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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO MESTRADO EM TEATRO

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO

MESTRADO EM TEATRO

LISA SOUZA BRITO

O TEATRO DE PETER BROOK NO CINEMA DE MARAT/SADE: UM ESTUDO DE ASPECTOS DA VISÃO TEATRAL DE BROOK EM SUA

OBRA CINEMATOGRÁFICA MARAT/SADE

FLORIANÓPOLIS

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LISA SOUZA BRITO

O TEATRO DE PETER BROOK NO CINEMA DE MARAT/SADE: UM ESTUDO DE ASPECTOS DA VISÃO TEATRAL DE BROOK EM SUA

OBRA CINEMATOGRÁFICA MARAT/SADE

Dissertação apresentado como requisito para à obtenção do grau de Mestrado em Teatro, Curso de Mestrado em Teatro, Linha de Pesquisa: Linguagens cênicas, corpo e subjetividade.

Orientador: Prof. José Ronaldo Faleiro

FLORIANÓPOLIS

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3 Ficha catalográfica elaborada pela biblioteca Central da UDESC

B862 t Brito Lisa Souza

O teatro de Peter Brook no cinema de Marat/Sade : um estudo de aspectos da visão teatral de Brook em sua obra cinematográfica MARAT/SADE / Lisa Souza Brito. – 2012.

111 p. : il. 30 cm

Bibliografia: p. 103 - 108 Orientador: José Ronaldo Faleiro

Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Mestrado em Teatro, Florianópolis, 2012.

1. Teatro 2. Cinema. 3. Brook, Peter. 4. Marat, Jean-Paul. 5. Marques de Sade. 6.Espaço vazio. 7. Teatralidade no cinema. I.Faleiro, José Ronaldo (orientador). II. Universidade do Estado de Santa Catarina. Mestrado em Teatro. IV.Título.

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LISA SOUZA BRITO

O TEATRO DE PETER BROOK NO CINEMA DE MARAT/SADE: UM ESTUDO DE ASPECTOS DA VISÃO TEATRAL DE BROOK EM SUA

OBRA CINEMATOGRÁFICA MARAT/SADE

Esta dissertação foi julgada aprovada para a obtenção do título de mestre, na linha de pesquisa: Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade, pelo curso de mestrado em teatro, da Universidade do Estado de Santa Catarina em 30 de Maio de 2012.

Prof. Stenphan Arnulf Baumgärtel, Dr. Coordenador do Mestrado

Apresentada à Comissão Examinadora, integrada pelos professores:

Prof. José Ronaldo Faleiro, Dr. Orientador

Prof. Luciano Pires Maia, Dr. Membro

Profa Vera Regina Martins Collaço, Dra. Membro

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AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente ao meu orientador, Professor Doutor José Ronaldo Faleiro, por ter aceitado embarcar nesta pesquisa comigo.

Agradeço aos membros da banca: Professor Doutor Luciano Maia, que há muito tempo acompanha minha carreira e, mais uma vez, para minha imensa felicidade, está ao meu lado; Professora Vera Collaço por quem tenho profunda admiração e carinho; Professora Doutora Sandra Meyer, por ter aceitado analisar o meu trabalho.

Agradeço a Morgana Martins por todo carinho, consideração e por estar sempre ao meu lado, me apoiando e incentivando.

Agradeço aos meus pais, Maria Cristina Brito e Iremar Brito, que sempre me apoiaram e me auxiliaram em todos os momentos da minha vida.

Agradeço à Capes, que apoiou a pesquisa e a tornou viável.

Agradeço a todos os amigos queridos que torceram por mim nesta etapa da minha vida, em especial a Cláudia Mussi, que me ajudou na retirada das imagens do filme de Peter Brook.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar aspectos da busca de Peter Brook no campo teatral. O espetáculo estudado para a compreensão do tema é

A perseguição e o assassinato de Jean-Paul Marat, representados pelo Grupo Teatral do Hospício de Charenton, sob a direção do Senhor de Sade, cujo

roteiro se inspira no texto dramatúrgico de autoria de Peter Weiss. Esta pesquisa busca ainda discutir o conceito de teatralidade presente no filme de Brook, tendo como ponto inicial a questão do olhar, a partir de autores como Josette Féral, Patrice Pavis, Matteo Bonfitto, e procurando estabelecer um diálogo com facetas das ideias teatrais do próprio Brook. O estudo da linguagem cinematográfica do diretor inglês procura assim considerar a teatralidade do filme fazendo uma analogia com questões do pensamento de Antonin Artaud, que dizem respeito ao teatro como um duplo da vida, em seu Teatro da Crueldade, e com as ideias de Bertolt Brecht em seu Teatro Épico, que considera o mundo passível de transformação.

Palavras-Chave: Peter Brook, Marat/Sade, espaço vazio, teatralidade no

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ABSTRACT

This present work has the goal of studying Peter Brook's search in the theater field. The play analised for a better understanding of this subject is The Persecution and Assassination of Jean-Paul Marat as performed by the Inmates of the Asylum of Charenton under the direction of the Marquis de Sade, which

script is based on Peter Weiss dramaturgy. This work also seeks to discuss the concept of the theatricality presented in Brook's film and has, as a starting point, the matter of viewing, from authors such as Josette Féral, Patrice Pavis, Matteo Bonfitto, meaning to stabilish a dialogue with the aspects of Brook's own theatrical ideas. The study of the english director's cinematic language tries to consider the theatricality of the film, creating an analogy with the matters of Antonin Artaud's thoughts on theater being a double of life, in Theater of Cruelty, along with Bertolt Brecht's ideas in Epic Theater, which considers the world as liable of transformations.

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RÉSUMÉ

Ce travail a pour but d´analyser certains aspects de la quête de Peter Brook dans le domaine de l´art théâtral. Le spectacle choisi pour essayer de comprendre le thème est La Persécution et l´assassinat de Jean-Paul Marat, presentés par la troupe de l´hospice de Charenton, sous la mise en scène du Sieur de Sade, dont le canevas s´inspire du texte dramaturgique de Peter

Weiss. Cette recherche a aussi l´intention de discuter la notion de théâtralité présente dans le film de Brook, tenant compte de la question du regard, à partir d´auteurs tels que Josette Féral, Patrice Pavis, Matteo Bonfitto, tout en essayant d´établir un dialogue avec quelques facettes de la pensée théâtrale de Brook lui-même. L´étude du langage cinématographique du metteur en scène Britanique veut encore saisir la théâtralité du film par le biais d´une analogie avec quelques questions posées par la pensée d´Antonin Artaud dans son Théâtre de la cruauté, en ce qui concerne le théâtre comme un double de la vie, et avec les idées de Bertolt Brecht dans son Théâtre Épique, lesquelles considèrent le monde passible d´une transformation.

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TABELA DE IMAGENS

Índice das legendas e suas fontes

Página

Imagem 1

Ator Adrian Lester como Hamlet

18

Imagem

2 Antonin Artaud de Monge Massieu

no filme de Carl Dreyer 30

Imagem

3 Uma Flauta mágica I 46

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4 Uma Flauta mágica II 47

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5 Marat/Sade: começo da peça 52

Imagem

6 Marat/Sade: público 53

Imagem

7 Marat/Sade: espaço da encenação 65

Imagem

8 Marat/Sade: coro de bufões 70

Imagem

9 Marat/Sade: destruição do cenário 71

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10 Marat/Sade: coro de bufões e cartaz 85

Imagem

11 Marat/Sade: assassinato de Marat 95

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ________________________________________________ 12

1 CAPÍTULO I - PETER BROOK EM CENA: ASPECTOS DO TEATRO PARA PETER BROOK _______________________________________________ 17

1.1 APRESENTAÇÃO: UM APERTO DE MÃO EM PETER BROOK ____ 17 1.2 PRODUÇÃO DE IMAGENS E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO _________ 23 1.2.1 Criação de formas na encenação ___________________________ 25 1.3 JOGO E ESPAÇO VAZIO __________________________________ 26 1.4 O RELACIONAMENTO ENTRE OS ATORES __________________ 31 1.5 MISTÉRIO E MOMENTO PRESENTE: O INVISÍVEL _____________ 33 1.6 O ATOR PARA BROOK: A IMAGINAÇÃO E A BUSCA ___________ 37 1.7 ASPECTOS DOS CENÁRIOS NAS MONTAGENS DIRIGIDAS POR PETER BROOK _______________________________________________ 40 1.8 A MÚSICA NOS ESPETÁCULOS DE PETER BROOK ____________ 43

