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O trabalho com literatura e o desenvolvimento cultural de adultos e crianças na educação infantil

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

NÚBIA SILVIA GUIMARÃES

O TRABALHO COM LITERATURA E O DESENVOLVIMENTO CULTURAL DE ADULTOS E CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

CAMPINAS 2017

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NÚBIA SILVIA GUIMARÃES

O TRABALHO COM LITERATURA E O DESENVOLVIMENTO CULTURAL DE ADULTOS E CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL.

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Educação, na área de concentração Educação.

Supervisor/Orientador: Profª Drª Ana Luíza Bustamante Smolka O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À

VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA NÚBIA SILVIA GUIMARÃES E ORIENTADA PELA PROFª DRª ANA LUÍZA BUSTAMANTE SMOLKA.

CAMPINAS 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

O TRABALHO COM LITERATURA E O DESENVOLVIMENTO CULTURAL DE ADULTOS E CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL.

Autora: NÚBIA SILVIA GUIMARÀES

A ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros da Comissão Examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica da aluna.

2017

COMISSÃO JULGADORA:

Prof.ª Dr.ª Ana Luíza Bustamante Smolka Prof.ª Dr.ª Patrícia Corsino

Prof.ª Dr.ª Myrtes Dias da Cunha Prof.ª Dr.ª Maria Nazaré da Cruz

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AGRADECER

Gesto tão simples e tão difícil ... (Trans)formar ... Constituir-se... Apropriar-se...

A constituição se faz também neste momento de elaboração. Portanto, é essencial registrar as emoções, as sensações, as vivências traduzidas nas minhas palavras ... Muito obrigada...

À querida Ana, meu sincero agradecimento, por acolher-me neste grupo de pesquisa de forma tão calorosa, por afetar-me com seu encantamento e sensibilidade com as questões teóricas, mas, também, pela emoção com que compreende o espaço e as relações na escola... Grande parceira, conduziu-me sabiaconduziu-mente nas escolhas certas, desafiando-conduziu-me diante das tantas possibilidades de realização deste trabalho! Muito obrigada! Foi uma grande honra (con)viver com você nestes anos!

À professora Luci Banks Leite, pelo carinho e acolhida generosa desde a entrevista de seleção e pelos anos que se seguiram! Obrigada por compartilhar comigo seu saber sempre com sorrisos e abraços afetuosos.

Às professoras Ana Lúcia Horta Nogueira e Lavínia Magiolino, pelas preciosas considerações nas discussões no grupo de pesquisa. Suas contribuições também foram fundamentais para a condução e finalização da pesquisa.

Aos queridos amigos e amigas do GPPL, pelas discussões férteis e inspiradoras de todos os encontros: à Bia, à Mozilene, à Ermelinda, à Heloíza, ao Edu, à Ana Flávia, à Maria de Fátima, à Mariana, à Gisele, à Dani Donadon, à Matilde, à Adriana, à Juliana, à Ana Stela, à Maria Paulínia, à Lila, à Lívia. Vocês foram essenciais em todos os momentos vividos na Unicamp. Dentre as amigas e amigos deste grupo, agradeço, especialmente, à Débora pela disponibilidade tanto para as discussões teóricas quanto para as acolhidas generosas; à Dani Pampanini, por estar sempre por perto em todos os momentos; à Dalvane, pela tranquilidade que sempre acalma; à Ana Paula, querida, por tudo que vivemos juntas; e ao Lauro, pelas lindas poesias que enchem o coração de alegria e afeto. Levarei comigo o que aprendi com vocês por toda a vida!

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Às professoras Myrtes Dias da Cunha, Patrícia Corsino, Gabriela Tebet, pelas valiosas sugestões na banca de qualificação e por aceitarem participar de mais esta etapa na banca de defesa. Os diferentes olhares cuidadosos para o meu trabalho enriqueceram a sua finalização.

Aos meus pais, Cristóvão e Maria das Dores, por me encherem de amor, especialmente neste período tão especial da minha vida, e compreenderem sempre com respeito as minhas ausências tão constantes.

Às minhas filhas, Ana Victória e Luíza, por sempre viverem com maturidade essa fase da nossa vida, suportando com muito respeito minhas constantes ausências e por sempre me fortalecerem com seus cuidados amorosos.

Aos meus irmãos, José, Dani e Flávio, pelo amor e carinho que sempre tiveram comigo e, especialmente, ao Flávio, que me apoiou em todo esse tempo, ajudando na rotina diária para que tudo corresse bem.

À minha tia Maria Madalena, com quem, mais uma vez, pude contar para a realização deste trabalho.

Às profissionais Laís e Lucássia, que aceitaram o desafio em participar da pesquisa, dedicaram tempo e abriram-se para explorarmos juntas um campo de possibilidades, assumindo comigo a identidade deste trabalho.

Às crianças do berçário e GI da EMEI Pampulha e às crianças do G III “E” da EMEI Tibery (Anexo) – e suas famílias por autorizarem a participação na pesquisa. Seus olhares, modos e gestos de se envolver com/na literatura estabeleceram conosco uma relação de muito encantamento.

Aos meus colegas de trabalho da Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia, especialmente da Educação Infantil, por concederem a licença capacitação tão necessária para a realização desta pesquisa. Agradeço, especialmente, minha amiga Luciana Muniz, companheira que muito me inspirou e colaborou na fase inicial desta trajetória.

Agradeço imensamente ao meu amigo Tiago pelas fortes reflexões deste tempo e pelo carinho que alimenta e afeta. E às minhas queridas amigas Letícia e Cleris por cuidarem de mim com amor, me acolherem em cada fase desta caminhada, especialmente me fortalecendo e encorajando nos momentos de cansaço. A cada um e a cada uma que esteve comigo nesta trajetória tão especial e importante da minha vida! Muito obrigada!

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“Sou feita de retalhos. Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando na alma. Nem sempre bonitos, nem sempre felizes, mas me acrescentam e me fazem ser quem eu sou. Em cada encontro, em cada contato, vou ficando maior... Em cada retalho, uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade... que me tornam mais pessoa, mais humano, mais completo. E penso que é assim mesmo que a vida se faz: de pedaços de outras gentes que vão se tornando parte da gente também. E a melhor parte é que nunca estaremos prontos, finalizados... haverá sempre um retalho novo para adicionar à alma. Portanto, obrigado a cada um de vocês, que fazem parte da minha vida e que me permitem engrandecer minha história com os retalhos deixados em mim. Que eu também possa deixar pedacinhos de mim pelos caminhos e que eles possam ser parte das suas histórias. E que assim, de retalho em retalho, possamos nos tornar, um dia, um imenso bordado de 'nós'.”

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RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo problematizar e investigar as possibilidades de trabalho pedagógico com a literatura no âmbito da Educação Infantil. Assumindo os pressupostos de uma perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano, e com base, principalmente, nas contribuições de Vigotski (conceitos de desenvolvimento cultural, significação, vivência, novas formações) e Bakhtin (conceitos de alteridade, dialogia, polifonia, exotopia), buscamos investigar os processos constitutivos do desenvolvimento cultural de adultos e crianças em sua inter-relação com o texto literário. O trabalho empírico envolveu a participação da pesquisadora no processo formativo de duas professoras em atuação em uma rede municipal de ensino no estado de Minas Gerais, assim como a (con)vivência da pesquisadora com as referidas professoras e crianças - uma turma de Agrupamento 1, com crianças de 1 e 2 anos; e outra turma de Agrupamento 3, com crianças de 4 e 5 anos - em duas creches públicas. Compartilhando com a pesquisadora o planejamento das atividades diárias, aprofundando o estudo teórico sobre linguagem e desenvolvimento humano, e analisando em conjunto o desenrolar do trabalho realizado, as professoras puderam objetivar o seu fazer cotidiano. O processo de formação articulado às formas de atuação pedagógica constitui-se em um foco relevante da pesquisa, enquanto as análises interpretativas das situações vivenciadas, baseadas na leitura de indícios (Ginzburg), iluminam e dão visibilidade aos gestos mínimos constitutivos do desenvolvimento cultural de professoras e crianças na vivência com a arte literária. Foi possível apreender o trabalho com a literatura na dimensão da arte e da atividade estética, explicitando o potencial criador e (trans)formador desta atividade no desenvolvimento humano.

