• Nenhum resultado encontrado

Download/Open

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Download/Open"

Copied!
246
0
0

Texto

(1)UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO. O SER E O ALÉM DO SER: A DOBRA DA RELIGIÃO EM PAUL RICOEUR. POR VITOR CHAVES DE SOUZA. São Bernardo do Campo — 2015.

(2) UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO. O SER E O ALÉM DO SER: A DOBRA DA RELIGIÃO EM PAUL RICOEUR. POR VITOR CHAVES DE SOUZA. Tese apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Doutor, sob a orientação do Prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg.. São Bernardo do Campo — Janeiro de 2015.

(3) FICHA CATALOGRÁFICA So89s. Souza, Vitor Chaves de O ser e o além do ser: a dobra da religião em Paul Ricoeur / Vitor Chaves de Souza / – São Bernardo do Campo, 2015. 246fl. Tese (Doutorado em Ciências da Religião) – Faculdade de Humanidades e Direito, Programa de Pós-Graduação Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo Bibliografia Orientação de: Rui de Souza Josgrilberg Olivier Abel 1.. Ricoeur, Paul – Crítica e interpretação 2. Religião – Filosofia 3. Fenomenologia I. Título CDD 200.92.

(4) A tese de doutorado sob o título O ser e o além do ser: a dobra da religião em Paul Ricoeur, elaborada por Vitor Chaves de Souza foi defendida e aprovada aos 16 de Março de 2015, perante banca examinadora composta por: Dr. Rui de Souza Josgrilberg (Presitente, UMESP), Dr. Lauri Emilio Wirth (Titular, UMESP), Dr. Helmut Renders (Titular, UMESP), Dr. Etienne Alfred Higuet (Titular, UEPA) e Dr. Hélio Salles Gentil (Titular, USJT).. Prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg ORIENTADOR E PRESIDENTE DA BANCA EXAMINADORA. Prof. Dr. Helmut Renders COORDENADOR DO PROGRAMA. PROGRAMA. Pós-Graduação em Ciências da Religião ÁREA DE CONCENTRAÇÃO. Linguagens da Religião LINHA DE PESQUISA. Teologias das Religiões e Cultura.

(5) AUTOBIOGRAFIA. Meu nome é Vitor Chaves de Souza. Nasci em 21 de Julho de 1981, em São Bernardo do Campo, Estado de São Paulo. Filho de João Soares de Souza e Eliane Chaves de Souza, fiz o primeiro grau na EE Prof. Gabriel Oscar de Azevedo Antunes, em Santo André, e o segundo grau no Colégio Objetivo, na mesma cidade. Desde pequeno já me inclinava às coisas da religião: neto de pastor presbiteriano, cresci na Igreja Luterana, colecionava Bíblias, lia textos de religiosos e sobre religião, gostava de visitar diferentes igrejas e templos, e sonhava um dia trabalhar e pesquisar as coisas da religião. Teologia é a escolha e decisão que fiz em algum momento antes para o meu caminho: faltava somente descobri-la e, acima de tudo, assumi-la: faltava coragem – o que me levou ao esporte e ao trabalho gráfico de meu pai (editoração gráfica e fotografia), fazendo-me confundir, num sentido até que positivo, dentro dos limites da decisão, serem essas minhas vocações na tentativa de evitar meu desafio ontológico. Aos 22 anos, no ano de 2004, ingressei no curso de bacharelado em Teologia da Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo. Realizei uma boa e proveitosa graduação, e concluí o curso em 2007, com 26 anos. Na ocasião, fiz meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) com o professor Milton Schwantes, pois, além de admirar o professor Milton, julguei ser o Antigo Testamento a área que tive menor aproveitamento ao longo dos estudos – tive, então, a oportunidade de aprofundar-me no Antigo Testamento.

(6) com o tema As Faces de Javé (um trabalho de pesquisa hermenêutica sobre o nome Javé no Antigo Testamento). Em 2008 ingressei no programa de pós-graduação em Ciências da Religião da UMESP e, com o incentivo dos professores e da C APES, obtive o grau de Mestre em Ciências da Religião, na área de Teologia e História. Pesquisei sobre Mircea Eliade, que me inspirou, do mais alto ao mais primário, em seu método fenomenológico, à filosofia e história das religiões. Fui orientado pelo professor Rui de Souza Josgrilberg, que me aceitou como aluno de doutorado em 2011. Se não bastasse a gratificante orientação do meu querido mestre e a companhia de professores que me incentivavam constantemente, passei um período de intercâmbio acadêmico em Paris, no Institut Protestant de Théologie, pesquisando no Fonds Ricoeur. A atenciosa recepção e orientação do professor Olivier Abel foi decisiva para o salto da tese. Com isso, chego na etapa final desta jornada acadêmica que durou dez anos: a busca pelo título de doutor em Ciências da Religião. O interesse pela hermenêutica e filosofia da religião surgiu na graduação e amadureceu na pós-graduação. Enquanto aluno de mestrado de doutorado, realizei diversas atividades e produções. Publiquei artigos. Participei de seminários, congressos e colóquios, nacionais e internacionais. Publiquei livros. Aprendi idiomas. Cumpri o estágio acadêmico na graduação da Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo, junto ao professor Rui Josgrilberg, lecionando disciplinas de Introdução à Teologia, Hermenêutica, Teologia Sistemática e Filosofia da Religião. Colaborei com a editoração da revista acadêmica Correlatio, na organização e realização dos seminários Paul Tillich junto ao professor Etienne Alfred Higuet, e também na criação e coordenação do grupo de pesquisa Archéion. Foi me dada a oportunidade de estabelecer a minha experiência de trabalho e reflexão na filosofia da religião, sobretudo no campo da fenomenologia e hermenêutica. Do diálogo, da tolerância com o diferente e do respeito com as manifestações artísticas e religiosas provieram minhas preocupações e inquietações. Neste período, conheci e reconheci, em minhas leituras, alguns companheiros de reflexão, tais como Paul Tillich, Søren Kierkegaard, Miguel de Unamuno, Martin Buber, Rudolf Steiner, Pierre Teilhard de Chardin, Mircea Eliade e, o último mas não o menos importante, Paul Ricoeur. A religião, para mim, é um espaço autêntico para se procurar e buscar a realidade última de nossa existência – suas narrativas originárias, quando investigam o sentido da vida, não deveriam ser lidas com a pretensão científica do positivismo e empirismo, muito menos com a postura fundamentalista. O propósito da religião e da linguagem metafórica é outro: transmitir mundos que seriam intransmissíveis de outras formas. Deste modo, religião, literatura, cinema, fotografia ou.

(7) poesia comportam expressões do incondicional e tentativas de superar os limites de nossa função cognitiva. Descobri, ao longo dos anos, que a criatividade diurna (i.e., as atividades acadêmicas) não era oposta à criatividade noturna (criação artística). Além das narrativas textuais (o logos, dos estoicos), contempladas na literatura, como as narrativas imagéticas (o eikon, de Platão), representadas pela fotografia e cinema, inspiro-me em Albert Schweitzer, o qual, invariavelmente, evitou o equívoco de confundir a versatilidade com a imprudência – de nada adianta viver arte, filosofia e beleza se não houver um profundo comprometimento pastoral, a vida cotidiana, a aplicação prática, em suma, o viver bem e o ajudar ao próximo a viver melhor. Deste modo, em gratidão pelas coisas que foram postas em meu caminho e pelas minhas escolhas, caminho junto daqueles e daquelas que se deixam interpelar pelos eventos do cotidiano e os desafios do mundo. Cito, para finalizar, uma de minhas frases favoritas de Arthur Schopenhauer: “Em todos os tempos existiu nas nações civilizadas uma espécie de monge natural, pessoas que, conscientes de suas faculdades espirituais sobressalentes, antepuseram a formação e o cultivo de tais faculdades a qualquer outro bem e, assim, levaram uma vida contemplativa, espiritual, cujos frutos se tornaram depois patrimônio da humanidade.”.

(8) para os meus pais, João & Eliane.

(9) “A verdade da experiência mística de Deus não se pode transmitir; ela se situa além da palavra” Meister Eckhart.

(10) Esta pesquisa foi patrocinada pela CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. À essa instituição e aos professores que me recomendaram à bolsa de estudos, expresso aqui a minha gratidão..

