PUC – SP
EDSON MAURICIO CABRAL
A participação da sociedade civil nos Conselhos Municipais
dos Direitos da Criança e do Adolescente
Possibilidades e limites
Mestrado em Serviço Social
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC – SP
EDSON MAURICIO CABRAL
A participação da sociedade civil nos Conselhos Municipais
dos Direitos da Criança e do Adolescente
Possibilidades e limites
Dissertação apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de mestre em Serviço social, sob orientação da Professora Dra. Rosangela Dias Oliveira da Paz
SÃO PAULO 2013
BANCA EXAMINADORA
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DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Gilberto e Natalina, ao meu irmão, Gilberto,
e à minha irmã Teresinha, que, longe ou perto, estão
sempre presentes.
A Arlete, pela amorosa companhia, pelo cuidado e
atenção.
À minha filha Mariana, que a cada dia me desafia na tarefa
de ser pai.
AGRADECIMENTOS
O produto de um trabalho é o seu objeto final. Neste caso, um
documento, uma dissertação.
Contudo, para que este produto final esteja pronto, todo um disciplinado
processo de elaboração fez-se necessário. Esse processo, apesar dos muitos
momentos solitários, não é um trabalho só. É eminentemente coletivo.
E este momento é de agradecimento a todas e todos que contribuíram
para que este produto final esteja pronto e seja entregue. Logicamente que o
produto também faz parte de toda uma trajetória de vida (profissional, pessoal,
política, afetiva, militante). Seria então tarefa das mais difíceis agradecer a
todas e todos que dela compartilharam.
À professora Dra. Rosangela Dias Oliveira da Paz, pelo trabalho de
orientação, pela atenção tranquila, mas rigorosa, e por apostar na possibilidade
de que este trabalho se concretizaria.
Ao Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço Social da PUC São
Paulo, pela acolhida e oportunidade de retomada, revisão e atualização de
conhecimentos fundamentais para o exercício profissional e por ter me
despertado novamente para o prazer do estudo e da pesquisa.
Aos docentes da PUC e professores convidados, com quem tive a
oportunidade de cursar disciplinas, atividades complementares, compartilhar
momentos de debates e reflexões, pela qualidade e compromisso com a tarefa
de ensinar. Ao Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Movimentos Sociais
(Nemos), espaço de reflexões coletivas das mais importantes.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), pelo suporte financeiro concedido por meio da bolsa de estudos.
Aos companheiros da Rompenuve Consultoria Socioambiental, pela
compreensão e apoio nesse processo e, principalmente, pelas reflexões sobre
o tema que me propus a trabalhar e que também é objeto de nossa prática
profissional cotidiana.
À professora Dra. Maria Lúcia Carvalho da Silva e ao professor Dr. Luiz
Eduardo Wanderley, pelas críticas, sugestões e orientações valiosas quando
Em especial, aos conselheiros de Direitos dos Conselhos dos Direitos da
Criança e do Adolescente e também aos militantes e especialistas que
estiveram no momento de elaboração do Estatuto da Criança e do
Adolescente, por terem contribuído com este trabalho por meio das entrevistas
concedidas.
A Arlete, pelo apoio incondicional, compreensão, dicas, cuidados, e
convivência.
À minha filha Mariana e ao João Vitor, pelo apoio no trabalho de
transcrição das entrevistas. Ao meu amigo e compadre, Aurelino José Ferreira
Filho, pela leitura crítica e preciosas sugestões.
Aos companheiros e companheiras militantes do Fórum Estadual de
Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo, espaço que
me ofereceu referências concretas de luta coletiva por mudanças sociais.
Às companheiras e companheiros do Conselho Regional de Serviço
Social do Estado de São Paulo (Cress–SP), pelos momentos de convivência,
reflexão e trabalho conjunto na direção política da categoria.
RESUMO
Esta dissertação trata da temática da participação da sociedade civil nos
Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. A perspectiva
teórico-metodológica adotada está ancorada na teoria social crítica e a principal
referência teórica é a do marxista italiano Antonio Gramsci. O objetivo central é
contribuir para esse debate, ao buscar compreender os limites estruturais e as
potencialidades de atuação da sociedade civil nos Conselhos Municipais dos
Direitos da Criança e do Adolescente. Entender se tais espaços são
importantes como oportunidade de luta pela construção de uma nova
hegemonia. Cotejar o que foi idealizado quando da elaboração do estatuto e o
que tem sido praticado, a partir de um olhar da sociedade civil, até porque esta
foi a protagonista da luta pela conquista dessa avançada legislação. O estudo
parte de pesquisa bibliográfica sobre os temas em questão, além de entrevistas
com militantes especialistas que contribuíram na elaboração do Estatuto da
Criança e do Adolescente e conselheiros municipais dos direitos da criança e
do adolescente, e, ainda, do produto de uma formação continuada ofertada aos
12 Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente das cidades-sede da
Copa do Mundo FIFA 2014. Conclui-se que a base de análise sobre os
conselhos tem que considerar sua ancoragem institucional e societal, ou seja,
qual o lugar que essa instância ocupa na estrutura do Estado e como se
relaciona com a sociedade em geral.
ABSTRACT
This dissertation was concerned with the involvement of civil society in
the Municipal Councils for the Rights of Children and Adolescents. The
theoretical and methodology perspective adopted was anchored in critical social
theory and the main theoretical reference was to the Italian Marxist Antonio
Gramsci. The central aim of this thesis was to provide a contribution to this
debate by seeking to understand the structural limits of performance and
potential of civil society in the Municipal Councils for the Rights of Children and
Adolescents. Understanding whether these spaces are important as an
opportunity to fight for the construction of a new hegemony. Collate what was
envisioned when drafting the statute and what has been done, from a
perspective of civil society, because this was the protagonist of the struggle for
this advanced legislation. The study conducted bibliographic research on the
issues in question, as well as interviews with activists who were experts in
drafting the Statute of Children and Adolescents and municipal councilors of the
rights of children and adolescents and also the product of a continuing
education offered to 12 Councils Rights of Children and Adolescents of the host
cities of the FIFA World Cup 2014. The study concluded that the basis of
analysis of the Councils have to consider its institutional and societal anchoring,
ie, what place they occupy in the councils of the state structure and how they
relate to society in general.