Palavras-chave: Educação Infantil. Desenvolvimento Humano. Literatura. Formação docente. Prática pedagógica.

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ABSTRACT

This thesis aims to discuss and to research the possibilities of pedagogical work with literature in th realm of Early Childhood Education. According to the Historical-Cultural approach on the human development, and underpinned by Vigotski‟s contributions (concepts of cultural development, signification, experience, new formations) and Bakhtin (concepts of alterity, dialogism, polyphony, exotopia), we have researched the constitutive process of the cultural development of adults and children in their interrelation with the literary text. The empirical work involved the researcher participation in the formative process of two teachers in a municipal education system in the Minas Gerais state, as well the experience/living of the researcher with the mentioned teachers and children – a group of Agrupamento 1, with 1-2 years-old children, and another group, called Agrupamento 3, with 4-5 years-old children – in two public kindergartens. The teachers got to establish goals and make their routine by sharing with the researcher the planning of the daily activities, deepening the theoretical study about language and human development, and analyzing, together, the work that was made. The fomative process, combined with the pedagogical acting ways, is a relevant focus in this research, and the interpretative analyzis of the experienced situations, based on the reading of indications (Ginzburg), emphasizes and gives notoriety to the minimum constitutive gestures of the cultural development of the teachers and the children during the experience/living in the literary art. Thus, it was possible to apprehend the work with literature in the art and the aesthetic dimensions, explaining the creative and (trans)formative potential of this activity in the human development.

Keywords: Early Childhood Education. Human Development. Literature. Teachers‟ Formation. Teaching Practice.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem 01 – Capa do livro “O grande rabanete”... 75

Imagem 02 – Capa do livro “Bruxa, Bruxa, venha à minha festa”... 76

Imagem 03 – Criação de um diálogo – Lara, Bruxinha e o Espantalho 123 Imagem 04 – Participação marcada pelos/nos gestos... 124

Imagem 05 – Um convite à educadora... 125

Imagem 06 – Personagem Cobra - A imagem que provoca... 126

Imagem 07 – Crianças e o Lobo Mau... 129

Imagem 08 – A virada de página... 130

Imagem 09 – Hipótese confirmada – Chapeuzinho Vermelho... 131

Imagem 10 – Como brincar com um fantoche 1 – o gesto do adulto... 134

Imagem 11 – Como brincar com um fantoche 2 - aceite da criança... 134

Imagem 12 – Como brincar com um fantoche 3 – o fazer junto... 135

Imagem 13 – Como brincar com um fantoche 4 – apropriação... 136

Imagem 14 – Gesto que convoca... 145

Imagem 15 – Um convite à dramatização... 147

Imagem 16 – História dramatizada... 150

Imagem 17 – Capa do livro Muitos Animais... 157

Imagem 18 – Ficha Catalográfica... 174

Imagem 19 – Dedicatória... 175

Imagem 20 – Uma floresta... 176

Imagem 21 – Animais... 177

Imagem 22 – Simba, o Leão... 177

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01 – Grupo GIII E – Prof.ª Lucássia – Escola Municipal do Bairro Tibery – Ano 2015... 59 Quadro 02 – Turma Agrupamento Berçário Prof.ª Laís – Escola de Educação Infantil do Bairro Pampulha – Ano 2015... 65

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SUMÁRIO

1 MARCAS DE UM PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

CULTURAL: A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA... 14

1.1 A literatura no contexto da Educação Infantil: referenciais, diretrizes, PPPs das escolas/municípios e os projetos das escolas... 30

2 O MOVIMENTO DIALÉTICO DA PESQUISA: (RE)CONSTRUINDO OS CAMINHOS METODOLÓGICOS... 44

2.1 Um Curso de Especialização: encontros e desejos... 47

2.1.1 Das experiências no/com o curso: as professoras como pesquisadoras colaboradoras na pesquisa... 54

2.1.2 Os encontros... 55

2.1.3 Lucássia sua escola e as crianças do G III “E”... 57

2.1.4 A Escola Municipal de Educação Infantil do Bairro Tibery... 60

2.1.5 Laís, sua escola e as crianças do berçário e GI... 63

2.1.6 A Escola Municipal de Educação Infantil do Bairro Pampulha... 66

2.2 Projetos de Literatura desenvolvidos nas duas escolas: emergência de possibilidades... 69

2.3 Os objetos de estudo das profissionais: o encontro com a pesquisadora e o encanto com as crianças... 71

3 DESENVOLVIMENTO CULTURAL NA OBRA DE VIGOTSKY: INTER-RELAÇÕES COM A ARTE LITERÁRIA... 79

3.1 Anotações sobre o Desenvolvimento Cultural... 84

3.2 O problema do meio e o conceito de vivência... 89

3.3 As novas formações no processo de desenvolvimento... 94

3.4 Interfaces do Desenvolvimento com a Literatura Infantil: possibilidades da arte literária... 101

4 A LITERATURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: MODOS DE PARTICIPAÇÃO DE ADULTOS E CRIANÇAS... 113

4.1 Bruxa, Bruxa! Venha à minha festa: o convite à participação das crianças... 115

4.2 “O grande rabanete”: relações dialéticas nos modos de participação da professora e das crianças... 139

4.2.1 Relações estabelecidas: modos de atuação desencadeados... 141

4.2.2 “Eu sou o ratinho”: desejos e identificações com a história e com personagens... 144

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4.2.3 Ler, contar, dramatizar: modos distintos coadunam-se em uma

história encantada... 149

4.3 “Muitos Animais”: a produção de um conto com as crianças ... 153

4.3.1 Linguagem dialógica: explicitando um processo mediado... 161

4.3.2 A experiência e o processo criativo: elementos da realidade... 170

4.3.3 A composição da ilustração: criações singulares... 172

4.4 Distanciar-se, (re)construir-se: retomando algumas questões do processo formativo... 179

4.4.1 Laís e arte literária: reflexões e desejos ampliados... 180

4.4.2 Lucássia e a arte literária: a linguagem em ação e constituição em sala de aula... 185

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESQUISA E O TRABALHO COM A LITERATURA: MARCAS DO PROCESSO VIVIDO ... 189

REFERÊNCIAS... 195

ANEXO I – CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL – PANORAMA GERAL DO CURSO... 203

ANEXO II – MAPAS BAIRROS – PAMPULHA E TIBERY... 204

ANEXO III – MAPA EMEI TIBERY – SEDE E ANEXO... 205

ANEXO IV – DESCRIÇÃO DOS TRABALHOS PRODUZIDOS PELAS PROFISSIONAIS... 206

ANEXO V – EPISÓDIOS GRAVADOS NA ESCOLA EMEI TIBERY/PROFESSORA LUCÁSSIA... 212

ANEXO VI – EPISÓDIO GRAVADO NA ESCOLA EMEI TIBERY... 218

ANEXO VII – EPISÓDIOS GRAVADOS NA ESCOLA EMEI PAMPULHA – Turma Berçário e GI – Educadora Laís... 231

ANEXO VIII – EPISÓDIO GRAVADO NA ESCOLA EMEI PAMPULHA.... 238

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1 MARCAS DE UM PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO CULTURAL: A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA

Arte e vida não são a mesma coisa, mas devem tornar-se algo singular em mim, na unidade da minha responsabilidade (BAKHTIN, 2011, XXXIV).

