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Direito civil punitivo: do dano moral punitivo à idealização de uma causa geral de multa civil

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO

ARTHUR NOGUEIRA FEIJÓ

DIREITO CIVIL PUNITIVO:

DO DANO MORAL PUNITIVO À IDEALIZAÇÃO DE UMA CAUSA GERAL DE MULTA CIVIL

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ARTHUR NOGUEIRA FEIJÓ

DIREITO CIVIL PUNITIVO:

DO DANO MORAL PUNITIVO À IDEALIZAÇÃO DE UMA CAUSA GERAL DE MULTA CIVIL

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito Constitucional. Área de Concentração: Ordem Jurídica Constitucional.

Orientador: Prof. Dr. Regnoberto Marques de Melo Junior.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca da Faculdade de Direito

F297d Feijó, Arthur Nogueira.

Direito civil punitivo: do dano moral punitivo à idealização de uma causa geral de multa civil / Arthur Nogueira Feijó. – 2015.

178 f. : 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, Fortaleza, 2015.

Área de concentração: Ordem Jurídica Constitucional. Orientação: Prof. Dr. Regnoberto Marques de Melo Júnior.

1. Direito civil. 2. Direito constitucional. 3. Dano moral. I. Título.

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ARTHUR NOGUEIRA FEIJÓ

DIREITO CIVIL PUNITIVO:

DO DANO MORAL PUNITIVO À IDEALIZAÇÃO DE UMA CAUSA GERAL DE MULTA CIVIL

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito Constitucional. Área de Concentração: Ordem Jurídica Constitucional.

Aprovada em _____/_____/_______.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________ Prof. Dr. Regnoberto Marques de Melo Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

___________________________________________________ Profª. Dra. Theresa Rachel Couto Correia

Universidade Federal do Ceará (UFC)

___________________________________________________ Prof. Dr. Bruno Leonardo Câmara Carrá

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A Deus.

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AGRADECIMENTOS

Uma vida não se constrói sozinha, na verdade, em muito ela não se determina, mas sim é sutilmente guiada por energias externas que, por vezes, não nos atentamos para a fonte e cometemos a ingratidão de atribuir os bons destinos em que aportamos ao acaso, ou mesmo, por cega e descabida vaidade, a nós mesmos.

Findo aqui mais uma etapa do ciclo da vida, o que foi conquistado não por obra de uma álea desordenada, ou por fruto de uma só voz. Ouço uma sinfonia de contribuições e a cada membro desse conjunto presto estes singelos agradecimentos.

Ao Maestro, que, embora não o conheça e nem sempre o compreenda, reconheço e sinto sua presença em cada passo dado.

Aos grandes guias, bússolas que jamais oscilam, verdadeiros intérpretes dos comandos maestrais, meus pais, Roberto Capelo Feijó e Margareth Herbster Nogueira Feijó, assim como àqueles que também me acolheram ao chegar neste mundo e participam, com especial zelo, de minha caminhada: Valderide Silva e meu irmão, Roberto Nogueira Feijó, junto com sua esposa e minha irmã por afinidade, Érica Oliveira Lima Feijó.

À Camila Arruda Belucco, pela companhia, apoio e carinho, bem como pelo suporte na conquista de minhas metas, das quais uma delas é nesta dissertação concretizada.

A todos os professores que compartilharam parte do seu saber no louvável ofício da cátedra, em especial ao Professor Regnoberto Marques de Melo Júnior, orientador não só destas linhas, mas também de minha iniciação na atividade docente; assim como ao Professor Bruno Leonardo Câmara Carrá e à Professora Theresa Raquel Couto Correa, pelas lições ofertadas e por me concederem a honra de tê-los como avaliadores nesta última etapa do mestrado.

Aos meus amigos e companheiros de geração, que comigo caminham rumo a um futuro próximo, em que deposito a esperança de que aperfeiçoemos o mundo que nos foi dado, ao que enfatizo, em nome de todos, os nobres amigos Bruno Araújo Massoud, responsável por forte encorajamento de minha jornada acadêmica, e José Célio Belém de Pinho Filho, pelo zelo em integrar o secretariado da Banca de avaliação deste trabalho.

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“Vós vos deleitais em fazer leis, e mais ainda em infringi-las. Como crianças brincando a beira mar, que constroem pacientemente castelos de areia e depois os destroem entre risadas. Mas enquanto construís castelos de areia, o oceano traz mais areia para a praia. E quando as destruís, o oceano ri convosco. Em verdade, o oceano sempre ri com os inocentes.”

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RESUMO

Objetiva-se examinar criticamente, através de uma visão civil e constitucional, o aspecto punitivo entoado na responsabilidade civil brasileira. Nesse sentido, inicialmente, faz-se um levantamento de noções básicas da Teoria Geral do Direito, com ênfase no instituto da sanção, para, então, ingressar no estudo das funções da responsabilidade civil. A seguir, direciona-se o pensamento para a indenização por danos morais, o que se justifica em razão de nela ser encontrado o berço jurisprudencial em que nascido, em solo pátrio, a ideia de indenização punitiva, culminando com uma visão crítica sobre a compatibilidade do elemento punitivo com a sistemática civil pátria. Dentre as conclusões, trata-se sobre a necessidade de respeito à ordem de legalidade para fins de imposição de sanções de índole punitiva, mesmo que em sede de Direito Civil, razão pela qual se aponta a injuridicidade da construção jurisprudencial brasileira a respeito da conotação punitiva conferida à sanção decorrente de danos morais. Em prosseguimento, sem ingressar na análise da justiça da razão punitiva, mas sim partindo da premissa de que a ordem de punição, sob uma visão funcionalista, demonstra utilidade no papel do Direito de ordenar condutas, preludia-se um modelo legal, pautado na ideia de uma causa geral de multa civil, em que se idealiza uma possível nova sistemática punitiva no corpo do Direito Civil e em consonância com os imperativos constitucionais, imbuído no objetivo de efetividade da jurisdição e de prevenção de ilícitos. Como metodologia, adota-se um modelo voltado à pesquisa bibliográfica e jurisprudencial (com ênfase no Superior Tribunal de Justiça), sob o pálio de um discurso aberto, no qual é privilegiado o incentivo à reflexão dos conceitos apresentados, bem como é feita uma proposta de alteração da sistemática civil vigente, o que, longe da intenção de firmar novos dogmas, direciona-se ao anseio de despertar a atenção para uma temática que tem assumido maior complexidade e relevância na atualidade, trazendo à tona o denominado Direito Civil Punitivo.

(9)

ABSTRACT

The purpose of this paper is to critically examine, through a civil and a constitutional law point of view, the punitive aspect intoned in Brazilian civil liability. In this sense, initially, a survey of basics of Law General Theory is done, emphasizing the sanction institute, to join the study of civil responsibility functions. Then, directs the study for the compensation by moral damage, which is justified because on it is found the jurisprudential cradle where born, on home land, the idea of punitive damages, culminating with a critical view on the compatibility of the punitive element with homeland civil systematic. Among the conclusions, it is discussed the need to respect the order of legality for imposing punitive sanctions, even in civil law, which is why it points to the illegality of the Brazilian jurisprudential construction regarding the punitive connotation given to the penalty resulting from moral damages. Continuing, without joining in the analysis of the punitive reason justice but on the premise that the order of punishment, under a functionalist view, demonstrates usefulness in the role of law to order conducts, prelude to a legal model, based on the idea that a general cause of civil fine, in which it idealizes a possible new punitive system in civil law and in accordance with the constitutional imperatives, imbued with the goal of effectiveness of the jurisdiction and illicit prevention. The methodology adopts a model dedicated to bibliographic and jurisprudential research (with emphasis on the Superior Court of Justice), under the support of an open discourse, encouraging the reflection of the concepts presented is privileged and a proposal about a modification of the existing civil systematic is presented, which, far from the intention to enter into new dogmas, it directs to the desire to attract attention to an issue that has taken on greater complexity and relevance today, bringing up the so-called Punitive Civil Law.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 ONTOLOGIA E TELEOLOGIA PREAMBULARES ... 13