(11) AGRADECIMENTOS. agradecimento | s. m. 1. ato ou efeito de agradecer; 2. expressão ou fato que manifesta gratidão; Rui de Souza Josgrilberg; Olivier Abel; Maria de Nazareth Rangel Barboza; Etienne Alfred Higuet; Luis Heleno Montoril del Castilo; Milton Schwantes [in memoriam]; Ana Masini; Lauri Emilio Wirth; Alan Faber do Nascimento; Lilia Dinelli; Carlos Musskopf; Jean Lauand; Marcos Aurélio da Silva; Eduardo Chaves; Cláudio Reichert do Nascimento; Universidade Metodista de São Paulo; Institut Protestant de Théologie de Paris; Fonds Ricoeur; Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior..

(12) SOUZA, Vitor Chaves de. O ser e o além do ser: a dobra da religião em Paul Ricoeur. São Bernardo do Campo, 2015. 246 f. Tese. Doutorado em Ciências da Religião – Linguagens da Religião — Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2015.. SINOPSE. Esta pesquisa propõe-se a tematizar a religião no pensamento de Paul Ricoeur. Correlaciona filosofia e teologia e tem na nomeação de Deus o primeiro problema. Ao analisar os limites do assunto, a hipótese da tese sustenta que a intersecção das áreas é produtiva e que um trabalho original de pensamento pode vir deste cruzamento. A tese sugere o termo da dobra da religião, tendo em vista a apropriação da tarefa do reconhecimento do si na ontologia quebrada. O desdobramento das aporias, pela filosofia reflexiva, articula a ontologia do possível nas categorias existenciais do autor, sobretudo em termos da linguagem religiosa, da esperança e da aporia da graça. A pesquisa é feita com base no método fenomenológico e hermenêutico, dividido em quatro etapas: num primeiro momento, introduz-se a relação da filosofia com a teologia e o teônimo como a primeira dobra da religião. No segundo capítulo, aborda-se a importância temporalidade e a narratividade na mito-poética. O terceiro capítulo versa sobre a interpretação metafórica da religião na ontologia do possível. O quarto e último capítulo apresenta a dobra existencial cujo movimento se dá como um espiral filosófico na própria vida de Ricoeur. A pesquisa é concluída no horizonte do ser humano capaz e o reconhecimento de si mediado pela dobra da religião. Espera-se que o resultado seja uma reflexão que permita uma melhor compreensão da filosofia de Ricoeur, bem como que sirva de referencial e fundamento para futuros estudos acerca da filosofia da religião. Palavras-chave: Paul Ricoeur – dobra da religião – ontologia – mito – fenomenologia da religião.

(13) SOUZA, Vitor Chaves de. Being and beyond being: the fold of religion in Paul Ricoeur. São Bernardo do Campo, 2015. 246 f. Thesis. Doctor Degree in Sciences of Religion – Languages of Religion — São Paulo Methodist University, São Bernardo do Campo, 2015.. ABSTRACT. This research intends to demonstrate the theme of religion in the thought of Paul Ricoeur. It correlates philosophy and theology having in the question of God the main problem. The hypothesis of the thesis argues that the intersection of the areas is productive and an original work of thought can arises from this cross. The thesis suggests the term of the fold of religion, considering the task of recognition of the self within broken ontology. The reflective philosophy articulates the aporias with the ontology of the possible in existential categories, especially in terms of religious language, hope and the aporia of grace. The research utilizes the phenomenological and hermeneutical method, and it is divided into four stages: at first, introduces the relationship between philosophy and theology and the divine name as the first fold of religion. The second chapter deals with time, narrative, and the myth-poetic. The third chapter deals with the metaphorical interpretation of religion within the ontology of the possible. The fourth and final chapter presents the existential fold whose movement is as a philosophical spiral in the life of Ricoeur. The research is concluded on the horizon of the capable human being and the recognition of the self mediated by the fold of religion. The result will be a reflection that makes possible a better understanding of the philosophy of Ricoeur, as well as foundation for future studies on the philosophy of religion. Keywords: Paul Ricoeur – fold of religion – ontology – myth – phenomenology of religion.

(14) SOUZA, Vitor Chaves de. L’être et l’au-delà de l’être : le pli de la religion chez Paul Ricœur. São Bernardo do Campo, 2015. 246 f. Thèse. Doctorat en Sciences Religieuses – Langues de la Religion — Université Méthodiste de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2015.. RESUMÉ. Cette recherche se propose de développer le thème de la religion chez Paul Ricœur. La corrélation entre philosophie et théologie rencontre dans la nomination de Dieu son premier problème. Par l’analyse des limites de son sujet, l’hypothèse de la thèse fait valoir que l’intersection des domaines est productive et que l’œuvre originale de la pensée peut provenir de ce carrefour. La thèse suggère le terme du pli de la religion pour désigner la propriété de la reconnaissance de soi dans la tâche de l’ontologie brisé. Le déploiement des apories par la philosophie réflexive articule l’ontologie du possible dans les catégories existentielles, surtou dans les termes du langage religieux, de l’espérance et de l’aporie de la grâce. La recherche est basée sur la méthode phénoménologique et herméneutique et est divisé en quatre étapes: tout d’abord, on introduit la relation entre la philosophie et la théologie et la nomination de Dieu en tant que premier pli de la religion. Le deuxième chapitre traite de l’importance de la tempralité et de la narrativité dans le récit mytho-poétique. Le troisième chapitre traite de l’interprétation métaphorique de la religion dans l’ontologie du possible. Le quatrième et dernier chapitre présente le pli existentiel, dont le mouvement est comme une spirale philosophique dans la vie de Ricœur. La recherche se termine par la présentation de l’horizon de l’homme capable de se reconnaître, médiatisé par le pli de la religion. Nous espérons qu’il en resulte une réflexion permettant une meilleure compréhension de la philosophie de Ricœur, et pouvant servir de référence et de base pour de futures études sur la philosophie de la religion. Mots-clés: Paul Ricœur – le pli de la religion – ontologie – mythe – phénoménologie de la religion.

(15) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 17 CAPÍTULO I Uma dobra singular: filosofia e teologia em Paul Ricoeur ............................................. 29 I.1 Demarcando os domínios da filosofia e da teologia ........................................................ 29 I.1.1 A autonomia de um filósofo ............................................................................................ 37 I.1.2 Um filósofo sem absoluto ............................................................................................... 39 I.1.3 Conflitos de uma antropologia ........................................................................................ 41 I.1.4 O acesso à tese: a intersecção no teônimo ..................................................................... 43 I.1.5 O horizonte da dobra ...................................................................................................... 45 I.2 A ontologia da dobra: a nomeação de Deus .................................................................... 49 I.2.1 Uma ontologia no nome ................................................................................................. 53 I.2.2 O problema Deus ............................................................................................................ 56 I.2.3 A transmissão e recepção do nome divino: uma ontologia quebrada ............................. 59 I.2.4 Revelação e texto bíblico ................................................................................................ 63 I.2.5 Considerações intermediárias ......................................................................................... 66. CAPÍTULO II Intersecções da dobra: linguagem religiosa e tempo mítico .......................................... 68 II.1 Situação hermenêutica ................................................................................................ 69 II.1.1 Linguagem em origem .................................................................................................... 72 II.1.2 O desmembramento linguístico ..................................................................................... 77 II.1.3 A dobra como linguagem aberta .................................................................................... 80 II.1.4 Linguagem nos limites da tensão ................................................................................... 86 II.2 Além das aporias: o mundo do mito .............................................................................. 89 II.2.1 Tempo e mito: a aporia da dobra ................................................................................... 91 II.2.2 O tempo e a narrativa .................................................................................................... 94 II.2.3 A fenomenologia da consciência do tempo.................................................................... 97 II.2.4 As noções plurais do tempo cíclico e linear aplicadas ao tempo mítico ......................... 98.