2 CAPÍTULO II – MARAT/SADE DE PETER BROOK – UMA LEITURA DA TEATRALIDADE NO CINEMA COM INFLUÊNCIA(S) DE BRECHT E ARTAUD ____________________________________________________ 49

2.1 A TEATRALIDADE CINEMATOGRÁFICA EM MARAT/SADE DE PETER BROOK ______________________________________________________ 49 2.2 PETER WEISS E O TEXTO DE MARAT/SADE: A TENSÃO FICÇÃO/REALIDADE ___________________________________________ 60 2.2.1 Jean-Paul Marat e o Marquês de Sade: contexto histórico _______ 73 2.2.2 Jogo de Duplo no Texto de Peter Weiss ______________________ 78 2.3 PETER BROOK NO FILME MARAT/SADE: UM DIÁLOGO COM ARTAUD

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11 CONSIDERAÇÕES FINAIS______________________________________ 98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS_______________________________ 103

BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS _______________________________ 105

MATERIAL AUDIO-VISUAL ____________________________________ 107

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INTRODUÇÃO

A motivação para desenvolver este trabalho nasceu da minha prática no universo do teatro. Nasci em contato com o mundo da arte: meus pais trabalhavam com teatro e nossa casa era local constante de ensaios. Morávamos em uma casa com quintal grande, e era ali que meu pai pregava um grande tecido preto, criando um fundo em que a encenação, ou ensaio desta, aconteceria. Tínhamos um quarto que era considerado o quarto de brincar, mas quando meus pais estavam em processo de ensaio, este era reservado para a confecção do cenário e adereços e era comum acordar com eles nessa ação. Eu e meu irmão, André, adorávamos estar com eles nesse momento e tínhamos prazer em aprender a fazer objetos de cena. Acredito que ao vermos nossos pais construindo cenários encarávamos tudo como uma grande brincadeira, pois antes de qualquer coisa era divertido.

Desde cedo fiz cursos e realizei estudo sobre as artes cênicas. Com o passar do tempo comecei a buscar maior formalização dos meus estudos relativos ao teatro. Entrei para o curso de teatro da UNIRIO, onde o contato com teóricos e com a prática me fez conhecer distintas concepções sobre a arte dramática, entre as quais a de Peter Brook – o que me levou a ficar profundamente instigada por seu universo.

Além de suas peças teatrais, observava em suas obras teóricas, como também em suas ideias e filmes, a forte presença da teatralidade. A teatralidade que era concebida como um duplo da vida. Assim, diante desse universo magicamente atraente, resolvi enveredar meus estudos pela teatralidade de Peter Brook presente em seus filmes. Dada a complexidade desse objetivo inicial, pois sua produção cinematográfica é significativa, dediquei-me com maior rigor ao estudo da sua produção em Marat/Sade, a

meu ver, plena de teatralidade.

O poder das imagens do diretor inglês em Marat/Sade faz com que

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13 linguagem em Marat/Sade que destaca sua relação profunda com a arte

teatral, isto é, a sua teatralidade.

Nesse sentido, este trabalho pretende observar aspectos da natureza desse teatro instaurado pelo cinema, investigando características da linguagem do filme que podem ser identificadas como instauradoras da teatralidade. O pensamento de Brook é extremamente abrangente e revela uma prática. Além disso, por não ser exatamente um teórico, um cientista da arte do teatro, mas um artista que pensa o teatro, Brook expõe ideias que apresentam dificuldade para serem objetivadas, compreendidas ou até mesmo definidas conceitualmente, como solicita o discurso acadêmico.

Assim, este trabalho não pretende esgotar essa temática, tendo em vista que a teatralidade contém uma temática complexa e identificá-la na obra de Brook acompanha a natureza da sua complexidade. Além disso, a teatralidade se modifica como afirma Josette Féral, com a história do sujeito observador, que é limitado ao seu tempo. Diante do exposto, esta pesquisa pretende apontar questões relacionadas a presença da teatralidade no filme Marat/Sade

– tendo, porém, consciência dos limites da sua abrangência, não apenas pela complexidade do conceito, como também pela própria complexidade da linguagem do espetáculo/filme de Peter Brook.

A abrangência do que Brook afirma e a própria complexidade da arte teatral remete o trabalho ao reconhecimento dos seus limites. Dessa forma, foram eleitos alguns pontos de vista do pensamento teatral de Brook que são ressaltados e analisados com maior atenção, ainda que com suas limitações, para avaliar o teatro e seu diálogo com o cinema na linguagem híbrida de

Marat/Sade.

No sentido da decodificação do universo do pensamento teatral de Brook, o trabalho pretende investigar no primeiro capítulo algumas noções que se constituem como uma presença relevante no seu teatro, como, por exemplo, a sua concepção de espaço vazio, de imaginação, de diálogo entre ator e espectador. Com isso desejo fazer uma análise a respeito da relação desses signos na linguagem do filme Marat/Sade, realizado pelo diretor na década de

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14 Em seguida, a pesquisa analisa o texto de Marat/Sade, de Peter Weiss,

detendo-se com mais rigor na presença daqueles fatores que, na perspectiva de Brook, traçam a contemporaneidade da obra. Em continuação o trabalho analisa a presença de Brecht e Artaud no filme de Brook, os quais, segundo Odette Aslan, em seu livro O ator no século XX (1994), constituem as duas

grandes tendências do teatro no século XX. Busca-se então evidenciar o caráter épico ou de crueldade identificados no filme de Brook, no âmbito desses dois artistas do teatro, cujo pensamento torna possível a leitura da presença da teatralidade no cinema de Brook.

Nesse sentido, ao buscar qual seria o evento comum à teatralidade e ao cinema, observa-se a importância do olhar do espectador seja no teatro, seja no cinema. No filme de Brook, a câmera busca assumir as possibilidades de olhar que o espectador possui no teatro, observando o filme do ponto de vista racional ou crítico – como prescreve o Teatro Épico de Brecht —, enquanto é simultaneamente levado a se inserir totalmente — na perspectiva de Artaud —, em um universo em que a peste lentamente se estrutura e toma conta de tudo como uma epidemia. Esse mundo que se descortina nos olhos do espectador por meio da lente da câmera expõe contradições existentes, mergulhando-o completamente no universo criado ou propondo uma reflexão sobre ele. O caráter épico ou da crueldade do filme de Brook será assim analisado, evidenciando a natureza desse caráter na sua teatralidade.

O trabalho pretende, assim, sugerir um olhar que se replica sobre o olhar da câmera e que pode observar um pouco da origem do invisível proposto por Brook no seu teatro. Por esse ângulo encontra a sua relevância em descobrir ou identificar aspectos do mistério da presença do teatro na arte cinematográfica de Marat/Sade, estruturada por Peter Brook em uma

linguagem híbrida que se origina na integração entre o teatro e o cinema.

Com a proposta de esclarecer o pensamento de Brook na imagem e no som, e utilizando o universo conceitual discutido no primeiro capítulo, no segundo capitulo o trabalho envereda dessa maneira por aspectos da peça

Marat/Sade (1966)1, em sua versão cinematográfica. Trata-se então de

1 Direção de Peter Brook, roteiro de Mitchell, baseado em peça teatral de Peter Weiss, origem

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15 identificar na montagem relações entre o filme e as propostas teatrais de Brook relacionadas à visão do espectador num universo mediado pela câmera. Os estudos se voltam, pois, particularmente para sua concepção de vazio, de imaginação e de diálogo verdadeiro.

Tal estudo também diz respeito ao texto dramático de Peter Weiss, a partir do qual Brook faz com que os atores desempenhem seu trabalho na construção do espaço da cena. Uma vez concebido como um espaço vazio, ele está pronto para revelar as fricções entre a linguagem teatral e a cinematográfica. Seguindo este pensamento, o segundo capítulo pretende ainda analisar o conceito de teatralidade presente no filme, inspirado em teóricos e estudiosos do teatro, envereda igualmente pela teatralidade épica ou da crueldade concebida no pensamento de Bertolt Brecht e Antonin Artaud.