2.1 Da sanção ... 13

2.1.1 Norma, sanção e livre arbítrio... 15

2.1.2 Da adequação da sanção ... 16

2.2 Do dano e da indenização ... 19

2.3 Das funções da responsabilidade civil ... 24

2.3.1 Da função reparatória ... 25

2.3.2 Da função preventiva ... 29

2.3.3 Da função punitiva ... 32

2.4 Do conceito de dano moral ... 37

2.4.1 Do conceito negativo... 37

2.4.2 Do dano moral como perturbação subjetiva ... 39

2.4.3 Do dano moral como violação aos direitos da personalidade e à cláusula de dignidade ... 41

2.4.4 Da nomenclatura ... 46

2.4.5 Do dano estético ... 47

2.5 Um breve histórico do dano moral no Brasil ... 49

2.5.1 A fase de negação total ... 49

2.5.2 O reconhecimento restrito ... 50

2.5.3 O pleno reconhecimento ... 51

2.6 Da natureza jurídica da indenização por dano moral ... 51

2.6.1 Teoria da pena ... 52

2.6.2 Teoria da compensação ... 54

2.6.3 Teoria mista ... 56

3 DANO MORAL E PUNIÇÃO: UMA ANÁLISE CRÍTICA ... 61

3.1 De uma análise argumentativa ... 61

3.1.1 Da incompatibilidade sistemática da ordem de punição com o Direito Civil pátrio .. 64

3.1.2 Da violação ao princípio da vedação ao enriquecimento sem causa... 71

3.1.3 Das repercussões socioeconômicas do fator punitivo ... 75

3.1.4 Da violação ao princípio do ne bis in idem ... 80

3.1.5 Da violação ao princípio da legalidade ... 82

3.1.6 Conclusões sobre a compatibilidade do fator punitivo na indenização por dano moral ... 91

(11)

3.2.1 Da extensão do dano ... 93

3.2.2 Das condições específicas da vítima... 94

3.2.3 Da conduta e das condições específicas do ofensor ... 97

3.2.4 Da proporcionalidade ... 101

3.2.5 Do número de sujeitos lesados e da repetibilidade da conduta danosa ... 102

3.2.6 Do proveito obtido pelo ofensor em decorrência do dano causado ... 105

3.3 Do limite eficacial da responsabilidade civil ... 107

4 DE UM PRELÚDIO À CAUSA GERAL DE MULTA CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO ... 109

4.1 Da premissa da multa civil: punição ou prevenção? ... 112

4.1.1 Da prevenção como parâmetro de incidência da multa civil ... 117

4.2 Multa civil ou indenização punitiva? ... 124

4.2.1 Da multa civil em forma de causa geral ... 130

4.3 Dos contornos principiológicos da causa geral de multa civil ... 135

4.3.1 Da causa geral de multa civil: pena civil ou pena privada? ... 135

4.3.2 Da lógica punitiva civil como uma interseção com o Direito Penal ... 137

4.3.3 Dos princípios punitivos aplicáveis à causa geral de multa civil ... 141

4.4 Dos critérios de aplicação da multa civil ... 154

4.4.1 Da indenização como critério da multa civil ... 154

4.4.2 Do estado de neutralidade como pressuposto de eficácia da multa civil ... 156

4.4.3 Dos critérios de quantificação da multa civil ... 160

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 165

(12)

1 INTRODUÇÃO

Uma das marcas do Direito brasileiro hodierno é a relevância dada ao papel das normas constitucionais no desenho de toda a sistemática jurídica pátria, a partir dos nortes apontados em sede normativa e axiológica. Nesse desiderato, o Direito Constitucional, para além de um ramo evidentemente autônomo, passa a ser objeto de um capilarizado estudo situado no âmbito dos demais campos do Direito, o que se mostra como razão idônea a ratificar e fortalecer o senso de unidade da ordem jurídica.

Exsurge de tal contexto o tema deste trabalho, no qual, a partir de um plano de análise pautado em olhar crítico e moldado por noções oriundas de uma lógica de base constitucional, examina-se o Direito Civil em seu aspecto punitivo, com enfoque em um apurado teórico sobre a sanção indenizatória por danos morais, no escopo de idealizar uma causa geral de multa civil.

Dada a proposta encimada, a construção do texto em leitura se conduz pautada em dois primordiais pontos de toque. A um, analisa-se a juridicidade do manejo do fator punitivo no processo de liquidação da indenização por danos morais. A dois, coloca-se em crítica a indenização punitiva, ao passo em que se idealiza um modelo distinto de sanção civil, cristalizado na criação de uma causa geral de multa civil.

Note-se que o exame da justiça do critério punitivo no corpo do Direito Civil não é objeto deste estudo, que se pauta, em verdade, em uma distinta abordagem em que é privilegiada a análise técnica e jurídica do fator punitivo na indenização por danos morais, bem como é esboçado um modelo de causa geral de multa civil para abrigar o formato sancionatório de repressão.

Nesse sentido, as presentes linhas se propõem a colocar em evidência a lógica punitiva que permeia parte do Direito Civil pátrio, o que se faz no intuito de despertar a atenção para uma temática ainda pouco tratada em solo brasileiro, bem como na esperança de contribuir com o estado da técnica sobre o assunto, mediante a propositura de uma nova visão sobre a relação de responsabilidade civil, devidamente contextualizada perante a rede principiológica da Constituição Federal de 1988 (CRFB/88).

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em seguida, apresentar um modelo idealizado de como tal punição poderia tecnicamente melhor se manifestar.

Antecipando as ideias que serão apresentadas, esclarece-se que este trabalho se organiza em três capítulos, que devem ser lidos na ordem em que expostos e compreendidos de forma orgânica, pois somente de seu conjunto é possível extrair a mensagem em transmissão.

O primeiro capítulo possui índole essencialmente expositiva, sendo o momento em que declaradas as bases teóricas que servem de referência ao longo dos demais. Nessa oportunidade, apresenta-se um breve retrato do instituto da sanção, do dano civil e da indenização, para, em seguida, sumariar noções teóricas sobre as funções da responsabilidade civil, o conceito e o histórico do dano moral, enfrentando, também, a natureza jurídica da respectiva indenização. Tudo sempre honrando a interseção com os termos constitucionais.

O segundo capítulo assume uma feição mista, com marcas de um texto expositivo e construtivo, em que se coloca em crítica o modelo teórico e jurisprudencial de indenização punitiva adotado em solo brasileiro. Nessa etapa, almeja-se obter resposta sobre a compatibilidade jurídica entre o fator punitivo e a indenização por danos morais, oportunidade em que se remata pela inexistência, no Brasil, de uma necessária base legal para a aplicação do fator de punição em tal contexto.

Além disso, realiza-se uma filtragem dos critérios elencados pela doutrina e pela jurisprudência pátria para a quantificação da indenização por danos morais, no escopo de destilar os de teor compensatório daqueles de conotação punitiva.

O terceiro capítulo, diferente dos demais, é entoado com caráter essencialmente construtivo, em que, a partir das noções desenvolvidas ao longo dos anteriores, idealiza-se um modelo de causa geral de multa civil, com o intuito de dar guarida à ordem de punição que permeia a órbita do Direito Civil.

Nesse capítulo final, parte-se da premissa de que é necessária a positivação de substrato normativo que melhor embase a aplicação da punição no âmbito do Direito Civil, de sorte que se elabora o prelúdio de um modelo voltado a dar guarida ao anseio punitivo que se vê presente nas marcas deixadas pela jurisprudência brasileira (com ênfase na produção do Superior Tribunal de Justiça), quando trata dos danos morais.

(14)

é obstada diante da manipulação econômica da relação de responsabilidade civil por agentes capazes de obter lucro ao causar dano a outrem.

