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Da prevenção como parâmetro de incidência da multa civil

4 DE UM PRELÚDIO À CAUSA GERAL DE MULTA CIVIL NO DIREITO

4.1 Da premissa da multa civil: punição ou prevenção?

4.1.1 Da prevenção como parâmetro de incidência da multa civil

Perceba-se a utilidade na separação entre as razões de causa e consequência da sanção: a partir de tal distinção, é possível identificar o que realmente importa (causa) para fins de deflagração de uma sanção jurídica e, por outro ângulo, como essa causa se manifesta em termos fáticos (consequência), viabilizando, no cotejamento entre causa e efeito, a mensuração da adequação da norma ao fim visado (harmonia social).

Sintetizando todo o exposto, é imprescindível perceber que: i) a razão que determina a multa civil é o intuito de prevenção; ii) o intuito de prevenção manifestado em uma multa civil repercute na esfera de interesses do ofensor de forma a promover, sob a ótica de sua subjetividade, uma consequência punitiva; iii) até mesmo uma sanção impulsionada por escopo

367 Cf. item 2.1.1. Rememora-se que Carnelutti aduz que a sanção opera mediante dois critérios: a ordem de

meramente reparatório, no sentir do ofensor é traduzida em uma ordem de punição, pois ele sofre com a incidência da sanção.

Logo, considerando que a causa da multa civil é o intuito de prevenção e que tanto a multa civil como a indenização puramente reparatória repercutem subjetivamente no ofensor como um ataque a sua seara de interesses (provocando, por assim dizer, um efeito punitivo acessório às causas preventiva e reparatória), conclui-se que a dimensão e a existência da multa civil dependem do grau de intensidade com o qual é necessário (se necessário for) majorar, sob o aspecto preventivo, o consequente punitivo já ofertado pela sanção reparatória, dada a ordem de pena que a reparação carrega, em uma perspectiva baseada no efeito subjetivo sofrido pelo ofensor.

Esclarece-se: no contexto de um ilícito civil capaz de desencadear a sanção indenizatória, antes de se pensar na aplicação de uma multa civil, é necessário perquirir se a sanção indenizatória é capaz de, por si só, ofertar ao ofensor desincentivo (fator punitivo, sob o aspecto subjetivo da sanção) suficiente para tornar desinteressante a prática do ilícito.

Caso a sanção ressarcitória seja suficientemente punitiva ao ofensor, não haverá necessidade da multa civil, afinal não se pune por punir; por outro lado, caso a sanção ressarcitória seja incapaz de impor a harmonia social368, exsurge o contexto apto à multa civil.

Feitas tais considerações, consagra-se, no intuito preventivo, o pilar com o qual se pensam os critérios punitivos dentro do Direito Civil.

Exemplificando a ideia exposta e para que bem se perceba a razão prática de aplicação da teoria em tratamento, dois exemplos jurisprudenciais serão apresentados como base de raciocínio.

O primeiro caso se reporta à situação colocada aos cuidados do Tribunal de Justiça de Santa Catarina369, em que uma senhora, ao realizar compra, foi surpreendida ao ler na nota

368 A incapacidade de a responsabilidade civil consagrar a harmonia social foi abordada quando da exposição não

exaustiva de alguns casos em que se encontram fronteiras da responsabilidade civil, tal qual o lucro da intervenção, erro de execução e a equação dos custos da prevenção; em tais casos a desarmonia decorre da não efetivação da prevenção, uma vez que, sob o viés econômico, o ilícito se mantém mais vantajoso do que o lícito. Cf. item 3.3.

369 O caso foi noticiado no seguinte endereço eletrônico: <

http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI160131,31047-

Mulher+chamada+de+gordinha+em+nota+fiscal+sera+indenizada>. Acesso em: 21 out. 2015. O julgado possui a seguinte ementa: “APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO CONDENATÓRIA. DANOS MORAIS. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. – TRATAMENTO QUE BEIRA AO DEBOCHE EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL. IDENTIFICAÇÃO POR CARACTERÍSTICA DESABONADORA. DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR. ADEQUAÇÃO ÀS PARTICULARIDADES DO CASO. MINORAÇÃO. – SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. - O consumidor tem direito a ser tratado com dignidade nos estabelecimentos comerciais a que se dirige, dentro do qual se insere o direito a ser tratado pelo nome, e não por característica física desabonadora que inclusive foi impressa no cupom fiscal emitido pela caixa do estabelecimento. No entanto, o valor fixado a título de compensação por danos morais não pode ser exorbitante, mormente quando, apesar de se

