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CAPÍTULO 5 O INVESTIMENTO DE TERCEIROS EM ARBITRAGENS E O

5.2 A comparação entre o investimento de terceiros e a atividade securitária e

5.2.1 A comparação com o contrato de seguros

Em algumas jurisdições, como é o caso da França, o investimento de terceiros é comparado e por vezes equiparado em termos jurídicos aos contratos de seguro.

É natural do ser humano, ao se deparar com um fenômeno desconhecido, buscar compará-lo e agrupá-lo dentro do rol de experiências anteriores, de forma a melhor compreendê-lo. Esse método comparativo, embora seja muito utilizado nas Ciências Sociais de modo geral,292 não nos parece ser o mais apropriado para o fenômeno jurídico que estamos analisando.

O contrato de seguro costuma ser definido em Portugal, por exemplo, como: “O contrato por via do qual uma pessoa transfere para outra o risco de eventual verificação de um dano (sinistro) na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de uma remuneração (prêmio)”.293

292 SCHNEIDER, Sérgio; SCHMIDT, Cláudia Job. O uso do método comparativo nas ciências

sociais. Cadernos de Sociologia, v. 9, p. 45-49, 1998.

293 MARTINEZ, Pedro Romano. Direito dos seguros: apontamentos. Cascais: Principia, 2006. p.

140 No Direito Europeu, é considerado como: “A contract under which one party, the insurer, promises another party, the policyholder, cove against a specified risk in exchange for a premium”.294

Nos Estados Unidos, eis como definem o contrato de seguro:

An insurance contract means a contract (other than an annuity contract) under which the issuer in exchange for consideration agrees to pay an amount upon the occurrence of a specified contingency involving mortality, morbidity, accident, liability, or property risk295

Até mesmo na China, o contrato de seguro possui elementos idênticos ao dos demais países supramencionados:

Insurance is a contract whereby the proposer pays insurance premiums to the insurer in accordance with the contract and the insurer is liable for the payment of indemnities in connection with property losses arising due to the occurrence of an event the possibility of occurrence of which is specified in the contract.296

No Brasil, o seguro é um contrato típico, descrito no art. 757 do Código Civil,297 em que uma parte, o segurador, se obriga, por meio de um contrato, a garantir interesse legítimo do segurado – o que se dá mediante o

294 BASEDOW, Jurgen; BIRDS, John; CLARKE, Malcolm; COUSY, Herman; HEISS, Helmut. Principles of European Insurance Contract Law. Munique: Sellier European Law Publishers,

2009. p. 49. Tradução livre: “um contrato no qual uma parte, a seguradora, promete à outra parte, o segurado, cobertura sobre um risco específico, mediante o pagamento de um prêmio”.

295 The Baker & Mckenzie Insurance Report. Disponível em

http://www.bakermckenzie.com/files/Publication/030e1926-0f10-4627-adbe- 9249be435289/Presentation/PublicationAttachment/328e6942-bdd4-4e71-83f0- 95669efbfbcc/pn_zurich_fatcainsurance_jan13.pdf Acesso em 10.12.2014.

296 Art. 2. Chinese Insurance Law. A tradução do texto para língua inglesa está no documento

China Law & Practice (2009) PRC Insurance Law Amended. Disponível em: <www.chinalawandpractice.com/article/2179833/PRC-Insurance-law-amended.html>. Acesso em: 14 set. 2014. Tradução livre: “Seguro é um contrato onde o proponente paga prêmios de seguro ao segurador, nos termos do contrato, e o segurador é responsável pelo pagamento de indenizações relacionadas com a perda da propriedade em virtude da ocorrência de um evento cuja possibilidade de ocorrência está prevista em contrato”.

297 Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio,

a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

141 pagamento de determinado valor, denominado prêmio – referente a determinada pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados.