Assim, trata-se da temática sob o viés da utilidade e da funcionalização dos institutos civis, na ótica da efetividade da jurisdição, e não da justiça de tais institutos, que, conforme será abordado, é matéria que soa, a princípio, mais própria à política legislativa do que à técnica jurídica.

Desde já, esclarece-se que o caminho do estudo do denominado Direito Civil Punitivo a partir da análise da indenização por danos morais é uma escolha que se justifica em razão da proeminência com que a temática da punição é usada pela jurisprudência brasileira durante a quantificação da sanção indenizatória em referência.

Assim, de tal ponto de partida, demonstra-se a relevância e atualidade da temática, contudo em tal contexto este escrito não se resume, pois o capítulo final vai além da análise dos danos morais, para preludiar uma proposta de alteração do Direito Civil, com base em uma construção pautada em princípios de ordem constitucional e direcionados ao trato específico de normas de caráter punitivo.

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2 ONTOLOGIA E TELEOLOGIA PREAMBULARES

2.1 Da sanção

Preambularmente, antes de se adentrar na matéria focal deste estudo, é salutar realizar prévio apurado teórico acerca do Direito e de sua finalidade, para que, então, viabilize-se uma abordagem viabilize-segura do instituto da indenização, a partir de sua inviabilize-serção como ferramenta de concretização do todo ao qual pertence.

Sendo assim, de imediato, é imprescindível mencionar a conceituação construída pelo doutrinador Miguel Reale, em suas “Lições Preliminares”, ao apresentar a Teoria Tridimensional do Direito, veja-se:

Direito é a realização ordenada e garantida do bem comum como numa estrutura tridimensional bilateral atributiva, ou, de uma forma analítica: Direito é a ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos segundo valores.1

Da conceituação exposta, percebe-se elevado teor ético, por meio do qual se ressalta a noção de bem comum como norte das relações de convivência a serem tuteladas pelas normas. Tem-se, portanto, vinculação entre a finalidade do Direito e a concretização do ideal de justiça, conforme conclui o mencionado autor: “Direito é a concretização da ideia de justiça na pluridiversidade de seu dever ser histórico, tendo a pessoa como fonte de todos os valores.”2.

Urge salientar que a opção por elevar a conceituação proposta por Miguel Reale no patente estudo se dá em decorrência do Estado Democrático de Direito em que se vive, consagrado por uma Constituição Federal pautada na preservação dos denominados direitos e garantias fundamentais.

Desta feita, a visão afirmativa e esperançosa do Direito como objeto teleologicamente voltado à consagração da justiça encontra respaldo no arcabouço principiológico da ordem jurídica pátria, no qual o norte axiológico a designar a concretização do justo é constituído pela dignidade da pessoa humana, que assume o papel de fundamento material da unidade da Constituição3.

1 REALE, Miguel.Lições Preliminares de Direito.21. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 67. 2Ibidem, loc. cit.

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Considerando a conceituação encimada, importa perquirir acerca da adequação do Direito, ou seja, da potencialidade de alcançar o fim visado, afinal, no molde do pensamento de Reale, estando o Direito vinculado à consecução do bem comum e da justiça, caso não possua meios adequados à própria efetivação, estará fadado ao total esvaziamento do sentido de sua existência.

Sabiamente, no bojo do próprio conceito de Direito, Reale não olvidou a necessidade de adequação e já inseriu a noção de coercibilidade. Explica-se: a derradeira adequação do Direito, idealmente, identifica-se com o espontâneo cumprimento das disposições normativas, à proporção que a ordem jurídica é aceita de forma plena pela sociedade, que a respeita sem qualquer necessidade de imposição externa. Todavia, tal pensamento não ultrapassa os limites da utopia; em verdade, constantemente as condutas dissonam dos preceitos normativos, exigindo-se, assim, a imposição coercitiva para adequar os fatos ao Direito.

Assim, superada a árdua tarefa de identificar a solução de um litígio, resta pendente a igualmente difícil missão de assegurar a transmutação de um imperativo deôntico formalizado em uma decisão, na alteração da realidade fática, garantindo, assim, a efetividade do Direito como ordenador da conduta humana, ao que se invoca o conceito de coercibilidade.

É através do potencial coercitivo do Direito que se efetiva, de fato, a norma jurídica, destacando-se, para tanto, o instrumento da sanção, como fator constituinte da coerção. Nas palavras de Reale, sanção “é todo e qualquer processo de garantia daquilo que se determina em uma regra”4, portanto, extrai-se que a adequação do Direito está enraizada no aprofundamento do estudo das sanções, o que será feito, neste estudo, com ênfase na sanção da indenização punitiva civil, bem como na ideia de causa geral de multa civil.

Dito isso, por ordem de esclarecimento linguístico, é interessante enaltecer que, ao longo deste texto, serão feitas várias referências às expressões “sanção punitiva civil” e “pena civil”, que, nos termos em que aqui escritas, podem ser lidas como sinônimas, pois tais locuções foram utilizadas indistintamente, para fazer referência à genérica ideia de uma resposta jurídica de repúdio dada pela seara da responsabilidade civil.

Contudo, em contraponto, é interessante mencionar a ideia exposta por Alf Ross, ao diferenciar a razão subjacente às expressões “law” e “rule”. Em tal raciocínio, entende-se por “law” o direito positivo, ou seja, o texto legal que dá nascente à extração da norma; esta (a norma), por sua vez, é representada pela lavra “rule”5. Nessa perspectiva, pode-se pensar na

4 REALE, Miguel. Op. cit, p. 72.

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<https://halshs.archives-diferenciação entre as locuções “sanção punitiva” e “pena”, sendo a pena a representação da figura do direito positivo (“law”), e a “sanção punitiva” a consequente aplicação da lei punitiva, que, na prática, consubstancia-se em uma norma para o caso concreto (“rule”).

Nesse sentido, uma das conclusões fulcrais que será explanada neste trabalho é a de que não é jurídico que se tenha a aplicação de uma sanção punitiva em sede de indenização (“rule”) sem prévio substrato em lei (“law”)6. Em consequência de tal conclusão, será investido o capítulo final deste escrito, no escopo de perquirir contornos jurídicos com os quais se possa idealizar um modelo de texto legal apto a dar suporte à aplicação de uma causa geral de pena pecuniária (multa) na seara cível.

Feito tal aclaramento de linguagem, passar-se-á a comentários sobre o papel da sanção como fator participativo na ordenação do livre agir humano.

2.1.1 Norma, sanção e livre arbítrio

A enorme variedade de condutas resultantes da volição humana redunda em igualmente farto número de relações interpessoais, cujo desenvolvimento, em prol da harmonia e equilíbrio social, deve ser submetido ao crivo do arcabouço jurídico vigente.

Dessa sorte, filtra-se o livre arbítrio, ou ao menos as consequências de tal liberdade primária, mediante a cominação de normas jurídicas, manejando-se, caso necessário, o preceito secundário da lei: a sanção.

Urge salientar que não se devem esquecer as chamadas sanções premiais7, por meio das quais se busca a consagração de uma norma através do incentivo ao seu cumprimento, e não pela repressão ao descumprimento, no entanto, para efeitos do presente estudo, sempre que se fizer alusão à palavra sanção, estar-se-á reportando ao seu aspecto repressivo.

Nota-se, assim, que a sanção possui a relevante e complexa tarefa de confirmar os comandos jurídicos8 , o que faz mediante dois enfoques principais, segundo a dicção de Francesco Carnelutti: a ordem de restituição e a ordem de pena.

Explicando as noções anunciadas, Francesco Carnelutti esclarece que a ordem de restituição caracteriza a capacidade de a sanção devolver os fatos à forma anterior à

ouvertes.fr/halshs-00935700/document>. Acesso em: 21 out. 2015. 6 Cf. item 3.1.5.