Partindo do pensamento de que o olhar da câmera determina o espaço em que a encenação é realizada, o segundo capítulo busca também estabelecer um paralelo entre esse olhar da câmera, o olhar do espectador e o espaço vazio cunhado por Brook. Esse espaço é concebido, na perspectiva de Brecht, como um mundo pleno de contradições e passível de modificação. E, simultaneamente, é apresentado como um mundo devorado por uma epidemia, cujas contradições o conduzem a um processo de destruição ou escatologia, que, pela destruição, prenuncia, segundo Mircea Eliade, o surgimento de uma nova era.

Assim, no espaço ficcional do manicômio, onde se desenvolve a fábula de Peter Weiss que representa aspectos do contexto revolucionário francês, observamos o teatro sobre o teatro, ou o teatro dentro do teatro. Peter Brook expõe e enfatiza essa realidade construindo um espetáculo cinematográfico que se funda na fusão do olhar da câmera com o do espectador, despertando nele a imaginação.

Nesse universo em que a realidade se constrói a partir da proposta de criação de um espaço vazio, que cede lugar à imaginação e ao diálogo verdadeiro entre ator e espectador, este trabalho busca discriminar aspectos da

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16 teatralidade concebida por Peter Brook na construção da linguagem híbrida do filme Marat/Sade.

O tema é profundo e complexo e esta pesquisa tem consciência de que o assunto não se esgota, mas sua intenção não é essa. Este trabalho pretende apenas levantar algumas questões que podem ser pertinentes e relevantes aos estudos do teatro – questões que partem da presença e discriminação da teatralidade, com seus segredos e mistérios em suas possíveis manifestações na contemporaneidade, como a que ocorre no filme Marat/Sade, de Peter

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17 CAPÍTULO I: PETER BROOK EM CENA: ASPECTOS DO TEATRO PARA

PETER BROOK

1.1 APRESENTAÇÃO: UM APERTO DE MÃO EM PETER BROOK

Peter Brook nasceu no dia 21 de março de 1925 em Londres e iniciou seus estudos em cinema na Oxford University em 1942. Desde a universidade,

quando fez o curso de cinema, despertou seu interesse pelo teatro, tendo investigado posteriormente o pensamento de artistas e teóricos dessa arte como Bertolt Brecht e Antonin Artaud. A presença da influência desses encenadores está refletida em diferentes trabalhos de Brook, como na montagem cinematográfica de A perseguição e o assassinato de Jean-Paul

Marat representados pelo Grupo Teatral do Hospício de Charenton, sob a

direção do Senhor de Sade (The persecution and assassination of Jean-Paul

Marat as performed by the inmates of the asylum at Charenton under the

direction of the Marquis of Sade), com texto dramatúrgico de Peter Weiss2, que

será estudada no próximo capítulo.

Brook viveu muito tempo em Londres, onde nasceu, começou sua carreira, e se afirmou como diretor de teatro e ópera. Montou diferentes obras de William Shakespeare (como Trabalhos de amor perdidos em 1946, Romeu e Julieta em 1947, Hamlet em 1955), La Bohème de Giacomo

Puccini em 1948, criações coletivas como Teatro da crueldade, e

Marat/Sade3, de Peter Weiss, em 1964. Além dessas, também realizou

muitas outras obras que se destacam nas artes cênicas da contemporaneidade. Em 1966, após dois anos em cartaz, Peter Brook transpôs para o cinema a peça Marat/Sade.

Brook realizou diferentes tipos de pesquisas e explorações práticas no campo teatral, entre as quais se destaca a busca de eliminar ao máximo a

2 Peter Weiss.

Die Verfolgung und Ermordung Jean Paul Marats dargestellt durch die

Schauspielgruppe des Hospizes zu Charenton unter Anleitung des Herrn de Sade. Frankfurt am

Main: Suhrkamp, 1964. Edição brasileira: Perseguição e Assassinato de Jean Paul Marat; Representados pelo Grupo Teatral do Hospício de Charenton, sob a direção do Senhor de

Sade. Drama em dois atos. Tradução de João Marschner. São Paulo: Grijalbo, 1968.

3A partir deste momento nesta dissertação a obra intitulada

A perseguição e o assassinato de Jean Paul Marat representados pelo Grupo Teatral do Hospício de Charenton, sob a direção do

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18 distância entre o ator e o público, tendo em vista a existência de um verdadeiro diálogo entre ambos. Em suas peças, de modo geral, os atores em algum momento interagem mais claramente com a plateia, ao se dirigirem a ela e falam abertamente. Por exemplo, na peça The Tragedy of Hamlet, que veio ao

Brasil em 2008, o personagem Hamlet, representado pelo ator Adrian Lester, em momento de grande angústia expressa suas dúvidas existências, olha nos olhos do público, busca efetivamente um interlocutor – silencioso, porém ativo – com quem compartilhar sua apreensão. Esse contato pode ser visto na foto abaixo:

Imagem 1: O ator, Adrian Lester como Hamlet 4

Larissa Elias, Doutora em teatro pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e professora adjunta do curso de Artes Cênicas da Escola de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em sua dissertação de Mestrado O Vazio de Peter Brook: ausência e plenitude,

defendida em 2004, ressalta a busca do artista por uma maior aproximação do espetáculo por meio do diálogo com o público. Tal pensamento se desenvolve a partir das montagens shakesperianas realizadas ao longo de sua carreira. Refletindo sobre o trabalho de Brook desde o tempo em que estava na Royal

Shakespeare Company até os dias de hoje, Elias afirma:

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19 São suas reflexões sobre a necessidade de um espaço aberto, desobstruído, prático, portanto, mais livre para a criação, que proporcionasse uma relação mais direta do ator com a plateia, cuja origem parece estar em suas montagens dos textos de Shakespeare (Elias, 2004: 22).

A relação com a plateia é, pois, fundamental ao teatro para Brook, já que é por seu intermédio que o público pode viver em conjunto uma experiência comum, a partir do surgimento de uma reação a um aspecto da realidade, evocada pelo ator. Ele mesmo esclareceu a experiência chamando-a de “impressão coletiva”: “O aspecto da realidade que o ator está evocando deve despertar uma reação na mesma área em cada espectador, fazendo com que, por um momento, o público viva uma impressão coletiva” (Brook, 1999: 70).

Ao se mudar para Paris em 1970, Brook começou uma nova fase em sua carreira. Seus experimentos o levaram naquele momento aos carpet

shows. O processo teve a origem no espaço cedido pelo governo parisiense

para os ensaios do CICT –Centre International de Créations Théâtrales5–, que

era um grupo de investigação teatral criado por Brook com o intuito de pesquisar teatro com atores de diferentes culturas. O lugar cedido, em que Brook trabalhou, foi uma das grandes salas de tapeçaria da Manufatura dos Gobelinos, muito antiga, impregnada de história e energia, impulsionando Brook a novas experimentações6. Ele já havia ensaiado naquele local antes, como Elias relembra:

1968 é o ano em que se inicia claramente sua [de Brook] formulação cênica. Neste ano, Jean-Louis Barrault, que coordenava o festival Théâtre des Nations, convidou Peter Brook para dirigir A tempestade de Shakespeare. [...] depois das pesquisas iniciadas com o Teatro da crueldade, em 1964, sugeriu a formação de um grupo experimental de atores internacionais, para trabalhar durante dois meses. O lugar encontrado para os ensaios

5 Centro Internacional de Criações Teatrais.

6 O lugar pertenceu a uma família de tintureiros (

Les Gobelin). Era conhecido também como

Manufacture des Gobelins, ou somente por fábrica real, pois serviu à corte de Louis XIV. No

século XV o primeiro dono havia descoberto uma espécie de corante carmesim e, por isso, fundou a fábrica. Atualmente tem o nome de Mobilier National. É uma espécie de depósito da

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20 era uma sala destinada à exposição de tapeçarias no Mobilier National [...] (Elias, 2008: 01)

No entanto, foi apenas em 1970 que Brook permaneceu no local por mais tempo. Teve a ideia de delimitar o espaço para trabalhar e resolveu usar um tapete para isso. Assim, a encenação ocorria em cima do tapete. Mas foi na sua viagem à África que o processo se deu com maior clareza.

