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ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL E ACESSO À JUSTIÇA: O NOVO PARADIGMA DO THIRD PARTY FUNDING

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Napoleão Casado Filho

ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL E ACESSO À

JUSTIÇA:

O NOVO PARADIGMA DO THIRD PARTY FUNDING

DOUTORADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS

ORIENTADOR: PROF. LIVRE-DOCENTE CLAUDIO FINKELSTEIN

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Napoleão Casado Filho

ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL E ACESSO À

JUSTIÇA:

O NOVO PARADIGMA DO THIRD PARTY FUNDING

Tese apresentada à Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, para obtenção do título de Doutor, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito, área de Concentração Direito das Relações Econômicas Internacionais.

Orientador: Prof. L.D. Claudio Finkelstein

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CASADO FILHO, Napoleão

Arbitragem Comercial Internacional e Acesso à Justiça: o novo paradigma do Third Party Funding/ Napoleão Casado Filho; Orientador Claudio Finkelstein. – São Paulo, 2014 (230 f.)

Tese (Doutorado: Área de Concentração : Direito das Relações Econômicas Internacionais) – Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Napoleão Casado Filho

ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL E ACESSO À JUSTIÇA:

O NOVO PARADIGMA DO THIRD PARTY FUNDING

Tese apresentada à Banca Examinadora da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Direito

BANCA EXAMINADORA

1) Prof. Dr. ____________________________________________________ Titulação ____________________________________________________ Julgamento ________________ Assinatura _________________________

2) Prof. Dr. ____________________________________________________ Titulação ____________________________________________________ Julgamento ________________ Assinatura _________________________

3) Prof. Dr. ____________________________________________________ Titulação ____________________________________________________ Julgamento ________________ Assinatura _________________________

4) Prof. Dr. ____________________________________________________ Titulação ____________________________________________________ Julgamento ________________ Assinatura _________________________

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Ao meu filho, Napoleão, que chegará a um mundo tão belo quanto contraditório.

À minha amada Virginia, que a cada dia me ensina que com amor os espinhos se tornam rosas, e com quem me lanço nesse maravilhoso desafio de educar uma criança.

À minha mãe Fátima e ao meu pai Napoleão, que sempre me ensinaram que a maior riqueza do homem é o conhecimento e que a crença em si mesmo é o ponto de partida para as mais inacreditáveis façanhas humanas.

Ao meu avô Aristeu, que mesmo sem ler ou escrever foi um dos homens mais sábios que já existiu.

À minha avó Norma, minha segunda mãe, que tanto me faz falta.

Aos meus irmãos, por sempre acreditarem em mim.

À nova geração da família Casado, com o desejo de que construam algo grandioso nessa estrada que agora passam a trilhar.

Ao Prof. Claudio Finkelstein, que há anos guia meus caminhos acadêmicos com enorme generosidade e sabedoria.

Aos amigos do Clasen, Caribé & Casado Filho Advogados, que me ajudam a criar um escritório do qual me orgulho cada dia mais.

(7)

A todos os times de Vis Moot que já treinei nos últimos anos, pelos ensinamentos aprendidos e pelo orgulho que me deram ao representar com dignidade a PUC/SP mundo afora.

(8)

“Selon que vous serez puissant ou misérable, les jugements de Cour vous

rendront blanc ou noir.”

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RESUMO

A arbitragem muitas vezes é vista como justiça dos ricos. Mecanismo privado e com custos, como ele se comporta em face do princípio do Acesso à Justiça? O objetivo desta tese é responder a essa indagação e analisar como o Direito brasileiro deve se comportar em face do novo fenômeno que acontece no mundo do Direito das Relações Econômicas Internacionais: terceiros, estranhos ao conflito, investem em Arbitragens Internacionais em troca de uma parcela do resultado do procedimento arbitral. Ao longo do trabalho, demonstramos como o fenômeno da Arbitragem surgiu no mundo contemporâneo e os grandes desafios que o instituto enfrenta, entre eles o do Acesso à Prestação Jurisdicional para partes que não têm recursos para sustentar os custos do procedimento arbitral. Recorreremos à Teoria dos Sistemas para posicionar a Arbitragem Comercial Internacional como subsistema jurídico autônomo. Em seguida, abordaremos como o mundo tem visto o fenômeno, concluindo com nosso entendimento sobre como o Direito brasileiro deve encarar essa nova realidade, compatibilizando-a com nosso ordenamento jurídico.

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ABSTRACT

Arbitration is sometimes seen a Justice system for rich people only. As a private system that needs to be paid, how does it deal with the principle of Acess to Justice? The aim of this thesis is to answer this question and to analyse how Brazilian law should approach the new phenomenon that the world of the International Law is now facing: third parties external to the conflict invest in International Arbitration in exchange for a share of the results of the arbitration proceedings. Throughout the thesis, we demonstrate how the phenomenon of Arbitration emerged in the contemporary world and the great challenges that Arbitration now faces, including the defy of assuring Access to a Jurisdictional Service to parties that do not have enough resources to meet the costs of the arbitration proceedings. We will use the Systems Theory to localize the Arbitration system as an autonomous legal subsystem. Then, we discuss how the world has seen the Third Party Funding phenomenom, concluding with our understanding on how Brazilian law must face this new reality, aligning it with our legal system.

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Sumário

INTRODUÇÃO E DELIMITAÇÃO DO TEMA ... 1

CAPÍTULO 1- BREVE HISTÓRIA DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O SURGIMENTO DA ARBITRAGEM COMERCIAL ... 6

1.1 O início do comércio no Oriente Médio ... 6

1.2 O comércio na Antiguidade ... 9

1.2.1 O comércio internacional na Grécia ... 10

1.2.2 O comércio internacional em Roma ... 12

1.3 O surgimento do jus gentium como base para o desenvolvimento do comércio internacional contemporâneo ... 17

1.4 O comércio na Idade Média e as grandes navegações: o mundo torna-se global ... 18

1.5 A criação de uma corte global de solução de disputas ... 23

CAPÍTULO 2 - A ARBITRAGEM E A ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL ... 28

2.1 Origens e conceito ... 28

2.2 Características ... 36

2.2.1 Autonomia das vontades ... 36

2.2.2 Neutralidade ... 39

2.2.3 Exequibilidade ... 40

2.2.4 Celeridade ... 41

2.2.5 Especialidade dos árbitros ... 42

2.2.6 A confidencialidade ... 42

2.3 Arbitragem nacional, internacional e estrangeira no direito brasileiro ... 44

CAPÍTULO 3 - A ARBITRAGEM, TEORIA DOS SISTEMAS E ACESSO À JUSTIÇA ... 52

3.1 O direito e a teoria dos sistemas ... 52

3.2 A arbitragem como subsistema social autônomo ... 57

3.3 Arbitragem e o acesso à ordem jurídica justa ... 63

3.3.1 O princípio do acesso à justiça ... 63

3.3.2 O princípio do acesso à justiça dentro do sistema da arbitragem (nacional e internacional) ... 67

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3.4 Um olhar sistêmico sobre o acesso à justiça em oposição à obrigatoriedade