7 Sobre as sanções premiais, é interessante verificar BOBBIO, Norberto.Da estrutura à função.São Paulo: Manole, 2008.

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desobediência de um preceito normativo. No tocante à ordem de pena, aduz o mencionado autor que a sanção denuncia ao agente que pretende ofender a ordem jurídica uma desvantagem para fazer frente à vantagem que vislumbra ao infringir uma norma9.

Importa perceber que a sanção, através dos mecanismos de atuação prefalados, não é capaz de, por si só, determinar a obediência à lei; em verdade, ela apenas funciona como um argumento em prol do cumprimento da norma, a participar no processo volitivo do agente infrator, mediante a alteração da cadeia de causalidade seguinte à conduta sancionada.

Atento à incapacidade de a sanção determinar o respeito às normas jurídicas, Carnelutti trata tal fato através de uma visão economicista, pela qual a sanção visa à manipulação dos fatos, através da economia, em prol da imposição da ética. Neste sentido, é interessante expor as palavras do autor: “[...] a sanção opera criando um interesse contrário à violação, e, por conseguinte, resolvendo o conflito intersubjetivo de interesses num conflito entre dois interesses da mesma pessoa.”10.

Assim, nota-se que as funções da sanção podem ser categorizadas em espécies, a partir de uma visão subjetiva do fenômeno: primeiramente, sob a ótica do agente infrator, ressalta-se na sanção uma função repressiva, por meio da qual se almeja tornar desinteressante a prática do ilícito; por outro ângulo, agora sobre a ótica do sujeito lesado, tem-se que a sanção possui uma função reparadora, visando à restituição ao status quo ante daquele que sofreu prejuízo.

Por último, analisando de forma global o papel da sanção, tem-se que nela consta função de amparo na instauração do estado de segurança jurídica, que é essencial na formação de uma sociedade harmônica e equilibrada, em que as pessoas se sintam confortáveis para relacionarem-se, já que salvaguardadas de eventual antijuridicidade11. Para compreender tal processo, faz-se salutar perquirir acerca da adequação das sanções.

2.1.2 Da adequação da sanção

Questão relevantíssima e que espelha incontáveis querelas práticas na ratificação da norma jurídica, consiste na respectiva identificação da sanção adequada; para tanto, é imprescindível estudar os efeitos sociais que ela produz, afinal, como instrumento de ação

9Ibidem, loccit.

10Ibidem, p. 115.

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voltado ao ser humano, seu grau de eficácia está enraizado na postura com a qual os seus destinatários a receberão.

Nesse sentido, há de ser enaltecida a razão de proporcionalidade entre o ilícito praticado e a consequente sanção. É interessante notar que, até mesmo em sociedades antigas, como a babilônica, em seu Código de Hamurabi (1.780 a.C), é possível identificar a preocupação com a proporcionalidade das sanções, mesmo que de forma rudimentar, conforme estabelecido no célebre brocardo: “olho por olho, dente por dente”12.

Almejando a compreensão da necessidade do balanceamento das cominações legais, invocam-se as palavras do pensador Charles de Montesquieu, que bem desenvolveu essa ideia em sua obra “Do Espírito das Leis”, o que se constata mediante o seguinte exemplo enunciado pelo autor:

Na China, os ladrões cruéis são esquartejados, e os outros não o são, essa diferença faz com que se roube, mas não se assassine. Na Moscóvia, onde a pena para o ladrão e para o assassino é a mesma, assassina-se sempre: os mortos, dizem, nada podem revelar.13

Apesar de a data da citada reflexão ser anacrônica e os exemplos nela utilizados parecerem esdrúxulos perante a atual realidade constitucional, esculpida no princípio da dignidade humana, a lição que se pode extrair de tão antigo texto ainda hoje é relevante, pois demonstra um evidente amadurecimento do valor da proporcionalidade, permitindo a otimização da eficácia da norma a partir da compreensão de sua repercussão social.

Portanto, a valoração das condutas a serem subsumidas em normas deverá seguir uma razão de proporcionalidade, em que se adequem as consequências do agir considerado ilícito à natureza da própria ilicitude, criando uma escala de valores orientadora do grau de reprovação dos atos.

Complementando o raciocínio apresentado, é precioso mencionar que Francesco Carnelutti enfatiza que a adequação da sanção deve ser feita de tal forma que “o contra-estímulo seja de tal ordem que supere o estímulo, mas só na medida do necessário e não mais”14. Assim, o autor novamente invoca a noção de economia, pela qual a sanção deve ser voltada a tornar desvantajosa a conduta ilícita e tão somente isso, sob pena de infligir um mal maior do que aquele que pretende sancionar.

12 REIS, Clayton. Dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 23.

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Apegado à premissa do Direito como imbuído na função de reduzir a economia à ética, Carnelutti critica a adequação da sanção por meio do critério abstrato da justiça, através do qual se entregaria, segundo afirma, a proporcionalidade da sanção a um senso subjetivo de retribuição do mal causado com aflitivo sancionador equivalente. Assim, defende que:

Arrogar-se alguém um poder de retribuição, isto é, de distribuição do bem e do mal, é, além do mais, um pecado de soberba, que seria imperdoável se não fosse atenuado pela ignorância. Por tal razão, no campo do direito, a justiça da pena traduz-se na relação econômica entre o mal causado e o mal a infligir para que não se cause maior mal: só ne peccetur é lícito infligi-lo quia peccatum est.15

Além da moderação da intensidade da força coercitiva, o aspecto qualitativo da sanção também deve ser estudado sob a ótica da proporcionalidade, pois a sua forma deve ser adequada aos sujeitos e valores que pretende tutelar. Novamente, far-se-á uso do pensamento de Montesquieu para esclarecer a matéria:

Em nossos dias, a deserção foi muito freqüente; estabeleceu-se a pena de morte contra os desertores, mas ela não diminuiu. A explicação é bem simples: um soldado, acostumado a expor cotidianamente a própria vida, despreza ou gaba-se de desprezar o perigo. Mas ele foi acostumado a temer diariamente a desonra: bastava, pois, aplicar-lhe uma pena que o infamasse por toda a vida. Pretendeu-se aumentar a pena, mas esta, na realidade, foi diminuída.16

Enriquecendo a discussão, Carnelutti, referindo-se a sua divisão da finalidade das sanções entre ordem de restituição e ordem de pena, elucida que a própria diferença da função assumida pela sanção implica em distinção qualitativa de sua essência. Explica o autor:

[...] a restituição resolve-se no sacrifício de um interesse idêntico, e a pena no sacrifício de um interesse diverso do interesse a sacrificar segundo o preceito; correlativamente, a restituição tem caráter de satisfação e a pena, caráter aflitivo.17

Pelo exposto, percebe-se que a consagração de uma norma não prescinde da sanção por ela estabelecida, dependendo de um correto balanceamento da força estatal a ser aplicada no caso concreto, o que é encontrado através do princípio da proporcionalidade, mediante a adequação da sanção em sua intensidade e qualidade.

Obtempera-se que o estudo da adequação da sanção se faz imperioso em todos os ramos da Ciência do Direito e requer amadurecimento de noções jurídicas, a partir da compreensão do ato ofensivo como fruto do agir humano e influenciável através da adequada manipulação da cadeia de causalidade resultante de sua prática.

15Ibidem, p. 123.

(21)

Superadas tais considerações iniciais, passar-se-á ao estudo específico do instituto da indenização, que nada mais é do que uma das principais formas, senão a principal, de sanções existentes na sistemática civilista hodierna, o que será feito sempre com atenção ao plano de fundo próprio da ordem constitucional vigente.

2.2 Do dano e da indenização

O Direito, em sua comentada finalidade de consolidação da justiça18, presta-se a corrigir os desvios provocados ao longo do processo de convivência humana, o que faz mediante o manejo de diversas ferramentas, representadas por sanções jurídicas pertencentes aos variados ramos da ciência em discurso.