Em sua dissertação intitulada A perspectiva orgânica da ação vocal no

trabalho de Stanislavski, Grotowski e Brook, defendida na Escola de Belas

Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2011, referindo-se aos carpet shows, Cristiano Gonçalves comenta a sua importância para o

desenvolvimento e envolvimento do trabalho dos atores com textos de Shakespeare. Na visão de Brook, esses trabalhos apresentam uma grande compressão de tempo e espaço, responsável por uma intensificação de energia, que estabeleceria um estreito vínculo com o espectador:

Carpet Show: um tapete colocado sobre o chão que

limitava e definia a relação: dentro do tapete é teatro e fora do tapete é público. Foi através desse tipo de experimento que Brook testou as bases técnicas do teatro shakespeariano e do trabalho do ator: quando o ator pisa no tapete o simples olhar do público exige que ele tenha uma outra relação com sua presença, e que estabeleça, de imediato, uma intenção clara e direcionada. Brook descobriu também que para estudar Shakespeare a melhor forma era improvisá-lo sobre o tapete. No teatro do dramaturgo inglês, existe uma compressão do tempo e do espaço – na fábula, os eventos que ocorreram em um intervalo de anos e em países diferentes podem ocorrer em minutos dentro do mesmo tapete. Essa compressão gera uma intensificação da energia que estabelece um vínculo com o espectador (Gonçalves, 2011: 101/102).

Após esse período, em 1974, já morando em Paris, ocupou o Théâtre

des Bouffes du Nord, situado no 37 bis, boulevard de La Chapelle, 75010.

Acompanhou a reforma do teatro e quis que ele mantivesse a aparência de inacabado, como se estivesse em ruínas, pois acreditava que isso, de certa forma, ajudava o trabalho que seria realizado. O espetáculo que marca a inauguração é Timão de Atenas, de Shakespeare. A estreia aconteceu no

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21 admiração por Shakespeare. Em sua carreira como diretor de teatro, no início dos anos 60 do século XX, se tornou um dos diretores da Royal

Shakespeare Company, e com isso foi responsável por algumas montagens

que, de certa maneira, quebravam padrões já preestabelecidos dos espetáculos mais tradicionais da companhia. Ao longo de sua vida no teatro montou cerca de 15 espetáculos de Shakespeare, incluindo montagens e remontagens.

Para a montagem da peça Timão de Atenas, o fato de delimitar o espaço

destinado à encenação – que ocorreu nas experiências vividas no processo com o carpet show – e o fato de realizar naquele período uma profunda

investigação sobre a improvisação. De fato, a peça não foi explorada de uma forma tradicional, e sim por meio de improvisações que tinham uma relação direta com a busca, a ocupação e a manipulação do espaço. Essa montagem, que teve estreia no teatro de Paris, também não se enquadrou nos padrões clássicos de concepção do texto, mas em uma perspectiva de teatro experimental realizado por Peter Brook.

Matteo Bonfitto, professor Doutor pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP –, em seu livro A cinética do invisível, expõe sobre a

técnica de carpet show de Brook, chamando-a de “não-interpretação”, devido

ao cancelamento entre as fronteiras que separariam o ator e o personagem:

Em direta conexão com as práticas experimentadas durante as viagens do CIRT, os atores de Brook exploraram uma qualidade de “não - interpretação”. [...] O modo como exploraram as palavras e o universo de Shakespeare, o modo como as suas ações eram materializadas, transmitiram qualidades de incorporação (embodiment) através das quais fronteiras entre o ator e o

personagem parecem ter sido canceladas. [...] A qualidade de presença e de relação experenciada (sic)

nos carpet shows parece ter funcionado como uma

componente significativa do trabalho do ator em Timão de Atenas (Bonfitto, 2009: 96-97)7.

7 Com a ida de Peter Brook e sua trupe à Paris em 1968, começou uma primeira variante do

CIRT – Centre International de Recherches Théâtrales (Centro Internacional de Pesquisas

Teatrais). Brook fundou o CICT (Centre International de Créations Théâtrales) em 1973 e se

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22 Brook usa o recurso de improvisação no seu processo de concepção de um espetáculo. A sua concepção de improvisação na cena teatral implica na aquisição pelo ator de uma técnica precisa e difícil para a construção de um diálogo íntimo com o receptor. Esse diálogo é assim instaurado a partir de uma perspectiva de preparação do ator para que possa estar disponível a desenvolver um verdadeiro encontro com a plateia. Sobre esse assunto este assunto Brook afirma que:

Aprendemos que a improvisação é uma técnica excepcionalmente difícil e precisa, muito diversa da ideia generalizada de um “happening” espontâneo. Improvisar requer dos atores amplo domínio de todos os aspectos do teatro. Requer treinamento específico, grande generosidade e também senso de humor. A improvisação genuína, que leva ao verdadeiro encontro com a plateia, ocorre apenas quando os espectadores sentem que são amados e respeitados pelos atores (Brook, 1995: 156).

Estabelece uma relação profunda com a prática da improvisação feita em diferentes contextos de pesquisa, sempre valorizando o trabalho na relação dos atores com o todo presente no momento do espetáculo. Dessa forma a interpretação se constitui em um meio de estruturar um relacionamento diferente na própria vida do artista, que não conta com nada preestabelecido, nada preparado de antemão, como reconhece em seu livro

O ponto de mudança:

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23 A partir dessa afirmação é possível perceber que o ator de Brook desenvolve um estreito vínculo com o espectador, sendo este consequência da clareza dos papéis no espaço (dentro do tapete é teatro, fora é público) e da intensificação da energia advinda da compressão do tempo e do espaço.

1.2 PRODUÇÃO DE IMAGENS E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO

Como já foi observado anteriormente, Peter Brook é diretor de teatro e de cinema. Concebe uma estreita relação entre as duas artes pela importância que atribui à imagem, por possibilitar o nascimento de um mundo paralelo e sedutor. Esclarece tal relação em um trecho de seu livro Fios do tempo:

Quando começava uma produção, eu não tinha qualquer ideia intelectual; apenas seguia um desejo instintivo de produzir imagens que se moviam. A moldura do proscênio era como uma tela de cinema estereoscópica na qual luzes, música e efeitos eram todos tão importantes quanto a interpretação, pois meu único desejo era, como em uma mágica, fazer aparecer um mundo paralelo e mais sedutor (Brook, 2000: 61).

Esse mundo paralelo e sedutor almejado por Brook é composto por imagens, cuja força tem o poder de devorar, engolir e preencher o indivíduo, impedindo-o de pensar, sentir ou imaginar qualquer outra coisa, além daquilo com que elas o sensibilizam visualmente. Isso acontece no momento em que a impressão da imagem é causada, como afirma em seu livro O ponto de mudança:

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24 Esse poder sensorial da imagem estabelecido por Brook também é extremamente valorizado por Artaud ao comentar o que seria para ele a verdadeira linguagem do teatro. Silvia Fernandes e Jacob Guinsburg no prefácio do livro Linguagem e vida (Artaud, 1995: 15) reconhecem que dirigir

teatro, segundo Artaud, significa extrair de um texto as imagens que ele sugere, e citam para justificar-lhe o pensamento o seu escrito A evolução do

cenário, publicado em Linguagem e vida:

O que perdemos do lado estritamente místico, podemos reconquistá-lo do lado intelectual. Mas cumpre, para isso, reaprender a ser místico, ao menos de uma certa maneira; e dedicando-nos a um texto, esquecendo a nós mesmos, esquecendo o teatro, esperar e fixar as imagens que nascerão em nós nuas, naturais, excessivas e ir até o extremo destas imagens (Artaud, 1995: 27).

