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Os Programas de Transferência Condicionada de Renda e a proteção social na América Latina A experiência do Brasil, Argentina e Chile

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

ELIZABETH CARDOSO DE OLIVEIRA

Os Programas de Transferência Condicionada de Renda e a

proteção social na América Latina:

A experiência do Brasil, Argentina e Chile

MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA

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Os Programas de Transferência Condicionada de Renda e a

proteção social na América Latina

A experiência do Brasil, Argentina e Chile

MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Economia, sob a orientação da Profa. Dra. Rosa Maria Marques.

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BANCA EXAMINADORA

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Se “a gratidão é a memória do coração”, como se atribui ao filósofo grego Antístenes, que agradecer seja, então, um tipo de souvenir que se leva de recordação das boas viagens feitas: ainda que aparentemente simples, contém em si bem mais do que sua forma revela. Como souvenir dessa bela viagem que foi o meu Mestrado Acadêmico, a todos que foram importantes, cada um à sua maneira, para que eu concluísse mais este percurso na minha vida, quero manifestar meus agradecimentos.

A Deus, pela vida que me concedeu, pela saúde que me outorgou, pela perseverança que me legou, pelos obstáculos que me impôs e pelo discernimento que me facultou.

A Santo Expedito, padroeiro dos estudantes e santo da minha devoção, que me acompanha em todos os difíceis momentos da minha jornada, seja de vida ou acadêmica, pelo ânimo e perseverança que constantemente me renova.

Aos meus pais José e Terezinha, causa e razão da minha vida, que todo o tempo e em todos os momentos estão ao meu lado, ainda que fisicamente distantes, apoiando-me e incentivando-me a prosseguir.

Ao meu irmão, de sangue e de coração, Eduardo (e à linda família que ele constituiu), sempre presente, sempre solícito, sempre companheiro, em qualquer momento e necessidade que se me apresentem.

Aos meus grandes amigos, Shana, Vanessa e Carlos, pelos ouvidos abertos e ombros acessíveis aos meus desabafos, como também pelos sorrisos disponíveis às minhas alegrias.

À minha orientadora Professora Rosa Maria Marques, docente e pessoa, paradoxalmente simples, simplesmente complexa, que conquistou minha admiração e respeito, pela oportunidade constante de aprender.

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Aos meus colegas discentes do curso de Mestrado – Ricardo Tamashiro, André Galhardo, Daniel Garzillo, Gabriel Oliveira, André Paiva, Rodrigo Hisgail, Marcelo Moser, Liliane Regina – que se tornaram amigos, que ultrapassaram os limites das edificações da PUC-SP, para tomar parte também na minha vida.

Aos professores Marcel Guedes Leite e Áquilas Moreira Mendes, que compuseram minha banca de qualificação e muito me auxiliaram na direção adequada a tomar neste estudo.

Aos professores da minha banca de defesa, Maria Lúcia Garcia e Marcel Guedes Leite, pela dedicação e leitura atenta ao meu estudo, pelas críticas construtivas e pelo bom caminho apontado.

Ao corpo docente do curso de Mestrado do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política, pelas importantes lições (não apenas) acadêmicas ensinadas, devidamente aprendidas.

Aos colegas do núcleo de pesquisa Políticas para o Desenvolvimento Humano – PDH, pelas sempre interessantes, produtivas e inspiradoras reuniões realizadas, fontes de conhecimento nas quais frequentemente me apoiei e de onde me veio a inspiração primeira para a construção deste trabalho.

Aos colegas do projeto de cooperação internacional – que envolve instituições do Brasil, Chile e Cuba – indispensável ao desenvolvimento da minha dissertação e fonte fundamental de pesquisa; pelos ensinamentos, pela dedicação e seriedade com que assumem este projeto, pela sempre agradável convivência.

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por tudo o que vivi e aprendi ao longo desses dois anos como mestranda, pela receptividade com que fui e sou recebida por todos, de professores, a funcionários e colegas de turma.

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O objetivo que se persegue neste trabalho consiste em descrever, comparar e analisar os principais Programas de Transferência Condicionada de Renda (PTCR) vigentes no Brasil, Argentina e Chile, implantados a partir dos anos 2000, tendo como quadro conceitual e referencial, principalmente mas não apenas, os trabalhos desenvolvidos por Castel acerca do papel social do Estado, à vista da experiência do Welfare State nas sociedades europeias ocidentais. Especificamente, os programas tratados neste estudo são o Programa Bolsa Família (PBF), do Brasil; a Asignación Universal por Hijo (AUH) e a Asignación por Embarazo (AEPS), pertencentes ao subsistema não contributivo do regime de Asignaciones Familiares, da Argentina; e, do Chile, o Sistema Chile Solidario (SCS) e o programa Ingreso Ético Familiar (IEF). Em última instância, busca-se – mediante a análise dos referidos programas, da trama conceitual supracitada e a partir do debuxo dos sistemas de proteção social dos países em foco – inferir se a inserção dos PTCR nesses países alterou a lógica de seus respectivos sistemas de proteção social e em que medida isso é generalizável para o continente latino-americano, diante de um contexto de reconfiguração do social – sob a égide das condicionalidades e dos processos de mercantilização. Ademais, pretende-se ainda expor e discutir, de maneira crítica ainda que sumariamente, a questão das condicionalidades e a mercantilização do social por elas impostas e a natureza, bem como a potencialidade, dos objetivos precípuos perseguidos por este tipo de programa. Ao fim da pesquisa, conclui-se que a inserção dos PTCR nos três países em análise não implicou uma alteração consistente na lógica de seus sistemas de proteção de social. Antes, o que se conformou foi uma coexistência entre os mecanismos clássicos de proteção e os novos instrumentos (os PTCR, neste caso). Configurou-se, assim, um gênero de proteção híbrida nesses países.

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The goal is pursued in this paper is to describe, compare and analyze the main Programs Conditional Cash Transfer (PTCR) now in force in Brazil, Argentina and Chile, deployed from the 2000s, with the conceptual and referential framework, mainly but not only, the work done by Castel about the State of the social role, in the light of experience of the Welfare State in Western European societies. Specifically, the programs covered in this study are the Bolsa Família Program (BFP) of Brazil; the Universal Asignación by Hijo (AUH) and Asignación by Embarazo (AEPS), belonging to the non-contributory subsystem of the allocations Family regime, Argentina; and Chile, Chile Solidario System (SCS) and the Family Ethical Ingreso program (IEF). Ultimately, we seek - through the analysis of these programs, the above conceptual plot and from the Sketching of social protection systems of the focus countries - infer whether the insertion of PTCR in these countries changed the logic of their respective systems social protection and to what extent it is generalizable to the Latin American continent, before a reconfiguration of context the social – under the aegis of conditionalities and the processes of mercantilization. In addition, we intend to further expose and discuss critically albeit briefly, the issue of conditionalities and the commodification of social which it imposes and the nature and the potential of the prime objectives pursued by this type of program. At the end of the study, it is concluded that the inclusion of the PTCR in the three countries under review did not result in a consistent change in the logic of their social protection systems. Rather, what was conformed coexistence between mechanisms classic protection and new instruments (the PTCR in this case). Configured is thus a hybrid genre protection in these countries.

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As fábricas encerradas, Fechadas as oficinas; Só estão escancaradas As mil bocas pequeninas, As mil bocas adoráveis, Dos filhos dos miseráveis!

É o trabalho um dever A que o Homem foi sujeito? Nós julgamo-lo um direito. Qual será maior pesar: Pedir pão e não o ter, Ou não ter onde o ganhar?

