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CAPÍTULO 4 O INVESTIMENTO DE TERCEIROS NA ARBITRAGEM

4.2 Os conflitos de interesses

4.2.3 A relação parte-advogado

Outra relação sujeita a conflito de interesses é a da parte com seu advogado, nas hipóteses de financiamento. Com efeito, na ânsia de patrocinar um caso e ver seus honorários garantidos, pode o advogado se ver compelido a estimular a parte a celebrar um mau acordo de financiamento.

Além disso, nas diversas jurisdições, é muito comum que os advogados sejam remunerados, mesmo que parcialmente, com base em honorários de êxito (contingency fees).

Na verdade, celebrar contratos de honorários exclusivamente com essa base de remuneração (contigency fees) é uma forma de financiar o demandante, pois a regra geral é pagar honorários de advogado para que seja proposta uma demanda.

106 Contudo, atuar exclusivamente com base no sucesso da demanda é um procedimento visto como infração ética do advogado em algumas jurisdições.

Na Alemanha, por exemplo, de acordo com a secção 49b do Ato Ético da Advocacia,231 um advogado não pode firmar contrato de

honorários exclusivamente no êxito.

A razão é a política pública que considera que os interesses do advogado não devem ser iguais aos interesses financeiros do cliente. Os serviços do advogado devem ser independentes. Evidentemente, tal ato ético regula apenas os advogados, não se aplicando à relação entre o cliente e o fundo.

No Brasil, embora se afirme que a obrigação do advogado seja de meio, e não de resultado, sendo devidos os honorários mesmo que não obtenha sucesso,232 os Tribunais de Ética da OAB têm permitido o pacto de

quota litis.233

Se o advogado é um parceiro ou acionista do financiador/investidor, isso pode criar novas questões éticas, pois o advogado pode influenciar o fechamento do acordo, a fim de ter um resultado maior.

Por fim, o advogado deve rejeitar e evitar toda e qualquer influência que possa pôr em perigo sua independência externa ou interna. Ele pode perseguir somente os interesses do seu cliente.

231 Bundesrechtsanwaltsordnung. Disponível em: <http://www.gesetze-im-

internet.de/bundesrecht/brao/gesamt.pdf>. Acesso em: 5 jul. 2014.

232 Conferir Tabela de Honorários da OAB/SP. Item 8. Disponível em:

<http://www.oabsp.org.br/subs/mogimirim/assistencia-judiciaria/TABELA-DE-HONORARIOS- ASS.-JUD>. Acesso em: 15 nov. 2014.

233 Decisão do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP: “Em contratos com pacto quota litis

ou ad exitum, com despesas processuais suportadas pelo próprio advogado, 30% (trinta por cento) não representam imoderação, dada a dificuldade dos serviços prestados, a duração da lide em cerca de 3 (três) anos, mais as despesas processuais suportadas pelo próprio profissional” (Processo E-1.577/97, Rel. Geraldo José Guimarães da Silva, unânime, 18.09.1997).

107 Em várias jurisdições (e no Brasil não é diferente), a prestação de serviços jurídicos é exclusiva de advogado. O financiador, ao analisar o caso, pode repassar ao financiado suas expectativas de resultados e, posteriormente, influenciar na estratégia do litígio. Estaria, em tese, prestando um serviço jurídico, que seria ilegal.

Todavia, o entendimento predominante é de que o fundo financiador não fornece serviços jurídicos. Ele analisa apenas a documentação e repassa (ou não) sua opinião sobre o sucesso potencial do caso à luz de seu próprio interesse financeiro. Para tanto, em regra, contrata profissional da advocacia que, este sim, prestará serviços jurídicos.

Nos Estados Unidos as regras éticas a que um advogado (attorney) tem de se submeter são determinadas por cada Estado. Na verdade, como não há uma Ordem dos Advogados de alcance nacional, temos uma Ordem (Bar Association) em cada Estado.

Os advogados admitidos a praticar a advocacia em cada Estado têm que aderir a seu respectivo regulamento de éticas. A maioria dos Estados possui um regulamento baseado no da ABA (American Bar Association), uma organização voluntária profissional que não tem poder de sancionar a conduta dos advogados.

Essas regras afetam vários aspectos de um acordo de financiamento por um fundo. O financiamento por terceiros invoca regras éticas próprias do advogado como a confidencialidade, independência profissional, conflito de interesse ou divisão dos honorários com não advogados.

Em 2009, a ABA criou a comissão de ética 20/20 a fim de realizar uma revisão das regras profissionais de conduta dos advogados. Em 2012, a comissão entregou um relato sobre o financiamento dos meios

108 alternativos de controvérsias,234 detalhando como os advogados devem lidar com as questões éticas que eles podem encontrar quando um financiamento de demanda ocorrer no caso do seu cliente.

Eis um resumo dos principais princípios e conselhos do Relato:

i. Um advogado deve sempre exercer julgamento profissional independente em nome de seu cliente, e não ser influenciado por outros interesses, sejam eles financeiros ou não.

ii. Um advogado não pode permitir a interferência do financiador no exercício de uma análise profissional independente.

iii. Os advogados devem ser vigilantes a fim de impedir a divulgação de informações protegidas pelo sigilo profissional e devem se valer de razoáveis cuidados para salvaguardar o sigilo advogado-cliente.

iv. Nas situações em que ocorrer um financiamento de disputas, o advogado deve se certificar de obter consentimento do cliente, depois da divulgação franca de todos os riscos associados e benefícios.

v. Os advogados que não têm experiência nesse tipo de financiamento devem se informar completamente acerca dos riscos jurídicos e benefícios dessa operação, a fim de fornecer conselhos apropriados aos clientes.

234 ABA Commission on Ethics 20/20, White Paper on ALF filed with the House of Delegates.

Disponível em:

<http://www.americanbar.org/groups/professional_responsibility/aba_commission_on_ethics_20 _20/work_product.html>. Acesso em: 6 set. 2014.

109 vi. Os advogados não devem investir no fundo ou ter uma relação de desenvolvimento recíproco de negócios a fim de gerar clientes. Isto pode interferir nos deveres de lealdade do advogado e na obrigação de fornecer ao cliente conselhos imparciais.

vii. Se o advogado tem uma conexão com o fundo, ele deve informar o cliente sobre os riscos criados pela relação advogado-fundo e pedir a ele para fornecer seu consentimento da forma mais isenta possível, eventualmente contratando outro profissional para orientá-lo sobre tais riscos.