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A jurisprudência internacional sobre o financiamento de terceiros em

CAPÍTULO 4 O INVESTIMENTO DE TERCEIROS NA ARBITRAGEM

4.4 A jurisprudência internacional sobre o financiamento de terceiros em

4.4.1 Austrália

Por ser o país em que a ideia de financiamento de terceiros foi primeiramente aceita e divulgada, esperava-se que as cortes australianas tivessem um maior número de decisões sobre o tema. Contudo, não é o que verificamos em nossas pesquisas.

A decisão judicial mais relevante que encontramos foi a do caso

Minister for Transport for Western Australia v. Civcon Pty Ltd.258 Trata-se de um

caso cuja lei aplicável era a Lei de Arbitragem Comercial da Austrália Ocidental. A decisão parte da premissa de que não deve haver diferença entre o financiamento de terceiros na arbitragem e em litígios judiciais comuns.

A percepção nos parece ligeiramente equivocada. Embora ambos os financiamentos envolvam uma facilitação de acesso ao Judiciário, o financiamento de uma arbitragem é algo eminentemente privado, enquanto financiar litígios na Justiça Pública pode envolver interesses públicos ou difusos, de modo que tratar ambos de maneira idêntica pode, em última análise, mostrar-se problemático. Contudo, vemos bastante sentido na essência da decisão: a princípio, ambos os financiamentos devem ser tratados de forma parecida.

No entanto, o fato é que a jurisprudência tende a tratar o financiamento arbitral e o judicial de forma semelhante. E a jurisprudência sobre o financiamento de litígios judiciais é bastante forte.

É bem verdade que não há ainda um entendimento inteiramente pacífico sobre a possibilidade de se fazer financiamento de litígios na Austrália.

258 Caso Minister for Transport for Western Australia v. Civcon Pty Ltd. Supreme Court of

Western Austrália. Disponível em:

122 Craig Miles e Sarah Zagata Vasani259 afirmam que um juiz de New South Wales, em um julgamento de 2007, chegou a sustentar que a permissão do financiamento de litígios judiciais “ainda não apresenta uma aceitação universal”.

Contudo, desde 2007, a maioria dos casos que surgem na Austrália tem sido bastante favorável à possibilidade do financiamento. Assim, podemos dizer que o financiamento de litígios hoje já é uma realidade, e geralmente é aceito pelas cortes locais, quase sempre se baseando na ideia de que o financiamento é uma forma de acesso à justiça. Os delitos de champerty e maintenance foram abolidos em boa parte dos entes estatais que constituem a Austrália, incluindo New South Wales.

4.4.2 Reino Unido

O Direito inglês, base do sistema da Common Law, foi, durante muito tempo, refratário ao financiamento de litígios por um terceiro. Tanto que é lá que surgiram as doutrinas do champerty e maintenance. Essa repulsa incluía a proibição de advogados pactuarem seus honorários 100% baseados no êxito do processo (no win, no fee).260

Essa posição vem mudando especialmente nos litígios arbitrais. Vários fundos surgiram nesse país nos últimos tempos. Um caso emblemático é o caso Arkin vs. Bouchard Lines.261 Nele, a Court of Appeals aceitou que, em algumas situações (no caso concreto era um caso envolvendo Direito da Concorrência), o financiamento por um terceiro aumentaria o acesso à justiça. Além disso, entendeu que o financiador não poderia ser responsabilizado pelos custos em circunstância de derrota.

259 VASANI, Sarah Zagata; MILES, Craig. Global Arbitration Review, v. 3, Issue 1, p. 37.

260 Historicamente, não era possível contratar honorários 100% baseados no sucesso.

Atualmente, a Section 58 da Lei de Serviços Legais e Judiciais de 1990 permite tal contratação em algumas circunstâncias.

261 Caso Arkin v. Borchard Lines Ltd & Ors [2005] EWCA Civ 655. Disponível em:

123 Em relação ao financiamento indireto por advogados que atuam apenas com honorários de êxito, interessante citar o caso Bevan Ashford v.

