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Da incompatibilidade sistemática da ordem de punição com o Direito Civil pátrio

3 DANO MORAL E PUNIÇÃO: UMA ANÁLISE CRÍTICA

3.1 De uma análise argumentativa

3.1.1 Da incompatibilidade sistemática da ordem de punição com o Direito Civil pátrio

A contrariedade da função punitiva com a sistemática civil pátria é um dos grandes argumentos arguidos quando o presente tema vem à tona. Isso se dá em decorrência de o Brasil ser herdeiro da família da Civil Law, que, em seu processo evolutivo, enfrentou uma etapa de intensa separação entre as noções de Direito Público e Privado e respectivas sanções.

Tal processo se deu em homenagem à ascensão da burguesia como classe dominante durante as Revoluções Burguesas do século XVIII, oportunidade em que se firmaram as bases da autonomia privada e do refreamento do poderio estatal, cuja atuação restou vinculada ao pressuposto da legalidade.

Destarte, em consolidação do novo contexto sociopolítico nascente, adveio o Código Civil francês de 1804, em que se perpetuou uma rígida barreira entre as matérias civil e penal, em reflexo do imperativo de liberdade defendido na seara das relações particulares, que tinha como corolário a eliminação do teor punitivo nas sanções civis, preservando, tão somente, a natureza estritamente reparatória, o que acabou por incentivar as codificações posteriores, inclusive a brasileira.

Maria Celina Bodin de Moraes sobre o assunto evidencia:

O Código Civil dos franceses introduzira, como uma de suas maiores inovações, a separação rigorosa entre a matéria civil e os tipos penais, distinção que começara já pela opção de criar diferentes documentos legislativos para cada uma dessas disciplinas. Como esclarece Hans Hattenhauer, a separação não era devida a qualquer esforço de cientificidade ou sistematização, mas, sim, à rígida divisão entre o Direito Público e o Direito Privado, entre a liberdade do cidadão quanto à circulação dos bens e sua posição frente ao poder estatal – separação esta de fundamental importância para assegurar a plena autonomia na sociedade burguesa. […] A separação entre pena e indenização foi, assim, uma consequência dessa mentalidade, e bem se justifica, tendo em vista os objetivos a serem alcançados: era, então, imprescindível retirar da indenização qualquer conotação punitiva; a pena dirá respeito ao Estado e a reparação, mediante indenização, exclusivamente ao cidadão.198

Ilustrando a aplicação prática da herança do pensamento construído sob o império da Civil Law, é interessante perceber o tratamento dado pela Corte Superior alemã (Bundesgerichtshof) a caso em que se pretendeu a execução de uma sentença prolatada por tribunal norte-americano na qual, no bojo do dispositivo, constava condenação do réu ao

pagamento de punitive damages. No caso, um rapaz alemão foi condenado à pena privativa de liberdade nos Estados Unidos por abusos sexuais. Ocorre que, além da pena de reclusão, ao réu foi imposto o pagamento de indenização à vítima, da qual uma parcela de US$ 400.000,00 (quatrocentos mil dólares) possuía teor de punição199.

A Corte Superior da Alemanha, convidada a apreciar a homologação da sentença americana, afirmou que a decisão estrangeira feria a ordem pública alemã e, por isso, não poderia ser cumprida, o que se pautou em vários argumentos200.

Primeiramente, o Bundesgerichtshof ponderou que a única função desempenhada pela responsabilidade civil na Alemanha seria a compensatória, estranhando, por conseguinte, qualquer cunho penalista. Assim, destacou-se que a sanção punitiva seria parte de um monopólio estatal restrito a rígidas espécies submetidas ao crivo da estrita legalidade e a uma sistemática processual própria (processo penal).

A Corte alemã também discordou quanto à forma de quantificação da indenização punitiva, haja vista o argumento de que tal valor não seria correspondente aos prejuízos sofridos pela vítima, o que violaria o princípio da proporcionalidade da pena.

O último argumento utilizado pelo Tribunal germânico foi que a homologação da sentença americana colocaria os credores estrangeiros em situação de vantagem perante os credores alemães, pois estes jamais obteriam um valor indenizatório além da extensão do dano sofrido; tal tratamento desigual, segundo foi concluído, malferiria o princípio da isonomia.

