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Arbitragem nacional, internacional e estrangeira no direito brasileiro

CAPÍTULO 2 A ARBITRAGEM E A ARBITRAGEM COMERCIAL

2.3 Arbitragem nacional, internacional e estrangeira no direito brasileiro

Em alguns países, o instituto da arbitragem exercida internamente é completamente distinto da arbitragem praticada quando tem por objeto demandas envolvendo partes com alguma conexão com o exterior, como são os casos de arbitragem envolvendo o comércio internacional.

No Brasil, de acordo com a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), é considerada sentença arbitral nacional a decisão proferida no território brasileiro. Consequentemente, sentença arbitral estrangeira será aquela proferida em outro território. O critério de definição eleito pelo legislador brasileiro, como se nota, foi puramente territorial.

Não há referência a termos como arbitragem internacional em nossa lei. Temos apenas o conceito de sentença arbitral interna (proferida dentro do território nacional) e sentença estrangeira (proferida fora do território nacional).

Tal critério permite, por exemplo, o aparente paradoxo de que arbitragens realizadas em língua estrangeira e com partes estrangeiras podem ser consideradas nacionais, bastando, para tanto, que a sentença seja proferida no Brasil. Da mesma forma, arbitragens envolvendo brasileiros, em língua portuguesa, podem, se tiverem sentença proferida no exterior, ser consideradas estrangeiras.

45 A distinção entre arbitragem doméstica ou nacional e arbitragem internacional, contudo, é bastante utilizada fora do Brasil.

John Savage e Michal Mcilwrath86 afirmam que a arbitragem

internacional situa-se em contraste à arbitragem doméstica. Segundo eles, enquanto a arbitragem internacional pode ser vista como a alternativa natural ao litígio em cortes nacionais, ela também se mostra como um contraste à arbitragem doméstica.

A arbitragem doméstica é, em muitos casos, apenas uma forma levemente modificada de contencioso judicial praticado nas cortes da sede da arbitragem, só que perante árbitros, em vez de juízes. Infelizmente, para muitas das partes, as vantagens de uma arbitragem internacional podem ser perdidas facilmente, se a parte não defender suas expectativas de uma arbitragem verdadeiramente internacional.87

Há muita discussão na doutrina e nas leis dos diversos países sobre o que seria uma “arbitragem internacional”. Uma arbitragem internacional costuma ser definida como um procedimento arbitral envolvendo partes de diferentes nacionalidades, ou uma arbitragem abrangendo partes da mesma nacionalidade com um ou mais elementos de conexão relativamente a um segundo país, tais como nacionalidade do árbitro, lei aplicável, sede da arbitragem, entre outros.

O fato é que nosso ordenamento não traz qualquer distinção entre arbitragem nacional ou internacional, pois, ao adotar o critério geográfico,88 a Lei Brasileira de Arbitragem distinguiu os procedimentos arbitrais apenas em procedimentos (i) locais e (ii) estrangeiros.

86 MCILWRATH, Michael; SAVAGE, John. International Arbitration and Mediation. A Practical

Guide. Holanda: Wolters Kluwer, 2010. p. 13.

87 MCILWRATH, Michael; SAVAGE, John. International Arbitration and Mediation. A Practical

Guide. Holanda: Wolters Kluwer, 2010. p. 15.

88 Cf. FINKELSTEIN, Claudio. Arbitragem internacional e legislação aplicável. In:

––––––; VITA, Jonathan; CASADO FILHO, Napoleão. Arbitragem internacional. Unidroit, CISG e direito brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 44 e ss.

46 Mais do que aos procedimentos, a Lei brasileira apenas se refere à sentença arbitral, de forma que, mesmo que um procedimento seja realizado fora do país, a arbitragem poderá ser considerada local ou interna, desde que a sentença tenha sido proferida dentro do território nacional.

Contudo, para vários países, essa distinção é importante. E, para a análise do objeto do nosso estudo, sobre a viabilidade do investimento de terceiros em procedimentos arbitrais, cumpre esclarecermos as diferenças apontadas no exterior.