Em minha experiência de quase vinte anos no espaço escolar, venho me deparando, encantando-me, e, também, às vezes, indignando-me com diversas formas de organização do ensino concretizadas no trabalho pedagógico das escolas. No momento de minha opção pela profissão de professora, fui tomada por um sentimento de encantamento com as possibilidades de atuação desse profissional frente às crianças, naquele momento, principalmente em relação à aquisição da leitura e da escrita. Entretanto, no decorrer de meu processo formativo, tanto na graduação, quanto no mestrado, em que estive nas escolas acompanhando seu cotidiano, fui percebendo as dificuldades encontradas nos espaços escolares no tocante ao trabalho pedagógico e, consequentemente, à aprendizagem das crianças.

As salas de aula e as escolas nas quais fui me formando professora estavam aquém de serem consideradas espaços atraentes que conquistavam as crianças, provocando nelas o desejo de estarem ali. Ademais, estavam distantes de exercerem um papel que realmente fizesse sentido na vida das crianças.

Muitos questionamentos acompanhavam-me e faziam-me refletir sobre o papel que a escola deveria desempenhar na vida dos pequenos. Para mim, a escola não pode ser apenas um lugar onde as crianças possam passar o tempo. Por ser um lugar legitimado socialmente para atender crianças e jovens, precisa estar ciente de sua tarefa e aproveitar melhor a oportunidade de desenvolvê-las de forma integral, tal como versam os Projetos Políticos Pedagógicos, as Propostas Curriculares e as Diretrizes para o ensino. Ao longo de minha experiência no espaço escolar, perguntava-me, a partir das propostas com as quais me deparava, o que, de fato, significava proporcionar o desenvolvimento integral das crianças e como elas percebiam esse lugar. Sentiam-se partícipes do processo educativo, ou apenas recebiam os “conteúdos” que estavam listados no currículo?

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A realidade mostrava-me que as crianças estavam na escola, isso era fato. Mas me chamava a atenção a forma como se estabeleciam as relações de ensino e aprendizagem e, ainda, o modo como os conhecimentos eram abordados por adultos e crianças. Por meio das e nas leituras, discussões e inquietações que já trazia, comecei a questionar-me sobre a forma como o sujeito (trans)forma-se nas relações que estabelece com o outro, e, mais tarde, com e na leitura. Os diálogos estabelecidos com as obras e autores lidos foram sendo (trans)formados e (trans)formando meu jeito de compreender o mundo e as pessoas.

Os contatos com textos que buscavam explicar as relações e interações do desenvolvimento humano, principalmente os trabalhos de Vigotski (1896-1934)1, faziam muito sentido para mim, a ponto de despertar questionamentos que foram me conduzindo em minha formação acadêmica e profissional. Os primeiros deles levaram a uma pesquisa de graduação que se desdobrou na pesquisa de mestrado.

Perguntava-me, a partir das interlocuções que estabelecia com as leituras que ia fazendo: até que ponto as crianças são objetos de disciplinarização pela escola e pelos professores? Como as vozes das crianças poderiam ser ouvidas de forma a contribuir em sua aprendizagem e desenvolvimento? De que forma seria possível dar voz às crianças na escola e no conhecimento ali difundido e compartilhado? Como se aprende dentro da escola com relações tão autoritárias? Qual é o vínculo estabelecido entre os/as professores/as e suas crianças e como essa relação interfere na aprendizagem?

Ao ingressar no curso de Pedagogia, já passava por uma experiência profissional em uma escola pública do município de Uberlândia/MG, como funcionária da secretaria. Por se tratar de uma escola pequena, muitas vezes, chegavam até mim queixas dos docentes sobre as crianças, tanto nos aspectos da aprendizagem, quanto do comportamento. Via, frequentemente, nessas queixas, mesmo sendo aluna iniciante da graduação, um tratamento que tornava as crianças “invisíveis”. Elas tinham sob sua responsabilidade atender às expectativas produzidas pelas/os professoras/es

1 Nesta tese, iremos utilizar a grafia “Vigotski” quando nos referirmos ao autor diretamente,

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acerca da forma de ensinar e aprender. As queixas “eles conversam demais” eram constantes, e eu me perguntava: como podem aprender sem dialogar uns com os outros e até mesmo com a professora?

Vinham à tona lembranças de minha experiência como aluna de escola primária. A forma de tratamento recebida, a rigidez, a invisibilidade que sentia estando entre quase trintas pessoas. Estranha sensação! Aprender com o outro, mas sozinho?! Inquietações que me faziam dialogar com as leituras empreendidas no curso de graduação. O encontro com dois grandes autores marcou muito minha formação.

O sujeito “assujeitado”, vigiado, produzido no “panóptico” das “escolas prisões”, que não conseguem fugir ao que o sistema coloca para ser ensinado e aprendido, conhecido em algumas leituras iniciais de Michel Foucault, incomodava-me. Recusava-me a aceitar que estava me formando professora para ser (re)produzida e (re)produzir sujeitos dentro de um sistema já organizado para isso. Tinha de haver uma saída, eu não poderia fazer parte desse processo de alienação e subjugação dos sujeitos, crianças com as quais me iria defrontar em breve. Muitos diálogos, reflexões, estudos e contrapontos sobre esse mesmo sujeito foram possíveis nas leituras do próprio Foucault (1989, 1996) e, também, em Certeau (1994).

Durante minha pesquisa de mestrado2, em que busquei investigar a constituição da relação professor-criança e as implicações dessa relação na constituição dos sujeitos, principalmente frente ao comportamento disciplinado ou indisciplinado, tive contato com “práticas educativas” que se justificavam e iam se tornando “normatizadas” no contexto da escola e da sala de aula. Eram práticas que me causaram espanto e despertaram tantas outras reflexões. Dentre as formas de a professora manter a “ordem” na sala de aula ao estabelecer regras de comportamento, bem como as formas construídas de punições para aquelas crianças que saíam do padrão de comportamento estabelecido, em meio às estratégias e táticas3 construídas na convivência no cotidiano escolar, o “castigo” de levar a criança para fazer cópias de páginas de

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PAIVA, N. S. G. A (In) Disciplina na Escola e o processo de constituição de sujeitos no cotidiano da sala de aula. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2005. Sob a orientação da Prof.ª Titular Drª Myrtes Dias da Cunha.

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Conceitos desenvolvidos pelo historiador Michel de Certeau na obra “A Invenção do Cotidiano: artes de fazer. 1994”, e que foram fundamentais na análise das ações dos sujeitos em minha pesquisa de mestrado.

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livros didáticos na biblioteca foi a que mais me causou espanto e despertou tantos outros questionamentos.

Como podemos tornar a leitura atraente para as crianças se as educamos por meio de castigo por “mau comportamento”? De que forma despertar o interesse das crianças pela leitura se utilizamos os livros com tal finalidade? Como aproximar as crianças do espaço da biblioteca escolar, que poderia ser considerado um aliado complementar da sala de aula, se elas são levadas para lá para serem punidas? Como a proposta de promover o desenvolvimento dessas crianças no que se refere à aprendizagem pode ser efetivada diante de ações como essas? Como tornar o espaço escolar atraente para as crianças? Nasciam, ali, indagações que me acompanhariam em meu desenvolvimento profissional e teriam um papel decisivo em meus modos de me tornar professora.

Finalizei o mestrado e, diante de tantas contradições e questionamentos, formei-me professora. E agora? Conseguiria desenvolver uma prática diferente daquelas que julgava “inadequadas”?

Iniciei minha atuação profissional na Educação Infantil em uma Escola de Educação Básica4 vinculada a uma Universidade Federal da minha cidade com uma turma de crianças de cinco anos5. Ao longo de minha formação e desde que iniciei minha carreira profissional, ancorada em referenciais teóricos que colocavam a criança como um sujeito ativo diante do conhecimento que precisa construir e que aprende por meio das relações e (inter)ações que são ali estabelecidas, enxerguei e busquei possibilidades de atuação que pudessem transformar o espaço escolar em um lugar atraente e instigante. Uma situação que provocasse nas crianças o desejo de estarem ali, que as levassem a se sentir parte e corresponsáveis pelas atividades desenvolvidas e que despertassem o interesse pelos processos pedagógicos ali vivenciados, tentando construir, para mim, um sentido de ser professora que ultrapassasse as experiências anteriores já vividas.