da cláusula compromissória ... 81

CAPÍTULO 4 - O INVESTIMENTO DE TERCEIROS NA ARBITRAGEM ... 86

4.1 O fenômeno ... 86

4.1.1 O custo social de financiar o contencioso judicial ... 93

4.1.2 A falta de recursos para enfrentar um processo e o problema do acesso à justiça ... 98

4.1.3 A transferência dos riscos ... 100

4.2 Os conflitos de interesses ... 101

4.2.1 A relação investidor-investido ... 101

4.2.2 A relação investidor-advogado ... 103

4.2.3 A relação parte-advogado ... 105

4.2.4 A relação investidor-árbitro ... 109

4.2.5 A relação investidor-parte adversa ... 110

4.3 Os problemas legais nos países da Common Law ... 111

4.3.1 Barratry, maintenance e champerty do direito anglo-saxão ... 111

4.3.1.1 A história da maintenance e champerty ... 112

4.3.1.2 Maintenance e champerty na arbitragem (Reino Unido) ... 114

4.3.1.3 Maintenance e champerty (Austrália) ... 117

4.3.1.4 Maintenance e champerty: os Estados Unidos ... 119

4.4 A jurisprudência internacional sobre o financiamento de terceiros em arbitragem ... 121

4.4.1 Austrália ... 121

4.4.2 Reino Unido ... 122

4.4.3 França ... 123

4.4.4 Hong Kong ... 124

4.4.5 Estados Unidos ... 125

4.5 O investimento de terceiros em processos judiciais e em arbitragens públicas ... 127

4.5.1 Os casos de financiamento de arbitragem no ICSID... 127

CAPÍTULO 5 - O INVESTIMENTO DE TERCEIROS EM ARBITRAGENS E O ESTADO BRASILEIRO: QUESTÕES RELEVANTES ... 132

5.1 O efeito sobre a política judiciária dos Estados ... 132

(13)

5.1.2 O problema da usura ... 134

5.1.3 A falta de regulação e a proposta de Códigos de Conduta para o investimento de terceiros ... 136

5.2 A comparação entre o investimento de terceiros e a atividade securitária e financeira ... 139

5.2.1 A comparação com o contrato de seguros ... 139

5.2.2 A comparação com a atividade financeira ... 145

5.3 É possível financiar arbitragens no direito brasileiro? ... 150

5.3.1 Quem pode financiar? ... 154

5.3.2 Qual o momento para o financiamento ... 155

5.3.3 O dever de revelação ... 159

5.3.4 A forma correta de se pactuar o financiamento de arbitragens ... 166

5.4 O financiamento de arbitragens e a Lei de Falências e Recuperação Judicial ... 173

5.5 O investimento em arbitragens e o Security for Costs ... 176

5.6 As (eventuais) mudanças legislativas necessárias ... 180

CAPÍTULO VI - CONCLUSÃO ... 182

ANEXO I - PROPOSTA DE UM CÓDIGO DE CONDUTA PARA OS INVESTIDORES EM ARBITRAGEM INTERNACIONAL NO BRASIL ... 186

ANEXO II - CÓDIGO DE CONDUTA PARA OS INVESTIDORES EM LITÍGIOS DA ASSOCIAÇÃO DE INVESTIDORES EM LITÍGIOS DA INGLATERRA E PAÍS DE GALES ... 189

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1

INTRODUÇÃO E DELIMITAÇÃO DO TEMA

O Direito, desde que o homem se organizou em sociedade, tem sido o pilar fundamental das relações sociais. Afinal, viver em sociedade só passou a ser possível a partir do momento em que regras de convivência foram estabelecidas.

Entretanto, a vida social muito se desenvolveu desde que os homens se agruparam para viver juntos. Novas técnicas permitiram que grupos antes isolados passassem a ter convivência. O contato com outros grupos sociais tornou necessária uma regra sobre a convivência entre grupos, e não mais entre os indivíduos. Posteriormente, cada agrupamento mais considerável passou a ser representado pelo Estado e as relações entre estes também precisaram de regras de Direito.

Em todo esse período, as pessoas e as sociedades fizeram trocas. No início, trocas mais simples, permutando um objeto por outro de acordo com as necessidades de cada um. Com o advento da sociedade monetária, as trocas ficaram mais complexas e receberam o nome de Comércio. A partir do momento em que esse comércio deixou de ser local e transpôs fronteiras, passou a ser chamado de Comércio Internacional, tendo sido a base do crescimento econômico de vários países nos últimos séculos.

(15)

2

No entanto, a figura do Estado nacional como aplicador desse direito gerava (e continua a gerar) problemas para o comércio transfronteiriço. Afinal, como confiar no aplicador do Direito se ele é do mesmo país da parte adversa? Além disso, a aplicação do Direito nacional de uma das partes é outro fator de desequilíbrio nessa relação, eis que uma das partes passa a ter mais conhecimento das regras do jogo do que a outra.

Tais problemas vêm sendo resolvidos pela utilização já comum da Arbitragem Internacional nos litígios envolvendo o Comércio Internacional e pela adoção cada vez maior de legislação uniforme, como a Convenção de Viena sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG), recentemente ratificada pelo Brasil.

Contudo, realizar arbitragens internacionais é uma atividade que demanda recursos. São honorários de árbitros, de advogados, custas da Câmara e de deslocamento.

Em virtude disso, a arbitragem é vista como a Justiça dos Ricos. Já é célebre a frase de Sir James Matthew,1 em versão adaptada para a arbitragem: “A arbitragem é aberta a todos, assim como o Hotel Ritz”.

Ocorre que, muitas vezes, a parte prejudicada na relação comercial se vê impossibilitada de iniciar um procedimento arbitral por falta de fundos para tal.

Recentemente, no caso Pirelli,2 a Cour de Cassation de Paris

anulou um laudo Arbitral CCI porque o Tribunal Arbitral se negou a ouvir os pedidos reconvencionais apresentados pela parte requerida em virtude da impossibilidade de o requerido realizar o depósito prévio exigido por aquela instituição arbitral nesse tipo de situação. Entendeu a Corte francesa que tal fato seria ofensivo ao princípio do acesso à justiça e da igualdade.

1 Sir James Matthew foi um juiz inglês na era Vitoriana. Sua frase original é

: “Royal Courts are

open to everyone, like the Ritz Hotel”.

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3

Em outra situação, no caso Mil-Tek,3 o Tribunal Comercial de Paris entendeu que a arbitragem seria inoperante no caso concreto por uma das partes não ter como custear o processo, dado o pouco faturamento ocorrido nos últimos anos em que funcionou. O mesmo entendimento teve uma Corte alemã em um contrato envolvendo arbitragem para solucionar um conflito decorrente dos serviços de um encanador.4

Por outro lado, as instituições arbitrais e os árbitros necessitam de remuneração para continuar seu trabalho, uma vez que não são entes públicos como os magistrados em geral, tornando impossível que trabalhem julgando e administrando casos sem a devida contraprestação.

Portanto, a tensão entre a necessidade de custear um procedimento arbitral que envolve vultosas somas e o acesso à justiça não é algo abstrato, mas sim um desafio concreto que vem sendo enfrentado pelo mundo e que praticamente passa ao largo na doutrina e jurisprudência brasileiras,5 e também em nossa prática arbitral.

Seria a ausência de recursos para custear o procedimento arbitral uma causa superveniente de nulidade da cláusula compromissória? O sistema da arbitragem deve se preocupar com princípios de política pública, como o do acesso a uma ordem jurídica justa? Seria a arbitragem uma extensão do sistema processual estatal ou um subsistema autônomo?

3 Caso Mil-tek Ile de France. Tribunel Commercial de Paris. 17 Mai 2011. RG 2011003447.

Apud FONTMICHEL, Maximin. Le financement de l’arbitrage par une partie insolvable In: HAMIDA, Walid; CLAY, Thomas (Org.). L’argent dans l’arbitrage. Paris: Éditions L’extenso,

2013.

4 Bundesgerichtshof 14 Sept 2000, III ZR 33/00

– Clout Case 404. Também disponível no DIS –

Online Database on Arbitration Law – <http:// www.dis-arb.de>. Acesso em: 10 maio 2014.

5 Em um único caso analisado no Brasil, o Caso Amebrasil Construções Ltda., a posição do

(17)

4

Nesse contexto de dúvidas, surgiu no exterior a figura do financiamento de procedimentos arbitrais por terceiros, algo que vem ganhando adeptos na mesma velocidade que vem gerando polêmica.