Roberto Eduardo da Costa Macedo

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Lista de Quadros... xiii

Lista de Gráficos... xiv

Lista de Tabelas... xvi

Lista de Figuras... xvii

Lista de Siglas e Abreviações... xviii

INTRODUÇÃO... 23

1. A QUESTÃO SOCIAL DO SOCIAL... 29

1.1. O ideário liberal e o advento da questão social... 30

1.2. O compromisso social... 34

1.3. O papel do social... 38

1.4. A crise do social... 43

1.5. O social na América Latina... 51

1.6. Os sistemas de proteção social do Brasil, Argentina e Chile... 62

(11)

1.6.3. O sistema de proteção social chileno... 79

2. OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA CONDICIONADA DE RENDA NA AMÉRICA LATINA: A EXPERIÊNCIA DO BRASIL, ARGENTINA E CHILE... 85 2.1. Programa Bolsa Família – Brasil... 86

2.1.1. Antecedentes históricos e origem... 87

2.1.2. Aspectos legais e operacionalização... 89

2.1.3. Público-alvo e benefícios... 90

2.1.4. Condicionalidades... 94

2.1.5. O Programa Bolsa Família em números... 96

2.1.6. Impactos do Bolsa Família... 101

2.2. Asignación Universal: Familiar e para Protección Social – Argentina... 113

2.2.1. Aspectos preliminares e origem... 114

2.2.2. Subsistema contributivo... 116

2.2.3. Subsistema não contributivo... 121

2.2.4. O subsistema não contributivo em números – AUH e AEPS... 127

(12)

2.3.1. Aspectos preliminares e origem... 135

2.3.2. Chile Solidario... 136

2.3.3. Ingreso Ético Familiar... 140

2.3.4. Chile Solidario e Ingreso Ético Familiar em números... 147

2.3.5. Impactos dos programas chilenos... 148

3. OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA CONDICIONADA DE RENDA SOB PERSPECTIVA COMPARADA... 150

3.1. Análise comparativa dos programas... 151

3.2. A proteção social e a inserção dos PTCR... 161

4. AS CONDICIONALIDADES E OS OBJETIVOS DOS PTCR: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES... 164

4.1. As condicionalidades e a mercantilização do social... 165

4.2. Redução e superação da pobreza... 167

4.2.1. O curto prazo: redução da pobreza... 168

4.2.2. O longo prazo: superação da pobreza... 174

CONCLUSÕES... 177

(13)

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Sistema de Proteção Social – Brasil... 74

Quadro 2 – Sistema de Proteção Social – Argentina... 79

Quadro 3 – Sistema de Proteção Social – Chile... 84

Quadro 4 – Valores dos benefícios do Programa Bolsa Família... 93

Quadro 5 – Condicionalidades do Programa Bolsa Família... 95

Quadro 6 – Valores, público-alvo e condicionalidades da AUH e da AEPS... 126

Quadro 7 – Valores dos benefícios do Ingreso Ético Familiar – 2014... 145

Quadro 8 – Condicionalidades do Ingreso Ético Familiar... 146

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Evolução do gasto fiscal total com benefícios do PBF (2004-2014) –

valores correntes... 99

Gráfico 2 – Valor máximo do benefício mensal (R$) – valores correntes... 100

Gráfico 3 – Número de pessoas pobres e extremamente pobres... 102

Gráfico 4 – Número de residentes em domicílios pobres e extremamente pobres... 103

Gráfico 5 – Taxa de fecundidade total – Brasil (1960-2010)... 107

Gráfico 6 – Taxa de fecundidade durante a década de implantação do PBF (2003-2014)... 107

Gráfico 7 – Percentual de crianças com vacinação em dia e acompanhadas pelo SUS – condicionalidades de saúde... 109

Gráfico 8 – Percentual de crianças, de 6 a 15, com acompanhamento de frequência escolar – condicionalidade de educação... 110

Gráfico 9 – Evolução do grau de desigualdade – Coeficiente de Gini... 113

Gráfico 10 – Gasto total, em Pesos, com pagamento de benefício da AUH, segundo tipo de prestação... 130

Gráfico 11 – Evolução dos valores da AUH, por tipo de benefício... 131

Gráfico 12 – Evolução da quantidade de beneficiárias na AEPS - mar./2011 a dez./2011... 132

Gráfico 13 – Influência da AUH na distribuição de renda: Coeficiente de Gini do IPCF, com e sem AUH (2007-2012)... 134

Gráfico 14 – Bonos de protección – Chile Solidario (2006-2010)... 148

Gráfico 15 – População em condição de pobreza e indigência e Coeficiente de Gini (1990-2009)... 149

Gráfico 16 – Nível de gasto e proporção da população atendida por PTCR não contributivo, em países selecionados da América Latina – 2012... 159

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Gráfico 18 – América Latina e Caribe: incidência de pobreza a US$2,50 dia/pessoa... 170

Gráfico 19 – Argentina: incidência de extrema pobreza a US$1,25 dia/pessoa... 171

Gráfico 20 – Argentina: incidência de pobreza a US$2,50 dia/pessoa... 172

Gráfico 21 – Chile: incidência de extrema pobreza a US$1,25 dia/pessoa... 172

Gráfico 22 – Chile: incidência de pobreza a US$2,50 dia/pessoa... 173

Gráfico 23 – Brasil: incidência de extrema pobreza a US$1,25 dia/pessoa... 173

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Benefícios previdenciários emitidos (dez./2013)... 65

Tabela 2 – Número de famílias beneficiárias do PBF, por região e UF (dez./2013).. 97

Tabela 3 – Evolução do PBF – 2004 a 2013... 98

Tabela 4 – População por estratos de renda – Brasil (2003 e 2011)... 104

Tabela 5 – Composição familiar por estrato de renda – Brasil (2003 e 2011)... 106

Tabela 6 – Valores da AAFF – subsistema contributivo... 120

Tabela 7 – Distribuição da AUH, por faixas de idade (abril/2014)... 127

Tabela 8 – Cobertura dos menores de 18 anos (2011-2014)... 128

(17)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Estrutra do Sistema Chile Solidario... 139

Figura 2 – Infográfico do Ingreso Ético Familiar: público-alvo e benefícios... 142

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

Siglas

AAFF Asignación Familiar por Trabajador

ADP Administrador de Datos de Personas

AEPS Asignación por Embarazo para Protección Social

AFIP Administración Federal de Ingresos Públicos

AFP Administradoras de Fondos de Pensiones

AIBF II Avaliação de impactos do Bolsa Família (2ª rodada)

ANSES Administración Nacional de la Seguridad Social

APS Aporte Previsional Solidario

APV Ahorro Previsional Voluntario

AUH Asignación Universal por Hijo para Protección Social

BIRD Banco Interamericano de Desenvolvimento

BVJ Benefício Variável Jovem

BNA Banco de la Nación Argentina

BPC Benefício de Prestação Continuada

BSP Benefício para Superação da Extrema Pobreza

CadÚnico Cadastro Único

CEF Caixa Econômica Federal

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe

CF Constituição Federal do Brasil (1988)

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CIT Comissão Intergestores Tripartite

CNAS Conselho Nacional de Assistência Social

CNPS Conselho Nacional de Previdência Social

COEGEMAS Colegiado Estadual de Gestores Municipais de Assistência Social

COFINS Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social

CONASEMS Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde

CONASS Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde

CONGEMAS Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social

CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

COSEMS Conselho de Secretários Municipais de Saúde

CRAS Centro de Referência de Assistência Social

CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social

EPH Encuesta Permanente de Hogares

FAO Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura

FGS Fondo de Garantía de Sustentabilidad

FMI Fundo Monetário Internacional

FNAS Fundo Nacional de Assistência Social

FONASA Fondo Nacional de Salud

FONSEAS Fórum Nacional de Secretários de Estado de Assistência Social

FPM Fundo de Participação dos Municípios

FPS Ficha de Protección Social

GEPM Garantía Estatal de Pensión Mínima

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

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IGF Ingreso del Grupo Familiar