Em regra, busca-se saber se existe na relação entre as partes algum elemento de conexão com algum regime jurídico diferente, isto é, distinto do regime jurídico da outra parte ou da sede da arbitragem. Nas palavras de Fouchard, Gaillard & Goldman:89

Any foreign elements found in this examination will provide possible connections with other countries. According to their importance, the situation or relationship will be governed either by a foreign legal system or by the national legal system. For the purposes of this method, an arbitration involving elements which are foreign vis-à-vis a particular country would be considered to be international.

Por meio desse método, devemos identificar os elementos de conexão e, em seguida, buscar a lei aplicável à arbitragem. Uma vez que tal determinação é feita, a arbitragem volta a ser local.

Alguns países chegam mesmo a ter uma definição legal do que é uma arbitragem internacional. A França é o principal deles, estabelecendo, no art. 1.504 do seu Code de Procedure Civil que: “Est international l’arbitrage qui met en cause des intérêts du commerce international”.90

89

“Quaisquer elementos estrangeiros encontrados nesse exame vai fornecer conexão com outros países. De acordo com sua importância, a situação ou relação jurídica será governada seja pelo sistema jurídico estrangeiro, seja pelo sistema jurídico nacional. Para os propósitos deste método, uma arbitragem envolvendo elementos que são estranhos em relação a um país em particular poderia ser considerada como internacional” (GAILLARD, Emmanuel; SAVAGE, John. Fouchard, Gaillard & Goldman on International Arbitration. Holanda: Kluwer, 2009. p. 45).

47 Entretanto, retomando a definição legal, ela deixa em aberto o que seriam os tais “interesses do comércio internacional”. Nos países que não trazem uma definição, recorre-se aos chamados “elementos de conexão” do Direito Internacional Privado para se afirmar o caráter internacional da arbitragem.

Há vários desses elementos que podem tornar uma arbitragem internacional. Entre eles, podemos destacar: (i) a nacionalidade e o domicílio das partes; (ii) a nacionalidade e o domicílio dos árbitros; (iii) o local da assinatura do contrato; (iv) o local da execução do contrato ou das obrigações; (v) o local do dano; (vi) a sede da arbitragem ou da instituição que a administrará; (vii) o local da execução da sentença arbitral; e, por fim (viii) o local cuja lei foi escolhida pelas partes.

Esses elementos exercem um papel importante na arbitragem internacional.

É evidente que as partes podem escolher qual lei aplicarão para cada fase da arbitragem (procedimento, mérito etc.), tanto que tal possibilidade está expressamente prevista na Convenção de Nova York,91 que prevê como uma das hipóteses de anulação da sentença arbitral o desrespeito ao procedimento escolhido pelas partes.

Todavia, quando tal escolha não é feita, ou quando a escolha se mostrar inexequível,92 os elementos de conexão auxiliarão os árbitros na

identificação do direito aplicável. Trata-se de uma possibilidade própria da arbitragem, em que o julgador não possui vinculação ou dependência com o Estado Nacional onde ocorre o procedimento.

91 A Convenção de Nova York sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais

Estrangeiras prevê, em seu art. V (1) d – 1.: “O reconhecimento e a execução de uma sentença poderão ser indeferidos, a pedido da parte contra a qual ela é invocada, unicamente se esta parte fornecer, à autoridade competente onde se tenciona o reconhecimento e a execução, prova de que: [...] d) a composição da autoridade arbitral ou o procedimento arbitral não se deu em conformidade com o acordado pelas partes, ou, na ausência de tal acordo, não se deu em conformidade com a lei do país em que a arbitragem ocorreu”.

92 Pode-se imaginar a escolha da lei de um país que já não mais existe ou que, à época do

48 Esse movimento de criar um universo autônomo da arbitragem internacional, distinto dos Judiciários locais e da arbitragem nacional, foi iniciado na França por Philippe Fouchard com seu artigo “L’autonomie de l’arbitrage commercial international”, publicado na Revue de L’Arbitrage em 1965.93

Ele propunha um distanciamento da arbitragem comercial internacional dos direitos nacionais, tanto na parte procedimental como na parte de mérito dos litígios. Afirmava o autor:

Le fonctionement de l’arbitrage commercial international devrait, dans son ensemble, échapper aux cadres nationaux. Un tel résultat ne peut être acquis facilement et des nombreuses obstacles se dressent devant une telle conception.94

A autonomia da arbitragem internacional constituiria, assim, uma verdadeira “desnacionalização” do procedimento arbitral, quando este fosse considerado internacional.