Relatando a decisão proferida pela Corte Superior da Alemanha, Maria Celina Bodin de Moraes afirma:

Em especial, [a Corte Superior alemã] manifestou seu entendimento no sentido de considerar justo que a fattispecie proveniente dos ordenamentos anglo-saxões possa operar no âmbito do Direito Civil, mas não considerou admissível que, em um ordenamento como o germânico, em que o Estado tem o monopólio de aplicar as sanções, um cidadão possa assumir a função do Ministério Público, pretendendo que venham cominadas sanções decorrentes de um ilícito, e, pior, que delas se possa beneficiar. […] A Corte alemã observou ainda que a função pedagógica dos danos punitivos não pode ser equiparada, de modo nenhum, à satisfação presente na reparação do dano moral, porque a ratio de ambos é distinta: enquanto o dano moral tem uma função precipuamente compensatória, o instituto anglo-saxão tem como função principal a punição do responsável pelo dano e, secundariamente, a constituição de prevenções em relação ao autor e à sociedade como um todo. […] A função de trazer satisfação não confere ao ressarcimento dos danos morais um caráter punitivo; ela se conecta à função de reparação.201

199 A narrativa do caso pode ser encontrada em MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 253. Perceber que o

caso bem ilustra a técnica adotada nos EUA, em que se separa expressamente o valor indenizatório do quantum manejado a título de punição.

200 A compilação dos argumentos manejados pela corte pode ser encontrada em: SERPA, Pedro Ricardo e. Op. cit,

p. 307; MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 255.

O raciocínio aplicado na decisão alemã202 bem ilustra o argumento também manejado em solo brasileiro, por parte da doutrina, segundo o qual a natureza das ferramentas utilizadas para fins de resposta jurídica a querelas de cunho civil não é dotada do poder de punição, mas sim, tão somente da capacidade de retroação dos fatos ao status quo ante, ou, ao menos, no caso de dano moral, de ofertar uma satisfação à vítima pelo prejuízo sofrido, e não uma repressão ao sujeito lesante.

Afastando-se da retrospectiva histórica e contextualizando a matéria em discurso com a atual regência constitucional, os defensores do argumento da incompatibilidade sistemática do dano moral punitivo argumentam que o substrato axiológico da dignidade da pessoa humana com que se pauta a Carta Magna de 1988 privilegia valores solidaristas, resultando em uma justiça de caráter distributivo203, e não retributivo204, sendo este próprio das sanções punitivas e aquele comum às de natureza reparatória e compensatória. Sustentando tal pensamento, posiciona-se Maria Celina Bodin de Moraes, veja-se:

Também não há espaço no ordenamento brasileiro para o caráter punitivo, porque tal juízo pode, talvez, coadunar-se com sistema normativo que tem por finalidade ético- político-jurídica tão somente a justiça retributiva. Nosso sistema, no entanto, a partir da Constituição de 1988, baseia-se na justiça distributiva, em obediência ao fundamento solidarista.205

202 Pedro Ricardo e Serpa pondera que a Corte de Cassação italiana também já rechaçou pretensão de homologação

de sentença norte americana em que se pretendia a ratificação de condenação por punitive damages, oportunidade em que foram utilizados argumentos análogos aos invocados pela Corte Superior alemã. Diferentemente, o Supremo Tribunal espanhol, enfrentando a mesma temática, reconheceu e promoveu a execução de sentença americana em que continha condenação ao pagamento de punitive damages, o que se fez sob o argumento de que o juízo delibatório que envolve a homologação de sentença estrangeira não permitiria a conclusão de que o famigerado instituto fosse contrário à ordem pública espanhola. Salienta-se que Pedro Ricardo e Serpa, em raciocínio congruente com o adotado pela Corte da Espanha, defende que, se o caso em comento fosse apresentado no Brasil ao Superior Tribunal de Justiça, a decisão estrangeira haveria de ser homologada, pois não entraria em contradição com o conceito de ordem pública. (SERPA, Pedro Ricardo e. Op. cit, p. 308-316).