fiscal do produto, no local onde deveria constar seu nome, a palavra “gordinha”. Em razão do

evento, o Poder Judiciário foi acionado mediante ação de indenização por danos morais, ocasionando, ao final do julgamento da causa, em sede de apelação, a condenação da loja ao pagamento em favor da autora do montante de R$ 3.000,00 (três mil reais)370.

No caso em narrativa, é importante enaltecer que o regime de responsabilidade civil foi o específico das relações de consumo, ao que se aplicou a modalidade objetiva de responsabilização civil371.

Exposta a situação prática, explicar-se-á a aplicação da teoria em exposição. Perceba-se que, no caso, sem entrar no mérito do litígio e partindo da premissa de que realmente houve dano moral indenizável, a loja foi condenada, sem a análise de culpa372, ao pagamento de indenização por dano moral à vítima.

Em tal situação, a pergunta que paira, tendo em vista o imperativo de harmonização social é: a sanção indenizatória por danos morais aplicada foi suficiente para, parafraseando Miguel Reale, a realização ordenada do bem comum? Noutras palavras: há necessidade de a sanção indenizatória por danos morais, no caso, sofrer uma majoração, além de critérios estritamente compensatórios, para, também, incluir um quantum pecuniário superior à compensação (uma multa civil, por assim dizer), de efeito dissuasório?

Aplicando a lógica exposta a respeito do fundamento preventivo com o qual deve ser pautada a ideia de multa civil, é preciso, para responder à questão proposta, analisar se, no caso, a mera compensação, aos olhos do condenado, já impõe aflição suficiente para demonstrar a injuridicidade de sua conduta, dissuadindo-o e prevenindo a reiteração da prática ilícita.

No caso retratado, a loja condenada não logrou qualquer vantagem (econômica ou não econômica) em razão do ilícito praticado, na verdade, pode-se inclusive especular que, em

reconhecer a violação do direito, o fato não representou sofrimento insuperável para a autora.” (BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação cível nº 2012.019244-1, Relator: Henry Petry Júnior, Data de Julgamento: 21/06/2012, Quinta Câmara de Direito Civil, Diário de Justiça Eletrônico nº 1430, 11/07/2012).

370 Em grau singular, o juízo a quo condenou a loja ao pagamento de indenização no valor de 8,5 mil reais, que,

em grau de apelação, foi reduzido para 3 mil reais.

371 Nas palavras do Desembargador Relator, tem-se o seguinte trecho, extraído do seu voto: “Não interessa,

também, se o intuito do vendedor foi o de injuriar ou o de identificar. Em relações de consumo, não se analisa o ânimo do causador do dano. Havendo prejuízo e nexo de causalidade entre a perda e a conduta imputada ao fornecedor, configurado está o dever de indenizar, eis que o regime, aqui, é objetivo.” (Disponível em: <http://app6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoSelecaoProcesso2Grau.jsp?cbPesquisa=NUMPROC&dePesquisa=201201924 41&Pesquisar=Pesquisar#>. Acesso em: 21 out. 2015).

372 Embora a responsabilidade objetiva tenha sido aplicada, o Relator, em seu voto, destacou finalidade pedagógica

na indenização aplicada, assim como raciocinou levando em consideração a variável do porte econômico da empresa (tal critério será oportunamente tratado). Aqui, destaca-se, nos termos já explicados, que até mesmo uma sanção meramente compensatória, ao olhar do condenado, soa como razão de aflição, funcionando tal compensação, portanto, como fator pedagógico/preventivo. Discorda-se, contudo, da aplicação de sanção punitiva sem que se tenha a aferição da culpabilidade do ofensor, conforme será detalhado no item 4.3.3.2.

virtude do dano moral causado à consumidora, a loja também obtivera desvantagem (obviamente, desvantagem não comparável ao sofrimento da vítima, que não pode ser compensado por eventual prejuízo do fornecedor), pois sua imagem pode ter sido atingida com a repercussão negativa decorrente do desrespeito à cliente.