LISTA DE SIGLAS
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CBIA Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência
CDCA Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente
CEBs Comunidades Eclesiais de Base
CF Constituição Federal
CMAS Conselho Municipal de Assistência Social
CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
CME Conselho Municipal de Educação
CMSA Conselho Municipal de Saúde
CNPJ Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
COMDICA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
COMPETI Comissão Estadual do Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil
CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
CRESS Conselho Regional de Serviço Social
CT Conselho Tutelar
DBF Declaração de Benefícios Fiscais
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
FAS Fundação de Ação Social
FDCA Fórum dos Direitos da Criança e do Adolescente
FEAP Fórum Estadual de Aprendizagem Profissional
FEBEM Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
FEPETI Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil
FIA Fundo da Infância e Adolescência
FIFA Federation Internationale de Football Association
FMAS Fundo Municipal de Assistência Social
FMDCA Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
FMIA Fundo Municipal da Infância e Adolescência
FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
IBASE Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
INDICA Instituto para o Desenvolvimento Integral da Criança e do
Adolescente
INESC Instituto de Estudos Socioeconômicos
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais
LOA Lei Orçamentária Anual
MP Ministério Público
NEMOS Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Movimentos Sociais
ONGs Organizações Não Governamentais
ONU Organização das Nações Unidas
PAIR Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento
da Violência Sexual Infanto-Juvenil no Território Brasileiro
PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PGM Procuradoria-Geral do Município
PPA Plano Plurianual
PT Partido dos Trabalhadores
RH Recursos Humanos
SGD Sistema de Garantia de Direitos
SGDCA Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente
SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
SMAAS Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social
SNPDCA Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do
Adolescente
SUAS Sistema Único da Assistência Social
Sumário
INTRODUÇÃO ... 11
CAPÍTULO 1 – Sociedade Civil e Democracia ... 21
1.1 Sociedade civil – conceito e percurso histórico no Brasil ... 22
1.2 A categoria democracia e suas utilizações ... 31
CAPÍTULO 2 – Conselhos – Expressões da Democracia Participativa ... 38
2.1 Os conselhos na perspectiva socialista ... 39
2.2 Experiências pretéritas de conselhos no Brasil ... 42
2.3 O movimento da infância ... 47
2.4 Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente – uma nova experiência ... 54
CAPÍTULO 3 – Sociedade Civil nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente – Apontamentos para Análise ... 61
3.1 Expectativa dos atores sobre a participação institucionalizada ... 61
3.2 Lugar dos conselhos na estrutura do estado ... 64
3.3 Condições para a participação nos conselhos ... 70
3.4 Infraestrutura dos conselhos ... 74
3.5 Formas de organização e articulação da sociedade civil ... 76
3.6 Representante versus representado ... 79
3.7 O Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente ... 81
3.8 Funcionamento contínuo dos conselhos ... 86
3.9 Formação continuada para participação nos conselhos ... 87
3.9.1 Experiência formativa com conselhos das 12 cidades-sede da Copa do Mundo FIFA 2014 ... 89
CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 101
REFERÊNCIAS ... 107
ANEXOS ... 112
INTRODUÇÃO
A década de 1980 registra marcos importantes, no Brasil, com destaque
para o processo de redemocratização e a elaboração da Constituição de 1988.
Malgrado algumas análises sobre os limites desses processos, que impuseram
necessárias negociações com as forças conservadoras de então, cabe ressaltar
o papel protagônico desempenhado por diversos sujeitos e segmentos da
sociedade nesse período e que garantiu avanços indiscutíveis para o País.
O momento de elaboração da Constituição brasileira de 1988 é
considerado de mobilização e articulação da sociedade civil, organizada para
pressionar os deputados constituintes a inserirem artigos que expressassem os
anseios e as demandas dos variados segmentos sociais. Um desses
movimentos é o da infância e da adolescência. Capitaneado pelo Movimento
Nacional de Meninos e Meninas de Rua1, diversos ativistas, juristas, técnicos e
especialistas2, que trabalhavam com crianças e adolescentes ainda sob a égide
do Código de Menores (Lei 6.697/1979, que vigia até aquele momento)3, já
pressionavam por mudanças qualitativas na forma de abordagem e de atenção
à infância.
Experiências de novas formas, distantes do modelo tradicional de cunho
assistencial coercitivo, já vinham sendo experimentadas e aplicadas por
organizações e movimentos, como o próprio Movimento Nacional de Meninos e
Meninas de Rua e a Pastoral do Menor.
A luta desse segmento social resulta na inserção do artigo 227, na Carta
constitucional, que diz:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
1
O Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua surge em 1985 a partir de um grupo de educadores e técnicos que desenvolviam as chamadas experiências alternativas com os meninos e as meninas de rua, e tinha como diferencial trabalhar o protagonismo do público sujeito e a atuação numa dimensão política.
2
Antonio Carlos Gomes da Costa, Cesare La Rocca, Edson Seda, Wanderlino Nogueira, irmã Maria do Rosário, Reinaldo Bulgarelli, Benedito Rodrigues dos Santos foram alguns desses personagens.
3
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Dois anos depois, esse artigo 227 é regulamentado pela Lei 8.069/1990
– Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O ECA rompe com o paradigma da doutrina da situação irregular vigente
até então no Código de Menores, estabelecendo a doutrina da proteção integral
e, portanto, é considerado um documento avançado, pois implica mudança
profunda na forma de compreensão do que é a infância, o que incide também
numa mudança nas políticas voltadas a essa faixa etária. O ECA passa a tratar
juridicamente todas as crianças e adolescentes com idades até 18 anos como
sujeitos de direitos.
O artigo 4o do ECA é considerado uma síntese da doutrina da proteção
integral, pois assim define:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Seguindo a tendência também surgida naquele momento, associada à
abertura democrática do País, a discussão da democracia participativa torna-se
pauta de diversos movimentos sociais.
Inicialmente agindo em contraposição ao Estado, principalmente quando
da ditadura militar, os movimentos, nesse momento, cobram participação mais
ativa na gestão das diversas políticas, nos rumos do País. Não se aceitava mais
o modelo que vigia até então.
Olhando pelo retrovisor, talvez não fosse mais possível perceber de fato
qual era o projeto de País que estava em discussão. Sabia-se o que não se
queria mais: a discricionariedade do Poder Executivo, atuando de maneira
centralizada; a relação entre os poderes da forma como se configurava; o
tratamento seletivo destinado à população; a ausência e baixa qualidade das
Acreditava-se no pressuposto de que o alargamento da esfera
democrática implicaria mais direitos. A socialização da política era uma aposta
para a consecução de políticas públicas mais efetivas.
A luta, para tanto, foi travada também para que fosse garantida a
democracia participativa, ou seja, a sociedade civil inserida nas discussões e
decisões das políticas públicas e também exercendo o controle social dessas
políticas. O conceito de democracia participativa ganha força a partir da
promulgação da Constituição de 1988 que no parágrafo único, do artigo 1o
estabelece: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
É necessário compreender, contudo, a magnitude de tais
transformações, as implicações na correlação de forças e os impactos nas
condições de vida dos cidadãos brasileiros.
Primeiro, é importante observar que as leis não têm o poder, por si
próprias, de mudar a realidade. Esta é fruto de uma construção histórica,
pautada nas relações dos sujeitos entre si e com as estruturas econômicas,
políticas, sociais e culturais.