INDEC Instituto Nacional de Estadística y Censos

INSS Instituto Nacional de Seguro Social

IPCF Ingreso Per Capita Familiar

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

ISAPRE Instituciones de Salud Previsional

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MDS-Ch Ministerio de Desarrollo Social (Chile)

MEC Ministério da Educação

MECON Ministerio de Economía y Finanzas Públicas

MF Ministério da Fazenda

MIDEPLAN Ministerio de Planificación

MINEDUC Ministerio de Educación

MINSAL Ministerio de Salud (Chile)

MINTRAB Ministerio del Trabajo y Previsión Social

MINVU Ministerio de Vivienda y Urbanismo

MPAS Ministério da Previdência Social

MS Ministério da Saúde

MSAL Ministerio de Salud (Argentina)

MTE Ministério do Trabalho e Emprego

MTEySS Ministerio de Trabajo, Empleo y Seguridad Social

OIT Organização Internacional do Trabalho

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PAP Prestación Adicional por Permanencia

PASIS Programa de Pensiones Asistenciales

PBF Programa Bolsa Família

PBS Pensión Básica Solidaria

PBU Prestación Básica Universal

PCA Programa Cartão-Alimentação

PEN Poder Ejecutivo Nacional

PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PGRM Programa de Garantia de Renda Mínima

PIB Produto Interno Bruto

PMAS Pensión Máxima con Aporte Solidario

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNAS Política Nacional de Assistência Social

PTCR Programas de Transferência Condicionada de Renda

RGPS Regime Geral de Previdência Social

RMG Renda mínima garantida

SAGI Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação

SAP Servicio de Alcantarillado de Aguas Servidas

SCFV Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos

SCS Sistema Chile Solidario

SIMPLES Sistema Integrado de Pagamentos de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte

SIPA Sistema Integrado Previsional Argentino

SMVM Salario Mínimo Vital y Móvil

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SPS Sistema de Pensiones Solidarias

SS Seguridade Social

SUAF Sistema Único de Asignaciones Familiares

SUAS Sistema Único de Assistência Social

SUF Subsidio Único Familiar

SUS Sistema Único de Saúde

UNFPA Fondo de población de las Naciones Unidas en Argentina

UO Unidade Orçamentária

Abreviações

Apud Citado por

et al. Entre outros

Ibid. Na mesma obra

n. Número

p. Página (s)

p.p. Pontos percentuais

(23)

INTRODUÇÃO

Quando em 1776, Adam Smith lançou sua obra seminal, A Riqueza das Nações, acreditava que a incipiente estrutura capitalista seria a chave para abrir as portas ao amplo desenvolvimento dos Estados-nação. De fato, ao longo de seu percurso histórico, o capitalismo engendrou imensas riquezas, opulentou pessoas, famílias, empresas, governantes e governos, massificou produtos e consumos, mas, também, e vigorosamente, exacerbou desigualdades e disseminou misérias.

Ampliar-se de maneira incessante, esta é a característica intrínseca do capital, como ensinou Marx. E, para tal, não há barreiras geográficas, sociais, políticas ou mesmo morais. Parece não haver empecilhos de qualquer natureza, obstáculos de qualquer gênero, que não possam ser vencidos, transpostos, ultrapassados, excedidos, destruídos, subjugados.

Habitamos um mundo, nos dias atuais, onde as grandes corporações transnacionais dominam as economias, ditam padrões desmedidos de consumo e de comportamento, excluem milhões de trabalhadores do processo produtivo, cada vez mais poupador de mão de obra, influenciam politicamente governos e organismos internacionais diversos, saqueiam países com seus mecanismos de financeirização, comprometem as gerações futuras com a ostensiva degradação ambiental em prol de uma produção massificada e aprisionam milhões de pessoas na indigência. Eis a configuração contemporânea.

Dada tal configuração, uma antonímia se coloca. Antonímia que opõe o capitalismo

de seu limiar, “utópico”, “ideal”, idilicamente gerador e propagador de riquezas, ao

capitalismo contemporâneo concreto, concentrador de fortunas, produtor de desigualdades e indigências, destruidor de suas forças produtivas, em prol de uma contínua acumulação.

Desta maneira, passados mais de duzentos anos desde o lançamento d’A Riqueza das Nações, parece-nos que aquilo que o capitalismo mais tem desenvolvido é, ao contrário,

a “pobreza das nações”, um estado tal de disparidades, injustiças e insuficiências que pode

ser considerado como um empobrecimento múltiplo e generalizado das sociedades humanas.

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conflitos, marginalização e exclusão) que se configuraram em uma verdadeira questão social. O embate que historicamente se desenvolveu nas sociedades acerca desta questão culminou, em última instância, na construção de sistemas de proteção social cada vez mais institucionalizados e complexos, voltados a proteger os indivíduos dos riscos prementes de natureza biológica e social. Estes sistemas encontraram plena institucionalização através da atribuição ao Estado da proteção social, constituindo o que veio a ser chamado de Estado Social, ou ainda Estado do Bem-Estar (Welfare State). A construção histórica da proteção social contemporânea tem seu fundamento nas lutas e mobilizações dos trabalhadores assalariados, que desde os estágios iniciais do capitalismo se manifestaram no mundo do trabalho. Por outro lado, ao institucionalizar e assumir a proteção em seu papel social, o Estado concorreu favoravelmente para a consolidação do próprio assalariado.

Desta forma, esta dissertação parte de uma explanação essencialmente centrada no arcabouço conceitual construído por Castel (1995, 2010, 2011, 2011b), a respeito do desenvolvimento histórico e da situação contemporânea da questão social, como da construção do Estado Social, nas sociedades europeias ocidentais. Tal questão, segundo o autor, corresponde ao dilema elementar acerca do qual a sociedade indaga-se sobre sua própria coesão, sobre sua capacidade de manter-se enquanto um conjunto de indivíduos vinculados por relações de interdependência. A questão social tem seu fundamento na degradação das relações laborais, que degradam igualmente o laborante, lançando-o em uma situação de vulnerabilidade social, quando não de miséria. A degradação dessas relações resulta diretamente da excessiva exploração capitalista, marcante do advento e consequente avanço da indústria nascente. A partir desta degradação, diversas foram, e continuam sendo, as formas de enfrentamento a esta questão. A promoção do social pelo Estado, através do compromisso social estabelecido no apogeu do capitalismo, constituiu-se como a via principal de manutenção do laço social. Do papel social assumido pelo Estado, emergem proteções sociais, pautadas na incondicionalidade e universalidade do direito e da cidadania.

(25)

Consequentemente, surgem novos gêneros de política no âmbito do social. Neste contexto, emergem os Programas de Transferência Condicionada de Renda (PTCR), como importante instrumento de política social, particularmente nos países da América Latina, objetos deste estudo. Esses programas representam uma outra lógica de concessão de proteção, vis-à-vis as estruturas do social até então vigentes no continente.

Assim, o objetivo que se persegue nesta dissertação está vinculado a esse novo gênero de política social e consiste em descrever, comparar e analisar os PTCR, na configuração vigente da proteção social na América Latina. Busca-se analisá-los à luz da construção conceitual supracitada, procurando adequá-la ao desenvolvimento histórico e à conjuntura social particular do continente latino-americano. Pretende-se, em última instância, a partir de tal comparação e análise dos programas, responder à pergunta que orienta este trabalho: em que medida a introdução dos PTCR (que possuem uma lógica própria e distinta) modifica a natureza da proteção social até então existente na América Latina? Em outras palavras, os PTCR prestam-se a substituir ou a complementar as demais políticas sociais?

