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Iconografia cientifica : um estudo sobre as representações visuais na ciencia

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Academic year: 2021

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(1)Marcelo do Amaral Penna-Forte. Iconografia científica um estudo sobre as representações visuais na ciência. Tese de doutorado apresentada ao Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas sob a orientação do Prof. Dr. José Carlos Pinto de Oliveira. Este exemplar corresponde à redação final da Tese defendida e aprovada pela comissão julgadora em 29 de Agosto de 2006 BANCA Prof. Dr. José Carlos Pinto de Oliveira (orientador) Prof. Dr. Caetano Ernesto Plastino (membro) Prof. Dr. Jézio Hernani Bomfim Gutierre (membro) Prof. Dr. Marcos Barbosa de Oliveira (membro) Profa. Dra. Maria Eunice Quilici Gonzales (membro) Profa. Dra. Fátima Regina Rodrigues Évora (suplente) Prof. Dr. José Oscar de Almeida Marques (suplente) Prof. Dr. Sílvio Seno Chibeni (suplente). Agosto 2006.

(2) FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP. P381i. Penna-Forte, Marcelo do Amaral Iconografia científica: um estudo sobre as representações visuais na ciência / Marcelo do Amaral Penna-Forte. - Campinas, SP : [s. n.], 2006.. Orientador: José Carlos Pinto de Oliveira. Tese (doutorado ) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.. 1. Ciência - Filosofia. 2. Representação (Filosofia). 3. Epistemologia. 4. Naturalismo. 5. Ilustrações científicas – História. 6. Ilustrações científicas – Filosofia. I. Oliveira, José Carlos Pinto de. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.. (cc/ifch). Título em inglês: Scientific iconography: a study on the visual representation in science Palavras - chave em inglês (Keywords): Science - Philosophy Representation (Philosophy) Epistemology Naturalism Scientific illustration - History Scientific illustration - Philosophy Área de concentração : Filosofia Titulação : Doutor em Filosofia Banca examinadora : José Carlos Pinto de Oliveira, Caetano Ernesto Plastino, Jézio Hernani Bomfim Gutierre, Marcos Barbosa de Oliveira, Maria Eunice Quilici Gonzales Data da defesa : 29-08-2006 Programa de Pós-Graduação :- Filosofia. 2.

(3) As pessoas deveriam falar menos e desenhar mais. Pessoalmente, eu gostaria de renunciar inteiramente à linguagem e, como a natureza orgânica, comunicar visualmente tudo o que tenho a dizer. Goethe. 3.

(4) 4.

(5) 5.

(6) 6.

(7) índice. ................................................................................................................................ Lista de Figuras .................................................................................................................................................. Resumo .................................................................................................................................................. Prólogo. 9 11 13. 1 INTRODUÇÃO 1.1 O crescente interesse pela visualização ............................................................................. 1.2 De como a representação virou enunciado ...................................................................... .......................................................................................................... 1.3 A questão deste estudo. 17 21 27. 2 ESTRATÉGIAS NATURALISTAS 2.1 Introdução 2.1.1 Sumário: imagem ampla e estudos pontuais ............................................................... .............................................................................................................. 2.1.2 Novo Vocabulário?. 31 36. 2.2 O que se entende aqui por função? ................................................................................................... 2.2.1 Intenção e conseqüência 2.2.2 Análise funcional em Kuhn ............................................................................................... 2.2.3 Kuhn e a função dos experimentos mentais ............................................................... 2.2.4 Caracterização geral de um estudo sobre funções ..................................................... 41 44 48 53. 2.3 Ilustrações 2.3.1 Representação científica ou função científica?. 57. 7. ............................................................

(8) 3 MODELOS 3.1 Introdução 3.1.1 Sumário: a ubiqüidade dos modelos na ciência 3.1.2 Modelos visuais e expressão visual de modelos. ........................................................ ......................................................... 63 72. 3.2 O que se entende aqui por representação? 3.2.1 Dos modelos às representações ........................................................................................ 3.2.2 Crítica das condições miméticas ..................................................................................... 3.2.3 Apologia das condições miméticas ................................................................................. ....................................................................................................... 3.2.4 Novamente as funções. 76 80 86 94. 3.3 Ilustrações 3.3.1 Huygens e as ilustrações do Systema Saturnium. 99. ......................................................... 4 COMUNIDADE 4.1 Introdução 4.1.1 Sumário: a comunidade como unidade de análise .................................................... 107 4.1.2 Reducionismo social e cognitivo ..................................................................................... 114 4.2 O que se entende aqui por ciência? 4.2.1 Kuhn e o esboço de uma teoria do significado ........................................................ ............................................................................... 4.2.2 A virada lingüística de Kuhn 4.2.3 A persistência de componentes não-lingüísticos ........................................................ 4.2.4 Léxicos como sistemas representacionais ....................................................................... 120 126 130 135. 4.3 Ilustrações 4.3.1 Linguagens visuais 4.3.2 Densidade do léxico. ............................................................................................................... 141 152. ............................................................................................................................. 163. ............................................................................................................................................ 175 179 187. 5 CONCLUSÃO Apêndice A Apêndice B Bibliografia. .................................................................................................................. ........................................................................................................................................... ............................................................................................................................................ 8.

(9) lista de figuras. 2-1: ‘Nanomáquina’ – In: Ottino, J. (2003) “Is a Picture Worth 1,000 Words?” Nature 421/Janeiro. [p.745].. ........................ 58. 3-1: Representações naturalísticas da aparência visual de Saturno – In: Huygens, C. (1659) Systema Saturnium. The Dibner Library of the History of Science and Technology / Smithsonian Institution Libraries. Digital Edition 1999. [p. 35]. ........................ 101. 3-2: Representação diagramática da aparência visual de Saturno – In: Huygens, C. (1659) Systema Saturnium. The Dibner Library of the History of Science and Technology / Smithsonian Institution Libraries. Digital Edition 1999. [p. 47]. ........................ 102. 3-3: Representação naturalística/diagramática da aparência visual de Saturno – In: Huygens, C. (1659) Systema Saturnium. The Dibner Library of the History of Science and Technology / Smithsonian Institution Libraries. Digital Edition 1999. [p. 55]. ........................ 104. 4-1: Diagrama da emergência da linguagem visual na geologia – In: Rudwick, M. (1976) “The Emergence of a Visual Language for Geological Science - 1760-1840”. History of Science 14. [p.178]. ........................ 142. 4-2: Prancha 55 do Atlas et description minéralogique de la France (1770) – In: Rudwick, M. (1976) “The Emergence of a Visual Language for Geological Science - 1760-1840”. History of Science 14. [p.167]. ........................ 144. 4-3: Petrographische Karte (1778) – In: Rudwick, M. (1976) “The Emergence of a Visual Language for Geological Science - 17601840”. History of Science 14. [p.168]. ........................ 145. 4-4: Geological Map of Isle of Wight (1816) – In: Rudwick, M. (1976) “The Emergence of a Visual Language for Geological Science - 1760-1840”. History of Science 14. [p.169]. ........................ 146. 9.

