultou na montagem de Um Pouco de Tudo. No elenco estavam o próprio Fernando Fierro, Ivan Cascaes, Lôta Lôtar Cruz, Márcia Costa e Elza Granzotto, posteriormente integrantes do grupo Gralha Azul.

O curso e a peça que dele resultou chamaram a atenção do público, da imprensa local e despertou o interesse da prefeitura, tanto que um ano depois, em 1978, teve início o projeto de popularização do teatro na cidade. A criação do grupo Gralha Azul culminou com o desejo da administração pública de utilizar o teatro como um forte instrumento no processo de democratização e no acesso da população à cultura. Surgia então o grupo que inovaria a idéia de

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teatro na cidade de Lages e que deixou para o movimento teatral desta cidade e do estado de Santa Catarina, grandes influências, como destaca o pesquisador César Lavoura (2004:122): “O responsável em apresentar uma linguagem estética que delineou novas práticas teatrais em Lages, deixando inegável herança cultural que se perpetua até os dias de hoje, foi o Grupo de teatro Gralha Azul”.

Assim, no ano de 1978, Fernando Fierro é novamente convidado para ministrar um curso na cidade, desta feita, um curso permanente e que ocorria por iniciativa da prefeitura através da recém formada Associação Lageana de Teatro, juntamente com o Departamento de Educação e Cultura do município. Iniciava-se, desta forma, a “marcha” para a popularização do teatro, através do recém-criado grupo Gralha Azul. O projeto de popularização do teatro proposto pela prefeitura apontava como um de seus objetivos o estímulo à criação de novos grupos. Porém, o grupo Gralha Azul foi de fato o grupo que assumiu o plano de popularização do teatro, trabalhando nos projetos da prefeitura e sendo subsidiado pela mesma.

1.2.2 Em ação: o projeto de popularização do teatro

Um dos projetos que o grupo desenvolveu, junto à prefeitura, consistiu em realizar trabalhos voltados para a conscientização do “povo”, tais como, as campanhas de educação sanitária nas comunidades, ou ainda auxiliando médicos e professores nas campanhas contra cáries, veiculadas para crianças dos bairros da cidade. Um ano após a realização de projetos como este de prevenção a cáries, uma pesquisa realizada pela Secretaria Municipal de bem-estar social, constatou que o índice de cáries nas crianças que haviam participado do projeto diminuiu em 80%.8

Outro trabalho produzido pelo grupo e registrado no Caderno Programa do Projeto Mambembão (SNT), de 1980, foi o espetáculo Viva o Verde, um processo de criação coletiva sobre a ecologia. Este trabalho foi apresentado em 15 escolas da rede municipal de ensino, e 18 comunidades rurais do

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município como programação da Semana de Prevenção do Meio Ambiente vista por aproximadamente 18 mil pessoas.

Simultaneamente a este trabalho de caráter mais efetivamente pedagógico, o grupo manteve uma busca estética-política de uma prática teatral que teve início em 1977 com espetáculo Um Pouco de Tudo. Com este espetáculo o grupo Gralha Azul se apresentou em muitos bairros da cidade e também em alguns distritos próximos. No registro encontrado num jornal da cidade de Brusque, podemos perceber a proposição e o alcance do projeto proposto:

No último sábado, mais de 200 pessoas em Correia Pinto riram, aplaudiram e participaram desta experiência de popularização do teatro. Após um debate aberto ao público no final daquela apresentação, foi levado como síntese que “o ator joga e se comunica realmente a partir de imagens comuns a todos”.9

No âmbito estético o Gralha Azul inovou, e trouxe para o público de Lages e região um novo olhar para a arte teatral. No programa da peça Um pouco de Tudo, estavam colocados os objetivos iniciais deste novo grupo que despontava na “Princesa da Serra”:

Pretendemos mostrar algumas das técnicas utilizadas pelo teatro moderno nos centros mais avançados de ensino. A pantomima moderna e clássica, a improvisação livre, improvisação dirigida, a expressão corporal, são utilizadas nesta montagem feita sem maiores pretensões que as de mostrar novas experiências teatrais.