Valorizando o poder da imagem de agir sobre o espectador, Brook estaria também realçando aquilo que constitui para Artaud a encenação: “Teatro é encenação, muito mais do que a peça escrita e falada” (Artaud, 1993: 31) – ou a própria linguagem do teatro, que segundo Artaud se diferencia da linguagem verbal:

Mais urgente me parece determinar em que consiste essa linguagem física, essa linguagem material e sólida através da qual o teatro pode se distinguir da palavra. Ela consiste em tudo o que ocupa a cena, em tudo aquilo que pode se manifestar e exprimir materialmente numa cena (Artaud, 1993: 31).

Mais adiante, em sua poética da crueldade, O teatro e seu duplo, Artaud

(25)

25 Além disso, os gestos simbólicos, as máscaras, as atitudes, os movimentos particulares ou de conjunto, cujas inúmeras significações constituem uma parte importante da linguagem concreta do teatro, gestos evocadores, atitudes emotivas ou arbitrárias, marcação desvairada de ritmos e sons se duplicarão, serão multiplicados por uma espécie de gestos e atitudes reflexos, constituídos pelo acúmulo de todos os gestos impulsivos, de todas as atitudes falhas, de todos os lapsos do espírito e da língua através dos quais se manifesta aquilo que se poderia chamar de impotências da palavra, e existe nisso uma prodigiosa riqueza de expressão, à qual não deixaremos de recorrer ocasionalmente (Artaud, 1993: 91).

Dessa maneira, valorizando a imagem, Brook encontrará nos meios de ocupação do espaço proposto por Artaud os meios de construção de imagens. Tais fatores estruturam uma linguagem comum ao cinema pela busca das imagens, e ao teatro, na perspectiva de Artaud, a estrutura de uma linguagem de signos no espaço.

1.2.1 Criação de formas e imagens na encenação

A encenação preconizada por Artaud é estruturada como uma linguagem em signos, como observa em seu primeiro manifesto do Teatro da Crueldade ao descrever a linguagem em cena:

No que diz respeito aos objetos comuns ou mesmo ao corpo humano, elevados à dignidade de signos, é evidente que se pode buscar inspiração nos caracteres hieroglíficos, não apenas para anotar esses signos de uma maneira legível e que permita sua reprodução conforme a vontade, mas também para compor em cena símbolos precisos e legíveis diretamente (Artaud, 1993: 90).

Tais signos estruturadores da encenação são construtores de imagens e parecem ser uma presença fundamental à concepção do teatro ou do cinema de Brook. Inspirado na potência da imagem, busca a sua construção através da articulação de signos originados na pesquisa através de formas. Brook investiga essa linguagem, como afirma em seu livro A porta aberta: “O

(26)

26

dizendo ao mesmo tempo: ‘é provisória, tem que ser renovada’ trata-se de uma

dinâmica que nunca terá fim” (Brook, 1999: 45). A imagem em Brook se estrutura como pesquisa de formas que se relacionam no espaço. As formas atuam como um conjunto de signos que ganham sentidos e unidade na sua encenação.

1.3 JOGO E ESPAÇO VAZIO

Nos diversos livros que publicou, Brook expõe ideias que são fundamentais para a compreensão e para a construção da arte teatral na sua prática e na sua vida. Em O teatro e seu espaço, o encenador sugere que,

embora representar exija muito trabalho, quando se experimenta o trabalho como uma brincadeira ele deixa de ter a conotação de trabalho. Brook conclui seu pensamento afirmando que “A play is play” (Brook, 1970: 151), e com isso,

faz um jogo de palavras, relacionando o teatro ao jogo, a uma brincadeira. Para Brook, na perspectiva do jogo, o teatro tem suas regras, possibilidade de improvisação dentro de parâmetros estabelecidos; ocorre no presente; é imprevisível e jamais será repetido:

[...] acho que o esporte fornece as imagens mais precisas e as melhores metáforas para a performance teatral. Sob certo aspecto, numa corrida ou num jogo de futebol, não há liberdade alguma. Existem regras, o jogo é calculado segundo rígidos parâmetros, como no teatro, onde cada ator aprende seu papel e respeita-o até a última palavra. Mas este contexto determinante não o impede de improvisar quando chega a hora. Dada a largada, o corredor vale-se de todos os meios ao seu dispor. Iniciado o espetáculo, o ator entra na estrutura da mise-en-scène:

(27)

27 Brook finaliza afirmando o pensamento, de que a preparação rigorosa para o jogo não impede o inesperado que o caracteriza. Nesse sentido, é possível relacionar o jogo citado por Brook com a dinâmica de construção de formas. Esta adquire sentidos na medida em que se estrutura como signos na linguagem da cena e possui um ciclo vital, isto é, um movimento constante, algo que traz em si uma pulsação de vida. A questão do ciclo vital das formas será investigada posteriormente neste trabalho.

As formas criadas acontecem no espaço. Na perspectiva de Brook, a regra fundamental para que se estruture o jogo do teatro é a presença daquilo que ele denomina como “espaço vazio”:

Para que alguma coisa relevante ocorra, é preciso criar um espaço vazio. O espaço vazio permite que surja um fenômeno novo, porque tudo que diz respeito ao conteúdo, significado, expressão, linguagem e música só pode existir se a experiência for nova e original. Mas nenhuma experiência nova e original é possível se não houver um espaço puro, virgem, pronto para recebê-la (Brook, 1999: 04).

O espaço vazio pode ser visto na objetividade da cena ou na subjetividade do ator ou do espectador. Um dos aspectos inerentes ao deste termo é a ausência de cenário e a forte presença do imaginário, o que possibilita ao espectador a liberdade de atenção e criação de processos mentais, como comenta Larissa Elias:

[...] o espaço vazio é o preenchimento pelo livre jogo da imaginação, pois ao se deparar com um palco vazio, o espectador é tomado por um impulso que cria uma imagem. Se houver, porém, um único elemento que ilustre a realidade, como um barco de verdade; ou a tentativa de reproduzir uma ilha com árvores etc., o jogo é quebrado, e o que se vê é algo colado à realidade, e não alguma coisa que se confronte com ela (Elias, 2004: 105).

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28 potencial, um espaço significante cujo significado pode e deve ser dinamicamente preenchido.

Se o espaço vazio for comparado à abstração da lingua e de suas imensas possibilidades de realização em fala e em discurso pode-se perceber que este termo para Brook tem uma plenitude de sentidos, de possibilidades e de preenchimento de lacunas. Esses fatores podem ser aplicados tanto na ordem da objetividade como o cenário, figurino, iluminação, adereços, como aqueles da ordem da subjetividade que dizem respeito a pensamentos, sentimentos e emoções, todo um reservatório de energia que estabelece a relação e a tensão entre o ator e o espectdor no teatro. O próprio Brook afirma em entrevista, o espaço vazio é um espaço de virtualidade de nascimento:

Quando falo de espaço, não me estou a referir ao espaço

no sentido geográfico ou físico. Para mim, este conceito tem um significado muito mais lato. Espaço é tudo o que ainda não tem forma e tudo o que ainda não tem forma constinui uma potencialidade; isto é, a potencialidade do nascimento, da criação depende de um espaço que ainda não foi preenchido, não foi determinado. O espaço vazio

significa a virtualidade, o que era antes do big bang com

todos os seus significados (Sucher, 1999: 325).

O espaço vazio permite a elaboração de um mundo complexo, fazendo a imaginação do espectador ser liberada com constância. Assim, ela é criada e recriada a cada momento, relação, palavra ou gesto. O espaço vazio se torna fundamental na encenação e no seu processo, como o próprio Brook comenta:

(29)

29 O artista ressalta a necessidade do espaço vazio para que seja reavivado o seu valor a cada momento. A presença deste enfatiza que se nos limitarmos “a colocar duas pessoas lado a lado num espaço vazio, a atenção dos espectadores se estenderá aos menores detalhes” (Brook, 1999: 22), estabelecendo um diálogo íntimo com o espectador.