Cada desvio pode ser entendido como uma lesão a direito e, quando tal mácula atinge a seara cível, a sanção marcantemente desencadeada é exatamente a indenização19 . Percebe-se, assim, que a responsabilidade civil e a sanção indenizatória estão tradicionalmente vinculadas ao intuito de retificar um desvirtuamento ocorrido na esfera de direitos de que cuidam; conforme anuncia José de Aguiar Dias: “O interesse em restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico20 alterado pelo dano é a causa geradora da responsabilidade civil.”21.

Destarte, da premissa de que a causa geradora da responsabilidade cível é, de fato, a necessidade de restaurar uma situação de estabilidade violada, outrossim em ciência de que o mecanismo atualmente mais condizente com tal intuito é a indenização, conclui-se que, finalisticamente, é preciso que a sanção indenizatória seja moldada a partir do desvio ao qual prestará a correção, o que se justifica em honra ao anseio de adequação da ferramenta à tarefa desempenhada.

18 Cf. item 2.1.

19 Apesar de a sanção indenizatória ser a grande marca do Direito Civil, Sérgio Cavalieri Filho pondera que: “O ordenamento jurídico muitas vezes admite sanções distintas da obrigação de indenizar. Ora a sanção será a nulidade do ato, ora a perda de um direito processual ou material, e assim por diante.”. (CAVALIERI FILHO, Sérgio.Programa de Responsabilidade Civil.10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 174).

20 Obtempera-se que o objetivo de restabelecer o equilíbrio econômico representa uma ideia afeita ao período anterior à CRFB/88, uma vez que, a partir do novel Diploma Maior, elevou-se a cláusula geral de proteção à dignidade da pessoa humana, em razão da qual a indenização não necessariamente será uma forma de resguardar o equilíbrio meramente econômico, alcançando, também, o escopo de tutelar o equilíbrio de direitos extrapatrimoniais, que, embora não restituíveis in natura, podem ser, na medida do possível, compensados pecuniariamente. Expondo tal vertente, Maria Celina Bodin de Moraes é clara ao afirmar: “Se, até então, o ordenamento jurídico se ocupava apenas do patrimônio, a integridade psicofísica da pessoa humana, e, em particular, sua dignidade, iriam transformar-se em aspecto nuclear do Direito Civil brasileiro basicamente após a Constituição de 1988; na França, esse processo já ocorria, por obra da jurisprudência, desde o início do século XX.”. (MORAES, Maria Celina Bodin de.Danos à Pessoa Humana: Uma Leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 186).

(22)

Urge salientar a técnica defendida por José de Aguiar Dias em não confundir, quando da ocorrência de um prejuízo, a natureza do direito violado com a natureza do próprio dano, o que implica em dizer que não é a natureza do direito violado que irá determinar, a princípio, o critério indenizatório, que será identificado, em verdade, a partir da repercussão danosa do desvio ocorrido22.

Esclarecendo a ideia, José de Aguiar Dias pondera que:

A distinção [entre dano moral e material], ao contrário do que parece, não decorre da natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter e da repercussão sobre o lesado. De forma que tanto é possível ocorrer dano patrimonial em consequência de lesão a um bem não patrimonial como dano moral em resultado de ofensa a bem material.23

Nesse sentido, exemplifica Paulo Nader:

A ocorrência do dano patrimonial não requer, necessariamente, que o agente atinja diretamente bens materiais, pois é possível que advenha, reflexamente, de ofensas morais à vítima. Se um órgão de imprensa, levianamente, veicula calúnias contra um diretor de estabelecimento de ensino, envolvendo a prática de pedofilia com alunos, a conduta do agente é meio eficaz para provocar danos patrimoniais à vítima, pois inevitavelmente ocorrerá a evasão de alunos e, com ela, os prejuízos tanto por danos emergentes quanto por lucros cessantes.24

Seguindo tal linha de pensamento, diferencia-se a causa (lesão a direito) dos efeitos dela decorrentes (danos), de forma que a indenização, pautando-se na ideia de consertar o desvio ocorrido, volta-se para a essência do dano sofrido, e não do direito lesado, portanto, nesse sentido, o estudo da indenização merece ser feito em paralelo com a tipologia do dano a que se refere25.

É bem verdade que parte da doutrina não vislumbra maiores querelas a respeito do elemento “dano”, a exemplo de José de Aguiar Dias, ao afirmar que “O dano é, dos elementos necessários à configuração da responsabilidade civil, o que suscita menos controvérsia.”26.

Contudo, a relevância do dano não merece ser subestimada, uma vez que, em termos de responsabilidade civil, voltam-se, cada vez mais, os olhares para a apreciação dos prejuízos, que, no dizer de Sérgio Cavalieri Filho, protagonizam o papel de “grande vilão da

22 MINOZZI. Studio sul danno non patrimoniale. 3 ed. Milão, 1917, p.59 apud MELO DA SILVA, Wilson. O Dano Moral e sua Reparação. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 343.

23 DIAS, José de Aguiar. Op. cit, 812.

24 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Gen e Forense, 2010. 7 v, p. 84.

25 Salienta-se que, oportunamente, esse raciocínio será retomado, contextualizado e ressalvado no que tange à conceituação de dano moral sob o aspecto da violação de direitos da personalidade e da cláusula de dignidade; nesse sentido, observar o item 2.4.3.

(23)

responsabilidade civil”27 . Tal importância se deve ao fato de que, nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho:

Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano a outrem. A obrigação de indenizar só ocorre quando alguém pratica ato ilícito e causa dano a outrem. O dano encontra-se no centro da regra de responsabilidade civil. O dever de reparar pressupõe o dano e sem ele não há indenização devida. Não basta o risco de dano, não basta a conduta ilícita. Sem uma consequência concreta, lesiva ao patrimônio econômico ou moral, não se impõe o dever de reparar.28

O próprio Código Civil de 2002 (CCB/02) é claro ao anunciar o estreito vínculo entre indenização e dano, na dicção dos arts. 186 e 927, caput e parágrafo único; neste último verifica-se, inclusive, que a responsabilidade civil, nos termos em que hoje positivada, pode até mesmo prescindir da culpa, mas jamais do dano29. Contudo, ressalta-se que tal premissa será coloca em crítica noitem 4.3.3, quando da teorização a respeito de uma causa geral de multa civil.

Ademais, urge salientar que o instituto do dano não parece ser de contexto tão claro, a despeito do que afirma José de Aguiar Dias. É certo que a premissa geral acerca da necessidade de reparar os danos possui estabilidade, contudo a identificação do dano, assim como sua mensuração e consequente saneamento tem sofrido severas transformações ao longo dos tempos30.

Exemplo clássico de modificação da visão sobre o dano consiste no relativamente recente acolhimento jurídico dos danos morais, que somente ganharam expresso destaque normativo com a promulgação da CRFB/88.

27 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit, p. 76. 28Ibidem, p. 77.

29 Em sentido diverso, Tereza Ancona Lopes defende que é sim possível a responsabilidade civil diante de hipóteses em que ainda não se configurou o dano, mas, tão somente, a ameaça do dano. (LOPEZ, Teresa Ancona.Principio da Precaução e Evolução da Responsabilidade Civil. São Paulo: Quartier Latin, 2010). Em contraponto, Rui Stoco pondera que os exemplos dados pela mencionada autora para embasar sua tese representam situações em que verdadeiramente resta identificado dano, e não mera ameaça, leia-se: “Não obstante o brilho da sustentação, não aderimos a esse entendimento [possibilidade de responsabilização civil sem a ocorrência de dano], seja por entender que sem dano não há reparação, seja porque os exemplos invocados para dar supedâneo à afirmação constituem hipóteses em que o dano está presente e mostra-se efetivo, não se tratando de mera ameaça ou “risco provável e incerto” de dano.” (STOCO, Rui.Tratado de Responsabilidade Civil.8. ed. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2011, p. 152). Também contra hipótese de responsabilidade civil sem dano, conferir: CARRÁ, Bruno Leonardo Câmara.Responsabilidade civil sem dano: Limites epistêmicos a uma responsabilidade civil preventiva ou por simples conduta. São Paulo: Atlas, 2015; tal obra será retomada no item 2.3.2.