Maria Helena Diniz assim define o contrato de seguro:

[...] é aquele pelo qual uma das partes (segurador) se obriga para com a outra (segurado), mediante o pagamento de um prêmio, a garantir-lhe interesse legítimo relativo a pessoa ou a coisa e a indenizá-la de prejuízo decorrente de riscos futuros, previstos no contrato” (CC, art. 757).298

E prossegue afirmando que “a noção de seguro supõe a de risco, isto é, do fato de estar o sujeito exposto à eventualidade de um dano à sua pessoa, ou aos seus bens, motivado pelo acaso”.299

No mesmo sentido, João Roberto Parizatto sustenta que o seguro é:

[...] um contrato bilateral com obrigações para ambas as partes. O segurado para ter direito à indenização tem de pagar determinada quantia previamente ajustada, intitulada de prêmio, durante determinado período, no qual o seguro terá vigência. A seguradora, por sua vez, estando satisfeita acerca do pagamento do prêmio pelo segurado, tem a obrigação de ressarci-lo em caso de prejuízo previsto contratualmente.300

É fácil perceber que há uma internacionalização do Direito dos Seguros, consequência não apenas de a definição ser muito parecida em todo o planeta, mas também por boa parte das seguradoras se constituir de grandes companhias globais que desenvolvem políticas securitárias semelhantes em todo o planeta.301

Ou seja, em qualquer lugar do mundo, segurador e segurado, em troca de um prêmio pago, negociam as consequências econômicas do risco, mediante a obrigação do segurador de repará-las.

298 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.

316.

299 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.

317.

300 PARIZATTO, João Roberto. Manual de prática dos contratos. 4. ed. Leme: Edipa, 2010. p.

254.

301 RACINE, Jean Baptiste; SIIRIAINEN, Fabrice. Droit du Commerce International. 2. ed. Paris:

142 De um breve estudo no Direito securitário no Brasil e no mundo percebe-se que três são os elementos essenciais do seguro – o risco de dano, a mutualidade e a boa-fé –, elementos que formam o tripé do seguro, uma verdadeira “trilogia”.

Por ser o elemento material do seguro, isto é, a sua base fática, é possível afirmar que onde não existir risco não haverá seguro. As pessoas fazem seguro, em qualquer das suas modalidades – seguro de vida, seguro de saúde, seguro de automóveis etc. – porque estão expostas a risco.

O seguro costuma cobrir eventos danosos, abrangendo inclusive situações de insucesso, infortúnios ou constrangimentos no âmbito das atividades da pessoa ou da empresa.

Risco de dano significa um perigo, uma possibilidade de prejuízo decorrente de acontecimento futuro e possível, mas que não depende da vontade das partes. Aqui já identificamos a primeira diferença entre o contrato de seguro e o contrato de investimento ou financiamento de arbitragens que ora estudamos.

No seguro, o risco se refere a um evento danoso, enquanto no investimento em arbitragens, a álea reside em evento futuro e incerto, mas que implica acréscimo patrimonial ou recebimento de uma indenização pelos envolvidos. No seguro, o evento coberto pelo risco é algo não desejado pelas partes, ao passo que no investimento é algo não apenas desejado, mas um resultado pelo qual as partes empreenderão seus melhores esforços para obtê- lo. O risco, no Third Party Funding, incide sobre um evento desejado, e não sobre um evento danoso.

Entretanto, a diferença entre os contratos não se resume a esse primeiro aspecto. No seguro, exige-se que uma das partes pague um valor em momento anterior à verificação do evento aleatório. Trata-se do prêmio que, necessariamente, precisa ser pago no momento da contratação, sob pena de,

143 não o sendo, constituir fraude contra a própria seguradora que é, na verdade, uma mutualidade de interesses.302

Portanto, vemos mais uma diferença do contrato de seguro para o investimento/financiamento de arbitragens. No seguro, paga-se de forma certa e antecipada um prêmio para que uma das partes assuma o risco do evento

danoso. No investimento/financiamento de arbitragens, a contrapartida é

incerta e posterior ao acontecimento do evento desejado.

Continuando a análise dos elementos de ambos os contratos, observamos que no investimento/financiamento de arbitragens não existe o conceito de mutualidade presente nos contratos de seguro.