Há diversas formas de se financiar uma parte em uma arbitragem. Seguros contra ações cíveis e procedimentos arbitrais já existem há algum tempo no nosso ordenamento. A advocacia baseada somente em risco, embora desaconselhada pela Ordem dos Advogados,6 também é

praticada há séculos no Brasil. Um banco pode, mesmo sem saber, realizar um empréstimo que terá por destino o pagamento dos custos de litigar.

Nenhum desses tipos de financiamento nos interessa diretamente, embora sejam tratados em alguns capítulos do nosso estudo. O que efetivamente será objeto de nossa investigação e subsequentes sugestões é o financiamento de risco, que passaremos a chamar de investimento de terceiros, para fins de distinção dos demais tipos de financiamento.

Contudo, dada a utilização generalizada que a expressão

“financiamento de terceiros” adquiriu no meio arbitral como tradução para a

expressão Funding, eventualmente vamos nos referir ao

financiamento/investimento apenas como financiamento de terceiros.

Além disso, tal investimento tem ocorrido não apenas em arbitragens comerciais, mas igualmente em arbitragens de investimento. Essas arbitragens, também conhecidas como BIT7 Arbitrations também não são objeto de nossa investigação. Entretanto, dado o caráter público das decisões proferidas em procedimentos administrados pelo ICSID, sua jurisprudência será utilizada como referência sobre o tema, embora devidamente contextualizada a diferença entre os procedimentos arbitrais comerciais e os de investimento.

6 No item 8 da Tabela de Honorários da OAB/SP, temos o seguinte comando: O desempenho

da advocacia é de meios, e não de resultados. Os honorários serão devidos no caso de êxito,

ou não, da demanda ou do desfecho do assunto tratado”. Dispositivos semelhantes são encontrados nas Tabelas de Honorários dos demais Estados brasileiros.

(18)

5

Assim, deve ficar estreme de dúvidas que serão as relações que o financiamento/investimento produzem em procedimentos arbitrais comerciais internacional o nosso principal objeto de estudo.

Depois, buscaremos responder à seguinte questão: o investimento de terceiros em procedimentos arbitrais comerciais internacionais é compatível com o Direito brasileiro?

Como compatibilizar tal investimento com os conflitos de interesse que naturalmente podem surgir entre o financiador e os árbitros? O investimento por terceiros é compatível com o sigilo característico da Arbitragem? E a alocação de custos, como deve ser feita?

(19)

6

CAPÍTULO 1

BREVE HISTÓRIA DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O

SURGIMENTO DA ARBITRAGEM COMERCIAL

1.1 O início do comércio no Oriente Médio

Desde que o homem se organizou em sociedade e criou a ideia de propriedade, a troca passou a ser algo elementar. Afinal, o ser humano se deparava com a propriedade do outro e, atirado pelo desejo de possuir os bens que não tinha, buscava oferecer ao proprietário do bem desejado algo que possuísse para poder satisfazer seu desejo.

Surgia, assim, a troca, a permuta, o escambo. Durante muito tempo, essa seria a base da economia das sociedades mais remotas. Até mesmo em tempos mais recentes, algumas sociedades humanas mais isoladas continuavam a ter na troca pura e simples a base de suas vidas econômicas.

A invenção de um padrão de troca universal (moeda) seria a primeira grande revolução econômica que a humanidade conheceria. A partir daí,8 o homem aceleraria os processos de troca no que, um dia, seria chamado de comércio.

E essa técnica humana de trocas se desenvolveria de tal forma que traria preocupações aos povos. Afinal, a depender de como as trocas acontecessem, uma localidade poderia ficar com mais ou menos bens. Isso, naturalmente, atraiu o interesse das melhores cabeças das sociedades, fazendo com que as reflexões sobre o comércio gerassem o que chamamos de Teoria Econômica.

8 Não se sabe ao certo quando surgiu a moeda na humanidade. No século VII a.C., na Líbia e

(20)

7

O antropólogo Paul Mellars9 afirma que a hipótese mais provável para o início do comércio é que ele tenha ocorrido entre 60.000 e 80.000 a.C., quando os primeiros povos já geneticamente modernos da África começaram a desenvolver ferramentas mais complexas, a perfurar conchas e a produzir imagens abstratas com uma tinta ocre.

Por volta de 50.000 a.C., uma pequena quantidade deles migrou, via Palestina, para a região do Crescente Fértil (Oriente Médio) e para a Europa. Nesse mesmo período, a linguagem se desenvolveu e permitiu que alguns comportamentos tipicamente humanos surgissem, como o desenho, a escultura, a produção de ferramentas e o desenvolvimento de armas. Em seguida, tornou-se possível outra atividade típica e exclusiva do ser humano: trocar ferramentas, armas e bugigangas. Nascia aí o comércio, para os antropólogos e paleontólogos.

Contudo, para os historiadores, o primeiro registro historiográfico sobre o comércio se dá com Heródoto,10 que em 430 a.C

descreveu um “comércio silencioso” entre os cartaginenses e uma “raça de

homens que vivem numa parte da Líbia aquém dos Pilares de Hércules

(estreito de Gibraltar)”.

Vejamos a descrição de Heródoto sobre as trocas de bens da vida que esses povos faziam:

On reaching this country, [the Carthagians] unload their goods, arrange them tidily along the beach, and then, returning to their boats, raise a smoke. Seeing the smoke, the natives com down to the beach, place on ground a certain quantity of gold in Exchange for the goods, and go off again to a distance. The Cathagians then come ashore and take a look at the gold; and if they think it representes a fair price for their wares, they collect it and go away; if on the other hand, it seems too little, they go back aboard and wait, and the natives come and add to the gold until they are satisfied. There is perfect honesty on both sides; the Carthagians never touch the gold until it equals in value what they have offered for sale, and the natives never touch the goods until the gold has been taken away.11

9 MELLARS, Paul. The impossible coincidence: a single-species Model for the origin of Modern

Human Behaviour in Europe. Evolutionary Anthropology, n. 14, 2005. p. 12-27.

10 HERODOTO. The Histories. Baltimore: Penguin, 1968. p. 307. 11 HERODOTO. The Histories. Baltimore: Penguin, 1968. p. 308.

Tradução livre: “Ao alcançar

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8

É interessante notar que nessa primeira narrativa histórica de comércio entre povos o elemento da confiança era algo elementar. De toda forma, é difícil crer que o primeiro comércio entre dois povos se deu apenas com os cartagineses. Afinal, nossos ancestrais, na época das cavernas, viviam essencialmente da caça, algo que é naturalmente uma atividade incerta. Assim, é compreensível que grupos de homens tenham buscado trocar o produto de suas caças com outros grupos que, possivelmente, haviam tido mais sorte no empreendimento da caça.

Algum tempo depois, com a invenção do barco12 e o domínio

da agricultura, muita coisa mudaria.

A agricultura faria com que o homem ficasse menos dependente da natureza e que, de certa forma, a controlasse. O ser humano deixava de ser dependente da caça e da coleta dos vegetais que naturalmente brotavam na natureza para poder prever o quanto de alimento teria.

O barco, por sua vez, trouxe duas revoluções. A primeira, em termos de caça e pesca, uma vez que o barco representava uma vantagem grande ao homem em relação aos animais que ele caçava e pescava, permitindo que se aproximasse muito mais da presa do que por terra. A segunda revolução seria relativa aos transportes. Afinal, um cavalo pode carregar cerca de 100 quilos de produtos. Com uma carroça e com boas estradas, esse peso pode chegar a 1.500 quilos. Os barcos mais antigos eram capazes de carregar dezenas de toneladas, incluindo alguns cavalos para transporte em terra quando o transporte marítimo não fosse mais possível.