Geoff Yeandle,262 em que se entendeu que a proibição dos honorários

exclusivamente de êxito se estende à arbitragem. Tal caso envolveu duas partes inglesas. Contudo, questiona-se se tal entendimento também seria extensível a arbitragens internacionais envolvendo partes não britânicas que contrataram seus advogados com base em outras leis aplicáveis em que tal possibilidade existe.

4.4.3 França

Na França, o financiamento de terceiros ainda não teve a mesma atenção das cortes judiciais que recebeu em jurisdições como Reino Unido, Austrália e Estados Unidos.

Na legislação francesa, o financiamento de terceiros aparece apenas no Código de Direito Securitário, com a figura do Seguro de Despesas Legais,263 em que o segurado é reembolsado pelas despesas legais, custas e honorários advocatícios em caso de algum evento litigioso descrito na apólice. Entretanto, a assunção de risco feita pela Seguradora tem como contraprestação o recebimento do prêmio do seguro, e não uma parcela do resultado do processo, conforme veremos adiante.

Um caso que merece destaque na jurisprudência francesa é o SA

Veolia Propreté v. Foris AG. Nele, um Fundo alemão (Foris AG), que financiara

uma parte australiana em uma arbitragem na Holanda, foi cobrado pela empresa francesa Veolia Proprieté pelas custas da arbitragem, eis que a parte australiana havia sido condenada a ressarci-la de tais valores. Em primeiro grau, a justiça francesa deu seguimento à execução, tendo tal decisão sido

262 Bevan Ashford v. Geoff Yeandle (1998) 3 WLR 172. 263 Art. L 127-1 do Código de Direito Securitário francês.

124 anulada em sede de apelação em Versailles.264

No tocante ao financiamento indireto pelos advogados que assumem o risco da causa em um contrato de honorários integralmente baseados no eventual êxito, o Direito francês proíbe tal tipo de contratação nas regras da Ordem dos Advogados francesa.265

4.4.4 Hong Kong

Hong Kong, embora parte do território chinês, possui alguma autonomia,266 e parte disso é representada por um Judiciário autônomo de Pequim que se destaca por seu forte conhecimento em arbitragem internacional.

As Cortes de Hong Kong, embora adotem um sistema judicial de

Common Law, há algum tempo adotavam exceções às regras do champerty e maintenance. Entre os fundamentos para afastar a aplicação de tais regras

sempre esteviveram o interesse comum das partes e o acesso à justiça.267 Em 2007, a Hong Kong Court of Final Appeal analisou um caso bastante interessante sobre o financiamento de arbitragens, embora não tenha efetivamente ocorrido um financiamento. Trata-se do caso Unruh vs. Seeberger

& Arnor.268 Nele, o Sr. Unruh cobrava do Sr. Seeberger uma participação no acordo de USD 42.000.000,00 firmado pela empresa Eco Swiss China Time Limited.

264 Caso Société Foris AG C/ S.A. Veolia Proprete anciennement dénommée S.A. ONYX, j.

1.º.06.2006 [RG n. 05/01038]. Cour d’Appel de Versailles. Disponível em: <http://legimobile.fr/fr/jp/j/ca/78646/2006/6/1/6950886/>. Acesso em: 15 nov. 2014.

265 Art. 11.3 do Regulamento do Barreau de Paris.

266 TAI, Benny Y. T. Judicial Autonomy in Hong Kong. Disponível em:

<http://cin.sagepub.com/content/24/3/295.abstract>. Acesso em: 6 set. 2014.

267 STARR, Paul; BATESON, David Bateson. Global Arbitration Review, v. 3, Issue 1, p. 39. 268 Caso Unruh vs. Seeberger & Arnor. Hong Kong Court of Appeals. Disponível em:

<http://www.onc.hk/pub/oncfile/publication/litigation/1203_EN_Champerty_and_Maintenance.pd f>. Acesso em: 7 set. 2014.

125 O Sr. Unruh havia vendido suas quotas na empresa para o Sr. Hans-Joerg Seeberger e, entre outras coisas, acordou que, em troca de seus esforços na arbitragem, uma parte do eventual resultado do procedimento arbitral que a Eco Swiis possuía na época lhe pertenceria.