(16) II.2.5 Um ritmo do tempo, um ritmo da dobra do ser ........................................................... 105 II.3 O mito enquanto um portador de mundos possíveis .....................................................106 II.3.1 Consciência do tempo e a possibilidade de mundos .................................................... 108 II.3.2 Consciência de ser e do além do ser ............................................................................ 111 II.3.3 Considerações intermediárias ...................................................................................... 116. CAPÍTULO III Entrelaçamentos da dobra: origem do possível e poética da esperança........................... 119 III.1 Hermenêutica e pensamento bíblico ...........................................................................124 III.1.1 Fundamentos de meditações bíblicas ......................................................................... 129 III.1.2 A meditação da revelação ........................................................................................... 132 III.1.3 A revelação da meditação ........................................................................................... 134 III.2 A origem de um possível ............................................................................................138 III.2.1 Religião e origem ........................................................................................................ 139 III.2.1 A poética da origem .................................................................................................... 141 III.3 A fenomenologia do possível ......................................................................................145 III.3.1 A ontologia do possível ............................................................................................... 146 III.3.2 Imagens do possível .................................................................................................... 151 III.3.3 Um nome divino possível, um ser humano possível .................................................... 153 III.3.4 Eu sou o que sou: entre Aristóteles e o Deus do Sinai ................................................. 154 III.3.5 Eu posso o que posso: uma ontologia do nome divino ................................................ 158 III.3.6 A esperança da ontologia ............................................................................................ 159 III.3.7 Considerações intermediárias ..................................................................................... 162. CAPÍTULO IV A dobra da religião: o espiral de uma antropologia filosófica ......................................... 165 IV.1 O acaso de um espiral ................................................................................................171 IV.1.1 O desdobramento metafórico do acaso ...................................................................... 176 IV.2 Hermenêutica de si e dobra existencial .......................................................................180 IV.2.1 Espiral e pertença religiosa na dobra da vida .............................................................. 183 IV.2.2 Do acaso e do destino de Deus ................................................................................... 188 IV.2.3 O difícil caminho do religioso ...................................................................................... 192 IV.2.4 O caminho da sabedoria prática ................................................................................. 195 IV.3 Destino da dobra .......................................................................................................199 IV.3.1 A ética do possível ...................................................................................................... 201 IV.3.2 Vivo até a morte: a escatologia da graça .................................................................... 208 IV.3.3 Apesar da morte, há graça do perdão ......................................................................... 210 IV.3.4 Testemunho e compaixão ........................................................................................... 212 IV.4 A dobra da religião: o desdobrar de um destino ..........................................................214. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 219 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA...................................................................................... 227.

(17) INTRODUÇÃO. Em um de seus trabalhos acadêmicos, cujo título era “O chamado da ação. Reflexões de um estudante protestante”1, o filósofo francês Paul Ricoeur, ainda aluno de filosofia da Sorbonne, em 1935, se preocupou com a raiz religiosa pessoal e a aspiração ao ofício filosófico. Demonstrou-se descontente com reflexões abstratas da academia e propôs a ação como imperativo da reflexão – independentemente se essa ação fosse motivada por questões filosóficas ou por matizes religiosas, apesar de emergir os dois solos. Preocupou-se demasiadamente, logo no início, em não misturar os dois domínios: o da filosofia e o da teologia. Nesta preocupação, Ricoeur obteve a atenção de um de seus professores que, após a apreciação da leitura do material, confidenciou-o a respeito desta distinção evidente: “Não te afastes do que temes encontrar; nunca contornes o obstáculo, mas enfrente-o de frente”2. Este aviso foi recebido, por Ricoeur, como um incentivo para uma reflexão filosófica sem pressuposições e sem pudores. Filosofia, em suma, filosofia a despeito dos entraves religiosos e institucionais, não obstante os embaraços empíricos e metodológicos os quais também poderia encontrar.. “L’appel de l’action. Réflexions d’un étudiant protestant”. Cf. VANSINA, Frans D. Paul Ricoeur Bibliography Primaire et Secondaire. Uitgeverij Peeters: Paris, 2008, p. VII. 2 “Mon maître disait: ne vous détournez pas de ce que vous craignez de recontrar; ne contournez jamais l’obstacle, mais affrontez-le de face. Cet avertissement fut entendu comme un encouragement – que dis-je? une injonction – à ‘faire de la philosophie’” RICOEUR, Paul. Mon premier maître en philosophie, IIA.475, 224 In: VANSINA, Frans D. Paul Ricoeur Bibliography Primaire et Secondaire. Uitgeverij Peeters: Paris, 2008, p. XXI. 1.

(18) Simultaneamente à trajetória na filosofia, Ricoeur trabalhou com a teologia e a religião. A extensão de sua produção nesta área, entretanto, não é evidente ao público da filosofia em geral e merece ser destacada. Se considerarmos os números, no Fonds Ricoeur – fundação dedicada à preservação e divulgação da obra de Paul Ricoeur, cujo acervo bibliográfico foi fundamental para a realização desta tese 3 –, até 2012, encontram-se disponíveis exatos 768 textos em forma de artigo publicados por Ricoeur. Dentre estes, um vasto material (listado cuidadosamente nas referências bibliográficas desta pesquisa) é dedicado ao estudo da teologia, hermenêutica bíblica, mito, símbolo e linguagem religiosa. O primeiro texto filosófico de Ricoeur, do qual temos registro, tratou sobre a questão de Deus em Lachelier e Lagneau4. Notamos a importância da presença da teologia e da religião no pensamento de Ricoeur, desde o início de sua carreira e no decorrer da mesma. 5 Nos anos 40, encontramos artigos nos quais Ricoeur desenvolveu a relação política 6 e social7 da religião, a dimensão existencial 8 e a abertura para outras manifestações religiosas 9 e culturais10. Nos idos de 50 e 60, além de haver lecionado na Faculdade Protestante de Teologia de Paris, iniciou estudos em hermenêutica bíblica11, reflexões sobre o símbolo12, materiais sobre a crítica da religião 13 e a linguagem da fé 14. O trabalho de Ricoeur continua produtivo. O Fonds Ricoeur está localizado nas dependências do L’Institut Protestant de Théologie, 83, Boulevard Arago, 75014, Paris, França. 4 Tal material não está publicado e consta, em folhas manuscritas, no acervo do Fonds Ricoeur. O pesquisador Marc-Antoine Vallée, com permissão dos responsáveis, estudou o material e publicou, em 2012, um artigo sobre os seus conteúdos. Cf. VALLÉE, Marc-Antoine. “Le premier écrit philosophique de Paul Ricoeur: Méthode réflexive appliquée au problème de Dieu chez Lachelier et Lagneau”, In: Études Ricoeuriennes / Ricoeur Studies, Vol 3, No 1 (2012), pp. 144-155. 5 MONGIN, Olivier, In: RICOEUR, Paul. Leituras 3: Nas fronteiras da filosofia, p. 7. 6 RICOEUR, Paul. “Pour un christianisme prophétique”, In: Les chrétiens et la politique (Dialogues), Paris, Temps Présent, 1948, 79-100. 7 RICOEUR, Paul. “La condition du philosophe chrétien” [sur R. M.EHL, La condition du philosophe chrétien], In: Christianisme social, 56, (1948), 551-557. 8 RICOEUR, Paul. “Le renouvellement de la philosophie chrétienne par les philosophies de l'existence”, In: Le problème de la philosophie chrétienne (Les Problèmes de la Pensée Chrétienne) » Paris, P. U. F., 1949, 4367; RICOEUR, Paul. “Note sur l'Existentialisme et la Foi Chrétienne”, In: La Revue de l'Evangélisation (Le Christianisme devant les courants de la pensée moderne), 6 (1951), 143-152. 9 RICOEUR, Paul. “Le Yogi, le Commissaire, le Prolétaire et le Prophète. A propos de « Humanisme et terreur » de Maurice Merleau-Ponty”, In: Christianisme social, 57 (1949), 41-54. 10 RICOEUR, Paul. “La pensée grecque. Ernst HOFFMANN, Plato. Victor GoLDSCHMIDT, La religion de Platon [comptes rendus]”, In: Revue d'histoire et de philosophie religieuses, 31 (1951), 240-244. 11 RICOEUR, Paul. “Culpabilité tragique et culpabilité biblique”, In: Revue d'histoire et de philosophie religieuses, 33 (1953), 285-307. 12 RICOEUR, Paul. “Le symbole donne à penser”, In: Esprit, 27 (1959), juillet-août, 60-76. 13 RICOEUR, Paul. “La critique de la religion” [texte transcrit à partir d'enregistremenett rse vu par l'auteur], In: Bulletin du centre protestant d'études, 16 (1964), n° 4-5, 5-16. 14 RICOEUR, Paul. “Le langage de la foi” [texte transcrit à partir d'enregistrements et revu par l'auteur], In: Bulletin du centre protestant d'études, 16 (1964), n<>s 4-5, 17-31. 3. 18.