(24)

Citam-se, ainda, as inúmeras controvérsias surgidas a respeito da possibilidade de cumulação de danos morais e patrimoniais, haja vista o argumento de que o dano material absorveria o moral31, entendimento que se mostrou superado com a súmula n° 3732 do Superior Tribunal de Justiça. Enaltece-se, também, a construção jurisprudencial a respeito do reconhecimento do denominado dano estético, por meio da súmula n° 38733 do STJ.

Ademais, inúmeras situações tanto de origem jurisprudencial como doutrinária colocam a temática da identificação do dano em relevo; sobre tal aspecto é notável que, quando uma nova teoria sobre o dano ganha espaço, por decorrência lógica da importância do assunto, a própria estrutura da responsabilidade civil é alterada, o que majora o imperativo de atenção no estudo da matéria.

Nesse sentido, é necessário perceber que as próprias categorias de dano já existentes tem sofrido mutações no cotidiano forense, ao que se destaca o elastério jurisprudencial de hipóteses de configuração de danos morais34 , oportunidade em que se criam novos desdobramentos da tutela da dignidade humana, a exemplo da recente doutrina do dano existencial35 na esfera trabalhista, cuja aplicação tem relação com o dano ao projeto de vida e às relações interpessoais que sofre o empregado que presta jornada de trabalho majorada habitualmente36.

31 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit, p. 92.

32 São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 37, CORTE ESPECIAL, julgado em 12/03/1992, DJ 17/03/1992 p. 3172, REPDJ 19/03/1992 p. 3201).

33 É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 387, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2009, DJe 01/09/2009).

34 Maria Celina Bodin de Moraes é atenta ao anotar que: “Seja pelo significativo desenvolvimento dos direitos da personalidade, seja pelas vicissitudes inerentes a um instituto que só recentemente tem recebido aplicação mais intensa, a doutrina vem apontando uma extensa ampliação do rol de hipóteses de dano moral reconhecidas jurisprudencialmente.” (MORAES, Maria Celina Bodin de.Op. cit, p. 165).

35 Sobre o assunto, conferir: SOARES, Flaviana Rampazzo.Responsabilidade Civil por Dano Existencial.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

(25)

Outro aspecto de notável controvérsia é sobre o dano oriundo da perda de uma chance37, que sequer chega a ser alvo de uma definição pacífica acerca de sua natureza jurídica, uma vez que a jurisprudência oscila, por vezes concedendo a respectiva indenização a título de danos morais, outras vezes em sede de dano patrimonial38 . Varia-se ainda entre o reconhecimento de tal feito em sede de lucros cessantes ou danos emergentes, existindo também quem considere a perda de uma chance como um terceiro gênero de dano patrimonial a se posicionar entre o conceito de lucro cessante e dano emergente39.

Interessante também mencionar o pensamento de Antônio Junqueira de Azevedo, que defende o reconhecimento de uma nova categoria de dano denominada de “Danos Sociais”40, que, segundo afirma, são ofensas que extrapolam a individualidade e representam uma afronta à qualidade de vida de toda a sociedade, rebaixando, a nível geral, o patrimônio moral social, devendo, por conseguinte, dar ensejo a um quantum indenizatório independente da condenação por danos morais e patrimoniais.

Por derradeiro, cita-se a categoria dos danos coletivos, que expressa relação de destacável abrangência subjetiva, o que ganha relevância no contexto do soerguimento da tutela dos direitos de classe e de massa41.

37 Sobre o tema, conferir: SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de Uma Chance. São Paulo: Atlas, 2012.

38 O Superior Tribunal de Justiça já chegou a se pronunciar sobre o assunto, oportunidade em que estabeleceu a possibilidade de a perda de uma chance ser aplicável tanto em sede de danos morais, quanto patrimoniais. Veja-se a ementa do julgado: “PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE DE ADVOGADO PELA PERDA DO PRAZO DE APELAÇÃO. TEORIA DA PERDA DA CHANCE. APLICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DE REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7, STJ. APLICAÇÃO. - A responsabilidade do advogado na condução da defesa processual de seu cliente é de ordem contratual. Embora não responda pelo resultado, o advogado é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual no exercício do mandato. - Ao perder, de forma negligente, o prazo para a interposição de apelação, recurso cabível na hipótese e desejado pelo mandante, o advogado frustra as chances de êxito de seu cliente. Responde, portanto, pela perda da probabilidade de sucesso no recurso, desde que tal chance seja séria e real. Não se trata, portanto, de reparar a perda de “uma simples esperança subjetiva”, nem tampouco de conferir ao lesado a integralidade do que esperava ter caso obtivesse êxito ao usufruir plenamente de sua chance. - A perda da chance se aplica tanto aos danos materiais quanto aos danos morais. - A hipótese revela, no entanto, que os danos materiais ora pleiteados já tinham sido objeto de ações autônomas e que o dano moral não pode ser majorado por deficiência na fundamentação do recurso especial. - A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Aplicação da Súmula 7, STJ. - Não se conhece do Especial quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles. Súmula 283, STF. Recurso Especial não conhecido.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1079185/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 04/08/2009).

39 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit, p. 84.

40 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC, julho/setembro de 2004: 211-218.

(26)

Com efeito, a partir do exposto, notam-se consideráveis controvérsias a respeito da amplitude do conceito de dano, que, muito embora não sejam o foco do presente estudo, mereceram as breves considerações encimadas, como forma de enaltecer a importância de um acurado repasse crítico dos institutos tradicionais da responsabilidade civil.

Esclarecida a noção de dano, reitera-se que a ferramenta jurídica apta a eliminá-lo é a sanção indenizatória. Nesse sentido é a lição conceitual de Márcus Cláudio Arquaviva, segundo o qual o termo indenização se traduz em “tornar indene, ou seja, incólume, íntegro, ileso, enfim, como se não ocorresse dano”42.

Nota-se que, segundo a etimologia, o termo indenização se reporta ao teor estritamente reparatório da responsabilidade civil, sob a presunção de que a reposição pecuniária seria idônea para retroagir o contexto fático em que se constata prejuízo a um momento anterior de equilíbrio, no entanto, na prática, a semântica de tal palavra é bem mais extensa, comportando, também, a noção de sanção ao dano moral, o que estende seu significado à sinonímia do termo compensação, cuja técnica será oportunamente explorada43.

Salienta-se que, em termos constitucionais, paira sobre o assunto em apreço certa vacância, haja vista que, embora a CRFB/88 tenha prestigiado o direito à indenização, elevando-o à categoria de direito fundamental, na forma de seu art. 5º, V e X44, não esclareceu a extensão do termo “indenização” empregado em seu texto, destinando tal tarefa à doutrina, jurisprudência e aos meios normativos infraconstitucionais.

Destarte, diante da constatação de que a indenização é uma ferramenta jurídica própria da seara cível e voltada para a eliminação de danos, a sua compreensão imprescinde de um maior aprofundamento das funções da responsabilidade civil, que serão agora abordadas.

2.3 Das funções da responsabilidade civil

supraindividuais, especialmente em matérias como o direito ambiental e o direito do consumidor, encontrando-se em atual debate, inclusive, figuras mistas como o chamado dano moral coletivo.” (SCHREIBER, Anderson. O futuro da responsabilidade civil: um ensaio sobre as tendências da responsabilidade civil contemporânea. In: RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz; MAMEDE, Gladston; ROCHA, Maria Vital da.Responsabilidade Civil Contemporânea:Em Homenagem a Sílvio de Salvo Venosa. São Paulo: Atlas, 2011, p. 720).