203 A noção de justiça distributiva está relacionada com a proporcional distribuição de bens a partir do mérito de

cada um, é dizer: a função da justiça distributiva é a promoção da correta atribuição de riqueza, sob o critério do merecimento. Assim explana Aristóteles: “[...] o justo é o proporcional, e o injusto é o que viola a proporção. Quanto a esse último, um dos termos se torna grande demais e o outro muito pequeno, como efetivamente acontece na prática, pois o homem que age injustamente fica com uma parte muito grande daquilo que é bom, e o que é injustamente tratado fica com uma parte muito pequena.” (ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. Tradução de Torrieri Guimarães. 4. ed. São Paulo: Martin Claret, 2009, p. 110).

204 A justiça retributiva está relacionada com a noção de reciprocidade, é dizer: responder à lesão não com a atenção

voltada à reparação do dano sofrido pelo sujeito lesado, mas sim em devolução do mal praticado pelo sujeito lesante. Ilustrando a noção popular do conceito de reciprocidade, Aristóteles afirma: “Os homens procuram retribuir o mal com o mal (e se não podem fazê-lo, sentem-se reduzidos à condição de escravos) e o bem com o bem (e se não podem fazê-lo não haverá troca, e é pela troca que eles se matem unidos).” (ARISTÓTELES. Op. cit, p. 113).

Outro foco de argumentação consiste na evolução pela qual tem passado a responsabilidade civil no que concerne ao quesito da culpa, pois o crescente destaque à responsabilização objetiva seria o resultado de uma modificação paradigmática em que se voltam as preocupações mais para a restauração de um dano injusto, do que para a perquirição subjetiva do agente lesante206. Desta feita, uma vez que o critério punitivo dos danos morais estaria intrinsecamente vinculado ao sancionamento de condutas marcadas por dolo ou culpa grave, tal critério de indenização não se adequaria aos ditames da modalidade objetiva de responsabilidade, em que se elimina a necessidade de perquirição do elemento culpa.

Em contraponto a tudo que foi exposto, há o argumento doutrinário de que a rejeição ao teor punitivo dos danos morais possui raiz em preciosismo oriundo do vínculo com o paradigma ressarcitório, apegado a noções patrimonialistas hoje superadas, dado o reconhecimento de valores intrínsecos à personalidade humana, o que exige a consequente evolução dos conceitos preestabelecidos, em prol da abrangência de uma finalidade maior da responsabilidade civil, a ser atendida por funções relacionadas à prevenção e punição207.

Pondera-se ainda que a clássica divisão entre Direito Público e Privado estaria superada, principalmente tendo em vista o fenômeno da constitucionalização das relações privadas208, em que se visualiza a abrangência do conceito de ordem pública até no contexto de relações de origem particular, conforme se tem o exemplo do art. 1° do CDC209.

Exemplificando o entendimento em mote, são interessantes as palavras de André Gustavo Corrêa de Andrade:

A clássica separação entre Direito Penal e Direito Civil constitui, na verdade uma dimensão menor da não menos tradicional dicotomia entre Direito Público e Direito Privado. [...] Em uma sociedade complexa como a nossa, o público e o privado interpenetram-se, superando a tradicional dicotomia. Antigos redutos do Direito Privado, como o direito contratual, sofrem marcada interferência do poder público, enquanto este se vale cada vez mais de instrumentos próprios do Direito Privado. [...] Nessa sequência, a divisão entre Direito Penal e o Direito Civil, que agudiza aquela já ultrapassada dicotomia, deve também ser relativizada. Essa interpenetração entre o público e o privado, e, consequentemente, entre o Direito Penal e o Direito Civil cria uma nova arquitetura para a responsabilidade civil, que deve ser vista como um conjunto ordenado de princípios e regras voltado para a tutela simultânea dos interesses do indivíduo e da coletividade.210

206 Esclarecendo tal processo de evolução, é marcante a frase de Lambert-Faivre citada por Sérgio Cavalieri Filho:

“de uma dívida de responsabilidade evolui-se para um crédito de indenização” (Lambert-Faivre, Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1987, p.1 apud CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit, p. 166).

207 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op.cit, p. 220, 222.

208 Sobre tal assunto, verificar: SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito: Os direitos

fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2011.