A figura do contador de história se torna então, para Brook, uma maneira de alcançar o público, levando o ator a estar em constante exercício da presença do outro. O corpo do ator se torna um meio, um instrumento. Essa estreita relação é um dos objetivos de Brook, que deseja o estabelecimento de um diálogo profundo e verdadeiro com o público. No entanto, manter o contato com o seu interior e com a plateia não seria um paradoxo para o ator, porque ao atuar como contador de histórias, o ator aumenta a potencialidade de sua atenção. Isso faz com que se possa dividi-la consigo mesmo e com o público aumentando o seu contato, seu diálogo com a plateia. Gonçalves comenta a relação entre a atenção e o ato de contar histórias, referindo-se ao momento em que Brook iniciou sua investigação sobre este tema:

Esse paradoxo foi a chave que conduziu Brook a enxergar na figura do contador de histórias, referencial para o

trabalho de seus atores. Na visão Brook, o jogo dos atores na cena deve incluir o público de forma que os ouvidos, a voz e o gesto do ator estejam abertos à sensação da presença do público. Na perspectiva do trabalho do ator, os contadores de histórias ampliam a atuação do ator de forma a incluir o público como elemento imprescindível para a eficácia da cena (Gonçalves, 2011: 102).

Dessa maneira, Brook valoriza o ato de contar histórias pela noção da presença como um dado fundamental ao trabalho do ator no seu relacionamento com o outro e com o público, superando o paradoxo.

Ao relacionar o espaço vazio com a arte cinematográfica, que tem como foco fundamental a imagem contextualizada, Brook percebe a dificuldade da aplicação deste termo. Devido à natureza realista da fotografia, o ator está sempre num contexto e nunca fora dele, isto é, nunca com uma cenografia abstrata, num espaço vazio. Brook reconhece apenas A paixão de Joana d’Arc

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30 Artaud, como um exemplo certeiro da utilização do espaço vazio (Brook, 1999: 22).

A obra A paixão de Joana d’Arc (1927 - 1928) foi o primeiro filme

realizado na França por Carl Dreyer antes de “Vampiro” em 1932. O roteiro escrito em conjunto com Dreyer e Joseph Delteil, se fundamenta no epsódio do proecesso de Joana d´Arc e na visão de personagem em grandes planos e em close up. Isso acontece não apenas com o personagem de Joana mas

também com os papéis secundários como do Monge Massieu representado por Artaud, que revela suas lembranças da filmagem com Dreyer:

Sei que eu guardei do meu trabalho com Dreyer lembranças inesquecíveis. Encontrei um homem que me fez crer na justiça, na beleza e no interesse humano da sua concepção. E fossem quais fossem as minhas ideias sobre o cinema, sobre a poesia, sobre a vida, por uma vez percebi que já não me prendia a uma estética, a uma opinião preconcebida, mas a uma obra (Fau, 2006: 148 - Tradução minha)8.

Imagem 2: Antonin Artaud de Monge Massieu no filme de Carl Dreyer9.

8

Je sais que j´ai gardé de mon travail avec Dreyer des souvenirs inoubliables. J´ai eu affaire à un homme qui est parvenu à me faire croire à la justesse, à la beauté et à l´intérêt humain de sa conception. Et quelles qu´aient pu être més idées sur le cinéma, sur la poésie, sur la vie, pour une fois je me suis rendu compte que je n´avais plus affaire à une esthétique, à un parti

pris, mais à une œuvre(Fau, 2006: 148).

(31)

31 A abstração do cenário com influência expressionista funcionava no filme como um espaço vazio pelo seu poder sugestivo de fazer agir a imaginação do espectador. A propósito desse assunto, Brook afirma que no teatro pode-se imaginar um ator com roupas normais e com gorro branco de esquiador representando o papa (Brook, 1999: 23). Em seguida, Brook conclui a impossibilidade dessa ação no cinema:

No cinema isso seria impossivel. Precisaríamos de uma explicação plausível, como por exemplo, de que a história se passa num manicômio, onde o paciente de gorro branco tem alucinações sobre a igreja, pois do contrário a imagem não teria sentido (Brook, 1999: 23).

O filme dirigido por Brook, Marat/Sade, cuja a ação ocorre em um

manicômio, os personagens se caracterizam metonimicamente, seus figurinos funcionam como o tal “gorro branco”. Sendo assim Brook em Marat/Sade,

aproxima o filme do teatro, buscando a teatralidade que é produzida pelo cinema, o qual à sua maneira, leva o espectador a preencher com a imaginação o espaço vazio. Tal espaço se refere não apenas ao cenário, mas ao enredo, ao ambiente, às personagens enfim, a tudo que constrói a encenação do fragmentado texto de Peter Weiss e que chega ao espectador pelo olhar da câmera.

Embora Brook utilize a palavra “vazio”, e possa se considerar que nenhum espaço ao ser observado por uma pessoa seja plenamente vazio de significado, Brook se refere a um espaço vazio que seria um lugar com infinitas possibilidades de significação: um espaço virtual, pronto para ganhar outro nivel de significado que não está no concreto mas no imaginário do sujeito que o observa. Novamente é possivel perceber que grande parte da pesquisa que Brook expõe sobre o teatro é marcada pela relação entre o ator e o espectador.

1.4 O RELACIONAMENTO ENTRE OS ATORES

(32)

32 imaginação. As improvisações são um meio de exercitar o jogo. A constante necessidade de exercitar essa técnica se relaciona como uma espécie de musculatura que precisa ser trabalhada cotidianamente para não ser perdida. Nesse sentido Brook tem um pensamento semelhante ao de Artaud, que reconhece o ator como um atleta do coração, cuja “musculatura afetiva” precisa ser exercitada:

É preciso admitir no ator uma espécie de musculatura afetiva que corresponde a localizações físicas dos sentimentos. O ator é como um verdadeiro atleta físico, mas com a ressalva surpreendente de que ao organismo do atleta corresponde um organismo afetivo análogo, e que é paralelo ao outro, que é como o duplo do outro embora não aja no mesmo plano. O ator é como um atleta do coração (Artaud,1993: 129).

Dessa forma, a imaginação, para Brook, como o afeto para Artaud, seriam muscularmente exercitáveis pelo ator. Brook reconhece a importância da imaginação no vazio do teatro e, paradoxalmente, observa que “quanto menos se oferece à imaginação, mais feliz ela fica, porque é como um músculo que gosta de se exercitar em jogos” (Brook, 1999: 23). Assim, o maior jogo da imaginação é obter do público a cumplicidade da ação teatral, para que ele aceite que “uma garrafa se torne a torre de pisa ou um foguete a caminho da lua. A imaginação, feliz, jogará esta espécie de jogo, desde que o ator não esteja em parte alguma” (Brook, 1999: 23). Nesse jogo estabelecido pela imaginação no espaço vazio tudo pode mudar rapidamente a partir da instauração do verdadeiro relacionamento entre os atores e a plateia. O jogo se estabelece pelo preenchimento das lacunas oferecidas pelos signos enquanto objeto ou espaço vazio que se estruturam como uma linguagem no espaço.

(33)

33 acredita que desta maneira, o ensaio será mais proveitoso para a realização do trabalho.

Segundo Artaud, os signos devem ser construídos no espaço, como uma espécie de poesia. Estes têm algo de singular e dialogam entre si. No entanto, Artaud sugere que estes signos tenham uma dupla natureza (Artaud, 1999: 39). O jogo de signos que estruturam a cena, como sugere Artaud, pode ser relacionado ao que Brook discute sobre o nascer como assumir uma forma, e toda a forma supõe nascimento e morte. O trabalho no teatro, segundo Brook, é a busca da forma adequada. Essa busca consiste no investimento lúdico de energia em busca da forma que preencherá o espaço vazio. Desse modo a materialização de energia constante de nascimento, morte e renascimento de forma é o processo de enformar um compromisso que implica em aceitar o caráter provisório da forma que precisa ser renovada. O nascimento que é assumir uma forma, na Índia tem o nome de sphota, e,

segundo Brook, sphota expressa o que está manifesto e o que não está.

Existem energias informes e em determinado momento há uma explosão que corresponde à sphota. É a forma que corresponde à encarnação dessa

energia.

1.5 MISTÉRIO E MOMENTO PRESENTE: O INVISÍVEL

O trabalho com a arte teatral, que é ao mesmo tempo subjetiva e complexa, existe alguma característica que o profissional usa como certa premissa, e que deve ser considerado fundamental ao desenvolvimento do trabalho. No caso de Brook, que é um encenador com um trabalho sólido, ao conceber uma obra, existe algo que considera essencial para que seja possivel a realização desta.