A afirmação faz-se pertinente para a compreensão de que as conquistas
– no caso da Constituição de 1988 e da previsão da democracia participativa –
resultam do movimento histórico de sujeitos e grupos numa correlação de
forças entre classes sociais que possuem interesses e condições
diferenciadas.
Passados 25 anos da promulgação da Constituição e de pouco mais de
20anos do ECA, ainda é possível perceber a dificuldade de reordenamento das
instituições, conforme definido no artigo 259 do próprio ECA4. Vive-se a
contradição da legislação avançada, que aponta para uma mudança de
paradigma, e das velhas práticas, que insistem em não fazer com que tal fato
aconteça na prática, comprometendo a vida de crianças e adolescentes.
Para viabilizar o que está previsto na legislação, o ECA indica a criação
do Sistema de Garantia de Direitos, cujo principal órgão é o Conselho dos
4
Art. 259. A União, no prazo de noventa dias contados da publicação deste Estatuto, elaborará projeto de lei dispondo sobre a criação ou adaptação de seus órgãos às diretrizes da política de atendimento fixadas no art. 88 e ao que estabelece o Título V do Livro II.
Direitos. Com isso, criam-se em todo o Brasil conselhos nas esferas municipais,
estaduais e nacional de governo, além do Distrito Federal. Além dos conselhos,
o ECA prevê a criação dos Fundos da Infância e da Adolescência, ligados a
cada um dos respectivos conselhos. Indicados no mesmo artigo 88 do ECA, no
inciso IV5, os Fundos da Infância e Adolescência têm a função de implantar e
manter programas específicos destinados a crianças, adolescentes e suas
famílias, em consonância com a política de atendimento definida pelo Conselho
dos Direitos.
Para a parcela da sociedade civil organizada na época dos processos de
redemocratização do Brasil e da constituinte, no caso do movimento da infância,
a dupla conquista – legislação avançada e participação institucionalizada –
significa novos marcos, por meio dos quais esses sujeitos históricos devem
operar, no sentido de fazer com que as conquistas formais transformem-se em
conquistas substantivas.
Esta dissertação tem como objetivo refletir sobre a experiência dos
Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. Mais
especificamente, como a sociedade civil conquistou a possibilidade de participar
da gestão da coisa pública por meio dos conselhos setoriais de política;
participação reconhecida como institucionalizada.
A despeito do curto período histórico dessa experiência, muito já se tem
pesquisado sobre tais instâncias, sob as mais diversas perspectivas, portanto,
esta dissertação não tem a pretensão de ser inovadora na abordagem, ou no
conteúdo, mas, sim, contribuir com o adensamento das reflexões e pesquisas
realizadas e indicar limites e perspectivas de atuação nesses espaços6.
Vasto é o campo de estudo sobre movimentos sociais, sociedade civil,
participação, democracia, Estado, democracia participativa; todos esses temas
estão diretamente imbricados neste trabalho.
A experiência conselhista, a despeito de ser historicamente recente no
Brasil, principalmente no modelo pós 1988, delimita um novo marco para a
5
Art. 88. São diretrizes da política de atendimento:
IV - manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente;
6
categoria da participação, agora dentro da estrutura estatal e tem possibilitado a
vivência de experiências que exigem a continuidade e o adensamento de
estudos para ajudar na compreensão do que tem se apresentado de avanços,
limites e quais os aperfeiçoamentos necessários. Os conselhos são, hoje, fato
inconteste e movimentam milhares de sujeitos da sociedade civil organizada e
do Estado. O que de fato estão produzindo de resultados, ainda é difícil
dimensionar, na totalidade das experiências.
O objetivo central desta dissertação é oferecer uma contribuição para
esse debate, ao buscar compreender os limites estruturais e as potencialidades
de atuação da sociedade civil nos Conselhos Municipais dos Direitos da
Criança e do Adolescente. Entender se tais espaços são importantes como
oportunidade de luta pela construção de uma nova hegemonia. Cotejar o que
foi idealizado quando da elaboração do ECA e o que tem sido praticado, a
partir de um olhar da sociedade civil, até porque essa foi a protagonista da luta
pela conquista dessa avançada legislação.
As perguntas norteadoras deste trabalho são: Os Conselhos Municipais
dos Direitos da Criança e do Adolescente são espaços privilegiados para a
criação de uma nova cultura política e novas relações políticas entre governos
e cidadãos? A atuação da sociedade civil nos conselhos contribui para a
criação de uma nova hegemonia? Como a sociedade civil tem buscado a
unidade política de atuação e construção de uma vontade coletiva? A
sociedade civil deve investir e apostar nesses espaços?
A perspectiva teórico-metodológica adotada é ancorada na teoria social
crítica e a principal referência é a do marxista italiano Antônio Gramsci.
Portanto, as categorias de sociedade civil e de democracia são instrumentais
teóricos centrais para discutir o objeto de estudo proposto, qual seja, os
Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. Trata-se de
compreender a sociedade civil disputando a hegemonia da sociedade e tendo
como uma das estratégias principais a participação, desde o lugar do Estado,
numa perspectiva de uma sociedade democrática, justa e igualitária. Portanto,
a categoria hegemonia também é de extrema relevância para o estudo da
temática proposta, categoria esta que ocupa posição de destaque na teoria
Para desenvolver os conceitos de Gramsci, parte-se da contribuição de
seu principal leitor e intérprete no Brasil, Carlos Nelson Coutinho7. No sentido
de estabelecer mediações entre os conteúdos trabalhados pelos autores
marxistas e a interpretação da realidade atual, faz-se importante a leitura de
autores gramscianos e outros não gramscianos, mas que tratam dos temas
aqui pesquisados. Tal bibliografia centra-se nas discussões sobre sociedade
civil, hegemonia, participação, democracia, conselhos setoriais de políticas.
Dos autores, cabe destacar: Norberto Bobbio, Luciano Martorano, Jorge Luís
Acanda, Marco Aurélio Nogueira, Maria da Glória Gohn, Evelina Dagnino,
Luciana Tatagiba, Leonardo Avritzer, Lígia Helena Luchmann, dentre outros.
É importante reconhecer que o autor deste trabalho mantém estreito
envolvimento com as questões aqui analisadas. Portanto, ao mesmo tempo em
que existe o desafio da problematização do tema, também há as visões de
mundo, as inquietações e dúvidas que o autor vivencia em seu trabalho e em
sua militância.
Numa ciência em que o observador é da mesma natureza que seu
objeto, o observador é ele próprio parte de sua observação. (LÉVY-STRAUSS
apud MINAYO, 2012, p. 13).