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Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia. Cargo de Professora do Ensino Básico Técnico e Tecnológico. Iniciei minha carreira como professora nessa escola no ano de 2005.

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A Educação Infantil na Escola de Educação Básica/Universidade Federal de Uberlândia é composta por primeiro período (crianças de 3,5 a 4 anos) e segundo período (crianças de 5 anos).

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Minha forma de olhar para as crianças com as quais eu estava atuando fazia-me enxergá-las como sujeitos dotados de expectativas, de histórias e de formas de compreender o mundo também importantes para as relações pedagógicas. Desse modo, meu trabalho atrelado à proposta pedagógica da escola trazia para a sala de aula o encantamento, meu e das crianças, por aquilo que ali construíamos; colocava-me diante delas como alguém que também aprendia, alguém que descobria junto com elas os conhecimentos presentes na proposta curricular. Fazíamos, juntas, o nosso dia a dia.

Por meio de canções, peças teatrais, projetos de pesquisa, brincadeiras e jogos, íamos para a escola para vivenciar todas as possibilidades de descobertas. Preparar a terra, plantar e acompanhar o crescimento de pés de girassol, feijão, cenoura, estabelecendo as relações entre as formas de vida e de seu desenvolvimento, bem como suas características, como altura, formas e cores, registrando tudo isso por meio de observações sistemáticas em diários de campo. Eram ações condizentes com a minha forma de conceber o ensino e minha relação com as crianças.

Fazer experiências simulando voos, visitar museus, bibliotecas, zoológicos, aquários, acompanhar o desenvolvimento de uma lagarta em sala de aula em todas as suas fases, assistir a filmes e documentários, construir brinquedos e jogos eram atividades que faziam parte da nossa rotina. Carregava comigo uma preocupação e uma convicção: a escola pode e precisa ser atraente para as crianças.

Dentre todas as atividades que marcavam o meu trabalho, a literatura era algo diário e permanente e colocava-me diante de um encantamento que me chamava a atenção pela forma como as crianças recebiam tal momento. Em um ano escolar específico (2010), trabalhei com uma turma de crianças de cinco anos – segundo período – e fui surpreendida após contar uma história e dialogar com as crianças sobre esse momento, com o convite delas para que produzíssemos um teatro.

Eu, prontamente aceitando o convite, oportunizei que as crianças dessem uma direção ao nosso trabalho. Minha função foi organizar o processo, auxiliando nas escolhas de personagens, nos momentos de ensaios, nos materiais de construção de cenários, nos registros diversos explorando o

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desenho, a escrita, as artes visuais, o contato com outras versões da história, dentre outras. Para minha surpresa, seguiram-se três meses de trabalho com desdobramentos em várias atividades, a maioria delas sugeridas pelas crianças.

Em momentos livres ou dirigidos, a repercussão do teatro aparecia. Dentre os elementos imaginativos e criativos que surgiram no grupo, estavam a organização do cenário, do próprio local onde se dariam os ensaios, a produção de convites e ingressos a serem distribuídos para os convidados a assistirem à peça. A escrita de nomes dos personagens nas cadeiras, identificando-as, cartazes, textos, enfim, ocorreu um movimento que me surpreendeu e provocou-me.

Muitas questões acompanhavam-me durante o processo. Como uma história pode desencadear tantos desdobramentos em um grupo de crianças? Quais processos de desenvolvimento estavam sendo desencadeados nos momentos de criação? O encantamento pela história e por sua encenação vinha de onde? O que o provocava?

Vivemos intensamente esse processo, entretanto, se não consegui aprofundar essas questões que me inquietavam naquele momento, elas despertaram em mim uma atenção especial para a inter-relação entre a literatura infantil, o trabalho pedagógico na escola e o desenvolvimento das crianças. A partir desse ano, comecei a prestar mais atenção nos momentos de “Contação de Histórias”6

e a envolver-me mais em projetos e trabalhos com a linguagem literária.

A escola em que trabalho possui uma característica diferenciada por se tratar de um colégio de aplicação7, bem como pelas atribuições do cargo aos docentes. A atuação da escola no tripé ensino, pesquisa e extensão foi um diferencial para minha atuação, uma vez que coloca para todos a responsabilidade em pensar os projetos, o currículo, os espaços e, também,

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O Projeto Contação de Histórias faz parte do currículo da Educação Infantil da Escola de Educação Básica da Universidade Federal em questão e passa por todas as turmas. Acontece semanalmente e consiste em contar diferentes histórias para as crianças de modos diversos.

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Colégios de Aplicação são escolas de Educação Básica vinculadas a Universidades Brasileiras. São escolas públicas que contam com um diferencial no que se refere à formação de seus docentes, autonomia na construção da proposta curricular, bem como na dedicação da equipe ao trabalho ali desenvolvido, por se tratar de um cargo de dedicação exclusiva.

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outras questões considerando a gestão democrática, colocando-nos como agentes responsáveis pelo trabalho ali desenvolvido.

A biblioteca da escola possui uma sala específica para as crianças menores – Educação Infantil e Alfabetização Inicial –, propondo um trabalho diferenciado. Embora a relação que a biblioteca propunha na interação com os livros estivesse distante do que eu considerava interessante para essa faixa etária, ficava feliz de, pelo menos, elas terem a oportunidade de contar na grade curricular com a ida semanal à biblioteca.

Entretanto, todas as vezes em que levava minhas crianças àquele lugar voltava para a sala muito incomodada. A sala era um espaço grande com mesas e sem livros, tinha um armário com um aparelho de DVD e uma TV, e, nas paredes, alguns desenhos estereotipados feitos por adultos. Havia uma pessoa responsável por esse espaço que contava uma história escolhida por ela e, em seguida, propunha o registro de alguma forma específica. Esse registro variava entre fazer um desenho ou uma dobradura, e as crianças tinham de manter silêncio sentadas a mesas semelhantes às da sala de aula.

Diante de meu incômodo com essa situação, propus uma mudança nesse formato de trabalho, apresentando um projeto, juntamente com outra colega da minha área, à direção da biblioteca – uma vez que essa direção pertencia à rede de bibliotecas, e não à escola – e à direção. O projeto foi aprovado nas duas instâncias, dando-nos autonomia para adequar o espaço da forma como nele propusemos. Transformamos aquele lugar, tornando-o realmente próximo ao que considerávamos atraente às crianças.

Trocamos o mobiliário por prateleiras coloridas onde colocamos os livros expostos de forma que as crianças pudessem ver sua capa. Levamos tatames onde elas se sentavam ou deitavam sobre as almofadas enquanto liam. Deixamos apenas duas mesas como opção para aquelas crianças que por elas se interessassem.

Pude perceber a transformação no interesse das crianças pelos livros com essas mudanças. A pessoa responsável pelo espaço efetuava os empréstimos, antes inexistentes e, agora, semanais. A partir de então, a rotina consistiu em contar uma história, deixar que as crianças explorassem os livros e, finalmente, efetuar a escolha do livro que seria levado para casa. Embora o resultado do projeto tenha sido empolgante, lidávamos com a “pobreza” do

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acervo, pois os livros que o compunham vinham de doações e seleções que fizemos em nossas salas.