Além disso, como objetivo secundário, pretende-se realizar uma explanação e discussão acerca das condicionalidades e da mercantilização do social derivada de sua lógica de “toma lá, dá cá”, como também abordar e controverter as premissas por trás dos objetivos precípuos perseguidos por este tipo de programa.

Contudo, na impossibilidade de operar a descrição, comparação e análise dos PTCR para cada país do continente, escolheram-se para este estudo três países, a saber Brasil, Argentina e Chile. Examinam-se os seguintes PTCR: o Programa Bolsa Família (PBF), do Brasil; os programas Asignación Universal por Hijo para Protección Social (AUH) e Asignación por Embarazo para Protección Social (AEPS), integrantes do regime de Asignaciones Familiares, da Argentina; e, finalmente, do Chile, o sistema Chile Solidario e o programa Ingreso Ético Familiar. Estes três países foram escolhidos como

“representantes” ou “tipos exemplares” dos programas de transferência condicionada de

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magnitude do continente, e do mundo, tanto pelo contingente de beneficiários atendidos, quanto pela extensão territorial alcançada, como também pelo volume de recursos monetários aplicados. Quanto ao Chile, por ter sido o primeiro país latino-americano a adotar o modelo neoliberal, na esfera econômica e também social, mercantilizando sua proteção à população. No que se refere à Argentina, o porquê de sua escolha se fundamenta no fato de, ao contrário dos outros dois países citados, o PTCR argentino constituir-se em um direito e não uma ação de assistência, não possuindo, em tese, restrições de vínculo político ou orçamentário, motivo pelo qual é importante contrapô-lo aos demais.

Nesta dissertação, empregaram-se as pesquisas bibliográfica e documental, fundamentando a investigação na ampla literatura afim ao tema, através de diversas obras, estudos e fontes existentes – como artigos, livros, sites institucionais e governamentais, entre outras fontes.

Para alcançar os objetivos propostos, foram adotados diversos métodos na realização deste trabalho. Utilizaram-se, a saber, os métodos: histórico, por analisar, também, mas não unicamente, fenômenos passados vis-à-vis os presentes; comparativo, por realizar analogias entre tais fenômenos, comparar os diferentes programas entre si assim como seus resultados, procurando suas similaridades e divergências; descritivo, por descrever as características dos programas; analítico, por analisar as informações, dados, conceitos, processos e fenômenos descritos; e, finalmente, estatístico, por pautar algumas argumentações em certos dados empíricos.

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seguir, o capítulo se volta ao processo de construção do “pacto” entre capital e trabalho, que teve lugar no período conhecido como “anos gloriosos” do capitalismo. O Estado intermediou este compromisso, de onde deriva a função social que então passou a assumir. Em sequência, na terceira seção, o objeto é a trajetória de evolução e institucionalização da proteção social e do papel social que o Estado exerce. Após, na seção quatro, são tratados os elementos que concorrem para a paulatina desconstrução, iniciada ao término dos anos de ouro do capitalismo, do papel social do Estado e mesmo dos pilares embasadores da proteção social. Na quinta seção, introduz-se a América Latina, no que concerne ao debate acerca da formação e configuração atual dos sistemas de proteção social no continente. A nova conformação desses sistemas incorpora um particular gênero de política, que são os programas de transferência condicionada de renda (PTCR), implantados no continente a partir da década de 1990, e os fundamentos sobre os quais tais programas se embasam. O questionamento que se coloca é, em que medida, este novo gênero de política significa ou não um novo paradigma para a proteção social existente na América Latina. Por isso, a última seção é dedicada a apresentar um retrato, em linhas mais ou menos gerais, dos sistemas de proteção social do Brasil, Argentina e Chile, de forma a favorecer o debate e a análise acerca da mudança (ou não) da natureza desses sistemas, com a inserção dos PTCR.

No capítulo 2, cujo título é “Os Programas de Transferência Condicionada de Renda

na América Latina: a experiência do Brasil, Argentina e Chile”, são expostos os PTCR

selecionados, sob o aspecto de seu desenho institucional, assim como de seu marco legal, operacionalização, público-alvo, benefícios e condicionalidades. Ademais, apresentam-se alguns dados disponíveis sobre tais programas, acerca de sua dimensão, cobertura, resultados e impactos, dentre outros. Trata-se de um capítulo essencialmente descritivo.

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1. A QUESTÃO SOCIAL DO SOCIAL

Este capítulo tem por objetivo apresentar o arcabouço conceitual, assim como os fundamentos da construção e evolução da proteção social e do papel social assumido pelo Estado, considerando principalmente as abordagens desenvolvidas por Castel (1995, 2010, 2011, 2011b) e por Marques (1997), porém, pontuando-as com contribuições de outros autores afins ao tema.

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tal questionamento, cumpre conhecer a configuração dos sistemas de proteção social nos países considerados neste estudo, para fornecer parâmetros de cotejo e inferência à questão levantada, a saber, se a inclusão dos PTCR altera ou não a natureza dos referidos sistemas. Deste modo, a sexta seção deste capítulo realiza uma apresentação sintética dos sistemas de proteção social do Brasil, Argentina e Chile.

1.1. O ideário liberal e o advento da questão social

A partir do século XVIII, as concepções liberais ganharam prevalência e tornaram-se dominantes no pensamento econômico. Estas concepções preconizavam a noção de um mercado autônomo, naturalmente regulado e regulador “natural” das relações produtivas e sociais. De maneira que a posição de cada indivíduo no conjunto social, assim como as relações entre eles estabelecidas, definiam-se pela forma como estes se encontravam inseridos no processo produtivo desse mercado. Ao Estado, apenas caberia o papel de garantir a ordem e a segurança, para a manutenção da propriedade privada (CUNHA & CUNHA, 2008, p.11).

O ideário liberal de então, pontificado pelos economistas clássicos (e que será retomado a partir da década de 1970 sob a alcunha de “neoliberalismo”), apregoava uma economia capitalista utópica, ideal, uma economia de pleno emprego dos recursos e da força de trabalho, autorregulável, geradora e propagadora de riquezas, mas que não encontrava respaldo na realidade.

Como considerou Keynes (2013, p.29), dois séculos mais tarde, referindo-se a esses economistas clássicos, como também aos seus coetâneos cujas análises econômicas fundamentavam-se na mesma matriz teórica clássica, eles eram:

(...) cândidos, que, tendo se retirado do mundo para cultivarem seus jardins, nos ensinam que tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis (...). Pode ser que a teoria clássica represente o caminho que desejaríamos que a nossa economia seguisse. Mas supor que na realidade ela se comporta desse modo é supor que todas as dificuldades foram afastadas.

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propunha a concepção liberal, no lugar da plena utilização dos recursos e do pleno emprego da força de trabalho, o que de fato se propagou, concomitantemente ao desenvolvimento da incipiente indústria capitalista, foram o pauperismo e a miséria da parcela da população sem posses, nas sociedades europeias ocidentais dos séculos XVIII e XIX.

O advento da Revolução Industrial implicara novas formas de produção e de participação no processo produtivo. Estas novas relações eram essencialmente opressoras, instigadas pelo espírito maximizador dos capitalistas e favorecidas pela falta de qualquer controle, por parte do Estado, das atividades produtivas e laborais. Infligia-se, desse modo, à população um grave estado de vulnerabilidade1 social. Como destaca Castel (2011, p.37), ao expor a situação do operariado na indústria nascente, havia naquele período:

1O termo “vulnerabilidade” aparece referenciado em diversos autores afins à temática do social, bem como referido em documentos de política social e nas próprias definições adotadas por diversos programas no que concerne ao seu público-alvo e objetivos. O conceito de vulnerabilidade, porém, não encontra pleno consenso na literatura. Em vista disso, optou-se neste estudo por adotar uma abordagem mais ampla para tal conceito, consoante à Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, assumida pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) em suas ações socioassistenciais. Para melhor esclarecimento acerca dessa concepção, segue trecho de documento elaborado pelo MDS:

“Não há um significado único para o termo vulnerabilidade. (...) Por esse motivo, diversas teorias, amparadas em diferentes percepções do mundo social e, portanto, com objetivos analíticos diferentes, foram desenvolvidas.