(10) 4-5: Corn Kernel Specimens – In: The Barbara McClintock Papers. Profiles of Science / National Library of Medicine. [http://profiles.nlm.nih.gov/LL] [Modificado para facilitar a diagramação]. ........................ 148. 4-6: Diagrama geral da Célula (1896) – In: Maienschein, J. (1991) “From Presentation to Representation in E.B.Wilson’s The Cell”. Biology and Philosophy 6. [p.231]. ........................ 153. 4-7: Diagrama geral da Célula (1925) – In: Maienschein, J. (1991) “From Presentation to Representation in E.B.Wilson’s The Cell”. Biology and Philosophy 6. [p.232]. ........................ 154. 4-8: Fertilização (1896) – In: Maienschein, J. (1991) “From Presentation to Representation in E.B.Wilson’s The Cell”. Biology and Philosophy 6. [p.237]. ........................ 155. 4-9: Fertilização (1925) – In: Maienschein, J. (1991) “From Presentation to Representation in E.B.Wilson’s The Cell”. Biology and Philosophy 6. [p.238]. ........................ 155. 4-10: Iguanodonte, por Nibbs (1838) – In: Rudwick, M. (1992) Scenes From Deep Time. Chicago: University of Chicago Press. [p.77]. ........................ 158. 4-11: Iguanodonte, por Martin (1838) – In: Rudwick, M. (1992) Scenes From Deep Time. Chicago: University of Chicago Press. [p.79]. ........................ 158. 4-12: Iguanodonte, por Kuwasseg (1851) – In: Rudwick, M. (1992) Scenes From Deep Time. Chicago: University of Chicago Press. [p.119]. ........................ 159. 4-13: Iguanodonte, por Hawkins (1862) – In: Rudwick, M. (1992) Scenes From Deep Time. Chicago: University of Chicago Press. [p.192]. ........................ 160. A-1: Prancha 44 do Atlas et description minéralogique de la France. – In: Ford, B. (1992) Images of Science: A History of Scientific Illustration. Londres: British Library. [p.141]. ........................ 175. A-2: – In: Ford, B. (1992) Carte géognostique des environs de Paris – In: Ford, B. (1992) Images of Science: A History of Scientific Illustration. Londres: British Library. [p.143]. ........................ 176. A-3: – In: Ford, B. (1992) Mapa geológico do sudoeste da Inglaterra – In: Ford, B. (1992) Images of Science: A History of Scientific Illustration. Londres: British Library. [p.139]. ........................ 177. 10.

(11) resumo A presente tese elabora um quadro geral para o estudo das representações visuais, tal como são utilizadas na atividade científica, na perspectiva de uma filosofia naturalista da ciência. Para tanto, é encaminhado um questionamento acerca das funções das representações visuais que passa pela consideração, orientada para este fim, da pertinência das análises funcionais, de uma noção adequada de representação e da caracterização da ciência como um sistema de representações. Conclui-se, finalmente, que as funções das representações visuais concernem à elaboração, ao desenvolvimento e, por vezes, à modificação da rede de similaridades que constitui a ciência.. abstract This dissertation is concerned with the exposition of a naturalistic general framework for the study of visual representations as they are used in the scientific activity. It raises the question of the role played by the visual representations in science. In order to do so, it argues for a functional analysis as a philosophical approach, suggests a suitable notion of representation, and describes science as a representational system. Finally, it concludes that visual representations can contribute to the establishment, to the improvement, and to the revision of the network of similarities that constitutes science.. 11.

(12) 12.

(13) prólogo. Como parte da minha formação, as pesquisas do mestrado foram mais valiosas para o desenvolvimento de uma noção de historicidade das redes conceituais da Filosofia que para o domínio de conteúdos teóricos específicos. O entusiasmo com a leitura histórica dos textos filosóficos contemporâneos deixou-me inclinado a buscar no passado da tradição filosófica um direcionamento para problemas atuais da área e cheguei a considerar, com essa estratégia, algumas opções de temas para o doutorado. No entanto, também pude acompanhar de perto o quanto estão relacionadas as articulações de problemas relevantes em uma reflexão sobre a ciência com os pressupostos mais gerais das grandes correntes filosóficas. Comecei a considerar que temas pouco explorados na Filosofia da Ciência poderiam mostrar-se caminhos promissores para uma investigação caso eu conseguisse estabelecer que movimentos das atuais perspectivas sobre a atividade científica constituíam amplas modificações. Após ensaiar essa estratégia com alguns temas e afastamentos da tradição, concentrei-me em analisar a possibilidade de encaminhar um questionamento sobre o papel das representações visuais na ciência em uma visão não-enunciativa da ciência. A pertinência de uma reflexão sobre o assunto carecia de análise detalhada. Cada vez mais na pedagogia científica são utilizados diagramas e ilustrações; cada vez mais a comunicação científica está escorada em registros pictográficos, seja como output de. 13.

(14) instrumentação, seja na apresentação sintética de dados; e, por fim, cada vez mais a disseminação cultural, compreendida de modo amplo, se dá através de imagens. A pergunta que eu precisava responder era sobre o interesse filosófico pelo tema. Para tanto, busquei auxílio em Kuhn, o autor com o qual lidara no mestrado, e estabeleci o projeto de doutorado como a exploração de seu esboço de uma teoria sobre o significado como ponto de partida para a análise das representações visuais. A idéia, nesta época, era a de expandir as abordagens semânticas para que incluíssem aspectos visuais. A partir de então, minhas pesquisas tomaram um rumo bem mais tortuoso e fui levado a reconsiderar tal estratégia. Mesmo aprovando as direções que foram aos poucos se impondo, nunca estive convencido de estar trilhando um caminho seguro; em vez disso, fico tentado a dizer, minha impressão era a de que ele era aberto a foice. Enquanto procurava por uma bibliografia segura, crescia a minha convicção de que o tema das representações visuais ganhava terreno e era incorporado em perspectivas que não foram, de início, desenvolvidas para lidar com elas. Sua apreciação era variada conforme a linha de pesquisa adotada, mas, em geral, proporcionava tanto a abertura de caminhos de investigação quanto ‘evidências recém descobertas’ em prol de cada uma delas. Nunca, no entanto, tais tratamentos podiam ser considerados aplicações diretas e exigiam qualificações ou extensões para que fossem incorporadas em tais perspectivas. Muito da teorização sobre as representações visuais é, na verdade, o resultado desses retoques conceituais. Aos poucos foi ficando claro para mim que uma apreciação conjunta desses recentes trabalhos constituía, por si só, uma tarefa exígua. Por fim, isso me levou a considerar, cada vez com mais atenção, as próprias abordagens em detrimento dos conteúdos apresentados nos estudos de caso. Tanto as motivações quanto as dificuldades da pesquisa estão, é claro, refletidas no seu resultado final. Comparado com a pesquisa que o precedeu, entretanto, o estudo que ora apresento é bastante direto. Ele foi escrito segundo um esforço deliberado para que permanecesse tópico e, através disso, respondesse às dificuldades encontradas. 14.