Ademais, a equipe da biblioteca não colocava acervo na sala disponibilizada para as crianças menores com a justificativa de que os livros que ali estavam não eram registrados no sistema. Atualmente, essa continua sendo a luta, melhorar o acervo da biblioteca infantil. A biblioteca da Escola de Educação Básica (Eseba) pertence ao Sistema de Bibliotecas (SISBI) da Universidade Federal de Uberlândia. Esse sistema centraliza todas as atividades de aquisição e processamento técnico, entretanto, mesmo não pertencendo especificamente à direção da Eseba, a equipe é aberta ao diálogo e parcerias para melhor atender ao trabalho proposto pelos docentes e, principalmente, pelos alunos.

Percebendo esses processos de encantamento das crianças com os livros e as histórias, propus um projeto vinculado à Pró-reitoria de Graduação – Prograd – que destinava bolsas a estudantes da graduação para acompanharem o cotidiano da Escola de Educação Básica. O principal objetivo do projeto era desenvolver o gosto e o hábito de leitura com as crianças, assim como observar as interações estabelecidas entre elas e as obras literárias. A proposta visava a contribuir, também, com a formação dos estudantes da graduação e ampliar o trabalho com a literatura infantil em meu grupo de crianças do primeiro período no ano de 2013.

Essa foi a ação decisiva que marcou minha carreira docente e que originou a presente pesquisa. O projeto consistia em desenvolver, ao longo do ano letivo, ações teórico-práticas envolvendo a literatura infantil de diversas formas, o que possibilitou ouvir histórias todos os dias, contadas por mim, pelas crianças, pelas famílias, pelas estagiárias bolsistas, resgatando poesias, parlendas e trava-línguas do universo cultural de nossas crianças. (Re)interpretando as histórias ouvidas e brincando com seus personagens, por meio de fantoches disponibilizados por mim ou confeccionados com as crianças; (re)significando e recriando as histórias ouvidas por meio de diálogos, desenhos, pinturas, jogos teatrais e brincadeiras. Muitas dessas atividades foram provocadas e propostas pelos pequenos. E a criação de um livro de história marcou o fim do projeto com uma história incrível criada pelo grupo.

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Na Eseba, todas as salas de aula da Educação Infantil possuem uma pequena biblioteca constituída por livros doados pelas famílias. Assim, os livros desse acervo passaram a ser objetos escolhidos em momentos livres, mesmo entre os brinquedos. O ato de contar história para o colega passou a ser rotina constante em diversos momentos, cenas que me deixavam emocionada ao perceber crianças de quatro anos, ou menos, “lendo” e se constituindo nas experiências significadas com o outro por meio da literatura infantil.

Sem a oportunidade, ainda, naquele momento, de aprofundar teoricamente minhas inquietações sobre como a literatura provoca/afeta as crianças e como esse processo pode promover desenvolvimento, minhas indagações ainda me acompanhavam. Que poder é esse que a literatura infantil exerce sobre as crianças, de tal forma a convidá-las para a leitura? Como as crianças percebem as histórias lidas? Como a literatura afeta as crianças? Esse afetar promove desenvolvimento? Qual é o teor dessas inter-relações?

A compreensão de que o sujeito se desenvolve a partir das (inter)ações históricas e sociais que estabelece com o outro fez surgir novos questionamentos. Sendo a (inter)ação social e histórica, fundamental no desenvolvimento da criança, em sua aprendizagem e em seu desenvolvimento, é preciso estar atento ao que se está ensinando e em como se está ensinando. Não há como optar por uma abordagem teórica sem levar em conta esses elementos da prática pedagógica.

Entender que as crianças na escola aprendem por meio da significação e vivências ali desencadeadas implica questionarmo-nos constantemente sobre o que estamos oferecendo a elas. Em que e como minha atuação pedagógica e da minha escola está contribuindo para que as crianças sejam sujeitos “ativos”8

e criativos no processo de seu próprio desenvolvimento? Como posso atuar, tendo em vista a perspectiva teórica que assumo? Em que minha opção teórica sobre o desenvolvimento humano interfere em minha proposta e atuação pedagógica?

8

A ideia de sujeito ativo não pretende retirar do adulto sua atribuição como mediador do processo de ensino-aprendizagem, mas reafirmar a importância de a criança compreender o processo e as vivências que tem na escola. Isso se dará apenas se houver espaço para que ela se expresse de diferentes formas.

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Todos esses questionamentos foram fazendo parte dos meus modos de ser professora, sendo traduzidos em ações que tentavam considerar as crianças nas trocas que ali ocorriam. Mesmo ainda sem ter estudos mais aprofundados sobre a função da linguagem, já percebia que esse elemento é fundamental em todo o processo ensino-aprendizagem. Portanto, os estudos que se seguiram foram consolidando uma forma de entender os sujeitos na escola e foram sendo traduzidos em ações teórico-práticas de minha atuação profissional.

O ingresso no programa de pós-graduação no curso de doutorado tornou possível aprofundar os conceitos acerca do desenvolvimento cultural de adultos e crianças a partir da perspectiva histórico-cultural, que considera o papel fundamental das vivências9 e da interação social nesse processo. A partir dessa perspectiva, compreende-se que o sujeito apropria-se dos conhecimentos produzidos e os tornam próprios a partir de sua relação com o outro. Sendo assim, assume-se essa compreensão como princípio norteador para a pesquisa, compreendendo a escola e suas relações como espaço de situações sociais de desenvolvimento.

Olhar para a Educação Infantil, suas especificidades e possibilidades no trabalho com as crianças compõe um investimento de grande valor para nós nos meandros acadêmicos, profissionais e pessoais. Primeiramente, por acreditar numa educação que acolha as crianças em suas reais necessidades, que provoque, potencialize, contribua para a formação de sujeitos de forma segura e tranquila, e, segundo, por sentir-nos corresponsáveis, nesta pesquisa e na atuação profissional, em problematizar questões importantes na prática educativa entendendo-a como processo emancipatório e não coercitivo.

Nossa compreensão sobre os modos de ensinar e aprender na escola de Educação Infantil perpassa uma concepção que entende a importância de todos os sujeitos na construção das relações de ensino e aprendizagem. Os profissionais/docentes compreendidos como sujeitos mais

9 Ao longo desta tese faremos menções a esse conceito que será melhor aprofundado no capítulo 3, ora

no singular “vivência” para referir-nos a um sentido de uma experiência impactante, fundamental, e no plural “vivências” para retratar sucessões de situações que compõe as experiências humanas. Entretanto, na maior parte do texto o sentido atribuído aos dois conceitos refere-se ao termo Perejivânie buscando preservar a ideia que Vigotski construí com esse conceito.

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experientes da relação educativa carregam consigo a atribuição de organizar, planejar e desenvolver a proposta pedagógica. Entretanto, não são os únicos detentores do conhecimento e do saber, eles também aprendem com o trabalho que realizam e, principalmente, com as crianças. Da mesma forma ocorre com os pequenos, que possuem um modo próprio de compreender e estar no mundo. Trazem consigo hipóteses sobre seu funcionamento que precisam ser levadas em conta e consideradas na organização do trabalho pedagógico. As relações educativas acontecem, sob nosso ponto de vista, de um modo dialético, e este é o grande desafio para as escolas e os profissionais, organizar uma proposta que oportunize e potencialize os saberes de cada um – professoras/es e crianças, ampliando as possibilidades de conhecimento de todos.

Atuamos nessa etapa da educação básica há 12 (doze) anos e já acompanhamos alguns processos e estudos vividos nesse campo da educação. As disputas e tensões acerca dos discursos e proposições políticas não são nada banais. Há que se considerar o processo de desenvolvimento histórico vivido pela Educação Infantil no Brasil em seus avanços e retrocessos e o jogo de interesse político que se instaura nesse desenrolar.

A regulamentação desse nível de ensino é considerada ainda recente pelos estudiosos, conquistada, incialmente, na Constituição de 1988, e, em seguida, na Lei de Diretrizes e Bases de 1996, datando como uma conquista legal de apenas vinte e um anos, portanto. Trata-se de tempo ainda insuficiente, a nosso ver, para superar os desafios colocados para os envolvidos nesse campo.