Em casos assim373, em que a prática do ilícito não traz qualquer vantagem (econômica ou não econômica, repita-se) ao sujeito ofensor, ou mesmo ocasiona acessório prejuízo ao próprio sujeito lesante, percebe-se que não há, no mundo dos fatos, qualquer razão lógica plausível que justifique o interesse na repetição da conduta, já que, a conduta em si não é algo positivo, nem produz saldo favorável ao ofensor.

Logo, a conclusão que se chega é a de que a mera cominação de uma indenização por danos morais sem qualquer causa penalizante, mas sim inteiramente de origem compensatória, já basta para que, aos olhos do condenado, haja um consequente retributivo de suficiente teor preventivo. Em outras palavras: na hipótese de inexistência de vantagem para o ofensor, não se vislumbra razão para imposição de uma multa civil.

Em contraposição ao exemplo anterior, cita-se, novamente, o Ford Pinto Case

(Grimshaw v. Ford Motor Co)374. Em tal caso, tem-se situação em que a mera indenização advinda dos tradicionais parâmetros reparatórios da responsabilidade civil não é capaz de tornar o ofensor desinteressado na reiteração da prática danosa, restando, por conseguinte, não harmonizada a relação social.

Em casos375 nos quais o sujeito ofensor aufere vantagem (econômica ou não econômica) em razão do ilícito praticado, há de se analisar com maior cautela a funcionalização da responsabilidade civil, isso, pois, a indenização meramente ressarcitória, aos olhos do sujeito ofensor, pode soar como aflitivo superável, comparado com a vantagem advinda do ilícito perpetrado. Eis o contexto propício ao manejo da multa civil376.

373 Embora o caso mencionado envolva o Direito consumerista, o pensamento em tal seara não se limita. Na

realidade, a intenção do raciocínio foi ilustrar situação em que o sujeito ofensor não conquista qualquer vantagem ao lesionar. Portanto, a ideia em exposição não se prende ao Direito do Consumidor, mas sim à lógica subjacente reportada em um raciocínio de custos e benefícios.

374 O caso foi analisado no item 2.3.3, ao qual se remete o leitor. Pondera-se que, apesar de o exemplo ser importado

da jurisprudência norte-americana, a didática do caso é útil para teorizar sobre o assunto em questão, ao que não se entrará em detalhes sobre os contrastes da Common Law diante do contexto brasileiro.

375 Os exemplos jurisprudenciais citados (TJ/SC. Apelação cível nº 2012.019244-1 e Ford Pinto Case) se reportam

a causas consumeristas, no entanto, ressalta-se que a exposição teórica deste trabalho não se limita ao Direito do Consumidor, embora se reconheça que esse é um dos grandes palcos em que a temática se apresenta em concreto.

376 Estas linhas se voltam à análise das sanções pecuniárias (indenização e multa). Assim, embora se reconheça

que, em casos de danos ocasionados pela falta de uma precaução, seja possível ao Judiciário conceder tutela específica em sede de obrigação de fazer, tal mérito não será minuciado. De toda sorte, reconhece-se o caráter preventivo da obrigação de fazer, inclusive sob o viés econômico, afinal, o ofensor terá o gasto necessário a efetivar a cautela, o que atuará na instauração, ou até mesmo superação, do estado de neutralidade. Tal ponto, incluindo o conceito de estado de neutralidade, será retomado no item 4.4.2.

A multa civil, em casos tais como o Ford Pinto Case, atua impulsionada pela razão de prevenir a reiteração do ilícito praticado e é alimentada pela ordem constitucional de combater a ameaça a direitos377, o que faz mediante a intensificação do efeito punitivo (perceba- se que a punição é efeito, e não causa) sofrido pelo réu. Nota-se que o efeito punitivo já é iniciado (no olhar subjetivo do réu) pela sanção meramente reparatória, que, por não ser suficiente para prevenir a reiteração da prática, merece auxílio da multa civil.