As trocas entre os povos floresciam. Cada vez mais, comunidades distantes trocavam aquilo que a natureza ou seu trabalho lhes

vieram a praia, colocaram no chão uma certa quantidade de ouro em troca dos produtos, e voltaram a se distanciar. Os Cartagineses, então, voltavam à praia e olhavam o ouro. Se eles entendessem que aquele era um preço justo pelos produtos, recolhiam o ouro e iam embora. Se, por outro lado, eles achassem que era insuficiente, eles voltavam aos barcos e esperavam, e os nativos vinham e adicionavam mais ouro, até que eles se satisfizessem. Há perfeita honestidade de ambos os lados. Os Cartagineses nunca tocavam o ouro até que se atingisse o preço desejado, e os nativos nunca tocavam os produtos até que o ouro houvesse sido levado embora”.

12 Bernstein estima que o barco surgiu pela primeira vez na Europa há 15.000 anos

(22)

9

fornecia em abundância por outros bens que entendessem necessários a sua sobrevivência ou a sua proteção.

É ainda no Oriente Médio que surgiria o primeiro acordo bilateral de comércio, firmado entre o Rei de Ebla e o soberano da Assíria, em 3.000 a.C.,13 que regulamentava a relação entre os dois reinos no que diz

respeito a comércio. Nesse tempo – vale o destaque –, começava a ideia de taxação do comércio, com os referidos soberanos cobrando impostos sobre as

mercadorias que eram comercializadas em “postos de fronteira”, algo bem

parecido com o nosso conceito de Aduana atual.

As mercadorias eram trocadas por outros bens. Naquela época, não se falava em moeda, algo que surgiria na Grécia antiga. Os mercadores trocavam suas mercadorias por lingotes de ouro, prata ou outros metais raros. No reino de Hamurabi, usavam-se ouro e prata. Os hititas eram adeptos de lingotes de ferro e na China eram comuns placas de bronze14.

1.2 O comércio na Antiguidade

O comércio prosperava na Antiguidade e atraía outro instinto primitivo humano: o de competir. Os povos, ao mesmo tempo em que precisavam cooperar para realizar as trocas, eram submetidos à concorrência de outros povos e, igualmente, ao ataque desses concorrentes.

Nas duas grandes civilizações da Antiguidade, Grécia e Roma, essa realidade de cooperação, concorrência e guerra seria uma constante. E desse contexto surgiriam grandes heranças para o comércio internacional e para o Direito que regularia esse comércio.

13 DAL RI JUNIOR, Arno. História do direito internacional: comércio e moeda; cidadania e

nacionalidade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. p. 19.

14DAL RI JUNIOR, Arno. História do direito internacional: comércio e moeda; cidadania e

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10 1.2.1 O comércio internacional na Grécia

A história das principais cidades-estado gregas é completamente relacionada ao comércio necessário entre elas. Na verdade, a ideia de uma Grécia unida é algo que jamais existiu.

A Grécia Antiga era composta de centenas de pequenas cidades-estados razoavelmente independentes que frequentemente se aliavam entre si, mas que também nutriam permanente rivalidade que, muitas vezes, levavam a uma guerra frequente entre algumas delas. Nesse sentido, a Grécia era um conceito cultural e linguístico, e não uma nação no modo como entendemos esse conceito atualmente.

Apenas ameaças externas realmente perigosas é que mudavam um pouco esse conceito. A título de exemplo, no início do século V a.C., uma ameaça de invasão persa uniu esses “irmãos fratricidas”15 em um

todo uno e coerente, mas mesmo assim por um breve período.

Nesse contexto, algumas cidades se destacavam mais que as outras. As principais eram Atenas e Esparta, embora outras cidades como Corinto, Creta, Tebas e Megara também mereçam certo destaque. No entanto, a história da Guerra do Peloponeso, envolvendo os dois grupos liderados por Esparta e Atenas, bem reflete como o Comércio Internacional havia se desenvolvido nessa época, a ponto de ser o elemento causador da referida guerra.

Para se ter ideia, alguns grãos eram essenciais a esses povos que viviam na atual Grécia continental (Peloponeso) e nas ilhas do Mar Egeu. O trigo e a cevada eram basilares na alimentação deles, embora fossem de difícil cultivo no solo pedregoso e seco que a região apresenta16.

15 BERNSTEIN, William J. A Splendid Exchange. How Trade shaped the world. Nova Iorque:

Groove Press, 2008. p. 44.

16BERNSTEIN, William J. A Splendid Exchange. How Trade shaped the world. Nova Iorque:

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11

Isso fez com que Corinto fundasse algumas colônias em locais onde haveria melhores condições de cultivo, como Siracusa, fundada aos pés do vulcão Etna, na atual Sicília. Os atenienses, por sua vez, fundaram uma colônia chamada Theodosia, na atual Ucrânia.

Essa necessidade de grãos pode ser comparada, no mundo moderno, à necessidade por petróleo, responsável por grandes conflitos entre nações que têm abundância desse recurso com outras que, embora excedentes em outros produtos, apresentam escassez dele.

Para que os barcos de Corinto chegassem a Siracusa era necessário passar pelo estreito de Corinto ou dar a volta na Península do Peloponeso, atravessando a região dominada por Atenas. Os atenienses, para chegar até Teodósia, por sua vez, precisavam passar pelo Estreito de Dardanelos e pelo Estreito de Bósforo, ou seja, ambos estavam sujeitos aos ataques dos rivais e de piratas.

Além disso, essas rotas só eram possíveis durante períodos específicos do ano, uma vez que intempéries e épocas de mar revolto impediam a navegação por longos trechos do ano.17

Com o crescimento populacional, a competição por esses poucos fornecedores de grãos dividiria as cidades em dois grandes grupos: um liderado por Atenas, envolvendo as ilhas do Mar Egeu e conhecido como Liga de Delos, e outro liderado por Esparta e formado por importantes cidades como Corinto, Tebas e Megara, conhecida como Liga do Peloponeso.

A guerra foi longa e se baseou sobretudo no controle dessas rotas de comércio de grãos. Ao final, com Esparta assumindo o controle do Estreito de Dardanelos, Atenas foi subjugada pela fome. Esparta venceu a Guerra do Peloponeso após a rendição de Atenas em abril de 404 a.C. As

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12

condições de paz foram desastrosas para a cidade de Atenas, enquanto Esparta se convertia no centro hegemônico da Grécia.

Embora o Comércio Internacional tenha resultado nesse final trágico de uma guerra entre povos da mesma cultura, é inegável o desenvolvimento que essas populações da península do Peloponeso conheceram no período.

Com os lucros decorrentes do comércio, foi possível criar instituições que se tornaram referência no mundo ocidental e, nos últimos tempos, em todo o globo. Além das instituições gregas, os acordos entre as cidades-estados, para fins de comércio e de paz, também foram as bases para o que um dia seria o Direito do Comércio Internacional.

Além de deixar clara para o mundo a importância de dominar rotas comerciais (e sobretudo os Estreitos nessas rotas), os gregos deixariam um grande legado para o comércio: a invenção da moeda, no século VII a.C.18 Eram pequenas peças de metal com peso e valor definidos e com a impressão de cunho oficial, isto é, a marca de quem as emitiu e que, por consequência, garantia o seu valor.

1.2.2 O comércio internacional em Roma

A civilização que herdaria a tradição cultural grega floresceu também às margens do Mediterrâneo. Com o passar do tempo, Roma conheceria uma série de eventos políticos que a tornariam o centro do Mar Mediterrâneo durante muitos séculos. E os motivos que levaram a esse domínio também são diretamente relacionados ao comércio internacional.