(15) durante a pesquisa. Com isso, ainda, ele resultou mais propositivo e menos exegético. As diferenças entre a relativa confusão das inumeráveis investigações paralelas e a relativa organização das páginas que seguem foram acompanhadas, de diferentes modos, por aqueles a quem eu gostaria agora de agradecer. Ao José Carlos em primeiro lugar, pelo seu envolvimento em diferentes etapas dessa pesquisa, seja na forma da confiança demonstrada em seu início, da paciência diante de sua maturação ou da constante disponibilidade, nos últimos meses da redação final, para sugerir, discutir e oferecer soluções. Aos diversos interlocutores não-filósofos que serviram inadvertidamente de baliza intelectual e aos colegas de profissão que o fizeram de forma consciente. Em especial, dados os momentos cruciais de suas intervenções, gostaria de consignar as ‘poucas mas boas’ referências indicadas por Pauline Sargent e por Paulo Abrantes no início deste trabalho e o consistente direcionamento oferecido por Caetano Plastino e Jézio Gutierre em seu desfecho. Aos membros da banca examinadora, sou ainda grato por transformarem o que tinha tudo para ser um rito sumário numa oportunidade de crescimento acadêmico. Aos colegas de departamento na FFC/Unesp — professores, alunos e à Edna — pelo rico convívio dos últimos anos e pelo ambiente extraordinariamente propício à reflexão livre e responsável. Em particular ao Ricardo Monteagudo e ao Carlos Eduardo, devido aos quais pude desocupar-me de algumas obrigações durante a redação final, e à Nice e ao Ricardo Tassinari, que sempre se mostraram dispostos à discussão, ainda que, por minha própria reticência, ela não tenha sido bem explorada. Registro ainda meu reconhecimento ao auxílio recebido do CNPq e da FAPESP. Enfim, aos amigos, agradeço por continuarem amigos, depois de uma longa ausência ‘física e mental’. Devo uma especial deferência às Lúcias, pelo inabalável incentivo que delas recebi, e à Dione, que sofreu comigo cada insegurança e me animou a continuar.. 15.

(16)

(17) capítulo 1. Introdução. Meu objetivo nesta introdução é o de apresentar a questão que orienta este estudo (1.3). Na discussão que antecede a questão, passo de uma constatação histórica referente a uma ampla comunidade de investigação (1.1) à exposição, num plano teórico centrado na filosofia da ciência (1.2), daquilo que responde em grande parte pelas feições características da literatura corrente concernente às representações visuais na ciência.. 1.1 O crescente interesse pela visualização Um estudo sobre a documentação visual proveniente da ciência pode ter abordagens muito variadas. Ele pode ser efetuado seja a partir da história da ciência, da arte ou da tecnologia, seja através de reflexões filosóficas, sociológicas ou cognitivas que tenham como objeto estes mesmos campos. Chama a atenção, portanto, a despeito da possível multiplicidade de perspectivas — cada qual com orientações provenientes de tradições mais amplas —, que, até meados do século XX, o tema tenha sido subexplorado. Os trabalhos realizados até, pelo menos, a metade da década de setenta são raras exceções que permaneceram completamente marginais em suas respectivas áreas. Com efeito, os autores que se debruçaram, a partir de então e até os anos oitenta, sobre o tema das representações visuais na ciência de modo mais sistemático podem ser considerados os. 17.

(18) pioneiros de um campo de estudos de contornos pouco precisos. Este quadro contrasta com a atual produção acadêmica que, desde a década de noventa, conta não só com o interesse de intelectuais de renome em suas áreas, mas com um crescente número de trabalhos longe dos holofotes, como grupos de leitura, seminários, disciplinas específicas e teses. E isso é válido para qualquer área que se tome como exemplo. Sobre as motivações do saliente interesse específico pelos aspectos visuais da atividade científica, a mais evidente aponta para o declínio de uma imagem da ciência que a caracterizava fundamentalmente como um corpo de enunciados. Apesar de ter sido elaborada e desenvolvida explicitamente em uma das variedades do discurso metacientífico, a filosofia da ciência, essa imagem foi reiterada pelas demais em seus diversos modos de lidar com seu objeto. De uma divisão do trabalho intelectual entre filósofos e demais estudiosos a manifestações amplas de segregação cultural, como as que seguiram ao ensaio de Snow, The Two Cultures, a percepção de algum tipo de demarcação entre a ciência e as demais atividades humanas era um ponto pacífico que explicaria a diferença de seus produtos. Com efeito, as pretensões de cada perspectiva, estabelecidas em tal imagem, criaram em conjunto alguns pontos cegos, territórios de ninguém. O declínio de tal imagem da ciência certamente pode ser arrolado como um dos fatores que contribuiu para o aproveitamento de recursos antes considerados irrelevantes, desde uma atenção à cultura material na ciência à exploração dos paralelismos entre ciência e arte. A indicação dessa causa nos proporciona uma visão bastante geral do ocorrido. Uma visão ainda imprecisa na medida em que a própria percepção de que tal imagem de ciência era desatenta a características importantes da ciência contribuiu, por sua vez, para o seu declínio. A inspeção das motivações presentes na emergência de tais estudos em cada área pode nos proporcionar um quadro mais preciso. Além disso, tal inspeção poderá nos capacitar a identificar e a entender as conseqüências desse desenvolvimento. 18.

(19) simultâneo e paralelo, sendo a interdisciplinaridade uma das mais importantes entre elas. Em relação aos trabalhos pioneiros das décadas de setenta e oitenta, dois autores, Edgerton e Rudwick, são bastante representativos e influentes para serem mencionados nesse sumário. O primeiro, historiador da arte, explora as relações entre o renascimento nas artes e o advento da ciência moderna na esteira de um quadro que Panofsky tornou conhecido. O segundo, historiador da ciência, relaciona o advento da geologia moderna com o estabelecimento de uma linguagem visual. Ambos introduzem seus artigos como reações a práticas historiográficas e filosóficas que negligenciaram o papel das ilustrações científicas ou dos ‘modos visuais de discurso’ na ciência. A grande confluência de trabalhos para o tema da visualização ocorreu, nos anos noventa, em outra área, na sociologia da ciência — e dela para o campo mais abrangente dos ‘estudos sobre ciência e tecnologia’. Inicialmente, estudos diligentes da prática científica chamaram afinal a atenção para os aspectos visuais da atividade científica de um modo particularmente incisivo. A partir dos estudos sobre instrumentalização, observou-se que parcela considerável dos instrumentos é planejada de modo a gerar um output de algum modo visual (gráficos, fotos, trilhas, imagens digitais, etc) e que seu papel tanto na fixação da evidência como na fixação da crença, temas caros ao construtivismo, era então insuficientemente considerado. Knorr-Cetina ilustra o primeiro tema ao argumentar que a passagem dos dados à evidência, ou do laboratório à publicação, ocorre quando o que foi ‘visto’ passa a ser organizado socialmente. Latour explora o segundo tema do ponto de vista do poder persuasivo das imagens — tratadas por isso como um dos tipos mais importantes de suas inscrições — na retórica científica, capazes de oferecer vantagens únicas em uma situação polêmica. Para outros autores, como Lynch, a cultura visual da ciência passa a ser um tema central de sua reflexão, pois, na medida em que sua produção mostra uma ativa reconstrução do mundo, ela encerra um cenário ideal para observar as relações sociais em jogo.. 19.