Segundo Minayo (2012, p. 27), a “pesquisa social não pode ser definida
de forma estática ou estanque”. Os caminhos são estabelecidos conforme as
contradições e especificidades que permeiam a realidade investigada. Os
instrumentos de investigação devem, assim, estar adequados ao dinamismo
dos pensamentos e conflitos gerados pela correlação de forças e pelas
representações simbólicas naturais do campo social. A pesquisa qualitativa
enfatiza mais o processo do que o produto e valoriza a perspectiva dos sujeitos
participantes sobre o tema proposto.
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se ocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se
7
distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes. O universo da produção humana que pode ser resumido no mundo das relações, das representações e da intencionalidade e é objeto da pesquisa qualitativa dificilmente pode ser traduzido em números e indicadores quantitativos. (MINAYO, 2012, p. 21).
O processo de investigação compôs-se da pesquisa bibliográfica teórica,
em que se destacaram os aportes oferecidos pelas disciplinas cursadas e pelas
atividades complementares e também as leituras e pesquisas de textos dos
autores utilizados como referências teóricas deste trabalho, com destaque para
Antônio Gramsci e seu principal leitor e intérprete, Carlos Nelson Coutinho.
Nas referências bibliográficas relacionadas às áreas de participação,
democracia, conselhos, além dos diversos autores já citados, foi de grande
valia a publicação Conselhos dos Direitos: Desafios Teóricos e Práticos das
Experiências de Democratização no Campo da Criança e do Adolescente8, que
faz uma compilação, a partir do banco de teses e dissertações da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), produzidas no
período de 1990 a 2009, sobre o tema dos Conselhos dos Direitos da Criança e
do Adolescente, tendo sido encontrados 67 trabalhos relacionados com o
assunto.
A pesquisa empírica qualitativa constituiu-se de:
a) Entrevista semiestruturada com dois militantes especialistas que
participaram da elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente. São eles:
Wanderlino Nogueira Neto, ex-professor, procurador de justiça aposentado. Em
18 de dezembro de 2012, foi eleito, na Organização das Nações Unidas (ONU),
para integrar o Comitê para os Direitos da Criança (ONU – Genebra) e tomará
posse em 26 de maio de 2013, e Maria do Rosário Leite Cintra, pedagoga, foi
uma das coordenadoras da Pastoral do Menor e é uma das fundadoras do
Instituto para o Desenvolvimento Integral da Criança e do Adolescente (Indica).
O critério para a seleção foi o reconhecimento notório dessas figuras, no
momento do movimento constituinte, sendo reconhecidas publicamente até
hoje pelo movimento da infância e por outros importantes segmentos como
8
figuras de referência. Neste caso, as entrevistas aplicam-se ao objetivo de
recuperar passagens do momento histórico do qual fizeram parte e
proporcionar a avaliação comparativa com o momento atual. Foi elaborado
roteiro de questões semiestruturadas e as entrevistas foram gravadas e
transcritas. Os sujeitos assinaram termo de consentimento livre e esclarecido,
aceitando participar da pesquisa. Esses especialistas são figuras públicas e
concordaram com a citação de seus nomes no trabalho.
b) Entrevistas semiestruturadas, com sete conselheiros dos direitos da
criança e do adolescente. Para este trabalho, foi elaborado um roteiro para as
entrevistas realizadas por telefone ou Skype. Também foram gravadas e
transcritas e os sujeitos assinaram termo de consentimento livre e esclarecido9
aceitando participar da pesquisa. Seus nomes são mantidos em sigilo, apenas
identificados por sequência numérica.
Os conselheiros escolhidos são representantes da sociedade civil nos
Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, de cidades que são
capitais (São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Natal, Cuiabá, Salvador, além do
Distrito Federal). Todos estão em cumprimento de mandato ou encerraram
seus mandatos no final de 2012 e início de 2013, além de terem ou estarem
cumprindo dois ou mais mandatos10. A decisão pela técnica da entrevista
deu-se para apreender de maneira mais direta e espontânea as compreensões, os
entendimentos, as referências, os valores dos sujeitos sobre a prática do
conselho e o ser conselheiro.
c) Utiliza-se também como material empírico a análise de dados
levantados em atividade de formação realizada com 20 conselheiros de direitos
de dez conselhos, no âmbito do Programa Itaú Criança, da Fundação Itaú
Social11. Essa formação ocorreu em novembro de 2012, e contou com o autor
9
Os roteiros das entrevistas estão anexados ao final deste trabalho.
10
Os conselheiros entrevistados já são conhecidos do pesquisador, por causa da atividade profissional que exerce atualmente.
11
como consultor e moderador da atividade, que teve o nome de Mapeamento da
Situação dos Conselhos. Foi solicitada e concedida autorização da Fundação
Itaú para o uso desse material.
O material coletado foi estudado segundo a técnica de análise de
conteúdo temática, conforme as etapas propostas nessa metodologia:
pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados, e interpretação.
As falas e respostas dos sujeitos da pesquisa são utilizadas como fontes
privilegiadas para o tratamento das hipóteses e questões apresentadas e são
analisadas em articulação com referências teóricas, reflexões e interpretações
do pesquisador.
A pesquisa não objetivou traçar um perfil de cada um dos sujeitos
participantes. Trata-se de encontrar o que é comum na prática dos conselhos,
ou seja, o que está previsto legalmente como atribuições, papéis e
responsabilidades, cotejando com o que havia sido previsto quando da
elaboração do ECA.
Cumpre registrar algumas dificuldades encontradas para efetivar a
pesquisa de campo. Como já é do conhecimento do pesquisador, a mudança
de gestão das prefeituras é sempre um momento de certa turbulência. Em
municípios onde o prefeito consegue a reeleição, diminui o risco de
esvaziamento do conselho, mas quando há troca de gestor, a situação se
complica, visto que, em certas localidades, o conselho fica paralisado, por falta
de quórum, até que o gestor eleito indique os novos conselheiros
governamentais.
Vários são os relatos de paralisação das atividades do conselho em
decorrência da exoneração ou desligamento voluntário dos representantes
governamentais. Em outra situação, não foi possível entrevistar representante
da sociedade civil, pois a eleição não obteve quórum e o conselho está
paralisado por falta de representantes. Enfim, são as mais diversas situações
experimentadas quando do trabalho direto com os conselheiros.
A experiência dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do
Adolescente é relevante e merece ser pesquisada e interpretada. Compreender
as apostas feitas quando da proposição desse modelo, os avanços obtidos, os
limites e desafios colocados, caminhos para o seu aperfeiçoamento, as
possíveis articulações com outras estratégias da sociedade civil organizada, é
uma tarefa urgente para os que acreditam na democracia para além do seu
conteúdo formal. Com este trabalho, espera-se contribuir com essa tarefa.
A dissertação está organizada em três capítulos.