Para ele, “a essência do teatro reside num mistério chamado momento

presente” (Brook, 1999: 68). É um momento surpreendente, que traz em um

átomo de tempo (Brook, 1999: 69) um universo inteiro contido em sua infinita

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34 Importa o momento que o teatro é capaz de proporcionar: “O aspecto da realidade que o ator está evocando deve despertar uma reação na mesma área em cada espectador, fazer com que, por um momento, o público viva uma impressão coletiva” (Brook, 1999: 70).

Com o foco na realidade do momento presente, Brook observa, por um lado, que nele se abstrairia a noção de tempo. Por outro lado, considera que cada momento estaria relacionado ao anterior e ao seguinte numa corrente incessante e infinita: “Assim, em todo espetáculo teatral, deparamo-nos com uma lei inevitável: o espetáculo é um fluxo que tem uma curva ascendente e descendente” (Brook, 1999: 70).

Para o encenador, a aceitação do mistério é fundamental. Por isso o homem deve manter o sentimento de assombro sem o qual a vida perde o sentido. Afirma, porém, que o ofício do teatro não pode ser misterioso, há sempre um degrau a mais para ser escalado, alçando um passo na direção de seu objetivo. Os degraus da escada encontram-se, segundo ele, nos detalhes que são percebidos com maior intensidade no espaço vazio (Brook, 1999: 64).

Brook expõe o pensamento de que o mistério que cerca o teatro é a busca de uma significação para torná-lo significativo para os outros (1999: 49). Então, essa busca teria como objetivo criar uma identificação, ou envolvimento, para quem o faz e para quem o assiste, fazendo com que o mistério não seja uma questão a ser desvendada e sim algo com um movimento constante de significação e significados. O intuito é gerar formas e significá-las. Segundo o encenador, tal proceder traria o invisível à tona. E, como a criação do mistério tem relação estreita com o invisível, afirma que o invisível não precisa ser manifestado:

O problema é que o invisível não precisa se tornar visível. Embora não tenha que se manifestar, o invisível pode surgir em qualquer lugar, em qualquer tempo, por meio de qualquer um, desde que as condições sejam propícias (Brook, 1999: 50).

(35)

35 instauração do espaço vazio junto à relação de cumplicidade estabelecida entre o espectador e os atores. No entanto, destaca que o estado do ator deve ser de receptividade, e que este teria relação direta com o sagrado e com a sphota. Ao afirmar que seriam essas as condições propícias que

possibilitariam a presença do invisível, e ao relacioná-las com o ator, percebe-se a necessidade de ter esse elenco preparado na perspectiva de Brook, e em perfeita sintonia, sendo fundamental que todos possuam a

consciência do “momento presente” (Brook, 1999: 50). Esse momento está

relacionado ao fato do ator atingir um estado de consciência presente, sem divagar, e, assim, alcançar um estado de atenção, prestes a ser preenchido pela criação. Como o próprio Sotigui Kouyaté, ator africano que trabalhou durante anos com Brook, comenta em entrevista a Larissa Elias: “[...] estar presente no que acontece e isso é muito importante para as pessoas, estar presente na cena, no espaço, não com um conceito, com a presença” (Elias, 2004: 164), considerada como o ato de conseguir vivenciar o que está acontecendo no momento. No entanto, para os ocidentais, pelo movimento dispersivo geral e natural da nossa cultura, deve-se exercitar esse estado, pois por vezes estamos distantes de alcançar tal objetivo: a permanência no

“momento presente”, o exercício da presença.

Ao levar em consideração as condições para que o invisível aconteça estas – que não seriam iguais sempre – se tornam uma variável que deve ser de certa forma controlada pelos atores. Eles devem procurar estar em contato com o seu estado interior, o qual segundo Brook, deve ser de receptividade. Identificar a diferença entre o que é propício e o que não o é, se torna uma tarefa complexa e delicada. Por isso, a intuição se mostra na arte um fator fundamental para o desenvolvimento de qualquer trabalho artístico, o diretor procura deixar claro em sua prática o significado e a força do invisível almejado pela encenação, o qual pode aparecer até nos objetos mais simples:

(36)

36 qualquer outra referência de vida, como um bebê ou um gênio da lâmpada (Brook, 1999: 38).

O começo do trabalho seria o momento de se libertar de tudo que seja resposta imediata, pois tudo que aparece neste momento não deve ser colocado no trabalho, as criações que surgem de imediato são as mais superficiais e óbvias. A respeito dessa afirmação o teórico alemão e crítico de teatro e cinema C. Bernd Sucher observa: “Para nos libertarmos delas [as criações imediatas] temos de nos esvaziar. Temos de nos libertar de tudo o que arrastamos conosco. Temos de nos despejar como se desfaz uma mala” (Sucher, 1999: 326). Por isso referindo-se ao espetáculo L´Homme qui10

(1993), reflete sobre a intuição, que vive no espaço vazio, como um fator decisivo para o teatro e para a criação:

Mas não poderia dizer que o nosso ponto de partida é o teatro Bouffes du Nord, embora tenha feito muitos

desenhos e esboços muito diferentes, consciente de que teria que desfazer a mala. Trabalharíamos durante três anos neste projecto e interrompêmo-lo por duas vezes. Trabalhamos com muitos, muitos atores e com o Dr. Sacks. A intuição conduz-nos, vive no espaço vazio. A intuição disse-nos: não pode ser assim (Sucher, 1999: 326/327).

Ainda expõe o significado linguístico da palavra intuição em inglês e

em francês e a explicita como algo desprovido de forma: formless. Reforça

com veemência a importância da intuição mesmo antes de começar o trabalho, sendo radical no sentido de abandono do trabalho caso esta não exista:

Quando falo de intuição, refiro-me àquilo que, em inglês, se chama the formless haunch. Haunch significa intuição.

Em francês diz-se que se trata de um présentiment, um

pressentimento. Ainda não é uma ideia, é algo desprovido de forma, formless. Este présentiment é fundamental para

(37)

37 mim. Quando ele não surge, está-se perdido. Quando se tem que dirigir uma companhia, precisa-se deste pressentimento. Quando se começa um trabalho teatral, tem que se ter este présentiment, senão não vale a pena

começar, pois este sentimento indica o sentido do trabalho, o caminho (Sucher, 1999: 329).

A intuição no teatro constitui para Brook algo tão importante que participa de escolha ou seleção do texto. A intuição é uma percepção e nunca uma ideia. É uma matéria viva, sem forma, uma pré-imagem, como afirma Georges Banu, teórico francês de origem romena, professor da Universidade da Sorbonne Nouvelle — Paris 3 —, em seu artigo Peter Brook

et la coexistence des contraires:

Assim que decide trabalhar com uma obra, Brook parte de uma percepção e jamais de uma ideia, de uma matéria

viva “sem forma” cujo contornos não se podem designar.

O seu texto não é mais do que uma “pré-imagem”.

Portanto, o caminho a seguir irá da “intuição sem forma” à

procura de “uma forma”. Adotando esse trajeto, Brook

pretende seguir o mesmo itinerário do autor, que parte de uma “pré-imagem”, mas inspirado no real, para chegar à expressão concentrada que é o texto (Banu, 1985: 49 - tradução minha)11.

O resultado final do processo contém essa intuição transfigurada em uma forma concreta, sendo o ator o responsável por excuta-la. No entanto, essa pré-imagem está contida no espetáculo, como um embrião que cresce e se transforma na imagem final.

1.6 O ATOR PARA BROOK: A IMAGINAÇÃO E A BUSCA

Segundo Peter Brook o ator dispõe de dois métodos para tocar o espectador em seu próprio mundo. O primeiro deles consiste na busca da

11 “Lorsquíl opte pour une ouvre, Brook part part d’une perception et jamais d´une idée, d’une

matière vivante “sans forme” dont on ne peut désigner les contours. Il n’a du texte qu’une ‘pré

-image’. Le chemin à suivre sera donc de ‘l’intuition sans forme’ à la recherche ‘d´une forme’. En adoptant ce trajet, Brook veut épouser le même itinéraire que l’auteur, lui aussi parti d’une “pré

-image”, mais inspiré par le réel, pour arriver à cette expression concentrée qui est le texte”

(38)

38 beleza: a seu ver, grande parte do teatro oriental baseia-se nesse princípio e mantém uma forte relação com o sagrado. Para fascinar a imaginação procura-se extrair o máximo de beleza de cada elemento. É como se por meio da pureza de detalhes se tentasse atingir o sagrado (Brook, 1999: 28).