42 ARQUAVIVA, Marcus Cláudio.Dicionário Jurídico Brasileiro.12. ed. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2004, p. 732.

43 Cf, item 2.3.1.

(27)

Em primeiro plano, alerta-se que as reflexões até o momento expostas sobre a finalidade das sanções e do próprio Direito devem ser mantidas em voga quando da análise da responsabilidade civil, ao que se incentiva a criticidade, pois o ramo específico deve guardar congruência com suas raízes gerais; dito isso, passar-se-á ao exame das funções da responsabilidade civil.

Tradicionalmente, a doutrina elenca três dimensões basilares da finalidade da responsabilidade civil, quais sejam: função de reparação, prevenção e punição45, que serão a seguir destrinchadas.

Em paralelo com o padrão classificatório mencionado, mostra-se salutar a visualização do fenômeno sob a perspectiva do Professor Regnoberto Marques de Melo Júnior, que elenca a funcionalidade da responsabilidade civil sob dois parâmetros primordiais: função sancionatória política e função sancionatória patrimonial46, que, nas palavras do autor, assim se diferenciam:

De um lado, a função sancionatória política, que se especa na segurança jurídica que etiologicamente garante constitucionalmente a indenização ao lesado [refere-se aqui ao art. 5º, V e X, da CRFB/88] [...]. Doutro, a função sancionatória patrimonial, que ao tempo em que indeniza o dano (pela reparação do prejuízo, recompondo o fato ao status quo ante), infringe punição ao lesador a título de desencorajamento à repetição.47

Feito esse introito, as denominações classificatórias serão estudas de forma comparativa.

2.3.1 Da função reparatória

Para compreender a função reparatória da responsabilidade civil, é importante destacar um princípio estrutural da convivência social: o dever de não lesar outrem. Tal obrigação se encontra assinada na máxima “honestae vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere”, ou seja, viver honestamente, não lesar a outrem e dar a cada um o que é seu48.

45 NADER, Paulo. Op. cit, p. 14.

46 MELO JÚNIOR, Regnoberto Marques de. Critério jurídico do quanto do dano no direito civil brasileiro.Revista da Faculdade de Direito: Edição comemorativa dos 110 anos de fundação da Faculdade Livre de Direito do Ceará, Fortaleza, v. 34, n. 1, p.485-495, 01 jan. 2013. Semestral.

47Ibidem, p. 487.

(28)

A partir da basilar noção de convivência pautada no dever de não lesar, denota-se a relevante função reparatória da responsabilidade civil, à medida que viabiliza o conserto de eventual distorção da cláusula geral de respeito ao próximo.

Salienta-se que, quanto ao efeito de saneamento dos danos, a perspectiva reparadora se assimila a um dos aspectos da função sancionatória patrimonial retrocitada, mas com ela não se identifica em sua plenitude, pois, na classificação de Regnoberto Marques de Melo Júnior, reconhece-se na função sancionatória patrimonial também um teor punitivo, que muito se assemelha com a lógica entabulada por Francesco Carnelutti, na oportunidade em que vislumbra o fenômeno sancionatório sob a perspectiva subjetiva dos efeitos por ela provocados aos sujeitos lesante (ordem de pena) e lesado (ordem de restituição)49.

Assim, é importante notar que a razão de reparação está pautada precipuamente na devolução dos fatos ao status quo ante ao dano causado, por meio da noção de restitutio in integrum; seguindo essa lógica, verifica-se que a função reparatória encontra sua delimitação no montante de dano sofrido pela vítima, pautando o paradigma de sua quantificação não na conduta (culpa) do agente, mas sim na figura do ofendido, de tal sorte que a indenização, sob tal ângulo, é determinada com base no exato dano sofrido pelo ofendido.

Logo, caso o ofensor atue com culpa grave ou dolo, para efeitos civis reparatórios é irrelevante, pois sua responsabilidade, sob tal ótica, não será agravada, estando limitada à eliminação do dano causado. Outrossim, na hipótese de atuar com displicência escusável, seu dever indenizatório restará igualmente pautado na objetividade do prejuízo sofrido pela vítima50. No entanto, apesar do aparente rigor empírico com que se estabelece a função reparatória, encontra-se, no parágrafo único do art. 944 do CCB/0251, critério que excepciona a regra segundo a qual a indenização é escalonada estritamente com base na extensão do dano, oportunidade em que se elege o grau de culpabilidade como parâmetro apto a mitigar o quantum indenizatório, desde que haja “excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano”.

O cotejamento do grau da culpa do ofensor, conforme aponta a doutrina, reflete a positivação de uma hipótese em que o legislador permite ao julgador o manuseio da ferramenta da equidade para a melhor aplicação da justiça, haja vista a ponderação segundo a qual não seria justo que alguém, por branda culpa, fosse responsabilizado por danos de grande monta. Assim explana Silvio Rodrigues:

49 Cf. Item 2.1.1.

50 Tal critério possui raízes na Lex Aquilia, na qual consta que “in Lex Aquilia et levíssima culpa venit”, ou seja, ainda que a culpa fosse levíssima, a reparação deveria ser efetuada na proporção do dano causado.

51 BRASIL. CCB/02. Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver

(29)

Tal solução [indenização sem consideração do grau de culpa] por vezes se apresenta injusta, pois não raro de culpa levíssima resulta dano desmedido para a vítima. Nesse caso, se se impuser ao réu o pagamento da indenização total, a sentença poderá conduzi-lo à ruína. Então estar-se-á apenas transferindo a desgraça de uma parte para outra pessoa, ou seja, da vítima para aquele que, por mínima culpa, causou prejuízo.52

Noutro giro, assevera-se que o dispositivo legal em comento sofre severas críticas que variam desde a inconstitucionalidade53, até a justiça do critério político de escolha de quem irá suportar o ônus do dano, uma vez que, em última razão, alguém (sujeito lesado ou lesante) arcará com o prejuízo, nesse sentido:

O dispositivo [art. 944, parágrafo único, do CCB/02] é exceção ao princípio da reparação integral do dano e tem como principal consequência reduzir o ônus excessivo que recairia sobre o agente. Todavia, não se pode deixar de notar que tal ônus é transferido para a vítima, que passa a arcar com a parcela do dano correspondente à redução procedida pelo juiz. E, sob esta ótica, o parágrafo único do art. 944 perde um pouco do seu sentido, já que, se não é justo onerar excessivamente o agente que agiu com culpa leve, menos justo ainda seria onerar a vítima que não agiu com culpa alguma.54

De toda sorte, reitera-se que, embora a regra seja o cotejamento da indenização a partir do valor do prejuízo causado, o ordenamento jurídico pátrio admite, excepcionalmente, a incidência da culpa, por motivo de equidade, para mitigar o valor da reparação, assim conclui Rui Stoco:

Como se verifica, ressuma isento de dúvida que o sistema do nosso direito privado não se mostra arredio ou impermeável ao entendimento de que a graduação da culpa se afigure importante, em algumas hipóteses, para a atribuição de responsabilidade civil ao agente causador do dano e de que, na fixação do quantum indenizatório, não se deve, nesses casos, ater-se estritamente ao valor do prejuízo sofrido pelo ofendido.55

Do exposto, na esteira do raciocínio já apresentado de Francesco Carnelutti56 , verifica-se que a função reparatória da responsabilidade civil repercute na razão de proporcionalidade quantitativa e qualitativa de sua materialização. Dessarte, quantitativamente,

52 RODRIGUES, Silvio.Direito Civil:Responsabilidade Civil. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 4 v, p. 188. 53 Nesse sentido, pondera Marcelo Junqueira Calixto: “a interpretação literal da norma codificada fica marcada por sua inconstitucionalidade, em especial por se traduzir em fator de insegurança jurídica e, ainda, por representar inegável retrocesso no que se refere à reparaçãointegralda vítima.” (CALIXTO, Marcelo Junqueira. Breves considerações em torno do art. 944, parágrafo único, do Código Civil. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7296#_ftn47>. Acesso em: 21 out. 2015).