(19) nos anos seguintes: escreveu sobre teólogos como Bonhoeffer 15, Bultmann16, o Deus crucificado de Jürgen Moltmann17, o símbolo religioso em Paul Tillich 18 e, talvez, um dos seus mais importantes artigos, em 1977, denominado Hermenêutica da Ideia da Revelação.19 A produção dos anos 80 e 90 está acessível, em boa parte, na obra Figuring the Sacred20: uma compilação de 21 textos importantes, divididos em cinco partes, que contempla estudos acerca do problema da religião (Filosofia e Linguagem Religiosa; Manifestação e Proclamação; O Texto “Sagrado” e a Comunidade), meditações sobre os filósofos da religião (Uma Hermenêutica da Filosofia da Religião em Kant; A “Figura” da Estrela da Redenção de Rosenzweig; Emmanuel Levinas: Pensador do Testemunho), a polifonia dos discursos bíblicos (Sobre a Exegese de Gênesis 1:1-2:4a; A Bíblia e a Imaginação; O Tempo Bíblico; A Narrativa Interpretativa), assuntos teológicos (Esperança e a Estrutura do Sistema Filosófico; Nomear Deus; Em Direção à Teologia Narrativa: Necessidades, Recursos e Dificuldades; O Mal, Um Desafio à Filosofia e Teologia; O Sujeito Invocado na Escola das Narrativas e da Vocação Profética) e assuntos práticos da teologia, como a ética e a homilia (A Lógica de Jesus, A Lógica de Deus; “Aquele que Perder a sua Vida por Mim, Encontrá-laá”; A Memória do Sofrimento; Considerações Éticas e Teológicas sobre a Regra de Ouro; Praxeologia Pastoral, Hermenêutica e Identidade; Amor e Justiça). Evidencia-se a variedade de artigos produzidos por Ricoeur no campo da religião. Quanto aos livros, um rastreamento provisório equaciona uma quantidade menor, mas qualitativamente importante. Há Pensando Biblicamente21, publicação de 1998, com André LaCoque, onde Ricoeur expõe a leitura bíblica a partir o ponto de vista filosófico. Neste desafio, ele propões reflexões que apresentam uma hermenêutica da religião fundada na fenomenologia, contemplando temas como o sentido ontológico da criação, a obediência do amor, a imanência e a espiritualidade, a metáfora dos textos de sabedoria. Seguramente, os. RICOEUR, Paul. “L'interprétation non religieuse du christianisme chez Bonhoeffer” [exposé et discussion], In: Les cahiers du Centre Protestant de l'Ouest, 1966, n° 7, 3-15, 15-20 16 RICOEUR, Paul. “Mythe et proclamation chez R. Bultmann”, In: Les cahiers du Centre Protestant de l'Ouest, 1967, n° 8, 21-33. 17 RICOEUR, Paul. “Le Dieu crucifié de Jürgen Moltmann”, In: Les quatre fleuves n°4, Paris, Seuil,. 109-114. 18 RICOEUR, Paul. “Preface” In: DUNPHY J., Paul Tillich et le symbole religieux. (Encyclopédie universitaire). Préface de P. Ricoeur, Paris, Jean-Pierre Delarge. Éditions Universitaires, [1977], 23,5 x 16, 11-14. 19 RICOEUR, Paul. “Herméneutique de l’idée de Révélation [avec une discussion avec E. Levinas, D. Coppieters, etc.]”, In: La révélation (Publications des Facultés universitaires Saint-Louis, 7) Bruxelles, Facultés universitaires Saint-Louis, 1977, 15-54pp. 20 RICOEUR, Paul. Figuring the Sacred: Religion, Narrative, and Imagination. Minneapolis: Fortress Press, 1995. 21 LaCOQUE, André; RICOEUR, Paul. Penser la Bible. Paris: Editions du Seuil, 1998. 15. 19.

(20) livros acerca da hermenêutica bíblica predominam: há ainda A Hermenêutica Bíblica22 e Ensaios em Interpretação Bíblica 23. Doravante, livros que contemplam capítulos destinados à teologia e outros assuntos da religião em geral fazem-se presentes. Vivo Até a Morte24 e fragmentos acerca da religiosidade de Ricoeur, O Significado Religioso do Ateísmo25, O Justo26, O Si-Mesmo Como Outro27, O mal: um desafio à filosofia e à teologia 28, O Conflito das Interpretações29 e A Metáfora Viva30 são alguns exemplos de obras que carregam breves pressuposições e reflexões teológicas. Esta lista de livros e artigos – sem esquecer as importantes contribuições às enciclopédias francesas nos verbetes crença31 e mito32 – escritos em diferentes períodos, além da delimitação a um conjunto de textos, oferece a substância da presente pesquisa. A análise do material e da biografia do autor nos indica a presença contínua, durante o trabalho acadêmico, da teologia e da religião enquanto preocupações não-filosóficas à filosofia.33 Deste modo, a tese propõe refletir o papel da religião no pensamento de Paul Ricoeur, tendo em vista o círculo de textos deixados pelo autor e pela tradição acadêmica. Parte deste empreendimento já foi feito por alguns dos seus leitores. Dentre eles, há o livro de Gilbert Vincent, La religon de Ricoeur34, que apresenta um panorama geral e situa o filósofo nesta questão. Há Richard Kearney, influenciado pela hermenêutica do mito de Ricoeur35, elaborando uma interpretação da religião cujo centro estaria na possibilidade de Deus enquanto ser capaz 36 e, por fim, a sua teoria do anateísmo. 37 Encontramos em David. RICOEUR, Paul. L’herméneutique biblique (présentation et traduction par François-Xavier Amherdt), Paris: Cerf, 2001. 23 RICOEUR, Paul. Essays on Biblical Interpretation. Minneapolis: Fortress Press, 1980. 24 RICOEUR, Paul. Vivant jusqu’à la mort: suivi de fragments. Éditions du Seuil, Mars 200. 25 RICOEUR, Paul. The Religious Significance of Atheism. Columbia University Press: New York and London, 1969. 26 RICOEUR, Paul. The Just. Chicago: The University of Chicago Press, 2000. 27 RICOEUR, Paul. O si-mesmo como outro. São Paulo: Martins Fontes, 2014. 28 RICOEUR, Paul. O mal: um desafio à filosofia e à teologia. Campinas, SP: Papirus, 1988. 29 RICOEUR, Paul. O conflito das interpretações: ensaios de hermenêutica. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1978. 30 RICOEUR, Paul. A metáfora viva. São Paulo: Edições Loyola, 2005, 500p. 31 RICOEUR, Paul. “Croyance”. Encyclopaedia Universalis. V. Paris: Encyclopaedia Universalis France, 1969, pp. 171-176. 32 RICOEUR, Paul. “Mythe 3. L'interprétation philosophique”, In: Encyclopaedia universalis. XI, Paris, Encyclopaedia Universalis France, 1971, 530-537pp. 33 Para tal assunto, conferir RICOEUR, Paul. Vivo Até a Morte. São Paulo: Martins Fontes, 2012. 34 Cf. VINCENT, Gilbert. La religion de Ricoeur. Les Éditions de l’Atelier/Éditions Ouvrières: Paris, 2008. 35 Cf. KEARNEY, Richard. Poetics of Modernity: Towards a Hermeneutic Imagination. New Jersey: Humanities Press Internation, Inc., 1995. 36 Cf. KEARNEY, Richard. The God who May Be: A Hermeneutics of Religion. Indiana University Press, 2002. 22. 20.