Vale destacar que o sistema de atendimento às crianças de 0 a 5 anos ainda se apresenta deficiente, pois há muitas crianças fora da escola, o que pode ser constatado nos índices de atendimento e nas grandes listas de espera por vagas nas escolas públicas de Educação Infantil10. De acordo com os números divulgados pela pesquisa do IBGE-Pnad em 2015, das 10,3

10

De acordo com informações obtidas no site do Ministério da Educação MEC - http://portal.mec.gov.br/docman/junho-2014-pdf/15774-ept-relatorio-06062014/file (acesso em: 24/05/2017), o número de matrículas tem crescido significativamente. Entretanto, ainda se sabe que não há uma real informação acerca dessa demanda, uma vez que as porcentagens demonstram apenas o número de matrículas, e não uma comparação entre a demanda e o seu atendimento. No caso da Prefeitura Municipal de Uberlândia, é possível perceber a deficiência no atendimento ao observarmos o tamanho da lista de espera por vagas.

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milhões de crianças brasileiras com menos de 4 anos, 25,6% (2,6 milhões) estavam matriculadas em creche ou escola. Já a taxa de frequência de crianças de 4 a 5 anos é maior, chegando a 84,3.11

Na prefeitura Municipal de Uberlândia, o ingresso das crianças nessas escolas ocorre por meio de uma espécie de seleção. Todos os anos, são abertas inscrições para ingresso e/ou transferência na rede. As famílias que têm interesse em colocar sua criança na escola municipal de Educação Infantil devem fazer a inscrição pelo sistema disponibilizado pela Secretaria Municipal de Educação, no período específico, preenchendo as informações solicitadas e aguardando o resultado.

Outra dificuldade que cabe destacar é a consolidação de estudos e avanços nas próprias escolas no que se refere à formação docente, à organização curricular e ao trabalho pedagógico. Ainda nos esbarramos com questões complexas, dentre elas, ousamos citar a dificuldade da cultura política fortalecer-se como “políticas de Estado”, e não como “políticas de governo” (OLIVEIRA, 2011).

O problema encontra-se, sob esse ponto de vista, no sentido de que, cada vez que se elegem novos governos, em qualquer âmbito, no caso da Educação Infantil, principalmente no âmbito municipal, mas também Federal, mudam-se os programas que estavam em vigência. Daí decorrem implicações concernentes à formação docente, às práticas pedagógicas, à ampliação de número de vagas etc. Enfim, esse tipo de situação provoca estagnações, desajustes, confusões e retrocessos em ações teóricas e práticas frente ao trabalho com as crianças nas escolas de Educação Infantil, trazendo grandes desafios para todos os profissionais.

Pode-se dizer que a atenção das políticas diretamente mais voltadas para o atendimento às crianças de 0 a 5 anos, no nível da Educação Infantil, bem como as conquistas mais efetivas nessa etapa da educação são bastante recentes. É importante situar que as instituições que atendiam as crianças 0 a 6 anos que foram fundadas do final do século XIX até a década de 80 no século XX surgiram, inicialmente, em decorrência da entrada das mulheres no mercado de trabalho, assumindo, desse modo, um caráter assistencialista e

11

http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2017-03/apenas-25-das-criancas-com-menos-de-4-anos-frequentam-creche-ou-escola. Acesso em: 25/05/2017.

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higienista. Inclusive seu processo de expansão foi fruto de uma construção social e histórica de muitas lutas das mulheres e de organizações sociais (KULHMAN, 2000).

A noção de criança e infância tal como concebemos hoje, de um sujeito de direitos, dotado de expectativas e de possibilidades específicas em cada fase de seu desenvolvimento, foi construída de acordo com os contextos sociais e históricos. Portanto, também traz consigo uma complexidade que ainda não foi superada e coexiste entre políticas, práticas e proposições para a infância. De um sujeito que não era percebido, considerado ou reconhecido, a um sujeito que deveria ser corrigido, moldado, preparado, até o reconhecimento da criança como sujeito histórico, protagonista e cidadão de direitos, passaram-se muitos séculos.

Cabe destacar que os fatores favoráveis desse modo de tratar a infância são visíveis, entretanto é importante reconhecer os desafios que se colocam diante da realidade brasileira, quais sejam, a expansão do atendimento na faixa de 0 a 3 anos (creche) e a melhoria da qualidade em todo o segmento de 0 a 5 anos, bem como a formação docente.

Destacamos, aqui, a referência legal a essa regulamentação na expectativa de situar a discussão sobre esse atendimento que, embora seja garantido pelas leis e normas de funcionamento, ainda se encontra em fase de muitas lutas, debates, ampliações e, por que não dizer, também de retrocessos12.

Diante de avanços, conquistas, grandes e pequenas mudanças, vão coexistindo conceitos por muitas vezes duais e dicotômicos que perpassam estudos, pesquisas, políticas e, também, práticas no cotidiano escolar infantil. Dentre eles, destacam-se a educação pré-escolar e a assistência, a educação e o cuidado, concepções sobre ensinar e aprender, adulto e criança, que, ainda

12

Aqui nos referimos ao processo de elaboração da BNCC (Base Nacional Curricular Comum) para que todos os sistemas educacionais (federal, estaduais e municipais) pudessem ter elementos curriculares comuns que tornassem a educação escolar um instrumento para maior igualdade e justiça social. Em que pesem as diferentes opiniões a respeito dessa discussão, apontamos como retrocesso o total desrespeito ao trabalho desenvolvido pelos assessores e redatores da primeira e segunda versão da BNCC, situação ocorrida após Michel Temer assumir a presidência da República e substituir as equipes de sua assessoria no Ministério da Educação. O retrocesso, sob nosso ponto de vista, ocorre principalmente pelo fato de que a elaboração do documento vinha sendo construída de forma dialogada com profissionais e estudiosos da infância e por meio de consulta pública. No processo de destituição da equipe de gestão de Dilma Rousseff, quase todo o trabalho anterior foi desconsiderado.

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nos dias de hoje, representam obstáculos para mudanças nas concepções de atendimento às crianças pequenas. Trata-se de desafios colocados perante a concretização das políticas nacionais e locais para a infância e nas práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas de Educação Infantil.

Ainda que estejamos vivendo um tempo de muitas incertezas políticas13, acreditamos que, além do investimento em ampliação de atendimento, que também é fundamental, se considerarmos a legislação e o número de crianças atendidas, há que se preocupar também com a construção de um atendimento de qualidade para as crianças. As duas escolas em que desenvolvemos o trabalho de campo pertencem ao município de Uberlândia/MG. Uma delas atende crianças14 de 0 a 3 anos (EMEI Tibery – Anexo) e a outra, crianças de 0 a 5 anos (EMEI Pampulha).

Destacamos que é preciso e necessário retomar constantemente, na Educação Infantil, investimentos traduzidos em estudos e pesquisas articulando conceitos no que se refere à concepção de Educação Infantil, à gestão nacional, à gestão local, tudo isso articulado com as práticas pedagógicas. De acordo com Kuhlmann (2005), a história das instituições escolares é a interação de tempos, influência e temas, devendo, portanto, ser considerada no processo de elaboração de propostas e nos modos de se pensar a infância. Só assim podemos ter mais chances de sucesso na compreensão desses elementos.

As redes, sejam elas públicas ou privadas, e seus profissionais têm como orientação legal a sugestão para que elaborem suas propostas pedagógicas. Para isso, contam com materiais de apoio os seguintes documentos: os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998), as Diretrizes Curriculares Nacionais (2009), o Plano Nacional de Educação – PNE (2001). Além disso, dispõem de autonomia para respaldar

13

Acusações e envolvimento de políticos em escândalos que têm efeitos nas políticas e programas em todas as áreas, inclusive nas educacionais.