(...) As situações de vulnerabilidade podem decorrer: da pobreza, privação, ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, intempérie ou calamidade, fragilização de vínculos afetivos e de pertencimento social decorrentes de discriminações etárias, étnicas, de gênero, relacionadas à sexualidade, deficiência, entre outros, a que estão expostas famílias e indivíduos, e que dificultam seu acesso aos direitos e exigem proteção social do Estado. Com intuito de subsidiar a reflexão sobre o conceito de vulnerabilidade adotado pela PNAS/2004, seguem algumas considerações de diferentes autorias:

Kaztman: o autor elabora a concepção “ativos-vulnerabilidades” – a qual é utilizada pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe - CEPAL. Segundo essa compreensão, as vulnerabilidades resultam da relação entre duas variáveis: estrutura de oportunidades e capacidades dos lugares (territórios). Compreende-se por estrutura de oportunidades a composição entre: a) mercado; b) sociedade; e c) Estado. Já o conceito de capacidades dos lugares (territórios) diz respeito às possibilidades de acesso a condições habitacionais, sanitárias, de transporte, serviços públicos, entre outros - fatores que incidem diretamente no acesso diferencial à informação e às oportunidades e, consequentemente, no acesso a direitos. Nessa perspectiva, são as diferentes combinações entre ambas variáveis que originam tipos e graus de vulnerabilidade diferenciados. Os atores sociais, portanto, não dependem somente de sua capacidade de gerenciamento de ativos, mas de um contexto histórico, econômico e social formado de oportunidades e precariedades, bem como da intermediação/proteção da estrutura estatal para que consigam usufruir dos diferentes tipos de ativo necessários para responder às situações de vulnerabilidade.

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(...) uma vulnerabilidade de massa que afeta grandes camadas populares. Em particular, a maior parte dos assalariados de então era condenada a uma precariedade permanente e a uma insegurança cotidiana pela ausência de um mercado organizado de trabalho. Os mais vulneráveis desses vulneráveis oscilavam entre a mendicância e a vagabundagem (...).

Segundo o autor, a doutrina da Revolução Francesa, que se seguiu à Revolução Industrial, servindo-lhe de aparato ideológico, difundia a tese de que o livre acesso ao trabalho (isto é, a um mercado de trabalho não regulado) melhoraria a condição de vida dos trabalhadores, permitindo que todos encontrassem trabalho e, ainda, possibilitaria que o capitalismo incipiente se desenvolvesse de forma livre pela própria dinâmica de funcionamento do mercado. Entretanto, no que concerne aos trabalhadores, isto não ocorreu (CASTEL, 2010, p.65-66).

Deste modo, no limiar do capitalismo2, no lugar da promessa dos clássicos ou da esperança propagada pela Revolução Francesa, o que se assistia era a uma deterioração das já antes deterioradas condições de trabalho dos trabalhadores urbanos da época. A diferença

para o bem-estar – moradia, bens duráveis, poupança, crédito; b) humanos: trabalho, saúde, educação (capacidade física e qualificação para o trabalho); e c) sociais – redes de reciprocidade, confiança, contatos e acessos à informação. Assim, a condição de vulnerabilidade deve considerar a situação das pessoas e famílias a partir dos seguintes elementos: a inserção e estabilidade no mercado de trabalho, a debilidade de suas relações sociais e, por fim, o grau de regularidade e de qualidade de acesso aos serviços públicos ou outras formas de proteção social.

Marandola Jr. e Hogan: o termo vulnerabilidade é chamado para compor estudos sobre a pobreza enquanto um novo conceito forte, na esteira dos utilizados no passado, tais como: exclusão/inclusão, marginalidade, apartheid, periferização, segregação, dependência, entre outros. Enfatiza-se também que o termo vulnerabilidade tem sido empregado para tratar do cerceamento dos bens de cidadania – seja em função de uma diminuição de renda ou de perda de capital social.

A partir desse breve percurso sobre a concepção de vulnerabilidade, pode-se afirmar que a abordagem adotada pela PNAS, ao dialogar com as análises mencionadas, possibilita à assistência social uma visão menos determinista e mais complexa das situações de pobreza, pois dá um sentido dinâmico para o estudo das desigualdades, a partir da identificação de zonas de vulnerabilidades, possibilitando um maior poder explicativo de uma realidade social, composta por uma heterogeneidade de situações de desproteção social. Nessa direção, pode-se afirmar: a) A vulnerabilidade não é sinônimo de pobreza. A pobreza é uma condição que agrava a vulnerabilidade vivenciada pelas famílias; b) A vulnerabilidade não é um estado, uma condição dada, mas uma zona instável que as famílias podem atravessar, nela recair ou nela permanecer ao longo de sua história; c) A vulnerabilidade é um fenômeno complexo e multifacetado, não se manifestando da mesma forma, o que exige uma análise especializada para sua apreensão e respostas intersetoriais para seu enfrentamento; d) A vulnerabilidade, se não compreendida e enfrentada, tende a gerar ciclos intergeracionais de reprodução das situações de vulnerabilidade vivenciadas; e) As situações de vulnerabilidade social não prevenidas ou enfrentadas tendem a tornar-se uma situação de risco” (MDS, 2012, p.12-15).

2 O limiar do capitalismo, enquanto sistema hegemônico, equivale ao advento da indústria, a partir do século XVIII. A indústria capitalista comanda o capitalismo durante os séculos XVIII e XIX. Ao fim do século XIX, será o capital a juros que predominará no capitalismo, até a Crise de 1929. A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, como próprio resultado do pós-Guerra, o capitalismo industrial retomará a dominância no sistema,

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é que, como alega Castel (2010, p.66-67), com o advento da indústria capitalista e do livre mercado de trabalho, passava a existir o contrato de trabalho, uma ordem contratual, que legitimava a exploração do trabalhador por parte do capitalista, sem conceder nenhum estatuto jurídico ao trabalho.

A liberdade do então novo livre mercado de trabalho do capitalismo nascente submetia a população a um estado de precariedade inexorável, implicando sua crescente exploração, pauperização e miséria. Sob este cenário, emerge a questão social, que, nas palavras de Castel (1995, p.18), trata-se de:

(...) uma aporia [dilema] fundamental sobre a qual uma sociedade experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco de sua fratura. Ela é um desafio que interroga, que põe em questão a capacidade de uma sociedade de existir enquanto um conjunto ligado por relações de interdependência.3 (Tradução nossa)

A questão social, portanto, coloca-se diante do risco de fratura social, da ameaça de rompimento da coesão de uma sociedade, quando esta se encontra abalada em seu alicerce, enquanto um conjunto de pessoas vinculadas por interdependências. Desta maneira, o problema da questão social passa a se evidenciar quando a existência crescente de indivíduos não incorporados (ou mal incorporados) ao mercado de trabalho engendra pressões sociais, ameaçando a estabilidade do corpo social (CODES, 2008, p.7).

Uma das formas pelas quais tais pressões se manifestavam consistia nas frequentes greves e conflitos que tiveram lugar nas sociedades da Europa Ocidental, quando da indústria capitalista emergente. Marx e Engels (2002, p.37) descrevem a natureza dos embates que então ocorriam:

Inicialmente, operários entram em luta isoladamente; em seguida, operários de um setor industrial, em um mesmo local, contra um mesmo burguês, que os explora diretamente. Dirigem seus ataques não somente contra as relações burguesas de produção; dirigem-nos também contra os próprios instrumentos de produção; destroem as mercadorias estrangeiras concorrentes, quebram máquinas, incendeiam fábricas (...).