Urge salientar que a causa de prevenir deve atuar tanto como fator decisivo para incidência da multa civil, como também para a determinação da sua intensidade. É dizer: a multa deve ser quantificada em valor suficiente para efetivar a causa de prevenir e tão só, não merecendo ser majorada para além dessa linha de suficiência, pois, a partir de então, restaria esvaziado o intuito de prevenir, em ingresso da fronteira de um castigo desprovido de adequação teleológica.

Sendo assim, o intuito preventivo funciona como parâmetro da intensidade da multa, para que a sua aplicação não termine por provocar um mal maior do que aquele que almeja combater. Nas palavras de Francesco Carnelutti, a sanção punitiva deve atuar de maneira com a qual “o contra-estímulo seja de tal ordem que supere o estímulo, mas só na medida do necessário e não mais”378.

Urge salientar que a ideia de causa geral de multa, nos moldes em que proposta, assume uma feição capilarizada, cuja utilidade consiste em tutelar ilícitos perpetrados nas mais diversas situações práticas. De tal sorte, enaltece-se que, para o atendimento de tal finalidade, faz-se necessário que o próprio sujeito atingido pela ilicitude combatida tenha legitimidade para encaminhar ao judiciário o pedido de condenação do ofensor à multa civil, defendendo, por conseguinte, além do seu direito individual, o interesse público, que sofre quando a ordem jurídica é violada379.

Além disso, é de ser notado que a condenação à multa civil é uma forma transparente de envolver a causa de prevenir, por não a camuflar sob as vestes de uma indenização, razão pela qual a crítica exposta quanto à legitimidade ad causam na hipótese em

377 BRASIL. CRFB/88. Art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a

direito.

378 CARNELUTTI, Francesco. Op. cit, p. 122.

379 Embora não em defesa da figura da causa geral de multa civil, é interessante repetir lição de Antônio Junqueira

de Azevedo, que apresenta pensamento que serve como supedâneo à tese aqui defendida, veja-se: “Exerce um múnus público que alguns autores americanos, a respeito da mesma situação nos “punitve damages”, denominam “private attorney general”. O autor, a vitima, que move a ação, age também como um “promotor público privado” e, por isso, merece a recompensa. Embora esse ponto não seja facilmente aceito no quadro da mentalidade jurídica brasileira, parece-nos que é preciso recompensar, e estimular, aquele que, embora por interesse próprio, age em benefício da sociedade. ” (AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Op. cit, p. 217).

que se cogitou na forma de indenização punitiva para tutelar situações de erro de execução não se aplica à causa geral de multa civil380.

Na realidade, ao requerer a aplicação da pena civil proposta, um sujeito não está postulando pela indenização que um outro deixou de requestar381, mas sim está pleiteando uma sanção jurídica solidificada pelo dever cívico de combate a ilícitos, que deve permear cada componente de uma sociedade saudável e preocupada com a manutenção da ordem, tanto na esfera individual, como no espaço maior da comunidade em que se vive e convive.

Seguindo tal lógica, defende-se que a razão de prevenir está intrinsicamente relacionada com a amplitude conferida à legitimidade para postular a aplicação da causa geral de multa, pois as consequências deletérias da ausência de prevenção são sentidas pontualmente por cada vítima, que se torna, por consequência, em potencial fiscal da lei no caso concreto.

Pondera-se, portanto, que, prima facie382, não se vislumbra óbice à possibilidade de

o próprio ofendido pela ilegalidade encaminhar ao Poder Judiciário o pedido de multa civil; ademais, tal possibilidade já é, mesmo que sem base legal, acatada pela Justiça, quando emprega fator punitivo no processo de liquidação de indenização por danos morais; igualmente, visualiza-se tal possibilidade nos diversos exemplos de sanções não ressarcitórias propulsionadas por ação de particular que já estão presentes no ordenamento civil pátrio383.

Indo mais além, pode-se até mesmo suscitar a criação de uma tipologia de ação em que o particular, mesmo que não titular da relação privada, sentindo-se indiretamente ofendido por ato de elevada repulsa e repercussão social, incumbe-se de agir em defesa da legalidade, em atuação análoga ao que hoje já se permite no âmbito da Ação Popular (Lei nº 4.717/65).