(20) Galison, por sua vez, ressalta o papel de documentos visuais na comunicação. Para ele, a crescente complexidade dos aparatos destinados a propiciar o prosseguimento das pesquisas científicas gera diferentes subculturas e a tarefa específica de coordenação surge como um novo problema para o estudioso da ciência. A visualização dos dados é então enfocada como os principais liames que interligam, nas ‘zonas de comércio’, diferentes tradições técnicas. Também as inter-relações entre a imaginação e o pensamento visual, em especial em estudos voltados para a tecnologia, passaram a ser consideradas, sobretudo após Ferguson, indispensáveis às nossas intervenções sobre o mundo. Num contexto científico, tais inter-relações foram encaminhadas por Miller em termos de intuições e visualizações numa análise que associa fortemente o processo criativo nas ciências e na arte. A comunicação e o pensamento não verbal foram ainda abordados em estudos da atividade científica de vieses cognitivos, desde um questionamento sobre ‘como os cientistas pensam’, como o fez Nessersian a partir da noção de modelos mentais, à caracterização direta de processos inferenciais em termos visuais, como o fizeram Thagard e Shelley em relação à abdução. Posteriormente, a quase totalidade das disciplinas metacientíficas veio a contribuir para a ‘correção’, nos termos de Baigrie, de uma imagem da ciência exclusivamente voltada aos aspectos enunciativos. Na filosofia, tais contribuições estão associadas à ‘virada naturalista’, ao menos na medida em que acolhem como fecundas as contribuições de diversas áreas de pesquisas, em sua maioria empíricas. Questões bastante gerais sobre a autonomia da representação visual em relação à representação lingüística, sobre a expressão de um mesmo conteúdo por diferentes meios, ou ainda, sobre o que as atividades científica e artística partilham como representação do mundo tornaram-se tema de discussões entre profissionais de diferentes áreas. Tradições diferentes cujas pesquisas confluíram para um mesmo tema. À filosofia da ciência coube a participação nesse debate interdisciplinar, mas não somente isso. Nos últimos anos, as representações visuais foram exploradas nas suas relações com temas tradicionais dos. 20.

(21) debates-chave da segunda metade do século passado — racionalidade e realismo — dos mais variados, como objetividade, inferência, juízo, mudança conceitual, imaginação, correspondência e outros. Invariavelmente, no entanto, tais explorações são breves subprodutos desses questionamentos centrais para a filosofia da ciência. A tarefa pendente não é mais a de estabelecer a relevância das representações visuais na ciência, corrigir uma injustiça histórica, mas investigar o quanto a assimilação desses elementos visuais pode contribuir para um aprimoramento da nossa imagem da ciência em geral e, sobretudo, das reflexões filosóficas acerca da ciência. Temos que aprender a responder devidamente a indagações como as propostas por Giere: Por que alguém deveria estar particularmente interessado no uso de figuras e diagramas na ciência? Especificamente, por que um filósofo da ciência deveria estar interessado nesse aspecto particular da prática científica? [Giere 1996, p.118]. 1.2 De como a representação virou enunciado Referi-me, anteriormente, ao estabelecimento e desenvolvimento explícito da imagem da ciência cujo declínio facilitou a reconsideração das representações visuais como um tema pertinente à filosofia da ciência e a outros domínios. Por certo que tinha em mente as análises empreendidas pelos empiristas lógicos. No entanto, elementos caracterizadores dessa imagem são largamente partilhados por seus contemporâneos, especialmente na filosofia analítica, e outras de suas manifestações podem ser identificadas em diversos episódios da história da filosofia. Se esse movimento é aqui ressaltado, é porque ele pode ser considerado a principal matriz da reflexão filosófica no século passado acerca da ciência, sob cuja influência não apenas foram encaminhadas muitas das caracterizações da atividade científica, mas, ainda, da finalidade, do alcance e do método da própria filosofia da ciência. Obviamente essas questões estão imbricadas. Para os objetivos deste estudo, cabe ressaltar a associação entre a ciência como um corpo de enunciados e a filosofia como análise lógica da linguagem científica. Apesar das. 21.

(22) muito comentadas flexibilizações das teses mantidas pelo movimento, tais aspectos são pressupostos que acompanham toda sua trajetória e, em sua origem, correspondem à sua proposta. A historiografia recente da filosofia analítica tem proporcionado diversas perspectivas sobre o início do movimento, as relações com suas raízes no ambiente acadêmico europeu e com a história da filosofia de um modo geral. Quaisquer que sejam os determinantes específicos da eclosão e difusão inicial do movimento — as influências pessoais, com o que romperam, o que ‘inconscientemente’ mantiveram —, é indiscutível que a aceitação dos dois pressupostos destacados é parte de uma herança intelectual mais ampla. Ela sucede, por exemplo, a uma semelhante quando, em filosofia da matemática, um pensamento intuitivo acerca das entidades matemáticas foi substituído, através de análises lógicas, por objetos precisamente definidos. Visto desse modo, o que caracterizaria a originalidade da proposta do movimento empirista lógico é a transposição da bem sucedida análise das ciências formais para a totalidade das ciências empíricas — e, ao menos como ímpeto inicial, à totalidade do discurso significativo. Um dos modos mais abrangentes de caracterizar tal herança intelectual é associá-la a um ideal de clareza. Um ideal que exigia depurações. Já nos fins do século XIX, Frege indicara as feições que tal depuração iria assumir alguns anos depois em Viena e Praga. Tratava-se ali de desviar as análises daquilo que, pela sua própria constituição, é inacessível em termos de comparações precisas. Para tanto, ele afasta, sob o termo ‘representações’, as ‘imagens internas’, fugidias, saturadas de emoções e inteiramente subjetivas, daquilo que proporcionaria um legado comum capaz de ser transmitido através das gerações. De modo análogo, ele é criterioso ao identificar o uso que faz do termo ‘pensamento’, não ao ato subjetivo de pensar, mas àquilo que pode ser a propriedade comum de muitos. Em ambos os casos, Frege identifica o conteúdo objetivo àquilo que pode ser expresso através de enunciados com. 22.

(23) sentido assertível e que pode ser tratado numa perspectiva oferecida pela lógica. À expressão lingüística, afinal, é que está relacionada seu ideal de clareza1. Os empiristas lógicos sustentaram essa mesma atitude em seu domínio próprio. O antipsicologismo que eles partilham com Frege apresenta como solução para o equívoco de considerar a totalidade de nossas representações relevantes, considerar como tais apenas seus conteúdos objetivos, expressos invariavelmente por entidades lingüísticas e identificados, por fim, a enunciados. Nesse mesmo movimento, o fluxo correto das idéias é substituído pelas manipulações válidas sobre um sistema de símbolos. No plano epistemológico, isso corresponde à tentativa de obter uma completa supressão dos agentes da representação aliada a uma concepção da racionalidade como que regida por uma linguagem capaz de exibir “clareza quanto à realização lógica do pensamento”. Disso resulta que, através da elucidação das condições lógicas da linguagem científica — e não das condições psicológicas ou subjetivas do entendimento —, podese, licitamente, traçar o alcance de tudo aquilo que pode por ela ser conhecido. Isso os distingue dos empiristas tradicionais. Aquilo que os aproxima destes completa as depurações no que se refere à representação. Basta para isso mencionar a parte declarada de suas relações com Kant, qual seja, a recusa de um conhecimento ‘sintético a priori’, um ponto por eles inúmeras vezes ilustrado através de reflexões sobre a natureza da geometria. Desse modo, ao fim, no lugar das concepções modernas da representação, sejam as legadas pelos empiristas tradicionais — em termos de idéias e associadas a uma psicologia individual — ou por Kant — numa tipologia mais rica, em termos de 1. A falta de assertividade desse parágrafo corresponde à falta de preocupação em considerar ou não a filosofia da linguagem de Frege ‘pura’, isenta de comprometimentos epistemológicos. Cabe mencionar, no entanto, que a reiterada menção ao ‘legado comum’ é extraída literalmente das páginas iniciais de Frege (1892/1978) e repetida em Frege (1918-19/1988). Nesse último, ele ainda caracteriza a ciência como um trabalho de descoberta de pensamentos verdadeiros e não de criação de representações. São aqueles, os fatos, e não estas que os cientistas reconhecem como fundamento seguro.. 23.