14

Vygotski (2012b), ao discutir o problema da idade, diz que não se pode defini-la apenas pela cronologia, mas se devem levar em conta as situações sociais de desenvolvimento, pois são elas que marcam os processos. Ao organizar uma periodização da idade infantil, faz a seguinte distinção: Pós-natal (0 a 2 meses), Primeiro ano (2 meses a 1 ano), Infância temprana (1 aos 3 anos), Idade pré-escolar (3 aos 7 anos), Idade escolar (8 aos 12 anos), Puberdade (14 aos 18 anos), Idade adulta (18 anos – início da idade adulta). Nesta tese, trabalhamos com crianças que consideramos pertencentes ao grupo da Infância temprana. Ressaltamos que essa organização do autor não é fechada ou demarcada de forma rígida, pois depende das situações sociais de desenvolvimento em que as crianças estão inseridas.

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suas proposições em discussões e teorias de estudiosos de diversos campos do conhecimento com os quais mais se identifiquem.

Os currículos e proposições para a Educação Infantil são construídos com base em uma gama de fundamentações. Foge aos limites deste trabalho tecer uma discussão mais aprofundada acerca da história das ideias pedagógicas15 que acabam por influenciar os modos de elaboração dessas propostas, principalmente por corrermos o risco de desviar o foco de nossa pesquisa. Entretanto, é interessante situar que muitas áreas do conhecimento, seja a Pedagogia, a Filosofia, a Antropologia, a Sociologia, a História ou a Psicologia, propuseram-se a pesquisar e a discutir a infância, a criança e seu desenvolvimento, influenciando na consolidação da própria pedagogia, entusiasmando e inspirando práticas pedagógicas e modos de conceber essa criança.

Distintas são as teorias, concepções e, consequentemente, os modos de conceber a infância em cada área. Inclusive, no interior de cada uma delas, há diversas correntes e posicionamentos, por vezes até contraditórios, sobre os quais não será possível aprofundar-se neste trabalho. Importa destacar, dentre outras contribuições dessas diferentes áreas, a construção de um novo olhar para a criança, para seu modo de estar no mundo e dele se apropriar, como um sujeito de direitos que aprende e se desenvolve por meio da cultura e que precisa estar ativo em seu processo de interação com o mundo.

As apropriações de estudos e teorias sobre a criança e seu desenvolvimento de forma aligeirada, sem o conhecimento devido, principalmente da epistemologia genética ou da perspectiva histórico cultural, acarretaram muitas confusões e dificuldades no processo de compreensão e fortalecimento das construções de propostas curriculares.

Eis um grande desafio para nós que atuamos na Educação Infantil, bem como para formadores, tanto das universidades como das redes e sistemas de ensino, no que diz respeito à formação continuada: repensar as políticas de atendimento às crianças, principalmente no campo da formação docente. Em que pesem a história de instauração e desenvolvimento das

15

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instituições de Educação Infantil, a configuração histórica e cultural dos modos de atuação nesses espaços, bem como os desafios que se colocam para estudiosos e profissionais que ali atuam, ainda acreditamos em possibilidades de uma educação que respeite adultos as crianças e potencialize seus processos de desenvolvimento. Nesse sentido, sempre é importante questionarmo-nos sobre qual é a verdadeira essência do trabalho na Educação Infantil e termos mais clareza acerca dos nossos objetivos para com as crianças.

Muitas vezes, esforçamo-nos para propor um trabalho que consideramos de boa qualidade e que faça a diferença na vida dos pequenos. Contudo, não se pode negar a história vivida e a constituição de um modo de conceber as relações de ensino-aprendizagem e a organização escolar. Ou seja, o movimento dialético de constituição do trabalho pedagógico perpassa questões advindas da história, da cultura, marcadas por processos políticos de implementação de propostas nem sempre coerentes com nosso modo de compreender nosso trabalho.

Consideramos a possibilidade de construir um conceito de currículo, de espaço e de relações de ensinar e aprender para a Educação Infantil que rompa com o sentido de norma, de transmissão de conhecimento e que deixe sobrepor a escola de Educação Infantil como espaço das vivências culturais e, por assim ser, que se preocupe com a construção dessas vivências. Que caminhe em direção da construção de um currículo cultural (ÁLVAREZ, 1997).

Ou seja, ciente de suas atribuições, a escola, por meio de seus profissionais pode oferecer às crianças a oportunidade de experimentarem juntos a criação, a oportunidade de aprender com o outro. Que permita o constante repensar no contexto da Educação Infantil, principalmente no tocante a três questões: a elaboração de diretrizes traduzidas em eixos de trabalho com as crianças, mas que, como o próprio nome diz, são eixos, e não formatações a serem reproduzidas; o papel do professor como mediador; e o papel da criança como coprodutora do seu processo de ensino-aprendizagem.

Considerando as amplas direções e propostas que podemos construir a partir desses princípios, destacamos como recorte desta pesquisa o trabalho com a Literatura no cotidiano da Educação Infantil, mais

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especificamente o desenvolvimento cultural de adultos e crianças na inter-relação com esse elemento produzido com e na cultura.

1.1 A literatura no contexto da Educação Infantil: referenciais, diretrizes, PPPs16 das escolas/municípios e os projetos das escolas

Desenvolvemos nosso modo de compreender a escola e o cotidiano da Educação Infantil construindo uma prática que valoriza a arte em todas as suas manifestações culturais. A arte literária é uma das linguagens presentes na cultura, que permeia a vida e pode, também, permear os espaços escolares. Entretanto, muitas vezes os profissionais e as escolas não sabem como lidar com ela e qual o melhor caminho para explorá-la. Em vários momentos, flagramos práticas com a literatura infantil nas escolas em dois grandes equívocos: ou a utilizando como suporte pedagógico, com fins pedagogizantes e/ou moralizantes, ou, simplesmente, não dando a ela o devido espaço e a devida atenção, por vezes deixando os livros trancados em armários com a justificativa de que podem estragar.

A partir de nosso estudo, é possível afirmar que não há, na legislação, nas orientações/diretrizes e nem mesmo nas proposições curriculares em âmbitos municipais, clareza acerca do trabalho com a literatura no contexto educacional das escolas de Educação Infantil. Os livros chegam até as escolas, há sugestões, menções acerca da importância de valorização desse trabalho. No entanto, essas sugestões tornam-se insuficientes considerando a falta de perceptibilidade desse campo, de modo geral traduzido, principalmente, no despreparo dos profissionais que se esbarram com a tarefa de “trabalhar com a literatura” nas escolas.

Contudo, este trabalho fica submetido às experiências que esse profissional viveu ou não com esse elemento cultural. Desse modo, cada instituição propõe e desenvolve seu trabalho de acordo com suas possibilidades. Vão “lutando” como podem, muitas vezes, fazendo um trabalho que, como diria Vigotski (2010), seria um (des)serviço à formação estética da criança e ao que a arte literária poderia desencadear. Entretanto, novos rumos

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podemos construir nessa trajetória. Um fator que já consideramos muito positivo é o fato de as creches e pré-escolas públicas terem sido incluídas no Plano Nacional do Livro Didático juntamente com o Programa Nacional de Biblioteca na Escola.

Durante a pesquisa, pudemos constatar que os livros chegam às unidades. As duas instituições colaboradoras das pesquisas recebem os livros do programa, o que verificamos ser um projeto que incluiu praticamente todas as escolas públicas. Embora seja uma ação que não garanta a relação/experiência das crianças com a literatura, principalmente por falta de formação dos profissionais, já é possível considerar um avanço ter livros na escola. A questão que se coloca a partir daí passa a ser, então: como se pode desenvolver um trabalho com a literatura que preserve ou considere o papel e a função da arte na vida das crianças e dos profissionais? Ou seja, de que modo acolher/incluir a arte literária no currículo, como elemento cultural produzido historicamente na/pela humanidade preservando e potencializando seus elementos estéticos?

