• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 A ARBITRAGEM E A ARBITRAGEM COMERCIAL

2.2 Características

2.2.1 Autonomia das vontades

Autonomia das vontades é mais que uma característica da arbitragem. É um verdadeiro princípio fundador. As partes afastam a jurisdição estatal sobre seu litígio exatamente porque têm o poder de decidir com plena autonomia sobre aqueles direitos ali versados.

73 “O papel de intensificação do comércio, em virtude da institucionalização da arbitragem

internacional, que se deve à Convenção de Nova York, tem alguma analogia com as facilidades criadas, no tocante ao turismo, pelo cartão de crédito internacional ou nas relações comerciais entre empresas, com o crédito documentário. São os de verdadeiros catalisadores econômicos e jurídicos dos efeitos construtivos da globalização” (WALD, Arnoldo. A Convenção de Nova York e a revolução da arbitragem no mundo. Valor Econômico, 10 jun. 2008. Disponível em:

<http://ie.org.br/camara/cma_mostranoticia.php?id_sessao=22&id_noticia=204&lnk=)>).

74 FINKELSTEIN, Claudio. Arbitragem internacional e legislação aplicável. In: ––––––; VITA,

Jonathan; CASADO FILHO, Napoleão. Arbitragem internacional. Unidroit, CISG e direito brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 43.

75 MORRISSEY, Joseph F.; GRAVES, Jack M. International Sales Law and Arbitration:

37 Alan Redfern e Martin Hunter assim abordam a autonomia das vontades na arbitragem:

Party autonomy is the guiding principle in determining the procedure to be followed in an international commercial arbitration. It is a principle that has been endorsed not only in national laws, but by international arbitral institutions and organizations. The legislative history of the Model Law shows that the principle was adopted without opposition.76

Diversos autores77-78 têm optado pelo mesmo caminho no sentido de colocar a autonomia das vontades como pilar (cornerstone) da arbitragem, em especial da arbitragem comercial internacional. Contudo, também são unânimes em apontar que tal autonomia tem limites e que o principal deles são as questões de ordem pública, cujo conceito é possivelmente o de menor consenso na comunidade arbitral.

Julian M.D. Lew, já em 1978, sustentava que: “The uncertainty and ambiguity as to its actual content is one of the essential characteristics of public policy”.79

Não se pode afirmar que, desde então, a doutrina internacional avançou muito sobre o que seria a ordem pública. Tentando definir o conteúdo do que seria a ordem pública, Martin Hunter e Gui Conde e Silva asseveram

76 Tradução livre: A autonomia das vontades é o princípio norteador na determinação do

procedimento a ser seguido em uma arbitragem comercial internacional. É um princípio que tem sido endossado não apenas pelas leis nacionais, mas pelas instituições e organizações arbitrais internacionais. A história legislativa da Lei Modelo mostra que o princípio foi adotado sem oposição (REDFERN, Alan; HUNTER, Martin. With Blackaby and Partasides. Law and

Practice of International Commercial Arbitration. 4th ed. 2004. p. 315).

77 “International Arbitration is a process whereby parties refer disputes which have a foreign

element, to an arbitrator or an arbitral tribunal to settle. The cornerstone of arbitration is “Party Autonomy”, which is the will of the parties to arbitrate; it is the freedom to choose the terms and conditions they like best and the types of disputes to be arbitrated upon” (EGDEBI, Tamara. An Analysis of the Effect of Public Policy on Party Autonomy in International Arbitration. Disponível em: <http://www.dundee.ac.uk/cepmlp/gateway/?news=29275>. Acesso em: 18 set. 2014).

78 Conferir ainda: PRYLES, Michael. Limits to Party Autonomy in Arbitral Procedure. Disponível

em: <http://www.arbitration-

icca.org/media/0/12223895489410/limits_to_party_autonomy_in_international_commercial_arbi tration.pdf>. Acesso em: 18 set. 2014.

79

Tradução livre: “A incerteza e a ambiguidade com relação ao seu real conteúdo é uma das características essenciais da ordem pública” (LEW, Julian M. D. The applicable law in

38 que: “It may not be possible to be more precise than to say that public policy is a reflection of the fundamental principles of a given society in its moral, religious, economic, political and legal environments”.80

A ordem pública que interessa para a arbitragem internacional é a ordem pública chamada de transnacional que, segundo Pierre Lalive,81 é a

“osmose” das diversas noções de ordem pública aceitas pelos países em geral.

Esse limite “aberto” do conceito de ordem pública tem um propósito: assegurar a possibilidade de o Estado controlar os laudos arbitrais provenientes desses entes. Afinal, se é certo que o Estado reconhece aos particulares o poder de escolher quem julgará os litígios que envolvam direitos disponíveis, também é certo que a este ainda cabe o monopólio no uso da força.

Ora, como a solução da demanda levada ao juízo arbitral pode implicar, no futuro, requerimento ao Estado para que use a força para fazer valer a decisão, é necessário que este se assegure de que não será obrigado a usá-la em situações que colidam com os seus princípios basilares, aqueles que, inclusive, justificam a existência do próprio Estado.

Assim, sentenças provenientes de outros Estados podem, em regra, ter sua exequibilidade afastada quando descumprirem normas de ordem pública de um determinado estado.

Mesmo contendo limites, a autonomia das vontades é algo que permeia toda a arbitragem, seja nacional ou internacional, não apenas como seu fundamento de validade, mas como princípio orientador dos árbitros e das partes em todo o procedimento.

80 HUNTER, Martin; CONDE E SILVA, Gui. Transnational Public Policy and its application in

Investment Arbitrations. Journal of World Investment, Geneva, v. 4, n. 3, 2003.

81 LALIVE, Pierre. Transnational (or Truly International) Public Policy. VIII International

39