(24) percepções, aparecimentos, formas puras da intuição, categorias do entendimento, idéias da razão —, ficamos com dois tipos de representações a serem consideradas, já devidamente convertidas em enunciados: as proposições empíricas da ciência (sintéticas) e as proposições da lógica e da matemática (analíticas). A fim de ilustrar o que foi brevemente exposto e antecipar as próximas linhas, tomo um exemplo de Carnap (1928), invocado na seção Conteúdo teórico de um enunciado e representações acompanhantes. Há ali uma alusão às representações em geral como sendo causadas pelo nosso encadeamento natural de idéias — pode-se considerar a seção como um exercício de psicologia carnapiana de base humiana. Qualquer enunciado pode ser seguido por representações mentais que vão além de seu conteúdo, que o acompanham. Destas, ele distingue ainda dois tipos gerais: as ‘representações de fatos’ e as ‘representações de objeto’2. As primeiras, passíveis de serem verdadeiras ou falsas, são por isso capazes de se tornarem enunciados próprios e acrescem, quando acompanham um enunciado, o seu conteúdo original; as outras não. A citação se refere a exemplos dessas últimas: Imaginar certas configurações de números, os sons dos numerais ou as configurações de pontos quando falamos ou pensamos, por exemplo, no enunciado ‘2 mais 2 é igual a 4’, facilita em grande medida o aprendizado e a manipulação desses enunciados. Os diagramas da geometria possuem um papel similar. A formalização da geometria que foi executada durante a última década mostrou que as propriedades gráficas dos diagramas são uma ajuda valiosa para a pesquisa ou o aprendizado, mas que elas não possuem nenhuma importância na dedução geométrica. [Carnap 1928/1988, pp.16061]. A passagem é curiosa por não problematizar a questão de os diagramas geométricos serem representações que podem ser enfocadas sob seu aspecto material, em vez de mental. No entanto, é incisiva ao considerá-los teoricamente supérfluos para a geometria. Pontos, retas e superfícies são representações acompanhantes invocadas 2. Sachverhaltsvorstellung e Gegenstandsvorstellung, respectivamente.. 24.

(25) apenas pelo valor prático, heurístico, que possuem. “Faz-se isso somente para facilitar as questões e isso não tem nenhuma relação com as questões de validade teórica” (Carnap 1928/1988, p.161). As razões para isso já foram expostas: elas não apresentam conteúdo relevante na medida em que não podem converter-se em enunciados. O reconhecimento de sua utilidade indica, contudo, que tal menoscabo reflete opções programáticas desocupadas de como as teorias são, de fato, formuladas, manipuladas ou transmitidas na prática da ciência. Em vez disso, a filosofia, como análise lógica da linguagem científica, organiza sistematicamente o conteúdo teórico da ciência. Ela o faz independentemente de ‘questões de fato’. Sua pretensão é a de apresentar uma formulação lingüística canônica na qual a totalidade do conteúdo teórico das ciências possa ser reconstruída. Uma vez estabelecida essa estrutura formal, axiomática, é possível aplicá-la às ciências, a todas, pois o resultado da análise lógica é universal (ele foi gestado para ser assim). Quando isso é feito, estamos traduzindo o discurso científico efetivo numa linguagem que exibe todas suas características epistemológicas relevantes de um modo claro e preciso. Ou ainda, estamos reconstruindo tudo aquilo que cabe à filosofia esclarecer sobre a atividade científica. Bem, e quanto às representações visuais? Podemos generalizar a partir do exemplo de Carnap em relação à geometria e considerá-las, desde já, representações acompanhantes desprovidas de conteúdo teórico. No entanto, podemos ainda ser mais complacentes e cogitar a possibilidade de, em alguns casos, considerá-las representações factuais. Nesses casos, não nos reportaríamos à associação de idéias, mas à percepção e, assim o fazendo, a representação visual ocuparia o papel da evidência sobre a qual pode estar baseado o conteúdo teórico de um enunciado. Mas, ao fim, isso não nos leva muito longe, pois a representação é aqui apenas o objeto do enunciado — embora talvez possamos admitir que esse tenha sido o papel dos diagramas nas geometrias não formalizadas.. 25.

(26) Seja como for, as representações visuais como representações visuais são inúteis para propósitos analíticos. Talvez algumas delas possam exibir uma utilidade no âmbito prático, mas isso não é uma questão para a filosofia da ciência. Mas tais conclusões não se referem exclusivamente a um nível metacientífico. Sua contrapartida estabelece que a presença das representações visuais não é parte intrínseca das ciências, é supérflua e, quando bem empregadas, são ainda apenas apoios à imaginação.. 1.3 A questão deste estudo Se o interesse repentino pelo tema da representação visual está associado ao declínio de uma imagem de ciência, é instrutivo ter claro em mente quais elementos eram os responsáveis por afastar as investigações desse território. O primeiro deles, que não precisa ser mais salientado, é a exclusividade das representações lingüísticas nas análises filosóficas. Um segundo elemento, que creio merecer a mesma atenção, é o alheamento da prática científica nos projetos de reconstrução do conhecimento científico. Embora a seção anterior os tenha apresentado em conjunção, é concebível que eles ocorram separadamente em outras perspectivas epistemológicas que não a descrita. É comum encontrarmos, por parte dos que argumentam a favor de estudos visuais em filosofia da ciência, uma clara oposição ao primeiro elemento a ponto de eclipsar o segundo. Tomemos o seguinte trecho como exemplo: Os clássicos do empirismo lógico nunca levantaram a questão geral das ilustrações científicas. (...) As pessoas não falavam sobre as ilustrações da Biologia, porque não julgavam que elas fossem parte da ‘ciência real’. Esse empreendimento produz enunciados ou proposições, idealmente engastadas em um sistema formal. [Ruse 1991, p.63]. Embora aparentemente de acordo com o que expus anteriormente, sua última frase requer que insistamos numa qualificação importante. É para os efeitos da análise que a ciência pode ser tomada como um corpo de enunciados. O empirismo lógico realizava. 26.