No Capítulo I, abordam-se os conceitos de sociedade civil e democracia,
com o objetivo de compreender tais categorias a partir do referencial teórico
gramsciano. Pretende-se, ainda, entender as mudanças na compreensão da
sociedade civil contemporânea, suas diversas expressões e os interesses em
disputa. A compreensão da categoria democracia, na atualidade, também é
objeto desse capítulo, principalmente quanto aos limites de sua real aplicação
na sociedade capitalista hodierna.
No Capítulo II, analisam-se a democracia participativa, como uma
conquista da sociedade brasileira, e as diversas formas de democracia
existentes e que coexistem na atualidade. Relata-se brevemente a maneira
como o Movimento da Infância organizou-se para questionar o modelo
existente e como construiu alternativas a esse modelo, inserido que estava em
uma conjuntura na qual as oportunidades foram conquistadas. Abordam-se os
conselhos como um dos arranjos possíveis para a efetivação da democracia
participativa, analisando-se sua gênese, natureza e concepção, bem como os
limites colocados para que seja de fato um espaço de decisão participativa.
No Capítulo III, traz-se a experiência dos Conselhos Municipais dos
Direitos da Criança e do Adolescente, cotejando com o que foi idealizado
quando da sua previsão legal. Para tanto, algumas dimensões da prática
dessas instâncias são analisadas, utilizando a pesquisa empírica como
subsídio de estudo dos dilemas e desafios que tem sido colocados nesses
espaços participativos.
As Considerações Finais não têm a intenção de pôr um ponto final na
análise das experiências discutidas nesta pesquisa. Ao contrário, buscam
impulsionar novas e necessárias reflexões, que contribuam para dar
significação às experiências concretas de transformação social, na perspectiva
de uma democracia que signifique a socialização da política e das riquezas
CAPÍTULO 1 – Sociedade Civil e Democracia
Neste capítulo, são abordados os conceitos de sociedade civil e
democracia, a partir das referências teóricas de Antônio Gramsci (2011),
principalmente contidas em sua obra: Cadernos do Cárcere – volume 3, e de
alguns de seus principais intérpretes, como Carlos Nelson Coutinho (1999)
(2008) (2011), nas obras: De Rousseau a Gramsci; Contra a Corrente: Ensaios
Sobre Democracia e Socialismo; Gramsci: Um Estudo Sobre seu Pensamento
Político; Hugues Portelli (1983), na obra Gramsci e o Bloco Histórico; e
Norberto Bobbio (2002) (2007) nas obras: Ensaios Sobre Gramsci e o Conceito
de Sociedade Civil; Estado, Governo, Sociedade: Para uma Teoria Geral da
Política, a fim de demonstrar as transformações ocorridas nas abordagens e no
tratamento desses conceitos em diversos momentos históricos e a partir dos
projetos políticos em disputa atualmente na sociedade brasileira.
Para discutir as categorias sociedade civil e democracia, a obra de
Antônio Gramsci é de fundamental importância. O pensador italiano trabalha
essas categorias de forma articulada, por isso não é possível analisá-las de
forma estanque, sob pena de reproduzir superficial e equivocadamente os
conceitos. Cabe destacar que a maior parte da obra de Gramsci foi escrita
enquanto esteve preso por sua militância contra o fascismo, o que dificulta a
compreensão de seus escritos, por vezes esparsos e fragmentários.
Para apreender a articulação de sua teoria, faz-se necessário um estudo
acurado de sua obra, tarefa das mais complexas, que não é possível
desenvolver no escopo dessa dissertação. Para tanto, parte-se de autores que
cumpriram essa tarefa de forma ímpar, como Carlos Nelson Coutinho e
Norberto Bobbio, dentre outros12. Salienta-se ainda que os diversos autores
contemporâneos, mesmo os que não se denominam gramscianos, não podem
desconsiderar a contribuição do pensador para o debate sobre esses
conceitos.
Trata-se de uma obra militante, por excelência, voltada a contribuir, de forma original, para o programa estratégico revolucionário dos comunistas na Itália e em todo o mundo. O pensamento político de Gramsci, portanto, está essencialmente vinculado a um projeto
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revolucionário, na lógica da luta de classes, ao contrário do que muitos agrupamentos políticos e intelectuais socialdemocratas e “neocomunistas” tentaram difundir, buscando domesticar suas ideias, apresentando-as como não conflitantes à ordem capitalista. (COSTA, 2011, p. 7-8).
Além de Gramsci e de diversos dos seus intérpretes, também foi
importante a leitura de autores contemporâneos que discutem esses conceitos
em suas pesquisas e produções, dentre os quais destacam-se Gohn (2008),
Tatagiba e Teixeira (2006), Moroni (2005), Dagnino, Olvera e Panfichi (2006),
Luchmann (2002).
1.1 Sociedade civil – conceito e percurso histórico no Brasil
O conceito de sociedade civil não é só um instrumento de análise, é também um instrumento de projeto – principalmente porque, quando falamos de sociedade civil, estamos falando de construção e/ou desconstrução, de estreitamento ou ampliação de determinados espaços que, em certo sentido, guiam a atividade e o movimento de sujeitos sociais específicos. (ACANDA, 2006, p. 175).
O conceito de sociedade civil pode ser associado, desde seu início, à
necessidade da superação do “estado de natureza”, da ideia de liberdade
individual, em que predominava a lei do mais forte, para a vida em sociedade.
Já na Grécia antiga, para analisar questões da vida cotidiana, Aristóteles
cunha a expressão sociedade civil. Na época, as atividades econômicas eram
voltadas para responder às necessidades individuais e familiares. Contudo, era
na polis (espaço público das leis e do direito) que se buscava garantir o
desenvolvimento pleno das potencialidades humanas, por meio da participação
política. O fundamento da ação coletiva era a ética. Na época, não havia
distinção entre estado e sociedade civil, o que só ocorre na idade moderna.
Conforme Coutinho (2011), para os jusnaturalistas, a sociedade civil
representa a superação do estado primitivo da humanidade e, nesse caso,
sociedade civilizada é sinônimo de sociedade civil. Para superar essa
condição, que impunha ameaças à vida e à propriedade, e para a preservação
por meio de contrato social. Os principais expoentes dessa corrente são:
Hobbes (1588 a 1679), Locke (1632 a 1704) e Kant (1724 a 1804).
Para Rousseau (2011), o “estado de natureza” é a sociedade harmônica,
onde não existe a propriedade privada. Ele afirma que a sociedade civil é
fundada na propriedade e que tal condição é o motivo principal das discórdias e
desavenças entre os homens.
Em sua obra O Contrato Social, aborda a questão, já considerando que
o homem não pode agir única e exclusivamente conforme seus instintos e
desejos particulares. Ele trabalha conceitos como justiça e moral, além do
conceito de vontade coletiva, retomado posteriormente por Gramsci.