(21) Rasmussen um primoroso trabalho acerca do mito e do símbolo na antropologia a partir da filosofia de Ricoeur.38 Olivier Abel escreveu sobre a articulação entre filosofia e teologia no pensamento de Ricoeur.39 Há a coleção de artigos Paul Ricoeur: um filósofo lê a Bíblia40, de Daniel Frey e Pierre Bühler, reunindo os leitores Christophe Pisteur, Jérôme Porée, Kathrin Messner, Nanine Charbonnel, Elian Cuvillier, Hans-Christoph Askani, Jean-Luc Petit, René Heyer e Gilbert Vincent para tratar da repercussão do pensamento de Ricoeur em temas da teologia e filosofia da religião. Em 2008 aconteceu, na Faculdade de Teologia da Université Catholique de Louvain, uma conferência internacional dedicada à religião e à poética no pensamento de Ricoeur.41 É conhecida, ainda, a tese de Loretta Dornisch sobre a fé nos escritos de Ricoeur42, o livro de Dan Stiver sobre a influência de Ricoeur na hermenêutica teológica43, o trabalho de Rebecca Kathleen Huskey sobre a esperança 44, a monumental obra de Kevin Vanhoozer acerca da narrativa bíblica na filosofia ricoeuriana 45 e o texto de Boyd Blundell sobre o movimento da teologia na filosofia e da filosofia na teologia 46. Além disso, há inúmeros artigos que trabalham com assuntos mais específicos – todos listados nas referências bibliográficas desta pesquisa. A despeito das pesquisas mencionadas, a novidade da tese, considerando a produção já existente no campo da filosofia da religião, reside na dobra da religião. Introduzimos o termo “dobra” – termo que tomamos emprestado de Gilles Deleuze – como a chave de leitura para a tese. A dobra filosófica, a rigor, é a apropriação da ontologia no voltar-se para si,. 37. Cf. KEARNEY, Richard. Dieu est mort, vive Dieu: Une nouvelle idée du sacré pour le IIIe millénaire: l’anathéisme. Paris: NiL Éditions, 2011. 38 RASMUSSEN, David M. Mythic-Symbolic Language and Philosophical Anthropology: A Constructive Interpretation of the Thought of Paul Ricoeur. The Hague: Netherlands, 1971. 39 ABEL, Olivier. “Remarques sur l’articulation philosophie-théologie chez Paul Rioceur”. In: Transverses (Revue de l’ICP), n° 101, 2007. Disponível em: http://www.olivierabel.fr/ricoeur/articulation-philosophietheologie-chez-paul-ricoeur.html Acessado em 18 de novembro de 2012. 40 BÜHLER, Pierre. FREY, Daniel. (Org.) Paul Ricoeur: un philosophe lit la Bible. A l’entrecroisement des herméneutiques philosophique et biblique. Editions Labor et Fides: Genève, 2011. 41 Os textos das palestras e comunicações ocorridas no evento estão disponíveis em: VERHEYDEN, J.; HETTEMA, T.L.; VANDECASTEELE, P. (Org.) Paul Ricoeur: Poetics and Religion. Uitgeverij Peeters: Leuven/Paris/Walpole, MA, 2011. 42 DORNISCH, Loretta. Faith and Philosophy in the Writtings of Paul Ricoeur. The Edwin Mellen Press: New York, 1990. 43 STIVER, Dan. Theology after Ricoeur: New Directions in Hermeneutical Theology. Westminster: Westminster John Knox Press, 2001. 44 HUSKEY, Rebecca Kathleen. Paul Ricoeur on Hope: Expecting the Good. Peter Lang Publishing, Inc.: New York, 2009. 45 VANHOOZER, Kevin J. Biblical narrative in the philosophy of Paul Ricoeur: A study in hermeneutics and theology. Cambridge University Press: Cambridge, 1990. 46 BLUNDELL, Boyd. Paul Ricoeur between Theology and Philosophy: Detour and Return. Bloomington: Indiana University Press, 2010, 230p.. 21.

(22) um movimento para dentro rumo ao infinito de um ser quebrado e em processo de reconhecimento. Movimento denso, que incorpora a aporia e requer reflexão. Inspirado no barroco, Deleuze desdobra as dobras na arte. Alegoricamente, elas representam as ações e as mudanças na vida.47 Há perífrases. Os movimentos são circulares. As dobras são infinitas e a vida requer desdobramentos. Na hipótese da tese o pensamento de Ricoeur possui dobras, pois trata-se de um pensamento multifacetado e polivalente. Uma breve análise do percurso filosófico do autor nos demonstra os desvios, i.e., as diferentes direções, de seu pensamento na filosofia. No início de sua carreira, Ricoeur preocupou-se com a liberdade e a natureza, o voluntário e o involuntário. Passou a estudar a questão do símbolo, sobretudo a simbologia do mal. Escreveu sobre a psicanálise e a política. Nos anos 70 percebeu a importância da metáfora para os estudos de filosofia e de teologia. No auge da sua carreira, desenvolveu a questão da linguagem 48 e trabalhou com a fenomenologia reflexiva 49. Com estes estudos dirigiu-se ao trabalho acerca da interpretação dos textos, elaborando uma de suas obras monumentais, denominada Tempo e Narrativa50. Por fim, refletiu sobre temas jurídicos, como o tema da justiça, e dedicou-se, ainda, ao assunto da alteridade. Segundo Boyd Blundell, ao analisar o conteúdo dos livros de Ricoeur – no caso, Tempo e Narrativa e O Si-Mesmo Como Outro –, nota-se um padrão estrutural na obra do filósofo: a estrutura do “desvio e retorno” [detour and return].51 Essa estrutura representa o princípio organizador do pensamento de Ricoeur, refletido não apenas na metodologia, mas também no percurso de seu trabalho. Um desses desvios – que na tese será assumido por desdobramentos – no pensamento de Ricoeur está na religião. Inserido no contexto laboral da aporia, qual é o desdobramento original da religião em Paul Ricoeur? Para esta tarefa, procede-se a partir da articulação entre ontologia e religião no trabalho de Ricoeur, ou seja, a relação entre filosofia e teologia, no ser humano capaz e nas produções sagradas. Não se trata apenas de um exercício hermenêutico de articulação, mas de uma abertura da filosofia de um dos mais importantes e. 47. Cf. DELEUZE, Gilles. Le pli: Leibniz et le baroque. Paris: Lés Éditions de Minuit, 1988, p. 5. Cf. RICOEUR, Paul. Teoria da Interpretação: o discurso e o excesso de significação. Lisboa: Edições 70, 2009, 134p., RICPEUR, Paul. O conflito das interpretações: ensaios de hermenêutica. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1978., e RICOEUR, Paul. Interpretação e Ideologias. 4ª ed. Trad. Hilton Japiassu. RJ: Francisco Alves, 1990. 49 Cf. RICOEUR, Paul. Na Escola da Fenomenologia. Rio de Janeiro: Vozes, 2009, 360p. 50 RICOEUR, Paul. Temps et recit, tome 1: L'intrique et le recit historique. Paris: Seuil, Points Edition, 1991; RICOEUR, Paul. Temps et récit, tome 2, Configuration Dans Le Recit De Fiction. Paris: Seuil, Points Edition, 1991; RICOEUR, Paul. Temps et récit, tome 3, Le temps raconté. Paris: Seuil, Points Edition, 1991. 51 BLUNDELL, Boyd. Paul Ricoeur Between Theology and Philosophy: Detour and Return. Bloomington: Indiana University Press, 2010, p. 65. 48. 22.