Desenvolver um trabalho com a arte nessa perspectiva implica, segundo Ostetto (2007, p. 3), “considerar especificidades de um campo de conhecimento que não se define pela norma, pois não há regras fixas no modo de produção da arte, suas linguagens são territórios sem fronteiras.”. Nesse sentido, é necessário rever nosso modo de compreender a escola, as relações e o currículo, passando a compreendê-los como elementos vivos e dinâmicos, pois, para a criança, a arte interessa enquanto processo vivido e marcado na experiência e no corpo inteiro.

A autora discute a relação entre a arte, tida como (transgressão?), linguagem por meio de outros processos, e o currículo na Educação Infantil (normatização?), e propõe-se a pensar nas possibilidades de um trabalho com a arte no currículo escolar para a Educação Infantil que potencialize as crianças para a criação, a interpretação, a constituição e o desenvolvimento de formas de ver o mundo, construídas a partir dos processos de significação de cada sujeito, únicos, irrepetíveis. Nesse sentido, problematiza as funções da arte na vida da criança, trazendo críticas e reflexões acerca de algumas práticas desenvolvidas nas escolas de Educação Infantil no que se refere à arte.

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Para nós, a discussão da autora é importante por considerarmos a Literatura Infantil como uma dimensão da linguagem artística. Portanto, as críticas feitas pela autora sobre o trabalho com a arte na Educação Infantil ajudam-nos a pensar modos de conceber também a arte literária. Assim, é possível pensar que a literatura, na perspectiva da

Arte, na educação, não se resume a momentos e atividades isolados. E, se estamos pretendendo a educação do “ser poético”, implicado na totalidade do olhar, da escuta, do movimento, que se expressa mobilizando todos os sentidos, será importante vermos tais ações como educação estética (mais do que o ensino de arte) que se realiza no dia a dia. Afirmamos, dessa maneira, um princípio que deve atravessar todo o cotidiano, pois tem a ver com atitude e, como disse a atelierista italiana, Vea Vecchi, a dimensão estética de uma proposta educativa “[...] pressupõe um olhar que descobre, que admira e se emociona. É o contrário da indiferença, da negligência e do conformismo” (VECCHI, 2006, p.16, tradução nossa). Trata-se, enfim, de um olhar que dá atenção ao mundo. A presença da arte na Educação Infantil será tanto mais importante, quanto puder contribuir para ampliar o olhar da criança sobre o mundo, a natureza e a cultura, diversificando e enriquecendo suas experiências sensíveis – estéticas, por isso, vitais (OSTETTO, 2007, p. 5).

O professor deve colocar-se como um interlocutor privilegiado que dá suporte às crianças em suas criações, não abrindo mão do seu papel de permitir e propiciar a circulação de diferentes significados, de socialização de bens culturais, sem confundir o respeito com o gosto e a preferência que cada criança traz de casa, ou o medo de ser impositivo e autoritário com sua função de mediador e responsável pela ampliação do conhecimento acerca do acervo cultural produzido pela humanidade. Afirma a autora

Aprende-se a gostar, a ver e ouvir, assim como a combinar materiais, a inventar formas, por isso um dos papéis do professor é abrir canais para o olhar e a escuta sensíveis, disponibilizando repertórios (imagéticos, musicais, literários, cênicos, fílmicos), não apenas para a realização de uma atividade, mas, inclusive, cuidando do visual das salas e dos demais espaços da instituição (OSTETTO, 2007, p. 6).

Desse modo, é imprescindível que o trabalho de professores e professoras incumba-se a compreender que

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Alimentar o universo imaginário das crianças, provocando o desejo que faz mover a busca, implica tempo de espera. Não se dá instantaneamente. O tempo linear, que passa controlado pelo adulto, na rotina do trabalho educacional-pedagógico, em regra, não foi e nem está pensado e planejado para acolher a arte, que obedece à espécie de tempo-espera. É preciso tempo para deixar as coisas acontecerem (OSTETTO, 2007, p. 7).

A autora destaca a importância de os educadores, e nós acrescentamos também os cursos de formação, investirem em

alimentar sua expressão e conectar-se com ela, precisa reconquistar o seu poder imaginativo, se pretende e deseja garantir a criação, a expressão das crianças. A educação do educador é essencial e, no que diz respeito à arte, passa necessariamente pelo reencontro do espaço lúdico dentro de si, pela redescoberta das suas linguagens (perdidas, esquecidas, onde estão?), do seu modo de dizer e expressar o mundo (OSTETTO, 2007, p. 12).

Consideramos o presente estudo fundamental para voltar o olhar para a literatura infantil com foco nas possibilidades e potencialidades das suas inter-relações com adultos e crianças de 0 a 3 anos. Partimos da hipótese de que a literatura pode servir de palco criativo para o desenvolvimento dos sujeitos no cotidiano escolar. Para sustentar nossa hipótese, assumimos, assim como Vigotski (1925/1986, p. 110) apud Van Der Veer e Valsiner (2014, p. 44) o seguinte questionamento:

Como em uma fábula ou conto (em que um pointe que é disjuntivo em relações às linhas de sentimentos anteriores pode levar a pessoa „catastroficamente‟ a um novo sentimento complexo), o mesmo também se aplicava ao domínio das reações comuns, em que algumas reações de baixa intensidade absoluta podiam, de repente, levar a um estado de coisas no qual todo o complexo de reações fica dominado por elas e adquire uma nova qualidade como resultado (grifos dos autores).

Dessa forma, partimos da hipótese, ancorada na perspectiva vigotskiana, de que ocorrem mudanças qualitativas nos processos de desenvolvimento cultural vivido por adultos e crianças em suas vivências com a literatura. E vale destacar, ainda, a preocupação de Vigotsky com a arte e suas interfaces com o desenvolvimento quando ele busca criar princípios para

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explicar a natureza dessas reações nos sujeitos para além dos conceitos estímulo-resposta. Afirma o autor que

Aqui, precisamos considerar a reação de um lado completamente diferente, estudá-la em um novo aspecto, não no papel de uma resposta a um estímulo, mas em um novo papel – o de desviar, inibir, ampliar, direcionar e regular a dinâmica de outras reações (VYGOTSKY, 1926d, p. 105 apud VAN DER VEER e VALSINER, 2014, p. 45).

Ficamos mais convencidas sobre a importância de compreender esses processos nas crianças quando encontramos a consideração de Vigotsky de que a arte poderia proporcionar o „gatilho‟ para a síntese da visão de mundo revisada de uma pessoa quando ela experimenta a catarse em seu encontro com a arte. Esta pesquisa abarca, portanto, questões relacionadas ao trabalho com a literatura e à psicologia do desenvolvimento na perspectiva histórico-cultural.

Nesse campo, há inúmeros trabalhos que apontam, alertam e confirmam a importância da literatura para a vida, para a escola e para as crianças. É fundamental citarmos, aqui, Lajolo (1982), que indaga sobre o que é literatura, passeando por sua escrita poética entre as origens da palavra e os domínios dessa definição, destacando que “mais que um significado determinado, o que é próprio da literatura é encenar a própria linguagem” (p. 92).

Lajolo e Zilberman (1988) traçam um panorama sobre a Literatura Infantil inserida no contexto da história da Literatura Brasileira, apresentando o processo de desenvolvimento dessa história no Brasil. Complementando essa abordagem, Coelho (1991a) busca rastrear a gênese e a evolução da Literatura Infantil situando os dados histórico-culturais que atuaram ou atuam na criação literária destinada a adultos e crianças e que influenciam na escolha e no tratamento de seus temas, assuntos, problemáticas, linguagem, estilo etc.

Coelho (1991b) apresenta um estudo trazendo compreensão teórica acerca da natureza da literatura infantil, situando a inter-relação da “criação literária como uma manifestação individual que está vinculada ao meio e momento histórico em que surge e que se caracteriza, em última análise, como

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