Sob este contexto, e por ele, surgiram e se desenvolveram os movimentos revolucionários de caráter socialista, ameaçando a recém-conquistada hegemonia do

3“(...) une aporie fondamentale sur laquelle une société expérimente l’énigme de sa cohésion et tente de

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capitalismo, colocando a sociedade diante do risco de sua fissura, ao questionar-se de sua capacidade em sustentar os vínculos de interdependência das relações que a fundamentam.

Todas as sociedades repousaram no antagonismo entre classes opressoras e oprimidas. Mas, para se oprimir uma classe, é necessário assegurar-lhe condições para que possa, no mínimo, prolongar sua existência servil. (...) O operário moderno em vez de elevar-se com o progresso da indústria, decai cada vez mais, abaixo das condições de sua própria classe. O operário transforma-se em indigente, e a miséria cresce mais rápido do que a população e a riqueza. Evidencia-se, assim, que a burguesia é incapaz de permanecer por mais tempo como classe dominante (...). É incapaz de dominar, pois é incapaz de assegurar a seu escravo a própria existência no âmbito da escravidão, porquanto é compelida a precipitá-lo numa situação em que tem que alimentá-lo em vez de por ele ser alimentada. (MARX & ENGELS, 2002, p.44)

Em suma, a questão social tem seu âmago na questão laboral. Emerge da exploração do capitalismo sobre a classe trabalhadora urbana, ao imprimir-lhe uma forte degradação, não apenas no que concerne aos aspectos do trabalho, mas também de sua condição social e humana, situando-a em uma posição de profunda vulnerabilidade, ampliando seu pauperismo e sua miséria.

1.2. O compromisso social

Diante da questão social que se impunha, o desenvolvimento dos sistemas de proteção social ganhou ênfase no mundo do trabalho, como instrumentos de redução da situação precária em que viviam os trabalhadores. Tal desenvolvimento tem sua base na iniciativa dos próprios trabalhadores assalariados vinculados à indústria, que se

“organizaram na forma de ‘ajuda mútua’, buscando promover a cobertura de riscos tais

como: a doença, o desemprego, a morte e a velhice” (MARQUES, 1997, p.14), de maneira a amenizar a demasiada precariedade que lhes atingia. Nesse momento, nem o Estado e tampouco os empregadores contribuíam com mecanismos significativos de proteção. Os trabalhadores por seu poder organizativo, principalmente através dos sindicatos, promoviam sua “autoproteção”.

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De um lado, tratavam de preencher o vazio ocasionado pela destruição das antigas formas de solidariedade, associadas às corporações de ofício e à vida no campo, provocado pelo rápido crescimento da indústria e das cidades. Naquele momento, dada a situação em que viviam os trabalhadores, mesmo a família e a vizinhança não conseguiam se colocar como efetiva rede de proteção. De outro lado, serviam como garantia mínima para que os trabalhadores não ficassem completamente à mercê das condições, de trabalho e salário, oferecidas pelos capitalistas.

Isto posto, tem-se que o grau do poder organizativo dos operários, expresso pelas organizações sindicais, refletia diretamente tanto a existência quanto a capacidade de cobertura promovida pelos instrumentos rudimentares de proteção social que puderam ser construídos pelos trabalhadores ainda nos estágios incipientes do capitalismo, nos séculos XVIII e XIX.

Segundo Marques (1997), o avanço e a expansão dessa ação organizada dos trabalhadores, através dos sindicatos e dos mecanismos de proteção, levam o Estado a progressivamente encarregar-se da incumbência de promover as proteções sociais, a partir do início do século XX. Por conseguinte, o papel social que o Estado passará a assumir, o

que lhe valerá o adjetivo de “Social”, deriva essencialmente da pressão que a organização

trabalhista e sua presença política exercem nas sociedades.

Ao atribuir-se um papel social crescente, o Estado é colocado como uma espécie de

intermediador, do que Castel (2010) chama de “compromisso social”. Trata-se de um tipo

de “pacto” implícito que se celebra entre capitalistas e trabalhadores. Este pacto se

apresentou como uma opção reformista, não revolucionária (ou, ainda, antirrevolucionária), para equilibrar os interesses do capital e do trabalho. Tal pacto consistia na mudança do status do trabalho (que será então incorporado ao âmbito do direito) e na institucionalização da proteção social. Sendo assim, esse compromisso social que se engendra no interior do capitalismo, a partir do início do século XX e que se consolida no período dos “anos gloriosos”, nas sociedades europeias ocidentais, debilitou as forças revolucionárias, assim como enfraqueceu a dicotomia capital x trabalho, burguesia x operariado. A diferenciação entre grupos e segmentos sociais passou a centrar-se essencialmente nos diferenciais de salários e não mais em classes antagônicas (CASTEL, 2010, p.19).

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em trabalho assalariado” (LENHARDT & OFFE, 1984, p.17). Estruturou-se, assim, uma sociedade salarial. Nas palavras de Castel (2011b, p.285), a sociedade salarial:

(...) não é somente uma sociedade na qual a maioria da população é assalariada, ainda que seja verdade. (...) Mas uma sociedade salarial é sobretudo uma sociedade na qual a maioria dos sujeitos sociais têm sua inserção social relacionada ao lugar que ocupam no salariado, ou seja, não somente sua renda, mas também seu status, sua proteção, sua identidade.

Segundo Castel (2010), o capitalismo, durante os referidos “anos gloriosos” (entre o fim da Segunda Guerra Mundial e os anos de 1970), alcançou o seu apogeu e obteve êxito em promover este tipo de compromisso social, que fora capaz de amenizar o peso das desigualdades e controlar os abusos patronais. A essência das relações entre capitalistas e trabalhadores, todavia, não se alterou, mas passaram a ser mediadas por regras, direitos e deveres. Tal compromisso tornou-se possível pelo estabelecimento de uma nova condição salarial e laboral para os trabalhadores, consubstanciada no estatuto do emprego e na proteção social, que passava a lhes conceder garantias fundamentais.

A consolidação e consistência dessa nova condição laboral, doravante apoiada e assegurada pelo estatuto do emprego e pela proteção, basearam-se na estruturação coletiva dos trabalhadores. Ocorrera um processo de “desindividualização”, ou “coletivização”, como nomeia Castel (2010, p.24). O “coletivo” era o seu alicerce: os coletivos sindicais, as convenções e regulações coletivas, e, principalmente, o Estado Social, o “coletivo por excelência”, nas palavras do autor, orquestrando tal aparato, concedendo um aspecto legal ao equilíbrio que então se estabelecia entre os distintos interesses do capital e do trabalho e constituindo-se em peso favorável ao trabalho para nivelar tal relação.

Como considera Castel (2010), o trabalhador isoladamente, assim como o seu trabalho, não possuía qualquer importância frente ao poder do capital.Por isso, a organização coletiva dos trabalhadores foi o elemento crucial na transformação que sua própria condição de trabalho alcançou no período dos anos gloriosos. A partir desse período, ao inserir-se “nos sistemas de garantias coletivas do estatuto do emprego e da proteção social”4, o trabalhador deixava de estar em absoluta desvantagem ante sua relação com o capitalista. Portanto, por intermédio do direito do trabalho que então lhe embasara, o trabalhador extravasava o domínio do mero utilitarismo econômico infligido pelos capitalistas e ascendia à esfera da

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cidadania social, através das proteções e direitos aos quais se encontrava doravante vinculado.