(23) expressivos filósofos do século XX. No exercício investigativo, deve ser evidenciada, logo no início, a importância da autonomia da filosofia e da teologia no pensamento do autor. Questionado por François Azouvi e Marc de Launay, no ano de 1996, em uma conversa sobre moral e ética, a respeito da possibilidade da reflexão da existência implicar em duas ordens (uma filosófica, outra religiosa), Ricoeur argumentou que sustentou, durante muitas décadas, ao longo do seu trabalho, a distinção entre os domínios da filosofia e da religião. 52 Entretanto, ele declarou, ao final de sua vida, que tal separação radical já não lhe parecia apropriada. “Creio”, concluiu Ricoeur, “ter avançado suficientemente na vida e na interpretação de cada uma dessas duas tradições para me arriscar sobre os lugares de intersecção”. 53 É esse risco e esses lugares de intersecção que interessam à esta pesquisa. A tese, portanto, é proposta: O ser e o além do ser: a dobra da religião em Paul Ricoeur.54 O risco é existencial (questão do ser) e o lugar da intersecção é reflexivo (questão hermenêutica). A tese estrutura-se na reflexão da dobra com motivação ontológica. A pesquisa assume que esses termos são os mais apropriados para o aprofundamento da religião no pensamento de Ricoeur, tendo como pressuposto a aporia e a ontologia do possível. A estruturação da pesquisa segue a partir da relação de duas fases em Ricoeur. A primeira, representada pelo seu trabalho O Voluntário e o Involuntário, anuncia a ontologia quebrada, uma ontologia rompida.55 Ricoeur é motivado por Karl Jaspers e a questão do “ser” [la question de « l’être »], i.e., a situação limite, como também por Gabriel Marcel e a questão do mistério [la question du « mystère »] no início de sua jornada filosófica. Nesta primeira fase, há uma passagem quase harmoniosa da ontologia para a religião. Uma leitura superficial nos daria a impressão de que Ricoeur busca reconstruir a ontologia quebrada, sobretudo na religião – como propôs Henry Isaac Venema 56. Entretanto, não é este o cami-. “Je ne suis pas un philosophe chrétien, comme la rumeur en court, en un sens volontiers péjoratif, voire discriminatoire. Je suis, d’un côté, un philosophe tout court, même un philosophe sans absolu, soucieux de, voué à, versé dans l’anthropologie philosophique. Et, de l’autre, un chrétien d’expression philosophique, comme Rembrandt est un peintre tout court et un chrétien d’expression picturale et Bach un musicien tout court et un chrétien d’expression musicale”. RICOEUR, Paul. Vivant jusqu’à la mort: suivi de fragments. Éditions du Seuil, Mars 2007, p. 24. 53 RICOEUR, Paul. A Crítica e a Convicção, 2009, p. 251. 54 Título em francês, referente aos estudos realizados no estágio de intercâmbio no Fonds Ricoeur (2012-2013): « L’être et l’au-delà de l’être: le pli de la religion chez Paul Ricoeur » 55 A expressão ontologia quebrada aparece no livro O Conflito das Interpretações: Ensaios de Hermenêutica e é um conceito importante para a compreensão do trabalho de Ricoeur. Cf. RICOEUR, Paul. O Conflito das Interpretações: Ensaios de Hermenêutica.Imago Editora: Rio de Janeiro, 1978, p. 21. 56 “Ricoeur’s philosophical explorations have indeed been deeply motivated by his Christian faith and cannot be isolated from his religious faith”. VENEMA, Henry Isaac. “The Source of Ricoeur’s Double Allegiance”, In: 52. 23.

(24) nho da tese. Há uma outra originalidade na articulação entre filosofia e teologia no pensamento de Ricoeur (que se torna mais nítida na segunda fase). O que existe, neste primeiro estágio, segundo William Schweiker, refere-se ao “prospecto para um novo humanismo” em Ricoeur.57 Qual o papel da religião neste novo humanismo? A dobra da religião se insere nesse novo humanismo. A dobra da religião compreende, envolve e plenifica o ser humano capaz para as diversas dimensões de uma vida engajada filosoficamente e religiosamente. A segunda fase de Ricoeur, na qual a tese alcança a sua originalidade, encontra-se na hermenêutica. Nela, estão as mito-poéticas: o lugar onde a dobra da religião acontece na ontologia quebrada. Diferentemente do primeiro momento, agora não ocorre uma passagem harmoniosa da ontologia para a religião. A esfera religiosa, na dimensão hermenêutica, é uma opinião forte. A religião não pretende ser um fim da ontologia, mas de uma surpresa, i.e., um caminho no qual a ontologia se desvia em direção à religião, porém sem excluir outros meios e outros percursos. Enquanto para Heidegger a ontologia procura suas questões e respostas nela mesma, os problemas e respostas que Ricoeur nos propõe estão na ontologia, mas apontam para além dela. A rigor, a religião é uma dobra em tensão com a ontologia. Cabe, neste momento, a explicação da primeira parte do título da tese: “o ser e o além do ser” [« l ’être et l’au-delà de l’être »]. Sabendo que a tese acontece na intersecção entre a filosofia e a teologia, que sustenta a dobra da religião, pergunta-se: quais são estes lugares? O lugar por excelência é o ser – que caracteriza o teor fenomenológico e existencial da filosofia de Ricoeur. A passagem do ser para o além do ser – que é uma tarefa – decorre na narrativa, nas produções culturais e nas mediações simbólicas ao interpelar a ontologia quebrada. A inovação da religião na intersecção da dobra se dá no limite – herança de Immanuel Kant e Karl Jaspers – cujo limite humano denota o espaço da passagem do ser para o além do ser. A aporia e a ontologia quebrada, ao desdobrarem o limite, pedem a busca de sentido. No entanto, a passagem do ser que busca sentido não se trata de uma passagem metafísica – apesar da filosofia de Ricoeur ter elementos metafísicos (conforme ele mesmo declarou em uma entrevista58). Para ilustrar essa passagem, é possível compará-la à. 57. 58. TREANOR, Brian; VENEMA, Henry Isaac. A Passion for the Possible: Thinking with Paul Ricoeur. New York: Fordham University Press, 2010, p. 63. Cf. SCHWEIKER, William. “Paul Ricoeur and the Prospects of a New Humanism”, In: KAPLAN, David M. (Org.) Reading Ricoeur. State University of New York Press: Albany, 2008. Cf. RICOEUR, Paul. A Crítica e a Convicção: Conversas com François Azouvi e Mard de Launay. Lisboa:. 24.

(25) metáfora de uma montanha: o indivíduo sobe uma montanha e alcança o limite. O que está além, do outro lado, o lado de lá, é o possível pela fé. O lado de cá é o possível pela esperança. Não se trata de projetar o ser para o lado de lá, o além, mas descer a montanha e viver o lado de cá com a fé e esperança (a segunda ingenuidade) 59. A dobra da religião abre caminhos os quais, segundo Ricoeur, não seriam possíveis na ontologia mesma. Em suma, a imagem da passagem do ser para o além do ser é o movimento dinâmico e criativo da dobra na religião. O movimento da dobra, enquanto atividade filosófica, está presente nos diferentes momentos do trabalho de Ricoeur. Interessa à pesquisa os lugares da intersecção entre a filosofia e teologia. O ponto de intersecção inicial, a saber, é a nomeação de Deus.60 É justamente pela nomeação de Deus – o caráter existencial da fé – que há a crítica do aspecto religioso pelo filosófico e a crítica do aspecto filosófico pelo religioso. 61 A nomeação de Deus, enquanto aporia, inaugura reflexões sobre a linguagem religiosa e sobre o ser. O trabalho da nomeação de Deus implica em outro ponto de intersecção: a coexistência da articulação entre religião e filosofia. A coexistência permite o trabalho com esferas de expressões artísticas, culturais, narrativas e, principalmente, religiosas na ontologia quebrada. A ontologia quebrada, enquanto condição do indivíduo, proporciona a busca e os desdobramentos da vida. Evitar-se-á o equívoco de inferir a passagem da ontologia para a religião como se a religião fosse a resposta definitiva de Ricoeur – de certo modo, a religião é uma alternativa à ontologia quebrada, mas não é a resposta final. A coexistência atinge o auge na “ontologia poética”, em meados dos anos 80, onde, segundo Olivier Abel, o pensamento de Ricoeur inclui o não-ser no além do ser, trabalhando com o que pode ser [peut être].62 Um outro ponto de intersecção original surge: o ser humano capaz. A dobra da religião assume a tarefa da reflexão ontologicamente quebrada e existencialmente possível que, na tensão da aporia, abre novos horizontes na vida. Dentre esses horizontes, há a revelação e o perdão. No caso da revelação, é a revelação das coisas que significam mais do que a própria reflexão.. Edições 70, 2009. Em breve definição, a crença polida pela crítica. Cf. RICOEUR. Paul. Da interpretação: ensaios sobre Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1977. 60 RICOEUR, Paul. Entre filosofia e teologia II: “Nomear Deus” (1977). In Leituras 3: Nas Fronteiras da Filosofia. 61 RICOEUR, Paul. O Único e o Singular. São Paulo: UNESP, 2002, p. 17. 62 O adiantamento destes conteúdos podem ser encontrados nas reflexões sobre o mal e o ateísmo, onde Ricoeur trabalha com o conceito de negatividade: o elemento contrário ao ser que possibilita o devir do ser. 59. 25.