Nosso objetivo é demonstrar praticamente a possibilidade de realizar um teatro vivo. Onde os atores possam criar livremente sem que fiquem presos aos velhos esquemas do teatro.

Demonstrar que se pode fazer teatro ao mesmo tempo em que se ensina como fazê-lo. Demonstrar também que se pode “jogar” com teatro sem maiores pretensões e requintes cenográficos e técnicos, no que implica um grande desgaste de tempo e dinheiro.10

9Tribuna de Brusque. Brusque,10 a 16 mar.1978.

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Através da colocação acima podemos observar o desejo de trazer inovações para o teatro de Lages, tanto no âmbito estético como no âmbito da própria prática artística. A figura de Fernando Fierro, vindo de outro país e tendo experiências diversificadas na área das artes cênicas, marcou a história do teatro em Lages, pelas suas contribuições que passavam muito pela idéia de atualização da arte dramática na cidade. Além disso, podemos destacar como objetivos do grupo Gralha Azul, através da fala citada acima, um embate com um teatro “velho”, e o grupo representando o novo, o vivo. E o novo se fará pelo jogo; o jogo como princípio de trabalho de atuação e também a interação entre diretor e atores, espaço onde é possível se fazer teatro, ao mesmo tempo em que se ensina como fazê-lo.

Com Um pouco de Tudo, o grupo se apresentou em diversos distritos e núcleos populacionais da região serrana, participando também com esta montagem do debate A influência do Teatro na Comunidade, evento que ocorreu na Casa de Cultura, em Joinville, no mês de novembro de 1979.

Podemos nos questionar se o grupo Gralha Azul fazia teatro ou política? E respondo esta questão com as palavras de Guénoun:

Pode-se dizer que o teatro faz política? Não, não exatamente, O teatro acontece no espaço político, mas ele faz com que ai aconteça algo diferente do que a política faz acontecer. Há teatro no lugar da política (dentro de seu espaço, mas também em seu lugar – como uma usurpação). A representação teatral consiste em produzir, na área assim organizada, determinada – uma outra palavra, outros signos, outros adventos de sentido. (2003:41).

O engajamento político explícito dos membros do grupo não fez deles uma agremiação política, e sim um grupo teatral, cujo princípio estético entrecruzava com a política, na crença de formação do cidadão através do estético. A não renuncia à teatralidade, ao jogo, ao teatral propriamente dito é que tornou possível este cruzamento e riqueza do grupo.

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Como grupos de teatro são coletivos dinâmicos e na maioria dos casos, a permanência de seus integrantes muitas vezes não tem continuidade, algumas pessoas abandonaram o grupo após o primeiro trabalho e outros integrantes além de Hector Grillo, ingressaram no grupo em 1979, entre estes: Jean Pierre Barreto Leite e Valmor (Nini) Beltrame.

1.2.3 A rua: o espaço cênico vital para o grupo

De acordo com as fontes pesquisadas podemos concluir que o grupo Gralha Azul inaugura, pelo menos na cidade de Lages, a prática do teatro de rua. Para Lavoura (2004:122) o grupo Gralha Azul não só modificou e atualizou a abordagem estética, como também desenvolveu outra concepção ideológica sobre o teatro de seu tempo e espaço de atuação. Ainda segundo a pesquisa deste autor, verificamos que o grupo ensaiava suas peças muitas vezes em pleno calçadão, no centro da cidade, fora dos espaços eminentemente teatrais.

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Imagem n°4 – grupo Gralha Azul em apresentação da Praça João Costa, 1979 – Lages. Na foto da direita para a esquerda aparecem: Lôta Lotar, Valmor Beltrame (Nini) e Hector Grillo. Material cedido do acervo particular de Valmor (Nini) Beltrame.

Referências

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