(27) uma abstração da atividade científica. As ilustrações não eram analisáveis no arcabouço conceitual disponível e ignoradas, portanto, como objetos de estudo. A própria convicção de que era suficiente refletir sobre as formulações canônicas em termos lingüísticos pode, assim, e nesse caso, ser descrita como decorrente da convicção de que é possível uma filosofia da ciência alheia à prática científica. Chamemos o primeiro elemento de ‘visão enunciativa’. Quanto ao segundo, é melhor caracterizá-lo como uma ampla orientação metodológica, pois talvez seja desencaminhador tentar identificar todas as demais abstrações — que impedem a apreensão da importância epistemológica das representações visuais — e agrupá-las através de um rótulo. Podemos, é claro, destacar algumas dentre elas que parecem estar particularmente relacionadas a tal incapacidade. Por exemplo, sendo as representações, lingüísticas ou não, meios de comunicação, aprendizado e investigação, isso as remete a processos, temporalmente estendidos, realizados pelos agentes que denominamos cientistas. Estes, por sua vez, o fazem segundo suas capacidades como indivíduos e como membros de uma coletividade. Ao tomar a representação exclusivamente como o produto dessa atividade, um expediente de armazenamento do saber, inviabilizamos o estudo de tais aspectos da prática científica. De interesse para nós é que, devido a tais abstrações, alheamo-nos de um conhecimento acerca da utilização efetiva na ciência das representações visuais. De interesse fundamental, na medida em que o único lugar em que podemos começar é dessa inspeção à prática. Não é, portanto, apenas da rejeição da visão enunciativa, mas ainda do reconhecimento dessa efetiva utilização que surge a questão que orienta este estudo: Qual a função das representações visuais na ciência? Visto que qualquer perspectiva carrega consigo, e necessariamente, alguma abstração, não é o bastante aclamar que em nossa caracterização ela siga da prática científica, e não de uma outra concepção acerca do papel da epistemologia. A ciência é um empreendimento extremamente complexo e a variedade de abordagens à. 27.

(28) documentação visual proveniente da ciência, com menção à qual iniciamos esta introdução, mostra isso de uma maneira muito clara. Mesmo as perspectivas que encaminham questionamentos epistemológicos associados às representações visuais não podem ser dispostas facilmente em um campo comum de estudos. É certo que podemos argumentar que essa diversidade de abordagens possíveis ao problema da representação visual nada mais é do que o reflexo da enorme divergência que a própria disciplina ‘Filosofia da Ciência’ atualmente comporta. Nas últimas décadas, grande parte das reflexões filosóficas sobre a ciência esteve ou particularmente atenta ou efetivamente engajada em trabalhos pautados por outras disciplinas, seja em suas variedades metacientíficas ou não. Um dos aspectos que logo se observou a partir da virada naturalista foi a relativa aliança entre cada abordagem elaborada e um certo domínio, em geral bastante estreito, no interior de uma especialidade. Em cada uma dessas abordagens, proliferam princípios ‘importados’ que, ao mesmo tempo em que enriquecem sobremaneira as reflexões filosóficas, inauguram problemas para uma apreciação conjunta de seus resultados. No entanto, dessa fragmentada incorporação de domínios — em diversas ‘teorias da ciência’ — não segue, necessariamente e em venda casada, a divergência nas questões a serem tratadas aqui. Ou seja, por ser tópico, centrado nas representações visuais, este estudo pretende estar em condições de se valer de perspectivas que, sob outros aspectos mais gerais, poderiam se mostrar contraditórias. Dessa forma, o que pretendo, ao encaminhar a questão da função das representações visuais na ciência, é colaborar para o estabelecimento de um campo de estudos. É certo que elas cumprem diversas funções e apenas as diferentes abordagens já mencionadas dão uma idéia do quão variadas podem ser tais descrições. Mesmo que a compilação desses e de vários outros estudos, com os diferentes pontos de vista que comportam, nos ajudasse a criar expectativas seguras sobre a utilização das representações visuais, cada qual em seus restritos âmbitos, ainda assim ficaríamos na incômoda situação de não podermos expô-las num mesmo panorama. Talvez esta. 28.

(29) situação possa ser explicada, mais uma vez, recorrendo ao desenvolvimento recente dessas iniciativas, e de uma tal explicação possamos projetar que, futuramente, este campo de estudos exiba contornos mais definidos. Contudo, para que isso algum dia venha ocorrer, é necessário — além de considerável intercâmbio e disposição para o diálogo — o tipo de preocupação e espírito exploratório com o qual este estudo se originou. O melhor modo de caracterizar este estudo é, portanto, considerá-lo integralmente propedêutico. As pesquisas que seguem buscam entrelaçar três orientações gerais já indicadas acima e, ao fazê-lo, delineiam os comprometimentos mínimos a serem assumidos ao se conceder às representações visuais um tratamento em filosofia da ciência. Primeiro, precisamos de uma perspectiva capaz de tematizar os processos efetivamente empregados na prática científica. Segundo, precisamos de uma perspectiva que proporcione o acesso aos aspectos não-lingüísticos da atividade científica. Terceiro, precisamos de uma perspectiva atenta aos aspectos sociais e cognitivos envolvidos, principalmente, na transmissão de conhecimento científico. Os três capítulos que constituem o corpo deste estudo desenvolvem tais orientações e, com isso, a questão aqui proposta. Cada um inicia com uma breve exposição que localiza as discussões do capítulo em tradições mais amplas da filosofia da ciência. Como se trata de orientações bastante gerais, são diversas as possíveis fontes para realizar uma contextualização adequada. As exposições são panorâmicas, mas seletivas, e, mesmo ciente de que tais orientações têm raízes profundas na história da filosofia da ciência, optei por concentrar-me no panorama atual. Em seguida, cada capítulo prossegue com a elaboração de elementos para responder à questão proposta e são nessas partes que propriamente desenvolvo o argumento. As discussões passam a ser ainda mais restritas e direcionadas precisamente para o assunto deste estudo. Cada capítulo é ainda finalizado por uma espécie de apêndice próprio, no qual são apresentadas a exploração de casos ou as suas relações com temas próximos. A conclusão responde à questão e, como esta, tal. 29.

(30) resposta é igualmente simples: a função das representações visuais é ajudar a estabelecer, a constantemente desenvolver, e por vezes modificar, a rede de similaridades que constitui o sistema de representações da ciência. Dadas questão e resposta, tratemos agora de explicá-las.. 30.

(31) capítulo 2. Estratégias naturalistas. 2.1 Introdução 2.1.1 Sumário: Imagem ampla e estudos pontuais Quando dissemos buscar uma orientação atenta aos procedimentos efetivos empregados na atividade científica, nos comprometemos com a tarefa de descrever alguns aspectos de tal atividade. Quando, além disso, priorizamos tal descrição a ponto de considerar que é a partir de uma inspeção à prática científica que surgem os problemas com os quais lidamos, estamos explicitamente defendendo a incorporação de material empírico ao moinho da filosofia. A conseqüência dessa atitude é a extensão dos domínios da reflexão filosófica, tal como pensados durante a maior parte do século XX, de modo a sobrepô-los, ainda que parcialmente, aos das ciências empíricas. E, uma vez que admitamos partilhar com estas seu objeto, como fenômeno empírico, não constitui um grande passo lançar mão de seus métodos e do conhecimento por elas adquirido, na medida em que avancem o encaminhamento de problemas que julguemos relevantes. Com isso, ao fim, a filosofia da ciência deixa de ser um domínio autônomo e isolado das demais ciências e o estudo da ciência, ele próprio, passa a contar com resultados científicos. Tal caracterização da filosofia da ciência a naturaliza, no sentido em que a ciência passa a ser encarada como um fenômeno natural à espera de explicações.. 31.

