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A criação de uma corte global de solução de disputas

CAPÍTULO 1- BREVE HISTÓRIA DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O

1.5 A criação de uma corte global de solução de disputas

A arbitragem e outros sistemas alternativos – sistemas alternativos de solução de controvérsias – eram relativamente comuns até antes da Primeira Guerra Mundial (1914-1919). Tratava-se, como visto, de um método usado pelos comerciantes internacionais, em cada um dos seus setores (como algodão, lã, seda, grãos e farinhas etc.), mas sempre nas Corporações ligadas a cada setor.

Esses sistemas arbitrais anteriores à Primeira Guerra dependiam mais da moral do que propriamente de sanções legais. Com efeito, descumprir a sentença arbitral proferida pelo Presidente de uma determinada corporação ou Associação que reunia os produtores ou comerciantes de um

24 determinado produto poderia até implicar o banimento do descumpridor de um determinado mercado.42

Após a Primeira Guerra, e já com a ideia de que o comércio entre as nações seria um elemento contínuo de paz, representantes de vários países se reuniram no Primeiro Congresso da Câmara Internacional de Comércio, ocorrido em 1921.

Eles então decidiram que a CCI deveria ter um corpo de árbitros para resolver suas disputas, envolvendo todos os campos do comércio, e não mais setores específicos:

[...] to the precedents furnished by the arbitration rules of the International Cotton Federation and by those of the International Publishers’ Congress, also taking account of the important results of the inquiry conducted by the Berlin Chamber of Commerce, and of the proposed rules compiled by the New York Chamber of Commerce, with a view to organizing international colleges of arbitrators for all trades or groups of trades.43

O Comitê permanente desse primeiro Congresso ficou com a missão de convocar uma conferência de especialistas representando as várias câmaras de comércio existentes, além das federações e associações de comércio e indústria, “com o propósito de compilar todos os dados relativos ao princípio da arbitragem entre cidadãos de diferentes países, e para desenvolver um plano para um tratado internacional para unificação das leis sobre arbitragem”44.

Por seu turno, nos Atos Constitutivos de fundação da Câmara de Comércio Internacional, constou, no art. VII, Seção 3, a seguinte provisão:

42 RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through

the International Chamber of Commerce. New York: Columbia University Press, 1938. p. 317.

43 I.C.C., First Congress (London, 1921), Brochure n. 13,

“Commercial Arbitration”, p. 6-7. Apud RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through the International Chamber of Commerce. New York: Columbia University Press, 1938. p. 318.

44 RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through

25 When the parties to a contract on international commerce agree to submit to arbitration a difference of opinion due to the execution of such contract, they may choose as an arbitration board one or several of the members of the administration commission, who shall act as an arbitration board. The decision of the arbitration board shall be submitted to the General Secretary who shall forthwith transmit it to the parties concerned.45

Para isso, era necessário obter, entre outras, medidas que assegurassem: (i) o reconhecimento da validade da cláusula de arbitragem (incluindo a previsão de arbitragem com amiables compositeurs) inserida em contrato de comércio; (ii) reconhecer a possibilidade de pessoas atuarem como árbitros, independentemente de sua nacionalidade; (iii) uma legislação uniforme tratando da execução dos laudos arbitrais estrangeiros, independentemente de sua origem e mesmo que não tivessem seguido as regras procedimentais de um determinado país; e (iv) regras procedimentais uniformes para o procedimento arbitral nos vários países.

O trabalho não seria simples. Afinal, cada sistema legal, de cada país, tinha uma previsão sobre como funcionava a arbitragem. Além disso, vivíamos o início da era dos nacionalismos,46 cujo ápice levaria o mundo a uma nova Grande Guerra.

Um subcomitê fora constituído, e tinha como principal missão conciliar a concepção de normas de conduta e precedentes usados no sistema da Common Law, que entendiam que a Conciliação seria mais eficiente para o comércio internacional, e a concepção de normas e sanções decorrentes da lei, que eram arraigadas no sistema continental europeu, cujos integrantes queriam um método menos negociável e mais exequível: a arbitragem.