A base da economia romana era a agricultura e o comércio internacional. Devemos aos romanos boa parte das técnicas para melhorar o rendimento na agricultura, como a irrigação, a drenagem e a recuperação de terras. Tais avanços garantiram um adequado fornecimento de mantimentos

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13

que fez aumentar rapidamente as populações urbanas. Nas secas terras do Mediterrâneo criaram-se reservas de água para a irrigação mediante a construção de grandes e sofisticados açudes e aquedutos.19

Com esse excedente resultante dos avanços agrícolas, os produtos precisavam ser comercializados ao redor do Mediterrâneo, pois as grandes cidades dependiam dos alimentos que chegavam por via marítima.

Com a expansão do Império por todo o Mar Mediterrâneo, cada província passou a produzir o que tinha de melhor, surgindo, efetivamente, um comércio internacional, embora intraimpério, muito relevante. Entre as províncias que mais se destacavam podemos citar a Bitínia, a Ásia, a Síria, o Egito, a África Proconsular, o sul da Hispânia (Espanha), a Grécia, a Itália e Gália Narbonense.20

Mapa do Império Romano e suas províncias21

19 BERNSTEIN, William J. A Splendid Exchange. How Trade shaped the world. Nova Iorque:

Groove Press, 2008. p. 55.

20 BERNSTEIN, William J. A Splendid Exchange. How Trade shaped the world. Nova Iorque:

Groove Press, 2008. p. 56.

21 Disponível em:

(27)

14

Na península Ibérica, por exemplo, a influência romana era perceptível em todos os setores. De uma economia rudimentar passou-se a uma economia agrícola com bom aproveitamento dos solos e das várias culturas, como o trigo, oliveira, fruta e vinha. Os romanos implementaram as trocas comerciais, fomentaram a circulação da moeda, trouxeram o arado de madeira, as forjas, os lagares, os aquedutos, as estradas e as pontes.

Outras províncias como Bretanha, Macedônia, Germânia e África Proconsular também se desenvolveram, com a exploração da mineração e das plantações de grãos, sobretudo trigo.

A rede de estradas revelou-se inestimável para o sucesso das trocas entre as províncias romanas. Sob o aspecto do consumo local, permitia que os produtos fossem levados com facilidade para os mercados das cidades. Do ponto de vista do império, possibilitava que uma importante indústria de exportação funcionasse. Auxiliado por portos e por uma frota marítima inigualável até então, o sistema logístico romano era formidável. O desenvolvimento do comércio estimulou a construção naval, o que diminui o tempo de distância das rotas marítimas.

Por meio do comércio realizou-se uma importante ponte cultural entre o Império Romano e outras civilizações espalhadas pelo mundo. Os romanos possuíam diversas manufaturas cuja produção estava fortemente vinculada aos mercados estrangeiros, tanto dentro como fora dos limites imperiais.

Ademais, as trocas com locais bem distantes, com Índia ou China, antes algo bastante esporádico, transformaram-se em rota comercial promissora.

(28)

15

importação era a seda. O incenso e a mirra, vindos da Arábia Felix22 (atual Iêmen), também eram muito apreciados.

Rotas terrestres e marítimas foram aos poucos se conectando, permitindo a difusão, pelos três continentes conhecidos à época, de novos produtos, tecnologias e ideias. O comércio e a comunicação intercontinental tornam-se regulares, organizados e protegidos pelo Poder do Império.

Entre essas rotas, merece destaque a chamada Rota da Seda. Era, na verdade, uma série de rotas interconectadas por meio do Sul da Ásia, usadas no comércio da seda e de outras mercadorias entre todo o Oriente e a Europa. Para que existisse, era necessário um mínimo de segurança, uma vez que, do contrário, ninguém se aventuraria por meses a trazer bens para perdê-los facilmente.

Além da rota da sede terrestre, passou a haver uma rota marítima, aberta entre Jiaozhi (controlada pelos chineses, localizada no Vietnã moderno, próximo a Hanói) e a costa noroeste do Mar Vermelho. Provavelmente inaugurada no século I d.C., estendia-se pelo litoral da Índia e Sri Lanka e pelos portos controlados por Roma, entre eles os principais portos egípcios.23

Ambas as rotas não eram exclusivas da seda. Os mercadores também transportavam produtos como ouro, prata, seda, cobre, ferro, chumbo, bronze, escravos, tartarugas, cavalos, ursos, conchas, marfim, âmbar, vidro e jade.

22 BERNSTEIN, William J. A Splendid Exchange. How Trade shaped the world. Nova Iorque:

Groove Press, 2008. p. 59.

23 BERNSTEIN, William J. A Splendid Exchange. How Trade shaped the world. Nova Iorque:

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16

Chegava-se à “globalização romana” que, nos dizeres de

Dal Ri Junior,24 se caracterizou “pelo fato de umas poucas famílias da antiga

nobreza e alguns milhões de cidadãos de origem romana terem dominado quase todo o mundo até então conhecido e onde cada gentes que compunha Roma era especializada em uma atividade específica”. A capital administrava o exército com soldados germânicos, a agricultura com escravos vindos do norte da África e do leste Europeu e com os camponeses locais, a cultura e a instrução com os mestres gregos, a navegação com os fenícios e cartagineses a metalurgia com os artesãos etruscos.

Entretanto, um ponto que passa desapercebido pelos historiadores é que por trás de toda essa evolução comercial estava um sólido sistema jurídico. Afinal, estradas e portos são muito importantes para o comércio, mas não bastam. Para que as pessoas se sentissem confortáveis em se aventurar pelo desconhecido e trazer de lá produtos que podiam ou não encontrar um comprador, uma estrutura institucional se fazia necessária.

Um ponto nevrálgico no arcabouço jurídico criado pelos romanos para o comércio internacional (ou entre províncias) era a cobrança de baixas taxas alfandegárias25 e a utilização de um padrão linguístico e de pagamento único (moeda) em todo o Mediterrâneo.

Além disso, o Império era um lugar seguro para se viver e para comercializar. Isso encorajou as pessoas a viajar e a comercializar dentro e fora dos seus limites. Contudo, para ter uma efetiva segurança institucional era necessário criar regras claras e aplicáveis a essa atividade. Isso surgiria com o jus gentium.

24 DAL RI JUNIOR, Arno. História do direito internacional: comércio e moeda; cidadania e

nacionalidade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. p. 29.

25 Disponível em:

(30)

17

1.3 O surgimento do jus gentium como base para o desenvolvimento do

comércio internacional contemporâneo

Os romanos buscavam substituir a estrutura pesada e inflexível do jus civile por um sistema que trouxesse mais flexibilidade, regulamentando a circulação de mercadorias de forma mais veloz e ajudando na diminuição dos litígios porventura provenientes.26

Rudolph von Jhering27 diria, posteriormente, que a

concepção de comércio para os romanos era o modo normal de abertura de portas às relações internacionais. Com a existência de um tribunal exclusivo para tais relações, o Praetor Peregrinus, criou-se uma atividade jurisprudencial sem precedentes no comércio internacional da Antiguidade. Uma série de técnicas e práticas foi identificada naquilo que ficaria conhecido no futuro como

costumes do comércio internacional .

Rondo Cameron, ao falar do período de comércio de Roma no Mediterrâneo, afirma que a maior contribuição romana ao desenvolvimento econômico e comercial da Antiguidade foi a instituição da Pax Romana, que foi nada mais do que a imposição de um só ordenamento jurídico em toda a região.28

Portanto, o surgimento do jus gentium29 não deve ser visto como consequência do desenvolvimento do comércio romano. Ao contrário, a relação tranquila e esclarecida com os gentis,30 com uma escrupulosa

aplicação aos contratos e ao direito de propriedade é que assegurariam o desenvolvimento fantástico das trocas entre as províncias do Mediterrâneo, a ponto de ser conhecido pelos romanos como Mare Nostrum.