Diante do exposto, tem-se por ilustrada a razão prática de se teorizar as bases de uma multa civil com foco no intuito preventivo, o que viabiliza adequar a tutela jurídica de cada caso de forma específica e sempre direcionada ao fim último da harmonização social, o que deve ser mediado pela prudência e sensibilidade judicial em perceber as nuances fáticas subjacentes à relação de responsabilidade civil, de forma a detectar os casos em que há e os que não há motivo para a aplicação da multa civil.

Nesse sentido, é interessante perceber que a inércia jurisprudencial, capitaneada pelas Cortes Superiores, não costuma diferenciar, nas condenações por danos morais, hipóteses

380 Cf. item 3.2.5.

381 O mesmo raciocínio vale para a aplicação da causa geral de multa civil em situações de combate aos perigos

oriundos do erro de execução.

382 O aspecto “prima facie” é destacado em razão de o cerne processual não ser o centro deste trabalho, razão pela

qual se reconhece que o caráter preambular deste raciocínio enaltece o imperativo de maior amadurecimento da temática sob a ótica da processualística civil.

em que se deve ou não aplicar um fator punitivo na liquidação da sanção, limitando-se a reconhecer, genericamente, um caráter punitivo à indenização por danos morais384.

Sobre tal aspecto, concordar-se-ia com as Cortes Superiores se o caráter punitivo estivesse sendo observado genericamente em razão da visão subjetiva do sujeito condenado, que, mesmo diante de uma sanção meramente compensatória, sofre uma aflição em sua seara de interesse, nos ditames da ideia já mencionada de Francesco Carnelutti.

No entanto, a jurisprudência não ingressa em tal minúcia e parece, realmente, considerar o teor punitivo como causa genérica da indenização por danos morais, e mais: limita- se no raciocínio de conferir teor punitivo aos danos morais, em desprestígio de eventual necessidade de coibir práticas em que vislumbrado, tão só, dano material, conforme será tratado oportunamente385.

Em tal contexto, deve-se enaltecer que a aparente inércia jurisprudencial sofreu uma pontual digressão no julgamento do REsp 1354536/SE, em que, pela primeira vez na

jurisprudência brasileira, identificou-se diferença entre uma condenação ao pagamento de indenização por danos morais em sentido estrito, de uma condenação ao pagamento de sanção dotada de funcionalização punitiva, ao que se esclareceu que, nem sempre, a indenização por dano moral deverá ser acompanhada de um aspecto punitivo. Veja-se a ementa do julgado:

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DANOS DECORRENTES DE VAZAMENTO DE AMÔNIA NO RIO SERGIPE. ACIDENTE AMBIENTAL OCORRIDO EM OUTUBRO DE 2008. 1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: [...] b) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar a sua obrigação de indenizar; c) é inadequado pretender conferir à reparação civil dos danos ambientais caráter punitivo imediato, pois a punição é função que incumbe ao direito penal e administrativo; d) em vista das circunstâncias específicas e homogeneidade dos efeitos do dano ambiental verificado no ecossistema do rio Sergipe - afetando significativamente, por cerca de seis meses, o volume pescado e a renda dos pescadores na região afetada -, sem que tenha sido dado amparo pela poluidora para mitigação dos danos morais experimentados e demonstrados por aqueles que extraem o sustento da pesca profissional, não se justifica, em sede de recurso especial, a revisão do quantum arbitrado, a título de compensação por danos morais, em R$ 3.000,00 (três mil reais) [...] 2. Recursos especiais não providos.386

384 Cf. item 2.6.3. 385 Cf. item 4.3.3.1

386 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1354536/SE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,

SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/03/2014, DJe 05/05/2014. Há de ser ressaltado que o caso transcrito é específico e se reporta à responsabilidade por dano ambiental que, conforme a doutrina e jurisprudência majoritárias, é pautada pela lógica da teoria do risco integral. De toda sorte, apesar da estrita setorização do julgado, a ideia que o permeia merece perquirição em termos mais gerais, pois se afirmou sobre a inexistência de caráter

O caso sumariado na ementa transcrita é aqui citado com o intuito de ilustrar que a jurisprudência, embora em caso isolado, demonstrou-se preocupada em traçar distinção entre a ideia puramente compensatória dos danos morais e eventual majoração do quantum indenizatório através de critérios punitivos, tratando com autonomia as causas compensatória e