(26) No caso do perdão, é a possibilidade do ser que está além das condições comuns. Motivado pela revelação e o perdão, em um de seus últimos trabalhos – uma palestra sobre a crença religiosa63, aos 29 de Novembro de 2000 – Paul Ricoeur destacou, entre os temas do mal e da violência, o papel da religião enquanto a restauração da bondade humana. Restauração e bondade desdobram-se acidentalmente na reflexão com motivações religiosas. O horizonte aberto pela dobra da religião, mesmo em termos filosóficos, possibilita um mundo habitável ao passo que desvios enriquecem valores éticos de convivência. É nesta motivação que Ricoeur declara que, dentre os aspectos exclusivos da religião, um dos mais importantes “é provavelmente o fato da compaixão”. 64 No âmago de sua inquietação, contemplando, do ponto de vista metodológico, a ideia da prioridade do outro65 – e toda questão levantada em O Si-Mesmo Como Outro – Ricoeur assume a prática, i.e., a ação, para que o filosofar, i.e., a leitura engajada do texto, provoque efeito. A compaixão só é possível na união da leitura do texto com a ação proveniente da leitura. Conforme ele declara, “a ética se define para mim pelo desejo da vida boa, com e para os outros, e no desejo de instituições justas” 66. Isso implica em outra intersecção do filosófico com o religioso: a dimensão da justiça e do justo. Tal lugar importante na intersecção no pensamento de Ricoeur visível em suas últimas obras anuncia o testemunho. A reflexão do testemunho vem de Jean Nabert 67, com os seus Éléments pour une éthique.68 Ricoeur concorda com Nabert e assume: “Nabert, com quem estou absolutamente de acordo, levanta o problema nos termos seguintes: de que modo é que a consciência empírica, com as suas enfermidades, as suas limitações, poderia alguma vez unir-se à consciência fundadora?” O testemunho ocupou lugar de destaque nas conclusões de algumas de suas reflexões, propondo pensamentos além da razão e caminhos além da ontologia. Dito isto, a dobra da religião tem o seu lugar de reflexão na interseção entre o filosófico e o religioso no pensamento de Ricoeur e traz novidades acerca da estrutura filosófica do autor e dos conteúdos pertinentes ao ser humano mediado pelas manifestações religiosas .. 63. RICOEUR, Paul. La croyance religieuse. [Filme-vídeo]. Produção de Mission 2000 en France. França, Universités Numériques Thématiques, 29 de Novembro 2000. 1 vídeo digital online, 80 min. Colorido. Som. Disponível em: http://www.canalu.tv/video/universite_de_tous_les_savoirs/la_croyance_religieuse.1186 Acessado em: novembro de 2012. 64 RICOEUR, Paul. A Crítica e a Convicção, 2009, p. 251. 65 Cf. RICOEUR, Paul. A Crítica e a Convicção, 2009, p. 251. 66 RICOEUR, Paul. A Crítica e a Convicção, 2009, p. 251. 67 RICOEUR, Paul. A Crítica e a Convicção, 2009, p. 252. 68 Cf. NABERT, Jean. Élements pour une éthique. PUF: Paris, 1923.. 26.

(27) A exploração desse lugar de intersecção é a novidade da tese, cuja proposta reside em uma situação de tensão que, ao invés de solucionar ou propor uma metafísica, apagando a aporia, sustenta a problemática e “dá o que pensar”. Em suma, a dobra da religião realiza um desdobramento narrativo, da descoberta do si, para as espessuras temporais que emergem enriquecidas pelos mitos e símbolos que configuram um ser humano capaz. Sobre questões metodológicas e práticas, utilizou-se, via de regra, a edição francesa dos textos de Paul Ricoeur, sobretudo os artigos dedicados exclusivamente aos temas da religião, teologia, Bíblia e hermenêutica. A fim de facilitar a apreciação da pesquisa, os textos foram traduzidos ao vernáculo pelo presente pesquisador e revisados pelo Dr. Etienne Alfred Higuet, mantendo os originais em notas de rodapé quando citados na íntegra. Por razões puramente circunstanciais, que remetem à trajetória do pesquisador, foram utilizadas também as boas traduções inglesas e portuguesas de algumas obras centrais do filósofo. Quando há a citação de passagens bíblicas, serviu-se, sempre que possível, da tradução da Bíblia de Jerusalém. A respeito dos aspectos didáticos, o referencial teórico é a fenomenologia hermenêutica, seguindo a tendência da escola fenomenológica proposta por Paul Ricoeur69, presente em diversos meios de pesquisa, como no Fonds Ricoeur e no The University of Chicago Divinity School – cuja proximidade à esta pesquisa é imprescindível. O método de trabalho orienta-se com base em investigação bibliográfica e por uma metodologia analítica, a fim de evitar vícios no pensamento e na crítica. A análise, com incidência fenomenológica hermenêutica, interessar-se-á por verificar, descrever e desenvolver a articulação entre análise e reflexão, presente no pensamento de Ricoeur em questão: a dobra da religião enquanto reflexo do pensamento nos aspectos vividos e pensados. Deste modo, o nosso percurso assume, a respeito dos conteúdos da tese, o caminho do meio: nem a confusão da teologia na filosofia – proposta por autores como Henry Venema, ao estipular que “a separação entre a confissão religiosa e a autonomia do pensamento”, em Ricoeur, “não pode ser mantida”70 – e nem o esvaziamento das preocupações religiosas de Ricoeur – como pretendeu a filosofia, de um modo geral, sobretudo a francesa, no espírito da laicidade. Quanto. 69 70. Cf. RICOEUR, Paul. À l'école de la phénoménologie. Paris: Vrin, 2004. “Ricoeur’s philosophical explorations have indeed been deeply motivated by his Christian faith and cannot be isolated from his religious faith”. VENEMA, Henry Isaac. “The Source of Ricoeur’s Double Allegiance”, In: TREANOR, Brian; VENEMA, Henry Isaac. A Passion for the Possible: Thinking with Paul Ricoeur. New York: Fordham University Press, 2010, p. 63.. 27.

(28) às normas, evidencia-se o uso da norma germânica de títulos. A fim de assegurar a eficiência, a praticidade e a estética da leitura do texto, as citações são feitas em notas de rodapé.71 Por fim, no que diz respeito a estrutura da tese, no primeiro capítulo, de característica expositiva, tem por finalidade apresentar os critérios adotados para o recorte da tese, como também os fundamentos de seus conteúdos, a saber, as primeiras aproximações hermenêuticas à obra de Ricoeur, a relação da filosofia e teologia no pensamento do autor, a aporia, a ontologia quebrada e a primeira reflexão advinda deste diálogo: a nomeação do nome divino. A partir do segundo capítulo, analisar-se-á a questão hermenêutica, os seus limites, e aprofundar-se-á a linguagem e a temporalidade na dobra da religião, motivado pelo papel da fenomenologia da consciência do tempo no estudo das religiões e a importância da tipologia do tempo mítico para a dobra religiosa.72 O terceiro capítulo retomará o teônimo e a ontologia quebrada para a interpretação metafórica da religião e comparará, hermeneuticamente, a ontologia aristotélica e a ontologia do Sinai. A dobra se concretizará pela ontologia do possível e as possibilidade do ser. O quarto e último capítulo aprofundará a fenomenologia do possível nas aporias com a sofisticação teológica da interpretação metafórica da virada religiosa. A questão do destino norteará a dobra, alcançando, finalmente, o caminho original da dobra da religião: a dobra existencial. A dobra da religião aponta para um espiral de uma antropologia filosófica da própria vida de Ricoeur demonstrando-se como uma reflexão do ser humano capaz. Na conclusão, serão aprofundadas as reflexões propostas, conforme uma análise crítica e com considerações hermenêuticas, de onde serão tiradas implicações para a pesquisa da filosofia e da religião no pensamento de Paul Ricoeur.. 71. Consideramos as notas ao longo do texto antiestéticas e impraticáveis, levando o leitor a cansativas viagens às referências bibliográficas, interrompendo a leitura do texto, com o propósito de consultas precisas acerca do título e da edição das obras citadas. 72 “This is why I am tempted to say that this tragic resolution constitutes only one extreme of the range of solutions provided by religions to the relation between sacred and profane time. (A typology of the range of evaluationss attached to this relation would be a worthwhile project)”. RICOEUR, Paul. “The History of Religions and the Phenomenology of Time Consciousness”. In: KITAGAWA, Joseph M. (Ed.) The History of Religions: Retrospect and Prospect, p. 21.. 28.

(29) CAPÍTULO I UMA DOBRA SINGULAR: FILOSOFIA E TEOLOGIA EM PAUL RICOEUR. “Penso que a tarefa do século vindouro, perante a mais terrível ameaça já conhecida pela humanidade, será a de reintegrar os deuses.” André Malraux. I.1 Demarcando os domínios da filosofia e da teologia A tese, inicialmente, faz um exercício reflexivo acerca da articulação entre filosofia e teologia em Paul Ricoeur. Apesar de pouco explorada pela academia filosófica, essa articulação é densa, ao ponto de alguns escritores, como Loretta Dornisch, proporem a discussão da filosofia e teologia como uma introdução às obras de Ricoeur. 73 Outros, como Henry. 73. Cf. DORNISCH, Loretta. Faith and Philosophy in the Writings of Paul Ricoeur. The Edwin Mellen Press:.