26 DAL RI JUNIOR, Arno. História do direito internacional: comércio e moeda; cidadania e

nacionalidade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. p. 28.

27 JHERING, Rudolph von.

L’esprit du Droit Romain dans des diverses phases de son development. Paris, 1886. v. I, p. 234.

28 CAMERON, Rondo. Storia economica del mondo. Bologna: Il Mulino, 1998. p. 67.

29 MACEDO, Paulo Emílio Vauthier Borges de; O nascimento do Direito Internacional; Porto

Alegre, Unisinos, 2009. Pag. 25

(31)

18

Na verdade, não são os fatos que produzem as instituições que desejamos, mas a construção de instituições sólidas é que permite que os fatos que desejamos ocorram. É corrente na historiografia jurídica olhar o desenvolvimento das instituições como consequência de como a sociedade se desenvolveu. O Direito correria em busca da História. Acreditamos, contudo, que a relação é inversa: primeiro, constrói-se um ambiente institucional sólido e eficiente; depois, e apenas depois, é que o desenvolvimento das atividades econômicas floresce.31

Uma só língua, uma só moeda, um só direito e baixos impostos.32 Foi esse o ambiente de negócios que os romanos conseguiram aplicar no Mediterrâneo e que permitiu que se transformassem na grande potência econômica da Antiguidade.

1.4 O comércio na Idade Média e as grandes navegações: o mundo torna-se global

No auge do Império Romano, uma religião começou a se formar na Palestina, uma das principais províncias romanas, inspirada nos ensinamentos de Jesus Cristo, que trazia como principais novidades a ideia de um único Deus e que a salvação pós-morte independia de condição social. Com isso, conseguiu a adesão de vários pobres e escravos, evidentemente interessados na possibilidade de acesso ao conceito de salvação universal.

31 Sobre a inversão de valores em países em desenvolvimento, buscando primeiro o

desenvolvimento para só após adequar suas instituições, conferir artigo de Anand Giridhadas

no The New York Times. Disponível em:

<http://www.nytimes.com/2014/01/21/world/americas/balancing-private-and-public-needs.html>.

32 Sobre a taxação do comé

rcio internacional em Roma, válida a lição de Dal Ri Junior: “era

natural que em decorrência do aumento do volume de tráfico comercial surgisse também uma espécie de direito público econômico. Tal fenômeno vem a acontecer através da instituição de um imposto, a portoria, que atualmente corresponderia a uma de nossas taxas alfandegárias. Mesmo assim, é importante salientar que os romanos nunca tiveram a intenção de se servir de

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19

Assim, uma nova religião denominada cristianismo difundiu-se pelo Império Romano. No início, esdifundiu-ses cristãos foram perdifundiu-seguidos por difundiu-se oporem à religião oficial do império. Isso mudaria no governo do Imperador Constantino que acabou por entrar na História como o primeiro imperador romano a professar o cristianismo. Isso porque, segundo relatos, Constantino sonhou com a vitória na Batalha da Ponte Mílvio, em 28 de outubro de 312, e, no referido sonho, teria visto uma cruz, e nela estava escrito em latim: in hoc signus vinces, algo como “sob este símbolo vencerás”.33

Após esse evento, o Império Romano, mesmo que em decadência, passou a divulgar e converter súditos para essa religião, que se espalharia primeiro pela Europa e, num segundo momento, por todo o mundo quando os europeus partiram para as Grandes Navegações.

A decadência do Império Romano traria como consequência um forte declínio do movimento comercial no mundo, eis que ausentes os pressupostos de segurança jurídico e negocial propiciados pelo Império forte. O ressurgimento de uma atividade comercial mais intensa só se daria durante o reinado de Carlos Magno, iniciado no Natal do ano 800.34 No entanto, um verdadeiro desenvolvimento só se daria com as Cruzadas e o fortalecimento das cidades em relação ao campo, algo que só ocorreria no século XII.

Nesse período da Idade Média, a união de alguns pequenos protoestados em torno da Igreja ficaria conhecida como Respublica Christiana.35 O comércio entre esses protoestados demoraria a ser retomado.

Todavia, no século XV, o comércio havia sido recuperado na Europa e esta já superava os tradicionais comerciantes árabes, tanto comercial como militarmente, tendo logrado sucesso em expulsá-los do seu

33 WARD, Allen; HEICHELHEIM, Fritz; YEO, Cedric. A History of the Roman People. New York:

Pearson, 2013. p. 425.

34 DAL RI JUNIOR, Arno. História do direito internacional: comércio e moeda; cidadania e

nacionalidade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. p. 36.

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20

continente em 1492, quando caiu o Califado de Córdoba. Entretanto, foi exatamente a troca de informações durante a ocupação moura que viabilizou a expansão marítima europeia.

Estima-se que, quando os mouros foram expulsos do continente, mais de um terço da população europeia era constituída de pessoas de outros continentes. Esse intercâmbio permitiu aos pioneiros portugueses e espanhóis acesso a instrumentos de navegação de alta sofisticação na época, como o astrolábio e a bússola, desenvolvidos na China e trazidos pelos comerciantes árabes que ocuparam a Península Ibérica e chegaram praticamente no Maciço Central francês.36

Interessante destacar que, ao mesmo tempo em que os europeus conseguiam uma verdadeira revolução nos costumes com as Grandes Navegações, a China que forneceu boa parte dos equipamentos técnicos necessários à navegação de longo curso, não obteve o mesmo feito em virtude de proibição expressa do Poder Central representado pela dinastia Ming que proibiu as navegações oceânicas ao desmantelar a construção naval chinesa em 1433 d.C.37

Contudo, no continente europeu, tal limitação não existia e as Grandes Navegações se tornaram realidade. Elas representariam o fim da Idade Média. Os grandes barcos construídos (caravelas e naus) e os instrumentos de navegação para viagens de longo curso mudaram por completo a noção de mundo. Primeiro, descobriu-se que o planeta era redondo. Segundo, a Europa que até então era um continente já em crise de espaço passou a contar com uma extensão considerável para produção de produtos: as Américas.38

36 BELMONTE, Alexandre.

Mundo novo e paraíso terrestre: o “transe dos viajantes” na

conquista da América. In: LEMOS, Maria Tereza Toribio Brites. América Latina: identidades em construção: das sociedades tradicionais à globalização. Rio de Janeiro: 7letras, 2008. p. 13.

37 LYRIO, Maurício Carvalho. A ascensão da China como potência: fundamentos políticos

internos. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2010. p. 22.

38 Para mais informações sobre o período das Grandes Navegações, consultar

(34)

21

Os portugueses, seguidos pelos espanhóis, investiram pesadamente na criação e manutenção de esquadras para conquistar novas regiões em territórios inexplorados na época, com um claro objetivo: estabelecer novas rotas comerciais.

No início, o investimento era praticamente exercido apenas pelo Estado, dado o seu elevado risco. Contudo, outros Estados mais ao Norte, como Inglaterra, França e Holanda, embora tenham saído atrás na corrida das Grandes Navegações, perceberam uma boa janela de oportunidade para o setor privado e, replicando uma ideia surgida na Itália, criaram as Companhias de Navegação, sociedades anônimas que atraíam investidores privados e, com isso, mitigavam o risco da empreitada.