O compromisso social estabelecido, portanto, alcançava repelir a ameaça de fratura da sociedade, equilibrando os interesses em disputa. Sendo assim, ao Estado, enquanto intermediador desse pacto, fora incumbido o papel de assegurar a coesão da sociedade, diante da questão social com a qual se defrontava. Tal papel é exercido pelo Estado pela via do direito, ao inserir o trabalho e a proteção social neste âmbito. Desta forma, o Estado Social que se consolida nesse compromisso fundamenta-se sob um princípio universalista, da promoção incondicional de direitos (CASTEL, 2010).

Este compromisso social, que possibilitou ao trabalho e à proteção social tornarem-se matéria de direito, teve sua intermediação e consolidação sob incumbência do Estado. Tal tarefa concedeu a ele a atribuição de principal agente econômico e social nos países capitalistas. Logo, outorgou-se ao Estado uma função cada vez maior na determinação das trajetórias da economia e da proteção social nas sociedades modernas. O econômico e o social tornaram-se, em consequência, objetos de política.

A maior determinação nos rumos da economia e da proteção social encontravam respaldo teórico na influência do pensamento keynesiano. A construção teórica de Keynes defendia um papel-chave para a atuação estatal no estímulo ao crescimento econômico e na geração de empregos, como saída para o colapso no qual o sistema capitalista entrara após a Crise de 1929. Tal evento e suas consequências no cenário mundial colocaram a credibilidade da doutrina liberal ortodoxa em xeque. Diante da ineficácia do ideário ortodoxo em propor respostas a tais problemas, as propostas de Keynes ganharam espaço, por fornecer uma solução para a crise tanto na esfera teórica da economia quanto no campo político. Assim, sob a validade das propostas keynesianas, o Estado e sua função social ganharam força, consolidando-se através do compromisso social no período que se seguiu ao término da Segunda Guerra (BURGINSKI, 2013).

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progressivamente institucionalizadas, ao serem assumidas pelo Estado. De maneira que o estatuto do emprego e os sistemas de proteção social, que se firmarão sob a tutela do Estado Social, devem ser considerados como conquistas dos trabalhadores e dos movimentos sociais em prol de melhores condições de vida e de trabalho (MARQUES, 1997, p.46).

Contudo, importa frisar que apesar de constituir-se como resultado de embates entre as classes burguesa e proletária e dos movimentos e organização dos trabalhadores, os produtos gerados pelo compromisso social – quais sejam, a mudança do status do trabalho e a institucionalização da proteção social – prestar-se-ão a favorecer o desenvolvimento tanto do capitalismo industrial quanto do assalariado. Assim, o direito do trabalho e as proteções sociais institucionalizadas serão, simultaneamente, “produtos” da mobilização dos assalariados da indústria e também “insumos” da própria condição laboral e legal que concorrerá para a consolidação da sociedade salarial e do desenvolvimento da indústria.

1.3. O papel do social

A partir do compromisso social, o Estado é levado a assumir um crescente papel social que se solidifica por meio de regulações do trabalho e das proteções, de maneira a assegurar o caráter universal e incondicional da cidadania ao conjunto da população, concorrendo para a manutenção do elo da sociedade. Manutenção essa que fora um resultado de todo o processo e não a sua motivação. Por este papel que lhe é colocado, o Estado desloca o social para o domínio do público, alçando-o ao patamar de política. Em consequência, a proteção social angaria a configuração de política pública, descolando-se da esfera da benevolência primária e familiar de assistência aos necessitados.

Sabe-se que todas as sociedades humanas desenvolveram formas, em diferentes épocas e sob distintas concepções, de enfrentar e lidar com as vicissitudes e riscos de natureza biológica ou social da vida. Estas formas representam os sistemas de proteção social, de menor ou maior grau de institucionalização, existentes nas diferentes sociedades e períodos históricos (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2012, p.17).

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caráter público (o Estado) ou privado (o mercado), não intervêm. Neste sentido, quando não plenamente institucionalizada, a proteção social corresponde, segundo Castel (1995, p.34), ao conceito de sociabilidade primária (sociabilité primaire), que corresponde a:

(...) sistemas de regras que ligam diretamente os membros de um grupo à base de seu pertencimento familiar, de vizinhança, de trabalho, tecendo redes de interdependência sem mediação de instituições específicas.5 (Tradução nossa).

Como o autor pontifica, a partir do conceito de sociabilidade primária, seria lícito pensar a existência de sociedades sem o social. Em outras palavras, sociedades onde instituições especializadas de proteção social estivessem ausentes e o Estado, embora existente, não exercesse a função de agente protetor (CASTEL, 2010, p.146). Neste caso, a proteção dos membros mais vulneráveis dependeria tão somente da generosidade e filantropia de seus próximos. Ao longo da história, a sociabilidade primária foi mantida pela tradição e exercida pela família, vizinhos e amigos.

Posteriormente, o desenvolvimento das sociedades e a complexificação das relações sociais levaram a proteção a exceder os vínculos primários, pois ela adquire um caráter social mais amplo e a sociedade passa a agir sobre si mesma para proteger-se das contingências. Neste sentido, como aborda Castel (1995, p.41), pode-se falar de uma sociabilidade secundária (sociabilité secondaire), uma vez que se tratam de sistemas desalinhados dos vínculos familiares e de proximidade. Assim, emerge o caráter social das entidades religiosas e filantrópicas que também passam a encarregar-se das proteções em diversas sociedades.

Pode-se considerar que os sistemas de proteção social desenvolvidos através da organização dos trabalhadores nas primeiras etapas da indústria capitalista situam-se entre a sociabilidade primária e a secundária, pois originam-se nas relações de proximidade do trabalho, mas também as excedem por meio da progressiva expansão da cobertura das proteções aos trabalhadores de cada setor industrial, via sindicatos e organismos coletivos, segundo o grau de desenvolvimento organizativo dessas entidades.

5“(...) les systèmes de règles liant directement les membres d’un groupe sur la base de leur appartenance

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Atualmente, as sociabilidades primária e secundária se configuram na atuação da sociedade civil (uma sociabilidade terciária, poder-se-ia dizer), que engloba as entidades de generosidade primária (familiar e de proximidade), mas também aquelas de generosidade privada ou mercantil (instituições sociais privadas, com ou sem fins lucrativos).

De acordo com Castel (1995), a partir do desprendimento dos vínculos primários de generosidade, formas de proteção cada vez mais complexas vão se desenvolvendo e engendrando estruturas assistenciais mais sofisticadas. Deste modo, nas sociedades contemporâneas capitalistas, a proteção social adquire uma crescente formalização, através

de “sistemas e organizações complexas totalmente dedicadas a prever e sanar riscos de

natureza biológica (...) bem como riscos de natureza social”, como expressam Silva, Yazbek e Giovanni (2012, p.18).

A formalização e institucionalização do social retira-o, portanto, do puro domínio da generosidade e passa a incluí-lo, progressivamente, no âmbito do direito. Este processo ocorre sob a condução do Estado, que ao assumir o caráter de provedor e garantidor de direitos e proteções, a partir do compromisso social que se consolida nos anos gloriosos, encarrega-se da promoção do social nas sociedades. Deste modo, o Estado em seu papel social assegura para cada indivíduo o direito coletivo adquirido.

O Estado Social que se solidifica nos anos de ouro do capitalismo, tendo por função fundamental, segundo a abordagem de Castel (2010), zelar pela coesão da sociedade, busca rechaçar os riscos que a ameaçam de fratura, mediante a proteção a seus membros mais vulneráveis. Contudo, para exercer devidamente esta função, promovendo proteções aos indivíduos diante das eventualidades de ordem natural ou social da vida, foi preciso que instrumentos específicos fossem desenvolvidos, aptos a atender as diferentes necessidades sociais. Estes aparatos concorreram tanto para formalizar e institucionalizar o social, quanto decorreram de sua própria complexificação.