O contrato de seguros, ao contrário do investimento/financiamento de arbitragens, que é aleatório, é um contrato comutativo e sinalagmático. Conforme menciona Vera Helena de Melo Franco, “é uma operação de prevenção e pulverização de riscos, que se caracteriza também pela mutualidade ou comunidade dos riscos, bem como pelo seu caráter solidarístico, previdenciário e contratual”.303

Entende-se que a comutatividade do contrato de seguro advém da supressão da álea por meio da mutualidade, ou seja, da pulverização dos riscos entre todos os que participam da operação de seguro, de forma que, com o contrato de seguro, o risco deixa de existir.

E aqui reside a diferença. Não há pulverização de riscos entre uma comunidade de segurados nos contratos de investimento/financiamento em arbitragens. Temos uma álea que, ocorrendo, beneficia ambas as partes.

Por fim, a boa-fé é elemento básico do contrato de seguros em qualquer lugar do mundo. O segurado deve informar a seguradora em detalhes sobre o risco que este busca cobrir. Em virtude da mutualidade e da

302 TJSP, 26.ª Turma Cível, APL 238103820098260309/SP 0023810-38.2009.8.26.0309, Rel.

Des. Felipe Ferreira, j. 27.07.2011. Seguro de veículos. Reparação de danos. Não comprovado o pagamento do prêmio antes da ocorrência do sinistro, não cabe a indenização pleiteada. Sentença mantida. Recurso improvido.

303 FRANCO, Vera Helena de Mello. Contratos: direito civil e empresarial. 2. ed. São Paulo: RT,

144 possibilidade de agravamento do risco pelo segurado (seleção adversa), chega-se a afirmar que nos seguros vigora o princípio da uberrima bona

fides,304 ou seja, uma boa-fé extrema, máxima.305

Não se imagina que nos contratos de investimento ou financiamento de arbitragens deva imperar a má-fé, mas não há dúvida de que nesses casos, em que temos investidores especializados e em que há um processo de due diligence prévio, com conhecimento amplo pelo investidor que pode analisar detidamente as chances de sucesso, tal princípio não precisa ser levado ao seu máximo.

Na verdade, mais do que com os seguros, os contratos de investimento/financiamento em arbitragens mais se parecem com o investimento em sociedades empresárias, os contratos de fusão e aquisição de empresas. Nessas hipóteses, há jurisdições que inclusive relativizam o princípio da boa-fé,306 entendendo que não deve ser causa de nulidade do ato jurídico uma apresentação dos passivos da empresa mais otimista do que aquela verificada posteriormente.

Portanto, restando evidenciada a grande diferença entre o contrato de seguro e o contrato de investimento/financiamento de arbitragens, constatamos que não há qualquer sentido em aplicar aos últimos os requisitos e a regulamentação aplicáveis aos primeiros.

304 MARTINEZ, Pedro Romano. Direito dos seguros: apontamentos. Cascais: Principia, 2006. p.

57.

305 No mesmo sentido, de reconhecer a boa-fé máxima como essencial ao contrato de seguro,

conferir decisão: TJSP, Processo 0135556-82.2011.8.26.0100 (583.00.2011.135556), Procedimento Ordinário – Ato/Negócio Jurídico – Catharina Gatz Birle – Kacel Corretora de Seguros S/C Ltda. – Mapfre Santa Cruz Seguradora S.A. – Tokio Marine Brasil Seguradora S.A., DJ 23.05.2013.

306 Cf. Caso Terrell v. Mabie Todd (1952) 69 RPC 234 e Pips (Leisure Products Ltd vs Walton

(1981 EGD 100. Sobre o conceito de "best efforts" no direito inglês, conferir ainda o caso jet2.com Ltd vs Blackpool Airport. Disponível emhttp://www.building.co.uk/all-reasonable- endeavours-jet2com-ltd-vs-blackpool-airport-ltd/5038348.article. Acesso em 10/12/2014

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