(30) Isaac Venema, acreditam que não há filosofia em Ricoeur sem a teologia. 74 Por haver em Ricoeur a presença forte da religião em sua obra, é possível, em motivações ingênuas – na dinâmica da ingenuidade [naïvité] –, a elevação da religião à julgamentos positivos no autor. Entretanto, conforme destaca Gilbert Vincent, as religiões, em geral, e o cristianismo, em particular, para Ricoeur, “impõem uma visão geralmente pessimista da condição humana”75. A crítica filosófica, neste caso, faz-se necessária, em nome da razão e da emancipação do ser humano. Tal crítica é a motivação pelo estudo da religião no filósofo. Há, à vista disso, na reflexão do sagrado, uma nascente de problemáticas originais, cujos discursos independem da teologia. A leitura deles é acessível a qualquer leitor interessado em filosofia. Em seus textos autobiográficos 76 Ricoeur nunca escondeu a adesão à fé cristã. 77 Parte da herança religiosa provém dos avós. O avô era orientado por um protestantismo liberal, enquanto a avó tinha tendências pietistas. A prática de leitura da Bíblia veio da avó. Entre tendências opostas, Ricoeur situa suas interpretações bíblicas no âmbito da pneumatologia. 78 Para ele a inspiração da leitura estava nos Salmos, nos escritos de Sabedoria e nas BemAventuranças. Os textos devocionais interessavam mais que os de orientação dogmática. “Privilegiava a prática privada da leitura, da oração e do exame de consciência” 79, declarou sobre a leitura da Bíblia. “Circulei sempre entre estes dois pólos: um pólo bíblico e um pólo racional e crítico; dualidade essa que, finalmente, se manteve durante toda a minha vida” 80, conclui sobre a sua hermenêutica bíblica. “Sou muito apegado a essa dualidade” 81, comentou em outra ocasião acerca da sua dupla distinção: crente e agnóstico. O filósofo não se desviou do confronto causado pelas controvérsias que lhe rodeavam.82 Em sua convicção de vida, o enfrentamento dos problemas é feito com fé, sobretudo. New York, 1990. Cf. VENEMA, Henry Isaac. “The Source of Ricoeur’s Double Allegiance”, In: TREANOR, Brian; VENEMA, Henry Isaac. A Passion for the Possible: Thinking with Paul Ricoeur. New York: Fordham University Press, 2010, p. 63. 75 “Selon Paul Ricoeur, les religions en général, le christianisme en particulier, ont généralement imposé une vision pessimiste de la condition humaine”. Cf. VINCENT, Gilbert. La religion de Ricoeur. Les Éditions de l’Atelier/Éditions Ouvrières: Paris, 2008, p. 23. 76 Sobretudo Réflexion faite e La critique et la conviction. 77 Mais detalhes sobre este assunto: MONGIN, Olivier. Paul Ricoeur. Paris: Éditions du Seuil, 1994, pp. 200204. 78 Por pneumatologia a tese compreende a dimensão teológica da reflexão da vivência espiritual. 79 RICOEUR, Paul. A Crítica e a Convicção: Conversar com François Azouvi e Mard de Launay. 2009, p. 16. 80 RICOEUR, Paul. A Crítica e a Convicção: Conversar com François Azouvi e Mard de Launay. 2009, p. 16. 81 RICOEUR, Paul. Paul Ricoeur: o único e o singular, 2002, p. 23 82 RICOEUR, Paul. Living up to Death. The University of Chicago Press: Chicago, 2007, p. xix. 74. 30.

(31) nas situações insondáveis e inexplicáveis. De sua fé, atestou: “o acaso transformado em destino por uma escolha contínua”83. Ser cristão extrapola os limites dogmáticos ou tradicionais. Concerne, antes de tudo, uma rede de preocupações, tanto de motivações filosóficas como religiosas, acerca da alteridade, da vulnerabilidade, da finitude e do reconhecimento. Segundo ele, o cristão é “alguém que professa a adesão primordial à vida, palavras e morte de Jesus”84. Ricoeur acompanha a tradução de André Chouraqui da palavra grega pistis (que poderia ser traduzia por “fé”) enquanto adesão, aderência absoluta.85 O cristianismo se insere entre o destino e a convicção. É no sentido vivencial do assumir o destino que há a escolha constante. O termo adesão, deste modo, apresenta-se como o mais adequado, uma vez que a adesão à determinada tradição interpela vivências e aproxima uma esperança imanente enraizada na crença do transcendente.86 “Transformar o acaso em destino” é uma fórmula que aparece frequentemente nos escritos de Ricoeur, conforme também notou Gilbert Vincent 87, sobretudo quando o filósofo desejou responder à questão de sua adesão religiosa. Essa fórmula que será aprofundada na última etapa da pesquisa ao versar sobre uma filosofia antropológica. No coração da minha própria convicção, da minha própria confissão, eu reconheço que há um fundo que não posso controlar. Eu discirno no fundo da minha adesão uma fonte de inspiração que, por sua exigência de pensamento, sua força de mobilização prática e sua generosidade emocional, ultrapassa a minha capacidade de acolhimento (recepção) e compreensão.88. A mediação da fé em Ricoeur implica numa reflexão a respeito do papel da adesão religiosa, considerando o mistério e a profundidade insondável desta adesão. 89 Ricoeur, num artigo de 1996, menciona sua relação inquieta com a figura de Jesus o Cristo diante da insondabilidade da esfera religiosa. Jesus é apenas um modelo a ser seguido? Ou é o substitu-. “‘Un hasard transformé en destin par un choix continu’: mon christianisme”. RICOEUR, Paul. Vivant jusqu’à la mort: suivi de fragments. 2007, p. 99. 84 “A Christian: someone who professes a primordial adhesion to the life, the words, the death of Jesus”. RICOEUR, Paul. Living up to Death, 2007, p. 69. 85 Cf. DOSSE, François. Paul Ricoeur: Les sens d’une vie (1913-2005), p. 556. 86 RICOEUR, Paul. Living up to Death, 2007, p. 63. 87 Cf. VINCENT, Gilbert. La religion de Ricoeur, p. 122. 88 “Au creux même de ma propre conviction, de ma propre confession, je reconnais qu’il y a un fond que je ne maîtrise pas. Je discerne dans le fond de mon adhésion une source d’inspiration qui, par son exigence de pensée, sa force de mobilisation pratique, sa générosité émotionnelle, excède ma capacité d’accueil et de compréhension.” RICOEUR, Paul. “La croyance religieuse: le difficile chemin du religieux”, In: JACOB, Odile (Org.) La Philosophie Et L'Éthique: Université De Tous Les Savoirs T.11; pp. 223-224. 89 RICOEUR, Paul. Living up to Death, 2007, p. 68. 83. 31.

Referências

Documentos relacionados

Desta forma, dada sua importância e impacto econômico como doença da esfera da reprodução, além da carência de informações atuais sobre leptospirose em suínos

inclusive com a alteração da destinação das áreas remanescente que ainda serão recebidas em permuta pelo clube; Ratificar a  nomeação dos cargos da Diretoria Executiva,

Entre as atividades, parte dos alunos é também conduzida a concertos entoados pela Orquestra Sinfônica de Santo André e OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São

Os titulares de uma licença de Piloto de Ultraleve (PU) para poderem beneficiar do previsto no Ponto 5.2 da presente CIA, devem ter realizado pelo menos um voo, que tenha incluído

Com base no trabalho desenvolvido, o Laboratório Antidoping do Jockey Club Brasileiro (LAD/JCB) passou a ter acesso a um método validado para detecção da substância cafeína, à

Algumas tabelas que criamos apresentam uma alta variabilidade, seja pela imprecisão de informação ou por uma rotatividade dessa. Estudando o lucro de uma empresa,

Através do diagnostico também é feito o acompanhamento psicológico com os pais da criança e o agressor, tendo como intuito tanto em compreender o pai e, a

Reproductive modes (sensu Haddad &amp; Prado 2005) presented by the anuran species recorded in the northwestern region of São Paulo state. A) Mode 30, presented by species of