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Modelos visuais e expressão visual de modelos

2.3 Ilustrações

3.1.2 Modelos visuais e expressão visual de modelos

O sumário que acaba de ser apresentado encontra paralelos em diversas outras introduções a artigos ou livros20. Em todas elas, a recapitulação antecipa, e por vezes substitui, o embate entre a perspectiva defendida e as predecessoras. No caso dos teóricos da visão semântica, em que a ênfase recai sobre a caracterização das teorias científicas, as posições dos contextualistas e modelistas são conjuntamente consideradas a expressão de uma visão sintática das teorias, para a qual oferecem uma alternativa. No caso dos teóricos da mediação, em que a ênfase recai sobre a prática científica, as posições da visão semântica e dos contextualistas são agrupadas por serem excessivamente orientadas para tentativas de formalização. A semelhança entre as abordagens dos teóricos da mediação e a apresentada no capítulo anterior foi mencionada acima e poderia parecer que isso revela uma certa filiação. Mas este não é o caso. Não é meu interesse o de prolongar esse debate nos termos de uma discussão geral sobre modelos na ciência. O objetivo é bem mais específico e se refere às representações visuais e suas utilizações na ciência. Nesse sentido, a relação de semelhança tem um papel destacado como elemento da relação de representação e alguns dos desdobramentos da visão semântica são mais esclarecedores acerca dessas relações.

Mas como, em primeiro lugar, associar a noção de modelo às representações visuais? Até agora o caminho que tomamos foi informado pela possibilidade de uma visão não- enunciativa da ciência e foi acentuada uma única característica em comum entre os modelos e as representações visuais: que ambos, afinal, não são entidades lingüísticas. Há duas formas de encaminhar a questão acima formulada. A primeira delas é

20 Por exemplo, Suppe 1974, Suppe 1989, da Costa e French 2003, Morgan e Morrison 1999, Knuuttila 2005. Não tive uma pretensão de imparcialidade na versão apresentada — que, aliás, não decorre apenas dessas fontes, mas de uma apreciação bem mais geral da literatura. Mas o caso é que foge ao meu objetivo tomar partido de uma ou outra perspectiva em sua totalidade.

considerar a representação visual uma expressão de um modelo. A segunda, considerar a própria representação visual um modelo21.

Sobre a primeira, lembremo-nos que parte das motivações dos pioneiros da visão semântica foi a de estabelecer a diferença entre uma teoria e suas possíveis formulações lingüísticas. Não é um grande passo extrair disso que a identificação da teoria com uma estrutura abstrata, capaz de ser expressa de diferentes modos e por diferentes meios, legitima as pretensões de que alguns desses venham a ser representações visuais. Nesse caso, o que faz a representação visual associar-se à noção de modelo é que ela expressa visualmente os objetos e as relações da estrutura. Aliado a isso, tal associação torna-se ainda mais plausível no mesmo movimento que confere plausibilidade à visão semântica, qual seja, que uma estrutura pode ser instanciada tanto por um modelo abstrato como por um modelo físico. Ainda assim vale ressaltar que por ‘modelo físico’ se entenda aqui apenas um modelo cujos objetos são objetos físicos e que, dessa forma, ainda é assumida uma estrutura abstrata, que o modelo físico instancia e que uma representação visual pode expressar22.

Sobre a segunda, trata-se aqui de desocupar-se da noção de estrutura. Tal encaminhamento reconhece e tematiza uma variada gama de entidades capazes de serem reconhecidas como modelos e considera que o máximo que uma descrição geral dos modelos tem a apresentar é uma caracterização dos elementos comuns entre elas. Ora, da criação e utilização de modelos na prática científica podemos, diretamente, identificar muitos deles às representações visuais. Nesse caso, a relação entre modelo e representação visual é outra: a própria representação visual é um modelo; mais especificamente, um tipo de modelo, um modelo visual. Tal associação pode ainda ser

21 A rigor, caso essa duas posições não sejam excludentes — o que será assumido adiante —, uma terceira forma é possível: considerar a representação visual uma expressão de uma representação visual. 22 Nesse caso, através da representação visual dos objetos físicos em questão, estruturalmente

vista como um caso particular decorrente da associação mais geral entre a noção de modelo e a noção de representação. Assim o fazendo, assume-se a última, ou ainda, a propriedade de representar, como a característica que os modelos possuem em comum. Esse movimento pode ser observado no seguinte trecho de Paul Teller:

Em princípio, qualquer coisa pode ser um modelo e o que faz com que uma coisa seja um modelo é o fato de ela ser considerada ou utilizada como uma representação de algo pelos usuários do modelo. Desse modo, ao dizer o que um modelo é, o peso é deslocado para o problema de entender a natureza da representação. [Teller 2001, p.397]

Embora tal ‘deslocamento de peso’ possa ser apreciado como um produto recente da reflexão filosófica acerca da ciência, muito do interesse devotado à noção de representação é decorrente da trajetória que a seção anterior expôs. Numa perspectiva estabelecida em termos lingüísticos, as questões sobre a verdade ou falsidade de uma proposição orientaram muitas investigações. Ao encaminhar questionamentos semelhantes acerca de entidades não-lingüísticas, parece correto optar por descrever a relação relevante não mais em termos de verdade, mas de representação adequada. Este é um paralelismo estreito e, decerto, o deslocamento de peso que ele evidencia não é o que se estabelece entre a natureza dos modelos e a natureza da representação, e sim entre o uso da noção de verdade e o da noção de uma representação adequada. Em todo caso, a noção de representação é invocada e isso ilustra seu uso atualmente difundido como tendo o desenvolvimento favorecido por algumas décadas de debates.

Tal paralelismo é ainda útil para mensurar a amplitude das reflexões atuais, nas quais o grande passo que pode ser identificado afigura-se como um aprofundamento: da noção de representação adequada para a própria noção de representação em primeiro lugar. Esse movimento é o responsável pela consideração crescente, por parte dos filósofos da ciência, de trabalhos sobre a representação em geral — ou sobre o ato de representar — oriundos de outras áreas como a filosofia da arte ou as ciências

cognitivas. Por seu turno, muito da literatura proporcionada por estas áreas, ao lidar com a noção de representação, trata com destaque os aspectos relativos à visualização.

Retornemos, portanto, às representações visuais e aos modos de associá-las aos modelos. Se por ‘expressar visualmente um modelo’ entendemos que a representação visual na ciência representa sempre um modelo — numa acepção agora ampla de representação —, temos de concluir que ela representa de um modo diverso que o do próprio modelo, capaz, a princípio, de representar a realidade. Se tomarmos exclusivamente este caminho é no mínimo curioso que o tratamento dado à representação visual em outras áreas venha a ser utilizado na elaboração de uma resposta não sobre a representação visual na ciência, mas sobre como os modelos representam. Por outro lado, ao encaminhar a questão através de modelos visuais, a representação visual na ciência pode vir a tornar-se tão somente o mesmo tipo de objeto que aqueles estudados nas áreas sobre as quais a filosofia da ciência tem se debruçado. Considerarei que nada há na elaboração dessas alternativas que impeça a utilização de ambas conjuntamente se lhes endereçarmos as questões com as quais são capazes de lidar. Para qualquer representação visual na ciência podemos, preliminarmente, perguntar se ela representa uma teoria ou um aspecto do mundo, admitir com naturalidade que ela cumpre ambas as funções e, ainda, que a relação de representação em cada um desses casos pode ser descrita de formas diferentes.