Entre tais companhias, podemos destacar três:

- Companhia Britânica das Índias Orientais, fundada em 1600;

- Companhia Holandesa das Índias Orientais (Vereenigde Oost Indische Compagnie – VOC), fundada em 1602;

- Companhia Francesa das Índias Orientais, fundada em 1664.39

No século XVII, a VOC era a mais rica companhia privada do mundo, com mais de 150 navios mercantes, 50.000 funcionários, um exército privado com 40 navios de guerra, 20.000 marinheiros, 10.000 soldados e uma distribuição de dividendos de 40% aos seus acionistas.40

No final do século XIX e inicio do século XX, intensificou-se a criação de acordos comerciais, em sua maioria bilaterais. Tal fato não é exclusivo desses tempos, pois já desde a Idade Antiga era comum a realização de tratados comerciais, porém o que difere é sua expressão e abrangência. Tais tratados têm por finalidade pacificar e ordenar as relações comerciais

39 SARNA, David. History of Greed: Financial Fraud from Tulip Mania to Bernie Madoff. New

Jersey: John Wiley & Sons Publishers, 2010. p. 13.

40 SARNA, David. History of Greed: Financial Fraud from Tulip Mania to Bernie Madoff. New

(35)

22

entre dois ou mais países, com o objetivo de manter a soberania de cada um dos participantes em seu território.

Apenas no final do século XIX e início do século XX é que os países iniciariam o processo de reconhecimento da necessidade de regras únicas para a solução das divergências sobre o comércio internacional.

Em 1919, foi fundada a Associação Internacional de Empresas (posteriormente mais conhecida como Câmara Internacional do Comércio – CCI) com sede em Paris, e que visava

[...] promover o comércio internacional, o investimento, o mercado livre de bens e serviços e o livre trânsito de capitais, através da defesa dos interesses dos seus associados junto das organizações internacionais e das entidades reguladoras dos diferentes estados, bem como estabelecer regras comuns a todos os seus associados.

Era basicamente um grupo de industriais, comerciantes e banqueiros que estava determinado a trazer prosperidade econômica a um mundo que estava ainda em frangalhos após a Primeira Guerra Mundial. Eles fundaram a Câmara Internacional de Comércio e se autodenominaram os

“comerciantes da paz”.41

A CCI se notabilizaria pela criação de regras que, por aceitação voluntária, regem a maior parte das relações econômicas e comerciais internacionais.

Foi a CCI quem emitiu, em 1933, a primeira versão dos

Uniform Customs and Practice for Documentary Credits, que ainda são usados pelos bancos no mundo para reger as regras de troca de créditos.

Além disso, em 1936, a CCI criou os International Commercial Terms – Incoterms (Termos Internacionais de Comércio), siglas que representam padrões de contratação e assunção de riscos que, desde

41 RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through

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23

então, são utilizados em praticamente todas as transações comerciais internacionais, facilitando enormemente as negociações.

Apesar de não saberem na época, os pioneiros estavam criando uma organização que se tornaria essencial à economia global. Ao longo dos anos, a Câmara assumiu uma função central no comércio internacional, forjando regras internacionais, mecanismos e padrões que são usados todos os dias por meio de um mundo ainda mais complexo do qual era em 1919.

O núcleo original de empresários de origem de apenas cinco países expandiu para se tornar uma organização de comércio global com milhares de membros empresariais em mais de 120 países.

E, por mais que fatos como os Incoterms ou UCC tenham mais notoriedade quando se estuda o comércio internacional, uma iniciativa da CCI foi muito relevante para o fomento do intercâmbio de mercadorias transfronteiriço: a criação, em 1923, de uma Câmara de Arbitragem para as disputas entre os comerciantes.

1.5 A criação de uma corte global de solução de disputas

A arbitragem e outros sistemas alternativos – sistemas alternativos de solução de controvérsias – eram relativamente comuns até antes da Primeira Guerra Mundial (1914-1919). Tratava-se, como visto, de um método usado pelos comerciantes internacionais, em cada um dos seus setores (como algodão, lã, seda, grãos e farinhas etc.), mas sempre nas Corporações ligadas a cada setor.

(37)

24

determinado produto poderia até implicar o banimento do descumpridor de um determinado mercado.42

Após a Primeira Guerra, e já com a ideia de que o comércio entre as nações seria um elemento contínuo de paz, representantes de vários países se reuniram no Primeiro Congresso da Câmara Internacional de Comércio, ocorrido em 1921.

Eles então decidiram que a CCI deveria ter um corpo de árbitros para resolver suas disputas, envolvendo todos os campos do comércio, e não mais setores específicos:

[...] to the precedents furnished by the arbitration rules of the International Cotton Federation and by those of the International Publishers’ Congress, also taking account of the important results of the inquiry conducted by the Berlin Chamber of Commerce, and of the proposed rules compiled by the New York Chamber of Commerce, with a view to organizing international colleges of arbitrators for all trades or groups of trades.43

O Comitê permanente desse primeiro Congresso ficou com a missão de convocar uma conferência de especialistas representando as várias câmaras de comércio existentes, além das federações e associações de comércio e indústria, “com o propósito de compilar todos os dados relativos ao princípio da arbitragem entre cidadãos de diferentes países, e para desenvolver um plano para um tratado internacional para unificação das leis sobre arbitragem”44.

Por seu turno, nos Atos Constitutivos de fundação da Câmara de Comércio Internacional, constou, no art. VII, Seção 3, a seguinte provisão:

42 RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through

the International Chamber of Commerce. New York: Columbia University Press, 1938. p. 317.

43 I.C.C., First Congress (London, 1921), Brochure n. 13,

“Commercial Arbitration”, p. 6-7. Apud RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through the International Chamber of Commerce. New York: Columbia University Press, 1938. p. 318.

44 RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through

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25 When the parties to a contract on international commerce agree to submit to arbitration a difference of opinion due to the execution of such contract, they may choose as an arbitration board one or several of the members of the administration commission, who shall act as an arbitration board. The decision of the arbitration board shall be submitted to the General Secretary who shall forthwith transmit it to the parties concerned.45

Para isso, era necessário obter, entre outras, medidas que assegurassem: (i) o reconhecimento da validade da cláusula de arbitragem (incluindo a previsão de arbitragem com amiables compositeurs) inserida em contrato de comércio; (ii) reconhecer a possibilidade de pessoas atuarem como árbitros, independentemente de sua nacionalidade; (iii) uma legislação uniforme tratando da execução dos laudos arbitrais estrangeiros, independentemente de sua origem e mesmo que não tivessem seguido as regras procedimentais de um determinado país; e (iv) regras procedimentais uniformes para o procedimento arbitral nos vários países.

O trabalho não seria simples. Afinal, cada sistema legal, de cada país, tinha uma previsão sobre como funcionava a arbitragem. Além disso, vivíamos o início da era dos nacionalismos,46 cujo ápice levaria o mundo a uma nova Grande Guerra.

Um subcomitê fora constituído, e tinha como principal missão conciliar a concepção de normas de conduta e precedentes usados no sistema da Common Law, que entendiam que a Conciliação seria mais eficiente para o comércio internacional, e a concepção de normas e sanções decorrentes da lei, que eram arraigadas no sistema continental europeu, cujos integrantes queriam um método menos negociável e mais exequível: a arbitragem.

45 Tradução livre:

“Quando as partes de um contrato de comércio internacional concordam em

submeter à arbitragem a diferença de opinião em relação à execução de tal contrato, eles podem escolher como Painel Arbitral um ou alguns dos membros da Comissão de Administração, que devem atuar como Painel Arbitral. A decisão do Painel Arbitral deve ser submetida ao Secretário-Geral, que deve, em seguida, encaminhá-la às partes a ela

relacionadas” (I.C.C., Proceedings of the Organization Meeting (Paris, 1920), p. 204. Apud RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through the International Chamber of Commerce. New York: Columbia University Press, 1938. p. 319).