209 BRASIL. CDC. Art. 1°. O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem

pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

Sobre o tema, Pedro Ricardo e Serpa obtempera que a responsabilidade civil tem passado por uma série de modificações estruturais ao longo da história, ao que destaca a primordial existência de três paradigmas básicos: a responsabilidade individual, o fundamento da culpa e o intuito ressarcitório. Comentando sobre tais pressupostos, o autor conclui que a evolução da sociedade provocou a mitigação dos dois primeiros, com a consequente coletivização e objetivação da responsabilidade211. Assim, remata o raciocínio no sentido de que a modificação dos dois primeiros paradigmas demonstraria a plena possibilidade de alteração do último, que, segundo é defendido pela sua tese, seria, inclusive, necessária212.

A mencionada necessidade seria decorrente da impessoalidade com a qual as indenizações estão sendo recepcionadas pelos agentes lesantes, que, fazendo uso de mecanismos de diluição de despesas, não mais encaram a responsabilidade civil como um desestímulo à prática do dano, o que exige a modificação do paradigma ressarcitório, em prol da ênfase ao teor punitivo, como forma de dar efetividade ao sistema de responsabilização213.

Ademais, sustenta-se que privilegiar o paradigma ressarcitório em sede de danos morais seria não se sensibilizar com o fato de que a dignidade humana, quando afetada, jamais é restaurada, por uma absoluta impropriedade qualitativa das ferramentas existentes de reparação, o que justificaria o empenho de esforços no desenvolvimento da responsabilidade civil sob o aspecto funcionalista de evitar a superveniência do dano, pois, somente assim, a dignidade humana restaria plenamente tutelada. Nesse sentido, Pedro Ricardo e Serpa afirma:

Quer-nos parecer que, em razão das insuficiências apresentadas pelo paradigma ressarcitório para recompor adequadamente os prejuízos causados aos direitos aqui analisados (tidos como de especial relevância), a melhor maneira de tutelá-los é assegurar, no maior grau possível, que tais direitos não venham a ser lesados, prevenindo, assim, a ocorrência de prejuízos.214

211 A massificação das relações, a exemplo do fenômeno consumerista, orienta para uma progressiva alteração

paradigmática da apreciação da relação responsabilizadora. Primeiramente se tinha em foco a necessidade de sancionar o autor do dano, contudo, cada vez mais é enfatizada a necessidade de reparar o lesado pelo dano sofrido. Muda-se o eixo de atenção. Conforme bem explana Cavalieri Filho, citando as palavras de Lambert-Faivre “de uma dívida de responsabilidade evoluiu-se para um crédito de indenização” (Lambert-Faivre, Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1987, p.1 apud CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit, p. 166). Desta feita, criam-se mecanismos aptos a não deixar que um indivíduo em particular suporte o prejuízo injustamente sofrido, o que se faz através da entrega da reparação imediata ao causador do dano, mesmo que para isso se tenha que afastar a culpa – em aplicação da Teoria do Risco – que, posteriormente e invariavelmente, irá diluir tal custo no preço cobrado pelos seus produtos/serviços, ou adotará sistemas de restituição através da contratação de empresas seguradoras.

212 SERPA, Pedro Ricardo e. Indenização Punitiva, p. 153. 213 Ibidem, loc. cit.

Sendo assim, tal tese defende que a indenização punitiva é uma ferramenta que satisfaz o anseio maior de proteção à dignidade da pessoa humana e, portanto, está em plena compatibilidade com a CRFB/88, já que voltada à preservação do norte axiológico por ela ostentado.

Ainda em uma visão funcionalista da responsabilidade civil, é interessante mencionar, em contraposição, o pensamento econômico215 pautado pelo critério da eficiência, que desmerece a função distributiva da responsabilidade civil, por afirmar que o meio jurídico não é o melhor caminho (meio mais eficiente) para consagrar a ideal distribuição da riqueza, que seria mais facilmente alcançada por meio de políticas públicas de repartição de renda. Sendo assim, ao Judiciário caberia a função de decidir as querelas jurídicas em prol da maximização da riqueza, cuja distribuição competiria a um momento posterior guiado pela política216. Dessa forma ponderam Robert Cooter e Thomas Ulen:

Muitos economistas creem que a tributação progressiva e programas de assistência social – o “sistema de tributação e transferência”, como geralmente é chamado – pode atingir objetivos de redistribuição em estados modernos de maneira mais eficiente do que aquilo que pode ser feito modificando ou rearranjando direitos jurídicos privados.217

Diante dos argumentos expostos, tem-se que, em suma, os defensores e os opositores da compatibilidade do fator punitivo em sede de danos morais com a sistemática civil hodierna possuem bons argumentos, que, em última razão, reportam-se à preservação do princípio da dignidade humana, o que, contudo, fazem por caminhos absolutamente diversos. Nessa divergência de pensamento, observa-se que o ponto de diferenciação reside no embate entre preservação e superação do paradigma ressarcitório da responsabilidade civil.