Ao cobrar o Sr. Seeberger pela sua parte no processo, teve o pagamento negado, sob o fundamento de que o acordo sobre a divisão dos resultados de um litígio seria champertous e contrário à ordem pública de Hong Kong.

A Corte de Hong Kong rejeitou as alegações de Seebeger à unanimidade e entendeu que não caberia falar de champerty nesse caso, pois o Sr. Unruh tinha um interesse comercial genuíno no resultado da arbitragem.

A análise do caso Unruh, contudo, não é tão profunda a ponto de afirmarmos que a jurisprudência da ilha chinesa é favorável ao financiamento de terceiros, pois, como visto, não houve efetivamente um financiamento ou um contrato tipicamente de assunção de risco como costuma existir nos casos tradicionais de Third Party Funding.

O caso Unruh envolvia um ex-sócio que, ao se retirar da sociedade, recebeu, como parte do preço, uma parcela de um procedimento arbitral. A situação é, portanto, bem diferente do terceiro que não possui qualquer interesse no processo, senão o retorno financeiro pelo seu investimento.

4.4.5 Estados Unidos

O investimento em disputas é algo corriqueiro e relativamente antigo nos Estados Unidos. A figura dos escritórios de advocacia que assumem todos os custos da demanda em troca de uma parcela dos resultados do litígio é praticamente uma das características do sistema de solução de litígios dos Estados Unidos.

126 Além de pactuarem seus honorários exclusivamente no êxito (contingency fees), tais escritórios muitas vezes custeiam as chamadas Class

Actions comuns nos Estados Unidos em troca de participação nas

indenizações que, em regra, são bastante vultosas.

Entretanto, tais investimentos não são, de forma geral, voltados para o financiamento de demandas arbitrais envolvendo comércio internacional, objeto do nosso estudo.

Alguns casos serviriam de referência na análise de como a jurisprudência americana vem enfrentando o tema. Contudo, eles não são tão emblemáticos pois envolvem financiamentos de pequeno espectro, geralmente pessoas físicas, e não empresas.

Um caso interessante na jurisprudência norte-americana é o

Columbia Hospital v. NCRIC Ltd.,269 julgado pela Corte falimentar do Distrito de Columbia. Nele, o Tribunal entendeu que a doutrina do champerty não era aplicável apenas à relação cliente-advogado, mas a toda e qualquer situação. Eis a decisão:

Notwithstanding the limited purpose of the original doctrine, champerty is not only applicable to client-attorney assignments,“[i]f a contract is determined to be champertous, District of Columbia courts will not enforce it.270

Victoria Shannon e Lisa Nieunwald chamam atenção para o caráter curioso dessa decisão, pois o Distrito da Columbia é a única jurisdição nos Estados Unidos que permite que um não advogado seja sócio de sociedades de advogados.271

Em outras jurisdições, como Nova Jersey272 e Nova York,273 o

269 Caso Columbia Hospital v. NCRIC Ltd., Corte Falimentar do Distrito de Columbia. Case n.

09-00010, Chapter 11, j. 20.09.2011.

270

Tradução livre: “Não obstante o caráter limitado da doutrina original, champerty não é aplicável apenas às relações cliente-advogado, e se uma relação é tida como champertous, o Distrito da Columbia não a executará”.

271 NIEUWVELD, Lisa Benc; SHANNON, Victoria. Third Party Funding in International Arbitration. Holanda: Kluwer Law International, 2012. p. 147.

127 entendimento geral é de que o Third Party Funding é possível e que não se aplicam às doutrinas do champerty e maintenance, desde que os investidores não se envolvam com muita profundidade no caso.

No caso Fairchild Hiller Corporation v. McDonnell Douglas

Corporation,274 a Court of Appeals de Nova York entendeu, ainda em 1971, que a cessão de uma ação a um terceiro era possível, desde que o único propósito daquela cessão não fosse o estímulo a um litígio.275

A jurisprudência norte-americana é bastante farta sobre o tema e, de forma geral, aceita o Third Party Funding, desde que não haja abusos. Quando estes ocorrem, valem-se de teorias como o Champerty para intervir nos contratos e torná-los mais razoáveis, mas não para anulá-los.

4.5 O investimento de terceiros em processos judiciais e em arbitragens