Primeiro, foi reconhecida a autonomia da cláusula que previa a arbitragem em relação ao contrato em que se inseria. A primeira decisão, na França, se deu em 1963, no caso Gosset,95 quando a Cour de Cassation

entendeu por consagrar a completa autonomia da cláusula compromissória.

A partir daí, em função da separação, poder-se-ia ter a possibilidade de uma cláusula ser considerada válida, mesmo que estivesse inserida em um contrato declarado nulo ou ineficaz.

93

FOUCHARD, Philippe. L’autonomie de l’arbitrage commercial international. Revue de

L’Arbitrage, 1965.

94 FOUCHARD, Philippe. L’autonomie de l’arbitrage commercial international. Revue de L’Arbitrage, p. 297, 1965. Tradução livre: “o funcionamento da arbitragem comercial

internacional deverá, na sua totalidade, escapar a dos regimes nacionais. Tal resultado não pode ser obtido facilmente e numerosos obstáculos se apresentam em virtude de tal concepção”.

95 Caso Gosset. Cour de Cassation Civil 1ere, 7 mai 1963. JCP II13405. Apud RACINE, Jean-

Baptiste. Réflexions sur l’autonomie de l’arbitrage commercial international. Revue de

49 A separação ainda permitiu a submissão da cláusula de arbitragem a uma lei diferente da lei aplicável ao mérito do contrato principal. No aspecto processual, essa autonomia seria consagrada pelo princípio da

compétence-compétence, que confere ao árbitro, e não ao juiz estatal, a

competência para decidir sobre sua própria competência.96 Tal princípio se

espalharia pelo mundo, sendo inserido na Lei Modelo da Uncitral97 e na nossa

Lei de Arbitragem.98

A autonomia da cláusula arbitral em relação a todos os direitos estatais (direito francês ou estrangeiro) seria confirmada trinta anos depois, em 1993, no caso Dalico,99 em que a jurisprudência francesa abandonaria o

método conflitual para casos arbitrais.

Alguns anos depois, em 1999, a Cour de Cassation decidiria pela existência de um “princípio da validade da cláusula arbitral em matéria internacional”, no caso Zanzi.100 Era o coroamento da ideia de autonomia da

cláusula arbitral.

No tocante à autonomia da arbitragem internacional como um todo (cláusula, procedimento, sentença etc.), vista como um sistema próprio, a jurisprudência francesa levaria alguns anos, mas terminaria por seguir os

96

“Today, the right of the arbitrators to rule on their own jurisdiction is an almost fully uncontroversial part of the well-established doctrine and practice in international arbitration” (UZELAC, Alan. Jurisdiction of the Arbitral Tribunal. Disponível em: <https://bib.irb.hr/datoteka/195147.Uzelac_txt_Jurisdiction.doc>. Acesso em: 8 nov. 2014). Tradução livre: “hoje em dia, o direito dos árbitros de regular sua própria competência é uma quase inteiramente incontroversa parte da doutrina e prática bem estabelecidas da arbitragem internacional”.

97 Article 8(1) Uncitral Model Law:

“A state court before which an action is brought which is

subject to an arbitration agreement shall refer the parties to arbitration unless it finds that the arbitration agreement is null and void, inoperative or incapable of being performed”.

98 Art. 8.º, parágrafo único: “Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes,

as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória”; c/c o art. 20: “A parte que pretender arguir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem”, ambos da Lei 9.307/1996.