Destarte, obtempera-se que, se a preservação do pressuposto em monta se justifica por argumento além de um preciosismo histórico, consubstanciando, portanto, fator de eficácia do Direito e da responsabilidade civil (tendo-se, para isso, ciência da finalidade de cada um)218, o paradigma ressarcitório merece ser preservado. No entanto, os argumentos que embasam tal paradigma demonstram mais apego a razões hereditárias, do que a um maior rigor científico pautado na otimização da responsabilidade civil.

215 A principal crítica que se faz à visão econômica do Direito é de que “o direito não se deve ocupar da eficiência,

mas sim de valores.” Sendo assim, “A alocação ótima de recursos sob custos de transação mínimos não pode ser prioridade em um sistema jurídico, que leva em conta valores não monetários.” (MENDONÇA, Diogo Naves. Op. cit, p. 27).

216 POSNER, Richard. Problemas de filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 520. 217 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito & Economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 31. 218 Sobre tais noções teleológicas ver itens 2.1 e 2.2.

De outro modo, a fundamentação que estrutura a defesa da compatibilidade da punição com a sistemática civil pátria expõe razões de utilidade que justificam a adoção do critério punitivo como forma de maximizar a tutela da dignidade humana.

Embora o estrito apego a noções economicistas não seja interessante para a Ciência Jurídica, cuja essência está voltada à deontologia, há de se concordar que, quando o funcionalismo se volta exatamente para homenagear os valores prezados pela ordem jurídica, tal noção se mostra como importante ferramenta na promoção da eficácia do Direito.

Sendo assim, sem desprestigiar o basilar fundamento ressarcitório, há de se afirmar a compatibilidade, em tese, do fator punitivo em indenizações, restando tal escolha ao exercício da função legislativa, refletindo, portanto, antes de uma querela jurídica, uma opção política de adoção de tal fator pelo ordenamento jurídico pátrio.

Em remate, ilustrando a aceitação da punição no Direito Civil nacional, reitera-se que o CCB/02 positivou várias hipóteses em que se constatam sanções com natureza de pena civil, conforme já comentado quando do estudo da função punitiva da responsabilidade civil219. Quanto à pretensa incompatibilidade da indenização punitiva com a responsabilidade objetiva, salienta-se que o fato de ser necessária a perquirição da culpa para a aplicação do fator de punição não implica em um retrocesso da modalidade objetiva de visualização do fenômeno ressarcitório. Nesse sentido:

E já se advirta: mesmo em se tratando de hipóteses majoritariamente dominadas pela objetivação da imputação da obrigação de indenizar, a imposição da sanção punitiva – e apenas para ela – demandará a apreciação da intenção maliciosa do agente de atingir a esfera econômica ou espiritual da vítima ou, ao menos, a ciência de praticar um comportamento potencialmente lesivo a interesses alheios. A função sancionatória nos permitirá resgatar para a responsabilidade civil a distinção entre culpa e o dolo – sempre relevante para o direito penal – que culminou por ser abandonada pelo monopólio da função reparatória, direcionada à aferição exclusiva do pressuposto do dano.220

A responsabilidade civil, portanto, em seus sentidos reparatório e compensatório, pode plenamente, quando o caso for, ser tratada pela via objetiva e, concomitantemente, na hipótese de ser provada a culpa grave ou o dolo, ser adicionado o fator de punição. Assim, a variável da culpa, própria do elemento punitivo, não interfere na responsabilidade objetiva voltada ao ressarcimento221.

219 Ver item 2.3.3.

220 ROSENVALD, Nelson. As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. 2. ed. São Paulo:

Atlas, 2014, p. 33.

221 “[...] haverá, nessa hipótese, a formação de uma “causa de pedir complexa”, com cumulação de pedidos de

É interessante salientar que o mesmo raciocínio aplicado à responsabilidade