A passagem do estado de natureza ao estado civil produz no homem uma mudança muito significativa, substituindo, em sua conduta, o instinto pela justiça e dando às suas ações a moralidade que antes lhe faltava. É somente então que, a voz do dever sucedendo ao impulso físico e o direito ao apetite, o homem, que até então só havia considerado a si mesmo, vê-se forçado a agir segundo outros princípios e a consultar a razão antes de escutar suas inclinações. (ROUSSEAU, 2011, p. 37).
O contrato social tem a função de evitar a deterioração da boa natureza
humana. A ideia de um contrato social para regular as desigualdades advindas
da instituição da propriedade privada é que dá origem ao Estado. Nessa ideia,
o Estado vai regular a vida em sociedade, de forma que a vontade coletiva se
sobreponha às vontades individuais. O Estado não representa os interesses de
um indivíduo ou de um grupo, mas sim da coletividade, do povo.
Segundo Coutinho (2011), Restrepo (1990) e Bobbio (2007), Hegel, que
sofre influências tanto de Rousseau como, principalmente, de Kant, também
aborda o tema da sociedade civil. Para esses autores, Hegel faz a crítica a
Rousseau ao afirmar que não existe estado de natureza e estado civil, no
sentido de momentos sequenciais. Trata os dois momentos como sociedade
pré-estatal e sociedade estatal. Hegel afirma que a família é a estrutura básica
de satisfação primária e socialização dos indivíduos. Além da família, contudo,
ele propõe outras duas esferas da ação humana: a sociedade civil e o Estado.
A sociedade civil, para ele, é intermediária entre a família e o Estado e
incorpora a esfera econômica, como também os aparatos jurídico-burocrático e
A primeira forma objetiva de comunidade universalizadora de interesses é a família que seria para o filósofo alemão a figura inicial e ainda natural da “eticidade”, isto é, daquela esfera do ser social que, com base em formas interativas de práxis, estabelece normas comunitárias para a ação dos indivíduos. A terceira e mais universal figura da eticidade seria precisamente o Estado. Mas, como mediação entre a família e o Estado, aparece na formulação hegeliana madura da eticidade uma segunda figura, que ele chama de “sistema dos carecimentos” e do “trabalho dividido”, ou seja, precisamente a esfera da “sociedade civil-burguesa”. (COUTINHO, 2011, p. 45).
Para Hegel, o que motiva a ação humana são os interesses individuais.
A sociedade civil é a esfera em que o homem busca suprir as suas
necessidades e satisfações individuais. A melhor expressão disso é o direito de
propriedade. A forma de suprir suas necessidades é pelo trabalho. Ocorre que
o indivíduo não é capaz de produzir tudo o que necessita e deseja, gerando
uma interdependência. Hegel entende que essa interdependência tem sua
origem na divisão social do trabalho, que gera a vinculação de todos os
indivíduos entre si. Em sua teoria, o Estado assume uma posição de
centralidade, voltada para o interesse comum, para a vontade coletiva.
Toda ação humana é movida por interesses dirigidos à obtenção de bens específicos. Sem interesse, não há ação. O que caracteriza e diferencia a sociedade civil e o Estado é, para Hegel, a natureza, particular ou geral, do interesse que move os homens à ação ou do bem que buscam por meio dela. As ações que derivam de um interesse particular dão origem à sociedade civil. E se inscrevem nela. (RESTREPO, 1990, p. 64).
Ainda segundo Coutinho (2011), Marx rompe com o idealismo de Hegel
ainda jovem, quando escreve a obra Crítica à Filosofia do Direito de Hegel, em
que define que o Estado não é representante da vontade geral, mas expressa
os interesses de classe. Tendo o trabalho como mediação fundamental da
existência e reprodução humanas, Marx estabelece a conexão entre
infraestrutura e superestrutura.
essa sociedade, de forma que a exigência do predomínio da vontade geral não seja apenas um postulado moral, como em Rousseau, nem uma abstração imaginária, como em Hegel, mas sim algo que possa dispor de bases materiais efetivas. (COUTINHO, 2011, p. 61).
Bobbio (2002), nessa mesma linha de raciocínio, vai atentar para a
distinção que Marx estabelece das visões de sociedade civil, estabelecendo
três pontos antitéticos às definições anteriores. É interessante verificar que
Bobbio parte da análise do que seja o Estado para Marx e Engels, porquanto o
Estado é uma categoria analítica central na obra de Marx. A partir dessa
compreensão, é possível entender o conceito de sociedade civil na teoria
marxiana.
Dessa tríplice antítese, podemos extrair os três elementos fundamentais da doutrina marxiana e engelsiana do Estado: 1) o Estado como aparelho coercitivo, ou, como dissemos, “violência concentrada e organizada da sociedade”: ou seja, uma concepção instrumental do Estado, que é o oposto da concepção finalista ou ética; 2) o Estado como instrumento de dominação de classes, pelo que “o poder político do Estado moderno nada mais é do que um comitê para administrar os negócios comuns de toda a classe burguesa: ou seja, uma concepção particularista do Estado, oposta à concepção universalista que é própria de todas as teorias do direito natural, Hegel incluído; 3) o Estado como momento secundário ou subordinado com relação à sociedade civil, pelo que “não é o Estado que condiciona e regula a sociedade civil, mas a sociedade civil que condiciona e regula o Estado”: ou seja, uma concepção negativa do Estado, que é o oposto da concepção positiva própria do pensamento racionalista. (BOBBIO, 2008, p. 46).
E Bobbio (2008, p. 46-47) prossegue:
Em Gramsci (2011), a sociedade civil faz parte do Estado integral, e não
há separação entre estrutura e superestrutura, pois esses dois momentos são
dialeticamente articulados. Não há predominância de um sobre o outro per se.
Existe uma ligação estrutural entre superestrutura e infraestrutura. Cada
momento histórico é que faz com que um ou outro tenha mais destaque. Para
Gramsci, a sociedade civil é o local onde a luta de classes pela hegemonia
ocorre de forma mais intensa. Hegemonia entendida como a capacidade de
determinada classe dirigir moral e intelectualmente toda a sociedade.
O fato de Gramsci não ter estudado com profundidade a esfera
infraestrutural não significa que ele diminua ou mesmo desconsidere a questão
econômica como fundamental. O autor apenas opta por dedicar-se mais à
superestrutura, até porque Marx já havia, de forma brilhante, trabalhado, com
ênfase, a infraestrutura, além do que a proliferação de movimentos de massa
(sindicatos, partidos, associações) constituiu-se como um fato novo no início do
século XX.