99 Caso Dalico. Cour de Cassation Civil 1ere, 20 dec. 1993. 100 Caso Zanzi. Cour de Cassation Civil 1ere, 5 jan. 1999.

50 preceitos de Philippe Fouchard. Entre os casos que merecem destaque, citamos o caso Norsolor,101 o caso Hilmarton102 e o caso Chromolloy.103

Tais casos muito influenciaram não apenas a doutrina francesa, mas toda a doutrina internacional sobre arbitragem, pois apresentaram abordagens inovadoras no sentido de reconhecimento da autonomia plena da arbitragem internacional, com o Judiciário francês chegando a ponto de reconhecer sentença de uma arbitragem internacional, mesmo ela tendo sido anulada no país de origem. Mais recentemente, a mesma abordagem foi tomada no caso Putrabali.104

No entanto, essa autonomia não significa que a arbitragem internacional viva em um mundo completamente isolado e alheio ao que se passa nos mais diversos sistemas jurídicos.

Nesse sentido, a lição de Jean Baptiste Racine105 que afirma que “autonomia não significa independência”, e vai mas além:

L’autonomie n’est pas l’independence. L’arbitrage international n’est pas, et ne doit pas être, un monde completement fermé sur lui- même. Il entretien des rapports de collaboration et de coordination avec les ordres juridiques étatiques.106

No Brasil, dada a opção do legislador, a distinção que ocorre no plano internacional parece ter pouca repercussão, o que é algo lamentável.107

101 Caso Norsolor. Cour de Cassation, 1984. Apud GAILLARD, Emmanuel. L'exécution des

sentences annulées dans leur pays d'origine. Journal du Droit international, ano 125, 1998.

102

Caso Hilmarton. Cour d’Appel de Paris, 1997. Apud GAILLARD, Emmanuel. L'exécution des sentences annulées dans leur pays d'origine. Journal du Droit international, ano 125, 1998.

103

Caso Chromolloy. Cour d’Appel de Paris, 1997. Apud GAILLARD, Emmanuel. L'exécution des sentences annulées dans leur pays d'origine. Journal du Droit international, ano 125, 1998.

104 Societé PT Putrabali vs. SA Rena Holding et autre. 31 de março de 2005. Co

ur d’Appel de Paris. Revue de L’arbitrage, p. 665-666, 2006.

105 RACINE, Jean-

Baptiste. Réflexions sur l’autonomie de l’arbitrage commercial international.

Revue de L’arbitrage, Paris, n. 2, p. 308, 2005. 106

Tradução livre: “A autonomia não é a independência. A arbitragem internacional não é, e não deve ser, um mundo fechado sobre si mesmo. Ela mantém relações de colaboração e coordenação com as ordens jurídicas estatais”.

107 Sobre a importância da arbitragem internacional ter um tratamento diferenciado no nosso

país, recomendamos o livro de Adriana Braghetta: A importância da sede da arbitragem: uma visão a partir do Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.

51 Com efeito, poucas são as instituições arbitrais brasileiras que têm investido em uma internacionalização, lançando-se no mundo da arbitragem comercial internacional.

Com exceção talvez do CAM-CCBC, que recentemente tem realizado uma grande divulgação internacional, poucos são os Centros de Arbitragem que têm administrado procedimentos internacionais.

Entretanto, a arbitragem internacional tem ocorrido no cenário brasileiro, em procedimentos muitas vezes administrados por instituições estrangeiras, como a CCI e LCIA, as quais têm diversas arbitragens administradas no Brasil ou envolvendo partes brasileiras.108

É necessário que o mundo jurídico brasileiro perceba que uma mudança de paradigma nesse aspecto, para reconhecer a arbitragem como sistema autônomo e que precisa estar “desnacionalizado” o máximo possível, é fundamental para que o Brasil se transforme em destino permanente de procedimentos arbitrais internacionais.

É essa percepção, de que a arbitragem, em especial sua faceta internacional, constitui um sistema autônomo, que abordaremos no capítulo seguinte.

108 Em 2012, o Brasil foi sétimo país mais escolhido como sede em arbitragens CCI. 82 partes

brasileiras participaram desses procedimentos, o que representa 42% de todas as partes latino-americanas envolvidas em 2012 em arbitragens CCI e coloca o Brasil como o quarto país com mais usuários de arbitragens CCI, somente atrás dos E.U.A., Alemanha e França. Fonte: http://www.iccwbo.org/Data/Documents/Training-and-Events/Events/Arbitration-

ADR/2013/Q2/2013-ICC-Brazilian-Arbitration-Day-Programme-in-Portuguese/ Acesso em 15.11.2014.

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