(32) Uma filosofia da ciência naturalizada subverte a conhecida distinção entre o contexto da descoberta e o contexto da justificação em várias de suas formulações3 e, como um todo, reconhece como um equívoco alinhar as dicotomias entre o descritivo e o normativo, ou entre o empírico e o lógico, às análises conduzidas, por um lado, na sociologia, história e psicologia e, por outro, na filosofia da ciência. Esse é o aspecto parcialmente explorado por Kuhn nas últimas linhas da introdução de A estrutura das revoluções científicas: Em vez de serem distinções lógicas ou metodológicas elementares, que seriam, portanto, anteriores à análise do conhecimento científico, elas agora parecem partes integrantes de um conjunto tradicional de respostas substantivas às próprias questões sobre as quais elas têm sido formadas. Tal circularidade de modo algum as invalida. No entanto, torna-as parte de uma teoria e, em o fazendo, sujeita-as ao mesmo escrutínio regularmente aplicado às teorias em outros campos. Se elas têm como conteúdo mais do que pura abstração, então este conteúdo deve ser descoberto observando-as como aplicações dos dados que elas pretendem elucidar. Como a história da ciência poderia deixar de ser uma fonte de fenômenos aos quais se poderia legitimamente requerer que as teorias sobre o conhecimento fossem aplicáveis? [Kuhn 1962/1996, p. 9]. O plural utilizado por Kuhn na última frase antecipa inadvertidamente um dos problemas da caracterização de uma filosofia da ciência naturalizada. Afinal, ao lidar com o ‘fenômeno ciência’, quais os dados que devem ser explicados, e a partir de que unidades de análise? Num certo sentido, era inevitável que a virada naturalista acarretasse uma multiplicidade de perspectivas. Retornarei adiante a tais conseqüências — que fragmentam nossa imagem da ciência em diversas disciplinas — mas cabe antes apresentar, ainda que de passagem, um outro problema associado à caracterização do naturalismo, qual seja, suas variadas orientações, que refletem os diferentes modos de estabelecimento de uma posição naturalista.. 3. Em Hoyningen-Huene (1987, 2002) são expostas nada menos que seis divisões não totalmente equivalentes.. 32.

(33) Há diferenças em estabelecer o papel do material empírico e dos métodos empregados em uma filosofia naturalizada como fontes fiáveis para informar a especulação ou ainda como suas fontes exclusivas. Se no primeiro caso temos uma aproximação da filosofia com as ciências empíricas, no segundo temos a caracterização da filosofia como uma ciência empírica. Há diferenças, também e em ambos os casos, quanto à manutenção ou não de um caráter normativo na investigação naturalista. As opções são agoras referentes ao tipo de produto que a filosofia oferece, se descrições dos procedimentos empregados nas descrições do mundo ou se, também, avaliações desses procedimentos. Esses dois eixos ainda não exaurem o panorama naturalista — e não é esse nosso propósito aqui —, mas já nos permite introduzir as duas principais objeções às quais ele está exposto. Tais críticas são particularmente endereçadas às perspectivas que mantêm os dois últimos pólos dos eixos acima apresentados. A primeira diz respeito à circularidade e, numa de suas formulações, nota que uma posição naturalista pressupõe a validade de métodos e conhecimentos que ela se dispõe a analisar. Seja em que grau for adotado, um continuum entre as ciências empíricas e a filosofia da ciência desloca a última da posição, herdada da epistemologia, de prima philosophia. Para o naturalista, esta é uma conseqüência da rejeição de uma abordagem fundacionalista e de tal situação não lhe cabe escapar. Uma vez descartados os apoios não-empíricos e absolutamente certos que uma tal filosofia nos proporcionaria, não há alternativas senão a de apoiar-se naqueles conhecimentos mais fiáveis de que dispomos. A segunda diz respeito à normatividade e está associada a uma versão, em termos da racionalidade, da ‘falácia naturalista’ em ética. A análise do funcionamento efetivo da ciência não parece constituir uma base suficiente para as conclusões acerca de como ela deve funcionar, sobre a correção e a propriedade de seus procedimentos ou metodologias. Para o naturalista, o que desta vez é rejeitado é uma concepção de racionalidade idealizada, capitulada no ‘mito do Método Científico’. Sua situação neste caso é empenhar-se no estudo dos objetivos. 33.

(34) almejados na atividade científica e avaliar se, dadas as capacidades cognitivas individuais, as estratégias de colaboração, os resultados anteriores da aplicação de determinadas estratégias, existem métodos eficientes para implementá-los. Em outras palavras, ele busca, empiricamente, determinar a propriedade de determinados cursos de ação em viabilizar a consecução de determinado fim. Das atitudes frente às rejeições acima mencionadas, destaco o último eixo comumente adotado para localizar diferentes programas naturalistas. Por um lado, é possível considerá-las como teses que afirmam a inexistência de tais apoios supraempíricos e, por outro, como orientações metodológicas que nos afastam de uma preocupação em encontrá-los. O naturalismo metodológico é defendido por alguns (e.g. Giere 1999c) como uma “vigilância para manter os argumentos em prol do naturalismo dentro de limitações naturalistas”. Exposições como a desenvolvida acima apresentam uma filosofia da ciência naturalizada em contraste com as possibilidades de investigações não-naturalistas. Os problemas apresentados são temas de debates de interesse filosófico e dizem respeito ao próprio estabelecimento de uma perspectiva naturalista. De agora em diante, volto a atenção para problemas que estão relacionados às possíveis configurações advindas da aceitação de uma filosofia da ciência naturalizada e dizem respeito, portanto, aos debates internos a uma perspectiva naturalista. Para tanto, o ponto de partida é a já mencionada divergência entre as perspectivas naturalistas. O problema específico é o de responder por uma filosofia geral da ciência em seu aspecto metodológico. Se por esse título entendemos uma área interdisciplinar ou multidisciplinar4. A adoção de métodos empíricos, ou de resultados obtidos através destes, no encaminhamento de questões sobre o ‘fenômeno ciência’, traz consigo a questão de conjugá-los em um todo coerente. Ao que parece, a importância atribuída a 4. Uma terceira alternativa será considerada em 4.1.2 e envolve a redução dos problemas centrais da filosofia da ciência a uma única disciplina.. 34.

(35) essa questão poderia também ser utilizada como um critério para a instauração de mais um eixo, desta vez interno, para caracterizar as perspectivas naturalistas. De um lado estariam aqueles que atribuem a uma filosofia da ciência naturalizada a finalidade de, simultaneamente, alcançar a conformidade com as descrições científicas e proporcionar que tais descrições estejam num acordo entre si. De outro, aqueles que consideram a pretensão à universalidade um resquício de um fundacionalismo, algo não totalmente abjurado pelos que a mantêm, mas ao qual não deve ser dado um lugar em quaisquer perspectivas naturalistas. Ao problema de conjugar as diferentes disciplinas metacientíficas, os primeiros respondem com alguma tentativa de unificação, os demais com algum tipo de ecletismo. Num primeiro momento, vale notar que a retenção de um ideal de universalidade se dá em um segundo nível de investigação, responsável por articular as relações entre o material empírico obtido a partir de diferentes disciplinas e, particularmente, oferecer generalizações que cruzem os liames entre elas. O cerne da divisão neste eixo não pode recair, portanto, sobre as generalizações, pois o caso é que, por mais localmente orientadas que sejam, as explorações em uma única disciplina metacientífica não deixam de se valer das generalizações presentes nestas disciplinas. De que a tarefa de prover um quadro unificado possa ser concebida de modo fundacionalista — e que assim ela tenha sido empreendida na filosofia —, não se segue que a busca por generalizações entre o resultado de diferentes disciplinas esteja fadada à mesma sorte. Talvez seja até melhor falar em integração do que em unificação5. De qualquer modo, é certo que tal tarefa evoca a figura do filósofo que opera uma síntese de conhecimentos e, com isso, produz uma visão ampla daquilo que realmente ocorre nas ciências. Ou, como Latour, em franca oposição, a descreve: 5. A sugestão aparece em Giere (1993/1999) numa tentativa de argumentar a favor de uma ‘síntese pósmoderna esclarecida’. A distinção é tratada aqui como meramente terminológica. Em certos domínios, como a física, pode-se ter uma idéia do que seja uma ‘teoria unificada’ e isso estaria em oposição ao aqui exposto. No entanto, o mesmo seria válido para algumas conotações do termo ‘integrado’.. 35.