O segundo método para o ator tocar o mundo interno do espectador é a sua capacidade de criar vínculos entre a imaginação e o público, a sua capacidade de transformar um objeto banal num objeto mágico. Não apenas o espaço vazio se transforma com a imaginação, mas também o objeto pode ser transformado pelo poder da imaginação do ator de criar um vínculo entre ele e o público. Brook chama esse objeto de “objeto vazio”, do qual se torna pleno de sentido e significados:

Uma grande atriz pode fazer-nos acreditar que uma horrenda garrafa de plástico, que ela carrega nos braços de um jeito especial, é uma linda criança. [...] Esta alquimia só é possível se o objeto for tão neutro e comum que possa refletir a imagem que o ator lhe atribui. Poderíamos chamá-lo de “objeto vazio” (Brook, 1999: 38).

O ator, para Brook, deve se manter em uma relação constante com o todo. Para isso é necessário que também esteja vazio. E, para exemplificar o significado de um ator vazio, Elias afirma:

Um ator verdadeiramente criativo é sempre um espaço vazio. É um ator que se arrisca a abandonar as formas encontradas e fixadas, do primeiro ao último ensaio, ou durante a temporada: que é capaz de abrir mão de um gesto, de uma marca, de uma fala, de uma conquista e recomeçar. O ator vazio é um ator aberto às novas descobertas, às novas formas, um ator capaz de ser no tempo, um ator que entende que uma repetição pode ser sempre diferente, se ele estiver disposto a se recolocar (Elias, 2004: 145).

(39)

39 Mas um ator, no vazio, o ator que entra no espaço vazio, o ator não tá vazio, não é o vento, é o ator, que não está vazio, é o ator em si, não com pensamentos, um ator que chega com a cabeça cheia de coisas, é um peso, pra mim é um peso que entra em cena, não é um ator que chega vazio, esse é o meu entendimento desse pensamento, o ator deve entrar vazio no espaço vazio para preenchê-lo, mas você não vem já pesado com vários pensamentos, com seus maneirismos... eu posso te dar uma resposta, quando eu dizia que um vazio não é jamais vazio. Naquele momento, ele quis que o ator se desembaraçasse de tudo, de todos os parasitas, ser vazio, sem pensamentos psicológicos, ter um corpo leve, vazio pra ele é isso, ele pede sempre aos atores fazer vazio. É o ator vazio, desembaraçado de tudo, num espaço vazio, sem estar decorado, isso a grosso modo (sic) (Elias, 2004: 163).

(40)

40 1.7 ASPECTOS DOS CENÁRIOS NAS MONTAGENS DIRIGIDAS POR PETER BROOK

Larissa Elias, em seu artigo Otapete na poética de Peter Brook: suporte

material do conceito de espaço vazio, afirma que a ideia de espaço vazio surge

em Brook a partir de 1962 e vai repercutir diretamente na sua concepção cenográfica até chegar à funcionalidade do tapete em 1972:

A partir da montagem de Rei Lear, em 1962, os

espetáculos de Peter Brook passam a ser atravessados pela noção de espaço vazio, e, desde 1972, quando Brook faz sua primeira turnê à África, com seu grupo internacional, o tapete passa a ser a forma material mais evidente do conceito de espaço vazio empty space, que

se torna um conceito fundante do teatro brookiano. 1968 é o ano em que se inicia claramente sua formulação cênica (Elias, 2008: 01).

Os cenários dos espetáculos então dirigidos por Brook eram desenvolvidos paulatinamente. Ele buscava um cenário totalmente livre, sem muitos objetos, que possibilitasse grande interação e movimentação dos atores. Os cenários deviam ajudar na construção do trabalho, evitando entrar em discordância não somente com a montagem em si, mas também com aquilo em que acreditava no tocante à questão do espaço e sobre a qual discutia. Ao observar seus trabalhos de 1962 a 1972, nos quais já constava a noção de espaço vazio – período que antecede sua viagem à África e ainda não ocupava o Théâtre Bouffes du Nord, em Paris – seus cenários tinham

perspectivas distintas das montagens realizadas após as experiências com os

carpet shows. Contudo, havia ainda grande semelhança de pensamento

relativamente aos dois momentos.

(41)

41 tapetes. Esse espaço delimitava a área da encenação. Comentando a força do tapete para as improvisações, Elias observa que “O tapete não é cenário, mas o próprio espaço teatral, vazio, pois sobre o tapete não há nada. Esse é o ponto de partida das improvisações” (2004: 127). É importante lembrar que a improvisação sempre esteve presente na pesquisa de Brook com o CICT. Sua investigação sobre o espaço vazio constituía a base de seus trabalhos, como Elias complementa:

Brook estava convencido de que uma peça de caráter improvisacional devia ser levada aonde as pessoas vivem, pois apresentá-la em qualquer lugar era submetê-la ao vazio deste lugar, isto é, ao fator inesperado que este novo lugar poderia proporcionar (2004: 35).

Em ambos os momentos – de 1962 a 1972 e a partir de 1972 – Brook buscou uma proximidade maior com o público para que este se concentrasse ao máximo, pudesse perceber os detalhes e, com a imaginação, preenchesse todos os espaços vazios. Sobre a importância do tapete do empty space Elias

assim discorre em seu artigo:

O tapete, na poética de Brook, formaliza um conceito de ruptura, empty space, que quebra com uma conceituação

do teatro como arte definida pela cenografia. [...] É um elemento estrutural, de repetição já definido no teatro de Peter Brook, onde a imagem teatral se faz no desaparecimento do próprio teatro ou na sobrevivência dos seus vestígios (Elias, 2008: 03).

Brook também é estudado no âmbito da cenografia, pois seu trabalho sobre o espaço tem ligação direta com a construção da cenografia ou com a maneira de pensá-la. O fato de ocupar um teatro que, por opção, quis que detivesse a aparência de uma constante reforma, ou melhor, de ruína, fez com que suas possibilidades de manipulação e adaptação ao espaço se ampliassem e mantivessem para cada espetáculo uma forma de aproveitamento diferente. Sobre o tema, Nelson José Urssi, mestre pela USP (Universidade de São Paulo), afirma em sua dissertação A linguagem cenográfica que o cenário deixa de ser visto como construção física, passando

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42 Como em seu Théâtre Bouffes du Nord, o espaço arquitetônico deixa de ser construção física tornando-se o espaço do ator, da ação. Peter Brook afirma que o cenógrafo tem papel fundamental em criar o teatro contemporâneo e define a cenografia como um diálogo completo de um espetáculo ao vivo – teatro ou performance – ou mediado com a tecnologia – película, vídeo ou o computador (Urssi, 2006: 67).

Reivindicando sua concepção de espaço vazio, Brook passa a não se utilizar de grandes cenários. No entanto, é possível perceber a utilização de vários objetos para a composição do espaço em suas peças. Todos os objetos em cena são manipulados pelos atores, nada se encontra em cena apenas por uma opção estética. Elias comenta o fato se referindo à montagem do espetáculo Marat/Sade, chamando a atenção para o aspecto

de convenção que se estabelece a partir do jogo com o imaginário criado pelo objeto:

Já nesta montagem está colocada a questão da eficiência do espaço vazio. Se ele não for suficiente, pode-se lançar mão de objetos, que sejam indispensáveis. Tratam-se (sic) de objetos vazios –

termo que aparecerá mais tarde –, ou seja, objetos com os quais se estabelece o jogo da convenção. Esse jogo se estabelece não somente por meio desses objetos vazios, mas também através de sons, e do corpo dos atores (Elias, 2004: 102).

Imagem

TABELA DE IMAGENS

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