54 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; BODIN DE MORAES, Maria Celina (Coord). Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. v. 2, p. 860.

(30)

a indenização está restrita ao teto da eliminação do dano causado; quanto ao seu teor qualitativo, importa tecer algumas considerações.

É que a reparação civil nem sempre é capaz de preencher o vácuo gerado pela lesão, pois o meio reparatório pecuniário muita vez diverge da natureza do dano sofrido, que pode ser oriundo do malferimento de direitos não patrimoniais.

Dessa forma, qualitativamente, a reparação poderá assumir dois aspectos distintos. Em caso de reparação por danos patrimoniais, terá qualidade reparatória em sentido estrito, pois será capaz de efetivamente reparar e eliminar o prejuízo sofrido pela vítima, através de uma reposição natural57. Distintamente, na hipótese de a indenização servir como remédio a resolver um dano de natureza extrapatrimonial, tecnicamente diz-se que não é correto qualificar a sua função como reparatória em sentido estrito, mas sim como compensatória58, já que a pecúnia diverge, em essência, do bem que visa restituir.

Tal subdivisão da função reparatória não é de interesse meramente teórico, afinal, conforme já explanado, a função da sanção está vinculada com a mensuração de sua intensidade e qualidade, em prol da adequação de seu potencial de influência na cadeia de causalidade dos fatos59.

Por cautela terminológica é preciso ponderar que parte da doutrina relaciona o termo “compensação” com o fenômeno segundo o qual um objeto é substituído por outro de igual teor (reparação em sentido estrito), sendo assim, uma vez que um bem moral não pode ser perfeitamente avaliado em pecúnia, não se deveria usar, segundo tal nomenclatura, a ideia de compensar60, mas, tão somente, uma razão satisfativa, que, a partir da outorga de um bem de natureza diversa do lesionado, produz na vítima uma sensação (mesmo que falha) de saciedade. Salienta-se, contudo, que a jurisprudência61 e o linguajar jurídico comum manejam o termo “compensação” para fazer referência à indenização por danos morais, razão pela qual

57 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, p. 97.

58 “A reparação, em tais casos, reside no pagamento de uma soma pecuniária, arbitrada judicialmente, com o objetivo de possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória pelo dano sofrido, atenuando, em parte, as consequências da lesão.” (Ibidem, loc cit).

59 Cf. item 2.1.

60 BREBBIA, Roberto H. El daño moral. 2. ed. Córdoba: Orbir, 1987, p. 69 apud ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 149.

(31)

ambas as expressões (satisfação e compensação) serão tratadas como indiferentes neste trabalho62.

2.3.2 Da função preventiva

Segundo a finalidade preventiva63 , a responsabilidade civil cumpre o papel de dissuadir a prática de atos lesivos, na medida em que demonstra não serem vantajosas tais condutas, cumprindo esse papel em dois aspectos, quais sejam: prevenção especial, oportunidade em que desincentiva o próprio sujeito lesante de repetir a prática do ato; e prevenção geral, pela qual a sociedade como um todo se sente desinstigada a praticar o ato danoso, por antever a consequência sancionatória64.

Embora o CCB/02 não disponha explicitamente sobre o imperativo de prevenção como finalidade precípua da responsabilidade civil, é possível justificar tal teleologia através das noções teóricas do conceito de sanção já entabuladas no presente trabalho, assim como na norma positivada no art. 5°, XXXV da CRFB/8865, em que se prestigia a proteção contra a ameaça de direito, elevando-se, por conseguinte, a importância em antecipar a superveniência do dano, o que se viabiliza, na seara responsabilizadora, através da função preventiva66.

Por outro ângulo, é salutar enaltecer o pensamento de Bruno Leonardo Câmara Carrá, para quem a função preventiva da responsabilidade civil deve ser visualizada de forma mitigada, o que aduz sob o argumento de que a prevenção é melhor capitaneada por outros ramos jurídicos. Nas palavras do Autor:

Uma Responsabilidade Civil voltada para o controle das ameaças potenciais termina por trazer para a vida civil a disciplina restringente própria da tutela penal. Em dada medida, esse controle já é feito especialmente a partir do Direito Administrativo. Uma vez mais, retomamos o argumento, as confluências e analogias entre essas formas de

62 Importa enfatizar que não se está afirmando a identidade entre as expressões compensação e satisfação, mas, tão só, que ambas podem ser utilizadas para designar a sanção indenizatória por danos morais, não sendo o mérito da nomenclatura foco deste trabalho.

63Consolidou-se, principalmente no Direito Ambiental, a diferenciação entre as noções de prevenção e precaução,

de sorte que esta se reporta a medidas de cautela em face de risco de dano não imbuído de certeza, enquanto aquela se refere a hipóteses de ameaça já conhecida. Nota-se, assim, que tal diferenciação leva em consideração o grau de cognição sobre o perigo em se causar um dano (FIORILLO, CELSO ANTONIO PACHECO. Curso de Direito Ambiental brasileiro. Sao Paulo: Saraiva, 2014). No entanto, por ordem de facilidade linguística, ambos os termos serão utilizados de forma indiferente, o que é possível uma vez que tal distinção não se mostra determinante das linhas em construção.

64 SERPA, Pedro Ricardo e.Indenização Punitiva.2011. 387 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Direito, Departamento de Direito Civil, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 42.

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sanção são bem mais compatíveis com os ramos jurídicos que tratam da “mera” ilicitude que com o da Responsabilidade Civil.67

Em prosseguimento:

Sendo diversas as funções de punir e de reparar, que se projetam não apenas no campo do Direito Penal e Civil, mas também dentro deste por meio de mecanismos distintos de controle de um ato lesivo, como ocorre no caso da cominação de uma nulidade, é forçoso reconhecer que, sob o epíteto de Responsabilidade Civil, compreende-se apenas a gestão de um dano causado.68

Apesar dos argumentos contrários ao maior prestígio da função preventiva da responsabilidade civil, pondera-se que se nota a prevalência da vertente que a homenageia, tanto em sede doutrinária, como jurisprudencial, ao que se destaca como evidência o cultivo, pelos tribunais pátrios, do fator punitivo quando da indenização por danos morais, conforme será visto no item 2.6.3.

De toda sorte, para além de tal controvérsia, reitera-se que o cerne deste trabalho apenas tangencia a matéria referente à justiça dos critérios preventivos/punitivos no corpo do Direito Civil, voltando-se, em verdade, à maturação de um raciocínio criativo para fins de, em reconhecendo o aspecto repressivo que se tem entoado à responsabilidade civil69, otimizá-lo mediante mais detalhado contorno de juridicidade.

Superada a digressão a respeito da tese refratária à função preventiva no corpo da responsabilidade civil, é interessante perceber que essa função está intrinsecamente vinculada com a interpretação feita pela sociedade acerca da consequência do ilícito, o que exige, como condição indispensável para a pacificação social, que o Estado garanta e efetive a imposição da sanção, afinal, ela é condição essencial da função preventiva. Assim pensa Paulo Nader, ao alegar que: “É indispensável um judiciário ágil e eficiente, sem o que a previsão legal ou contratual de reparação se torna inócua, não infundindo em seus destinatários qualquer temor quanto à obrigação de reparar eventuais danos a outrem”70.

Nesse sentido, impende mencionar a experiência realizada pelo psicólogo americano Philip Zimbardo e discorrida em artigo71 publicado por KELLING, George L e WILSON, James Q, em que se construiu a Teoria das Janelas Quebradas (Broken Windows

67 CARRÁ, Bruno Leonardo Câmara. Op.cit, p. 193. 68Ibidem, p. 194.

69 O aspecto repressivo em referência será melhor trabalhado no item 2.6. 70 NADER, Paulo. Op. cit, p. 14.

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