Portelli (1983, p. 23) remete aos Cadernos do Cárcere para afirmar que:
Encontram-se, nos Quaderni, numerosas definições da sociedade civil, todas coincidentes: aí a sociedade civil é, em geral, concebida como “o conjunto dos organismos, vulgarmente ditos privados, que correspondem à função de hegemonia que o grupo dominante exerce em toda a sociedade”. Gramsci opõe a ela a sociedade política (o Estado, no sentido estrito do termo), da qual ela constitui a “base”, o “conteúdo ético”.
Vale ressaltar que, para Gramsci, a sociedade civil não é sinônimo do
bem e o Estado do mal, a correlação de forças, nos momentos concretos, é
que determinam tal leitura. É, contudo, a sociedade civil, o espaço privilegiado
de luta das classes subalternas pela hegemonia da sociedade. O fator mais
importante, em Gramsci, é a percepção de que o fator econômico, apesar de
determinante, não é o único, ou melhor, não atua de forma solitária na
conformação da sociedade, mas a categoria cultura assume importância
inequívoca, entendendo aqui que as formas de dominação cultural/ simbólica
são, por diversas vezes, mais fortes e eficientes na sustentação de um modus
operandi de sociedade e que tais categorias são componentes siamesas da
Ainda segundo Portelli (1983, p. 22):
(...) a sociedade civil pode ser considerada sob três aspectos complementares:
- como ideologia da classe dirigente, ela abrange todos os ramos da ideologia, da arte à ciência, incluindo a economia, o direito etc.; - como concepção do mundo, difundida em todas as camadas sociais para vinculá-las à classe dirigente, ela se adapta a todos os grupos; advêm daí seus diferentes graus qualitativos: filosofia, religião, senso comum, folclore;
- como direção ideológica da sociedade, articula-se em três níveis essenciais: a ideologia propriamente dita, a “estrutura ideológica” – isto é, as organizações que a criam e difundem -, e o “material” ideológico, isto é: os instrumentos técnicos de difusão da ideologia (sistema escolar, mass media, bibliotecas etc.).
Partindo da compreensão dos conceitos trabalhados por Gramsci,
cumpre perscrutar de que forma a sociedade civil brasileira, em seu percurso
histórico, tem se movimentado na arena da vida em sociedade, quais os
projetos, interesses e as disputas que se colocam na atualidade, quais as
estratégias e os caminhos escolhidos.
Na sociedade brasileira contemporânea, a sociedade civil13 ganha
projeção com o movimento de redemocratização brasileira, tendo seu ápice na
década de 1980, com o movimento constituinte14. Tal movimento é marcado por
grupos ligados ao campo da “esquerda”, também denominado de campo
democrático popular e composto por religiosos ligados às Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs) da igreja católica, intelectuais progressistas,
sindicalistas, movimentos e grupos de assessorias a movimentos. Inicialmente,
busca-se fazer frente ao processo de ditadura e de transição lenta, gradual e
segura comandado pelos militares no poder.
A atitude é de contestação e de oposição ao Estado autoritário. Luta-se
por democracia, em um país com uma história de curtos períodos democráticos.
Naquele momento, a democracia pautava-se numa ideia de participação na vida
política do País, na garantia de direitos políticos, civis e sociais. Tais conquistas
13
Ao utilizar o conceito sociedade civil, não estamos afirmando que se trata da totalidade da sociedade civil, e sim de grupos ligados ao campo da “esquerda”, conforme informado no decorrer do texto.
14
devem ser compreendidas dentro do marco da democracia burguesa, porém,
para o momento em que se vivia, eram importantes conquistas, ainda que
consolidadas no quadro da ordem capitalista.
Além da garantia e ampliação de direitos, a Constituição também impõe
mudança na forma de operação do Estado, transformando as formas políticas
existentes até então. A participação institucionalizada passa a ocupar o centro
da arena política e impõe novos e complexos desafios à sociedade civil
organizada. Há um adensamento fantástico da esfera participativa, com
diversos espaços sendo criados ou reconfigurados. Não se trata mais da mera
participação eleitoral, e sim de compartilhar de forma ativa as decisões que
dizem respeito à vida em sociedade.
Esse novo momento faz com que novos e diversos atores sociais
apareçam na arena da política, vocalizando demandas de grupos da sociedade
até então alijados dos processos políticos.
[...] novos atores entraram em cena, destacando-se os movimentos sociais populares urbanos reivindicatórios de bens e serviços públicos e por terra e moradia, assim como parcelas dos então chamados novos movimentos sociais, em luta pelo reconhecimento de direitos sociais e culturais modernos: raça, gênero, sexo, qualidade de vida, meio ambiente, segurança, direitos humanos etc. O polo de identificação destes diferentes atores sociais era a reivindicação de mais liberdade e justiça social. O campo dos novos atores ampliou o leque dos sujeitos históricos em luta pois não tratava mais de lutas concentradas nos sindicatos ou nos partidos políticos. Houve, portanto, uma ampliação e uma pluralização dos grupos organizados, que redundaram na criação de movimentos, associações, instituições e ONGs. (GOHN, 2008, p. 72).
A sociedade civil ganha dimensão muito maior do que a existente até
então, fazendo emergir as diferenças entre esses grupos; diferenças estas para
além de natureza, constituição ou outras. Trata-se de diferentes projetos
políticos, o que demonstra que a sociedade civil é um campo heterogêneo e,
retomando Gramsci, o espaço privilegiado de luta das classes subalternas pela
hegemonia da sociedade.
Utilizamos a noção de projetos políticos para “designar os conjuntos de
vida em sociedade, que orientam a ação política dos diferentes sujeitos”.
(DAGNINO, OLVERA e PANFICHI, 2006, p. 38).
Passados 25 anos da promulgação da Constituição, pode-se afirmar que
a participação é hoje uma conquista consolidada da sociedade brasileira. Vários
são os artigos da Carta Magna que preveem as práticas participativas na
decisão e no controle das diversas políticas públicas. É possível afirmar,
portanto, que o projeto democrático participativo saiu vitorioso e consolidado, o
que não é uma verdade absoluta, haja vista que o projeto neoliberal e o projeto
autoritário coexistem nessa arena, disputando a hegemonia da sociedade. É,
contudo, impossível negar que a participação e a democracia eleitoral tenham
se consolidado no Brasil como elementos constitutivos da ação política.
O discurso da participação, e da revalorização da sociedade civil,
permeia hoje os diversos projetos em disputa, acarretando aparente
homogeneidade que encobre as diferenças e divergências e mesmo os
antagonismos entre tais projetos e seus grupos de defesa e implementação.
Considerando que a sociedade civil não é monolítica, os diversos
projetos políticos estão em disputa não apenas entre sociedade civil e Estado,
mas no próprio corpo de cada um desses espaços. Rompe-se aqui, mais uma
vez, a visão maniqueísta da sociedade civil como a encarnação do bem e o
Estado como o mal. Também se depreende que existem frações da sociedade
civil que aceitam tacitamente a subordinação e defendem os interesses das
classes hegemônicas e outras que são portadoras de projetos de resistência e
transgressão.