45 Tradução livre:

“Quando as partes de um contrato de comércio internacional concordam em submeter à arbitragem a diferença de opinião em relação à execução de tal contrato, eles podem escolher como Painel Arbitral um ou alguns dos membros da Comissão de Administração, que devem atuar como Painel Arbitral. A decisão do Painel Arbitral deve ser submetida ao Secretário-Geral, que deve, em seguida, encaminhá-la às partes a ela relacionadas” (I.C.C., Proceedings of the Organization Meeting (Paris, 1920), p. 204. Apud RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through the International Chamber of Commerce. New York: Columbia University Press, 1938. p. 319).

46 Sobre o tema, conferir HOBSBAWN, Eric. Nações e nacionalismos desde 1780. Programa,

26 Após intensa discussão e estudo, o subcomitê, cuja presidência coube ao Sr. Von Hemert, presidente da Câmara Holandesa de Comércio, apresentou um draft redigido basicamente pelo Prof. Roberto Pozzi, conselheiro legal da Associação Italiana do Algodão.47 No draft estavam previstas tanto a Conciliação como a Arbitragem, de forma a atender ambos os sistemas legais.

O procedimento de conciliação era sobretudo baseado no acordo firmado entre a Câmara de Comércio EUA-Argentina, que efetivava conciliações à época com bastante eficácia. Ele previa o exercício da conciliação por meio de mediação ou por mandato dado pelas partes. A submissão ao procedimento de conciliação era obrigatória, o que parecia algo radicalmente inovador para os juristas continentais europeus.

O procedimento de arbitragem, por sua vez, também causaria divisões: a Inglaterra, os Estados Unidos e alguns países sul- americanos entendiam necessário prever a possibilidade de as partes submeterem suas disputas aos árbitros para que estes decidissem não com base na lei, mas em princípios e em equidade. Assim, tal previsão também foi incluída.48

A missão aparentemente impossível de congregar o mundo em um sistema eficiente de resolução de litígios comerciais rendeu frutos. No final do ano de 1923, ou seja, nos primeiros quatro meses de existência da Corte de Arbitragem da CCI, 48 disputas foram a ela submetidas por comerciantes, banqueiros e industriais de várias nacionalidades.

Entre elas, podemos destacar franceses, americanos, portugueses, belgas, italianos, japoneses, dinamarqueses, poloneses, noruegueses, austríacos e alemães. A matéria envolvia um grande espectro de

47 RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through

the International Chamber of Commerce. New York: Columbia University Press, 1938. p. 320.

48 RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through

27 disputas, desde patentes e disputas sobre vendas de aço a diferenças relativas a sardinhas portuguesas e coalhada dinamarquesa.49

Desses 48 casos, 16 foram resolvidos antes do final do ano, sendo 1 por sentença arbitral final, 3 por conciliação, 12 por um acordo amigável entre as partes após intervenção oficial da CCI.50

Enfrentou-se ainda a dificuldade no sentido de que 18 dos 48 casos foram abandonados em virtude de uma das partes ter se recusado a arbitrar por não estar vinculada à convenção de arbitragem. Por fim, 14 dos casos encontravam-se, ao término do ano, pendentes de julgamento.51

Uma Corte Global de Solução de Disputas estava criada. Depois dela, vários outras surgiriam no globo e o fenômeno da arbitragem comercial internacional só cresceria. Seria necessário regulamentar os demais passos previstos pelos fundadores da Corte da CCI, em especial o reconhecimento da obrigatoriedade da cláusula que prevê a arbitragem e a uniformização da legislação sobre execução das sentenças arbitrais. A saga da arbitragem comercial internacional estava apenas começando.

49 RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through

the International Chamber of Commerce. New York: Columbia University Press, 1938. p. 326.

50 RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through

the International Chamber of Commerce. New York: Columbia University Press, 1938. p. 327.

51 RIDGEWAY, George. The Merchants of Peace: twenty years of business diplomacy through

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