46 Sobre o tema, conferir HOBSBAWN, Eric. Nações e nacionalismos desde 1780. Programa,

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26

Após intensa discussão e estudo, o subcomitê, cuja presidência coube ao Sr. Von Hemert, presidente da Câmara Holandesa de Comércio, apresentou um draft redigido basicamente pelo Prof. Roberto Pozzi, conselheiro legal da Associação Italiana do Algodão.47 No draft estavam previstas tanto a Conciliação como a Arbitragem, de forma a atender ambos os sistemas legais.

O procedimento de conciliação era sobretudo baseado no acordo firmado entre a Câmara de Comércio EUA-Argentina, que efetivava conciliações à época com bastante eficácia. Ele previa o exercício da conciliação por meio de mediação ou por mandato dado pelas partes. A submissão ao procedimento de conciliação era obrigatória, o que parecia algo radicalmente inovador para os juristas continentais europeus.

O procedimento de arbitragem, por sua vez, também causaria divisões: a Inglaterra, os Estados Unidos e alguns países sul-americanos entendiam necessário prever a possibilidade de as partes submeterem suas disputas aos árbitros para que estes decidissem não com base na lei, mas em princípios e em equidade. Assim, tal previsão também foi incluída.48

A missão aparentemente impossível de congregar o mundo em um sistema eficiente de resolução de litígios comerciais rendeu frutos. No final do ano de 1923, ou seja, nos primeiros quatro meses de existência da Corte de Arbitragem da CCI, 48 disputas foram a ela submetidas por comerciantes, banqueiros e industriais de várias nacionalidades.

Entre elas, podemos destacar franceses, americanos, portugueses, belgas, italianos, japoneses, dinamarqueses, poloneses, noruegueses, austríacos e alemães. A matéria envolvia um grande espectro de

47 RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through

the International Chamber of Commerce. New York: Columbia University Press, 1938. p. 320.

48 RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through

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27

disputas, desde patentes e disputas sobre vendas de aço a diferenças relativas a sardinhas portuguesas e coalhada dinamarquesa.49

Desses 48 casos, 16 foram resolvidos antes do final do ano, sendo 1 por sentença arbitral final, 3 por conciliação, 12 por um acordo amigável entre as partes após intervenção oficial da CCI.50

Enfrentou-se ainda a dificuldade no sentido de que 18 dos 48 casos foram abandonados em virtude de uma das partes ter se recusado a arbitrar por não estar vinculada à convenção de arbitragem. Por fim, 14 dos casos encontravam-se, ao término do ano, pendentes de julgamento.51

Uma Corte Global de Solução de Disputas estava criada. Depois dela, vários outras surgiriam no globo e o fenômeno da arbitragem comercial internacional só cresceria. Seria necessário regulamentar os demais passos previstos pelos fundadores da Corte da CCI, em especial o reconhecimento da obrigatoriedade da cláusula que prevê a arbitragem e a uniformização da legislação sobre execução das sentenças arbitrais. A saga da arbitragem comercial internacional estava apenas começando.

49 RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through

the International Chamber of Commerce. New York: Columbia University Press, 1938. p. 326.

50 RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through

the International Chamber of Commerce. New York: Columbia University Press, 1938. p. 327.

51 RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through

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28

CAPÍTULO 2

A ARBITRAGEM E A ARBITRAGEM COMERCIAL

INTERNACIONAL

2.1 Origens e conceito

Não há consenso sobre a origem do instituto da arbitragem. A ideia de um terceiro resolver as diferenças é imemorial nos agrupamentos e civilizações humanas.52 Mesmo nas sociedades mais rudimentares, no sentido de não conhecerem a figura estatal ou mesmo a noção de propriedade, é comum ver os conflitos entre os homens solucionados por um terceiro que detenha a confiança das partes envolvidas.

Há quem aponte a Grécia Antiga como origem do fenômeno. Francisco José Cahali53 é um deles, ao afirmar que “tem-se notícia da

arbitragem até na mitologia grega, quando Zeus nomeou um árbitro para

decidir qual das deusas mereceria o pomo de ouro da mais bela”, citando

trecho da Ilíada, de Homero:54

[...] e deixou à mesa um pomo de ouro com a inscrição “à mais bela”. As deusas Hera, Atena e Afrodite disputaram o pomo e o título de mais bela. Para não arranjar confusão entre os deuses, Zeus então ordenou que o príncipe troiano Páris, na época sendo criado como um pastor ali perto, resolvesse a disputa. Para ganhar o título de

“mais bela”, Átena ofereceu a Páris poder na batalha e sabedoria; Hera, riqueza e poder; e Afrodite o amor da mulher mais bela do mundo. Páris deu o pomo a Afrodite, ganhando assim sua proteção, porém ganhando o ódio das outras duas deusas contra si e contra Tróia.

52

“O princípio da arbitragem está no fato de que, quando duas pessoas disputam a respeito de

qualquer assunto e não conseguem chegar a uma solução, elas escolhem um terceiro em quem confiam e ele decidirá a questão” (VERÇOSA, Haroldo Duclerc. Os segredos da arbitragem. São Paulo. Saraiva, 2013. p. 34.

53 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. 3. ed. São Paulo: RT, 2013. p. 25.

54 HOMERO. Ilíada. Tradução de Odorico Mendes. Rio de Janeiro/São Paulo/Porto Alegre:

(42)

29

Embora a ideia de um terceiro resolver conflitos remonte à mitologia,55 na Grécia não houve um sistema arbitral como o que se desenvolveria no mundo muitos séculos depois. De toda forma, Carlos Alberto Carmona56 menciona que havia, sim, um procedimento arbitral na Grécia, onde

“cada parte pagava uma taxa ao árbitro, e este, se não conseguisse conciliá-las, pronunciava sua sentença, solenizada por um juramento”.

Outros autores, como Grace Xavier,57 apontam para a

história bíblica do Rei Salomão. Na história, o Rei Salomão foi escolhido por duas mães que haviam dado à luz na noite anterior. A que perdeu o bebê clamava pelo bebê da outra, afirmando que, na verdade, era o seu.

Salomão, então, propôs que, não havendo consenso, o correto seria dividir a criança ao meio e entregar uma metade a cada mãe. Uma das mães, então, protestou e disse que melhor seria perder seu bebê a vê-lo morto, momento em que Salomão soube que esta era, na verdade, a mãe do bebê que sobrevivera.58

Cândido Rangel Dinamarco59 aponta a gênese da arbitragem no Direito Romano, quando a figura do judex que, como cidadão romano, decidia algumas questões entre particulares:

Nos períodos iniciais do sistema romano de tutela dos direitos a oferta de solução para os conflitos não era encargo do praetor, um órgão do Estado, mas do judex, um cidadão privado chamado a conduzir a causa e a decidir. [...]. Ao longo de todo esse período, o processo principiava perante o pretor, em sua fase de in jure, passando depois ao judex, responsável pela fase apud judicem, na qual a causa era julgada. E aquele que a julgava, o judex, outra coisa não era senão um árbitro. Era um cidadão privado que o pretor investia de um múnus público de conduzir o processo e proferir julgamento. Essa era uma arbitragem obrigatória e não livremente

55 Haroldo Duclerc Verçosa (Os segredos da arbitragem. São Paulo. Saraiva, 2013. p. 35) bem

aponta que esse mito grego retrata uma arbitragem em que Páris foi um árbitro venal porque interesseiro. Não é essa a arbitragem que é praticada globalmente.

56 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. São Paulo: Atlas, 2009. p. 34.

57 XAVIER, Grace. Evolution of Arbitration as a Legal Institutional and the Inherent Powers of

the Court. Asian Law Institute. Disponível em: <http://law.nus.edu.sg/asli/pdf/WPS009.pdf>. Acesso em: 27 set. 2014.

58Bíblia Sagrada. Livro dos Reis. 3,16-28. São Paulo: Editora Vida, 1997.

59 DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na teoria geral do processo. São Paulo:

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