Portanto, a reflexão política dos grupos empenhados em subverter a hegemonia burguesa não deve centrar-se só na confrontação “sociedade civil versus Estado”, mas também, e principalmente, na confrontação “sociedade civil versus sociedade civil”. (ACANDA, 2006, p. 181).
Considerando a relação dialética na luta de classes pela hegemonia,
cabe destacar que a revalorização da sociedade civil dá-se na conjuntura de
uma reforma de cunho neoliberal, como resposta a uma crise do sistema
capitalista, que fez com que seja assumido um conceito de sociedade civil
Estado, visto como corrupto, ineficiente. Aqui, o discurso do Estado como a
encarnação do mal é assumido pelos segmentos hegemônicos como
sustentação a essas reformas.
Na sociedade civil, ganha espaço o conceito de terceiro setor, discurso
que embasa o projeto da classe hegemônica no poder em oposição ao projeto
de garantia e ampliação dos direitos sociais, por meio de políticas públicas
operadas pelo Estado. A crise, contudo, não existia apenas no discurso, mas
se mostra real nos problemas fiscais do Estado, na inflação, no desemprego
estrutural, no custo do Estado para a manutenção da burocracia etc.
O contexto de retomada da sociedade civil no Brasil ocorre num momento de crise do sistema capitalista mundial e de reformas no sentido de diminuição do Estado e de maior participação da sociedade civil na gestão de políticas públicas e serviços. O terceiro setor ganha força neste contexto numa visão de ação colaborativa, de trabalho em parceria entre Estado e Sociedade.
No novo cenário, a sociedade civil se amplia para se entrelaçar com a sociedade política, colaborando para o caráter contraditório e fragmentado que o Estado passa a ter nos anos 90. Desenvolve-se o novo espaço público denominado público não estatal, onde irão situar-se os conselhos, fóruns, redes e articulações entre a sociedade civil e representantes do poder público para a gestão de parcelas da coisa pública que dizem respeito ao atendimento das demandas sociais. (GOHN, 2008, p. 77).
Na mesma linha da análise de Gohn, Nogueira (2004) faz um estudo
aprofundado do momento das reformas do Estado e afirma que o reformismo,
para responder ao processo de democratização, incorpora quatro ideias:
descentralização, participação, cidadania e sociedade civil. Trata-se de calibrar
o discurso que justifique a reforma, na qual a antinomia “menos Estado e mais
democracia” ganha relevância.
Sob tal perspectiva, o conceito de descentralização é utilizado como
sinônimo de democratização, visando ao fortalecimento de instâncias locais em
detrimento das instâncias nacionais e centralizadoras. A decisão, o controle e a
gestão de diversas políticas públicas torna-se muito mais eficiente no âmbito
local, com ação coordenada e cooperativa entre as diversas esferas de
governo e a sociedade civil. Essa questão expõe de forma clara como os
setores hegemônicos conduziram tal processo, utilizando-se de conceito que
melhores políticas públicas, de forma a favorecer os seus interesses e
objetivos, o que Coutinho (2010) nomina de operação de mistificação
ideológica.
A sociedade civil brasileira, ao mesmo tempo em que conquista o direito
à participação no processo de redemocratização, tem o desafio de continuar
lutando para que mais democracia signifique de fato maior justiça social,
equidade, direitos, políticas públicas universais e de qualidade. Como se nota,
a esfera da participação institucionalizada não deve significar perda da
autonomia da sociedade civil. Consideramos que existe diferença entre
institucionalização dos atores e institucionalização dos canais de participação.
Há diferença entre os espaços institucionais e os atores que o compõe.
Autonomia deve ser compreendida como a forma de pensar a relação com os
demais. Contudo, ela nunca é absoluta, mas sempre uma relação relativa de
independência.
O momento atual impõe o necessário enfrentamento ao processo de
reforma do Estado e a todo o seu aparato discursivo, mesmo porque este não
encontra mais ressonância na sociedade, desgastada com as promessas que
não se cumpriram. Cabe à sociedade civil organizada continuar investindo no
aprofundamento da democracia e da ação política a partir de valores éticos,
que confrontem as desigualdades, injustiças, e todas as formas de violência e
desrespeito aos direitos de homens e mulheres.
1.2 A categoria democracia e suas utilizações
A conquista de direitos, na história da humanidade, está associada a
lutas de movimentos populares. Inicialmente, os regimes liberais garantiam
direitos apenas aos proprietários e detentores do poder econômico. Nesses
sistemas, a esfera da política era afeita ao Estado, em sentido estrito, conforme
definido por Gramsci (apud COUTINHO, 2008). Ocorre que a existência
humana cria necessidades, as quais, para serem satisfeitas, impõem a
organização de grupos que lutem por sua realização. Por meio dessas lutas,
de associação sindical, a associação em partidos, os direito de greve. Muitas
dessas conquistas ocorrem por meio de revoluções burguesas, como, por
exemplo, a Revolução Francesa, que teve como corolário a instituição da
democracia formal na França. Os sujeitos coletivos vocalizam suas demandas
por meio de associações, agremiações, partidos, entidades, significando a
ampliação dos espaços das disputas políticas e do exercício da política.
Com a complexificação das sociedades, a ação política deixa de estar
restrita apenas aos burocratas do Estado, porta-vozes dos interesses das
classes dominantes, havendo uma ampliação do espaço da política, bem como
dos sujeitos envolvidos. “[...] o Estado, ao se ‘ampliar’, deixou de ser o
instrumento exclusivo de uma classe para se converter na arena privilegiada da
luta de classes...” (COUTINHO, 2008, p. 29). Nessa afirmativa, Coutinho utiliza
o conceito de Estado ampliado de Gramsci, ou seja, a sociedade política e a
sociedade civil em relação dialética.
A luta de classes nas sociedades mais desenvolvidas, que Gramsci
cunha de “ocidentais”15, trava-se, sobretudo, no espaço da sociedade civil.
Trata-se, em última instância, de ampliar a conquista de espaços no interior do
próprio Estado, construindo estratégias que façam com que a classe
hegemônica se veja impelida a atender às reivindicações das massas
organizadas.
[...] democracia é sinônimo de soberania popular. Ou seja: podemos defini-la como a presença efetiva das condições sociais e institucionais que possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na formação do governo e, em consequência, no controle da vida social. (COUTINHO, 2008, p. 50).
Democracia, na perspectiva gramsciana, também é um instrumento de
projeto. Trata-se de um processo político que objetiva a superação da lógica de
produção e reprodução da sociedade capitalista. O que está em jogo é a
emancipação humana; a socialização da riqueza produzida. Conforme já
abordado, o móvel da luta é a disputa pela hegemonia.
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