(36) O que eu não gosto é a idéia que os filósofos da ciência têm de que eles estão aí para unificar os estudos de campo — como se o dever dos filósofos fosse o de instituir alguma ordem e os princípios de larga-escala aos pequeninos que realizam o trabalho empírico. Quero dizer, nós não somos os pequeninos fazendo o trabalho empírico. Nós próprios estamos lidando com todas as grandes questões da filosofia. [Callebault 1993, p. 76]. Isso não quer dizer que Latour não veja um papel positivo a ser cumprido pelos filósofos no campo dos estudos sobre a ciência. Ele é, no entanto, exatamente o inverso da busca por generalizações e corresponde à contínua promoção da heterogeneidade na elaboração de métodos empíricos. Em vez de ser um fator de unificação, a filosofia protege todas as disciplinas metacientíficas da hegemonia de uma delas. Na perspectiva deste estudo, dadas suas próprias motivações, não há contradição entre as tarefas de buscar uma unificação e contrapor-se a reducionismos monoteóricos. A ciência, como foi dito, é um empreendimento extremamente complexo e não vejo alternativa a um assumido pluralismo metodológico em sua análise. Ao destacar a utilização de representações visuais, no entanto, busco uma unificação tópica — isso já diminui as variáveis em jogo —, capaz de congregar esforços. A proteção contra as hegemonias apontada por Latour não deixa de ser, no mesmo movimento, uma ‘proteção’ ao diálogo.. 2.1.2 Novo vocabulário? Em O retorno dos naturalistas, Kitcher (1992/1998) resume nossa seção 1.2 em uma declaração: “A epistemologia pós-fregeana é inflexivelmente proposicional”. Tal caráter, no entanto, passa ao largo de suas preocupações. Seu artigo certamente almeja avançar uma reforma de tal epistemologia, mas a partir de uma posição naturalista que é por ele caracterizada pela rejeição de princípios epistemológicos a priori e pela reintrodução da psicologia na epistemologia. Ainda, ele pretende que tal reforma não descambe, por fim,. 36.

(37) no abandono de um projeto normativo6. Especificamente sobre a concepção da ciência como um corpo de enunciados, seu artigo não identifica relações profundas entre ela e suas duas características definidoras do naturalismo. Indiretamente, no entanto, tal concepção poderia ser contestada. Kitcher identifica duas possíveis críticas à manutenção desse quadro numa espistemologia naturalizada: Primeiro, estudos recentes do conhecimento científico têm enfatizado o papel que as habilidades não-verbais desempenham em processos que as epistemologias pósfregeanas consideravam em termos da relativamente não problemática adoção de enunciados. O renovado interesse pela natureza dos experimentos derrubou certos preconceitos sobre a aquisição de ‘evidências empíricas’. Segundo, a ênfase do naturalismo no uso do nosso melhor conhecimento científico na epistemologia deveria estender-se à reformulação das questões epistemológicas básicas. Os resultados das ciências cognitivas sobre a natureza das nossas representações deveriam ser empregados ao se levantar essas questões. Na medida em que uma parte, a maior parte ou a totalidade do conhecimento humano apresenta-se como fundamentalmente nãoproposicional, a estrutura tradicional da epistemologia estará superada. [Kitcher 1992/ 1998, p.64]. Apesar de os estudos referidos na primeira serem antes de tudo o resultado do trabalho de historiadores e sociólogos, o argumento de ambas as críticas é encaminhado por Kitcher dentro dos domínios da psicologia — ou, de um modo geral, das ciências cognitivas. São elas que, informadas por quaisquer outros relatos, estariam em condições de orientar mais este afastamento da tradição. O que está em jogo são as categorias básicas através das quais são formuladas as questões epistemológicas, nas quais a cognição é tratada em termos da aceitação ou rejeição de enunciados, e que acompanham noções centrais na filosofia da ciência, como as de verdade, justificação e crença.. 6. A essas duas rejeições e, principalmente, à preservação do aspecto normativo com um caráter meliorativo, Kitcher associa um naturalismo tradicional por oposição a quaisquer outras perspectivas puramente descritivas.. 37.

(38) Quanto a isso, Kitcher se mostra cauteloso e sua preocupação com a prática corrente da filosofia da ciência faz com que considere equivocada a rejeição do vocabulário epistemológico tradicional. Por considerar a inexistência de qualquer alternativa, o ataque a uma abordagem proposicional só nos deixaria escolher entre uma terminologia inadequada e outra não desenvolvida. Sua sugestão é que continuemos aplicando, no direcionamento dos problemas epistemológicos, aqueles estudos cognitivos que se mostrem consistentes com o vocabulário tradicional e, enquanto isso, acompanhar o desenvolvimento de propostas capazes de suplantá-los para, então, substituir a terminologia da filosofia da ciência. Não se trata aqui, portanto, de uma defesa da visão enunciativa. À época da publicação deste artigo, Paul Churchland já havia posto em curso uma tal proposta e creio que é a ela, especificamente, que Kitcher se refere. Segundo Churchland, os processos subjacentes à cognição poderiam ser mais bem apreciados em termos de uma descrição calcada em redes neurais. De uma concepção do aprendizado como a modificação de arranjos sinápticos seguiria a caracterização de uma teoria como um padrão de conexões sinápticas, cuja configuração global determina o processamento de sensações e daí para a resolução das demais questões filosóficas sobre a ciência7. Passada uma quinzena de anos, a paciência então sugerida por Kitcher se afiguraria hoje como um posicionamento. Não apenas porque uma proposta não veio suplantar as perspectivas proposicionais, mas porque, dada a configuração do campo das ciências cognitivas, não podemos projetar para um futuro próximo tal ‘revolução’8. Na ausência 7. Churchland (1992) utiliza suas conclusões em apoio da filosofia de Feyerabend. Andersen (2001a) afirma que as observações de Kuhn sobre o aprendizado de conceitos na ausência de regras (Kuhn 1974), e suas simulações por computador nos fins dos anos sessenta, são “claramente semelhantes” aos argumentos expostos por Churchland sobre o mesmo tema. 8. Anderson (2003) observa que “argumentos sobre princípios teóricos, como se os humanos realmente representam as coisas em termos de entidades mentais semelhantes a proposições, têm sido até hoje inconclusivos”. Para essa e outras questões de base das ciências cognitivas, as controvérsias apresentadas em Kirsh (1991) continuam controversas.. 38.

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