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Todos aqueles impossibilitados de trabalhar, por limitações físicas, etárias ou mentais – os inválidos – encontram-se isentos desta obrigação, por possuírem motivos socialmente considerados legítimos. A estes, a proteção social se coloca como um imperativo moral da sociedade, que entende a necessidade de protegê-los, desde seus mais remotos sistemas de proteção. Assim, a emergência do Estado Social, para este segmento de assistidos, não fez mais que institucionalizar a proteção, que formalizar a assistência, legalizando no âmbito do direito (retirando-a, por conseguinte, da esfera da mera generosidade e da dependência) o que já se encontrava desde antes socialmente legitimado.

Por outro lado, no que concerne a todos aqueles que apesar de não possuírem restrições (físicas, etárias ou mentais) para trabalhar, não conseguem fazê-lo ou o fazem sob condições extremamente precárias – os válidos – e que, por isso, não possuem recursos suficientes para subsistirem por si mesmos e tampouco para fazerem frente às vicissitudes da vida, tal legitimidade social não se verifica. Por esta razão, a promoção do social para os pobres e indigentes aptos ao trabalho se revelou uma tarefa de árdua concretização para o Estado Social. Para esse segmento da população, precisou-se desenvolver uma nova categoria de social, com mecanismos diferentes de proteção, distintos da assistência clássica destinada aos inválidos. Tais mecanismos fundaram-se nas proteções e direitos sociais vinculados ao trabalho, consubstanciados no estatuto do emprego e nos sistemas de proteção social, que foram o alicerce do compromisso estabelecido no apogeu do capitalismo.

Entretanto, esta então nova modalidade do social, ao incorporar o trabalho, toca em um ponto nevrálgico do ideário liberal capitalista, que é a premissa de livre funcionamento do mercado. Não por outro motivo, a tarefa de institucionalizar esta modalidade foi muito mais laboriosa ao Estado Social e, por isso, de realização mais tardia que a modalidade clássica de assistência. Afinal, a assistência clássica – direcionada aos inválidos – não detinha qualquer dificuldade maior à sua implantação, pois, além de moralmente legitimada, não se imiscuía ao econômico, uma vez que seus beneficiários tratam-se justamente daqueles isentos da obrigação de trabalhar (CASTEL, 2010). Portanto, aos assistidos desprendem-se diferentes tratamentos, em virtude das distintas maneiras como estejam colocados em relação ao trabalho.

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população. Foi possível realizar tal feito em função da força que o Estado Social adquiriu em sua construção. Ele se constituiu, no auge do capitalismo, enquanto um Estado-nação6 sólido e autônomo, responsável pelo desenvolvimento econômico e social da sociedade.

Semelhante responsabilidade assumida pelo Estado Social, imputa-lhe um papel social mais amplo, que extravasa a promoção das proteções e assistências sociais. Por este motivo, o Estado Social incumbe-se também da oferta de bens e serviços públicos, que, pela sua própria natureza, são indispensáveis ao desenvolvimento social e de interesse geral da sociedade, cuja execução plena escapa à esfera privada, por esta dedicar-se a interesses particulares. Tais bens e serviços são tradicionalmente identificados nas áreas de educação e de saúde e constituem elementos de alta relevância no que tange, para além do desenvolvimento socioeconômico, à função do Estado de manutenção da coesão social. Ao promover um sistema de bens e serviços públicos, o Estado exerce um importante papel social, pois complementa o sistema de proteção que oferece. Pela proteção social, os indivíduos têm proteções vinculadas ao seu trabalho, a seu ciclo de vida e à assistência. Pela oferta pública, os indivíduos têm acesso a bens e serviços coletivos, de crucial importância social. Tanto o sistema de proteção social como os bens e serviços públicos funcionam, conjunta e complementarmente, como elementos fundadores da cidadania social (CASTEL, 2010, p.157).

O Estado Social, assim configurado (enquanto mediador do pacto do capitalismo e promotor de proteções, bens e serviços sociais), encontrou sua primeira e mais acabada expressão nas sociedades europeias ocidentais, em virtude do desenvolvimento industrial pioneiro, da mobilização e organização trabalhista que os operários alcançaram e da posição política e econômica privilegiada em que se encontravam em relação ao mundo. Tal configuração do Estado Social, contudo, não é uma regra para todos os continentes e regiões do planeta. Do mesmo modo como é possível pensar em sociedades sem o social, anteriores ao advento do Estado de Bem-Estar, baseadas unicamente em sociabilidades primárias, há ainda hodiernamente sociedades onde não se manifesta a presença ou mesmo a existência deste modelo de Estado, como em alguns países africanos, conforme Castel (2010). Na América Latina, alguns países, como Argentina e mesmo o Brasil, desenvolveram sistemas

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de proteção social mais complexos7, embora não equiparáveis aos europeus. Por conseguinte, pode-se inferir que o Estado Social se edifica por um processo histórico, vinculado às especificidades sociais, políticas, econômicas e até culturais sob as quais ele é erigido, possuindo, por esta razão, estrutura, força e amplitude distintas entre as diferentes sociedades.

1.4. A crise do social

A crise que abalou o sistema capitalista na década de 1930 repercutiu por algumas décadas na economia mundial e somente após a Segunda Guerra finalizou-se de fato, quando se inaugurou uma fase de prosperidade no sistema. Essa crise implicou o repensar dos fundamentos ideológicos do capitalismo e levou à ascensão teorias e políticas favoráveis a uma maior intervenção estatal no âmbito econômico e social, propostas por Keynes, o que coadunado à crescente pressão trabalhista, à ameaça do socialismo e à questão social que se fundara no advento e desenvolvimento do capitalismo industrial, favoreceram as circunstâncias sob as quais o Estado Social emergiu. Este Estado consolidou-se e

predominou durante o período conhecido como “anos gloriosos”, que correspondem aos

trinta anos seguintes ao término da Segunda Guerra Mundial, período no qual o capitalismo atingiu seu ápice. O Estado de Bem-Estar Social configurado nesse período representou, nas palavras de Esping-Andersen (1995, p.73):

(...) um esforço de reconstrução econômica, moral e política. Economicamente, significou o abandono da ortodoxia da pura lógica do mercado, em favor da exigência de extensão da segurança do emprego e dos ganhos como direitos de cidadania; moralmente, a defesa das ideias de justiça social, solidariedade e universalismo. Politicamente, o Welfare State foi parte de um projeto de construção nacional, a democracia liberal contra o duplo perigo do fascismo e do bolchevismo.

Logo, em última instância, o Estado Social foi um produto do pós-Guerra, advindo da necessidade de reconstrução social, política e econômica das sociedades capitalistas, ao término do conflito mundial.

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De acordo com Marques (1997), o rápido e expressivo crescimento econômico que os países avançados alcançaram nesse período forneceu as bases materiais para o desenvolvimento e consolidação do próprio papel social do Estado, pois propiciou uma fonte crescente e sólida de recursos fiscais, mediante os quais as proteções puderam ser promovidas e ampliadas. Não apenas os benefícios garantidos pela seguridade como também aqueles ligados ao trabalho fundamentavam-se tanto em contribuições dos empregados e empregadores, com o concurso do Estado (a França é o país mais emblemático), como a partir de recursos fiscais (países nórdicos). Em um primeiro momento, tais benefícios dirigiam-se essencialmente aos trabalhadores urbanos. Porém, em função das pressões sociais e favorecidas pelo acelerado crescimento econômico da época, as proteções foram progressivamente estendidas, ampliando não apenas o leque de riscos cobertos como também o público abarcado, passando a incluir aqueles sem capacidade de contribuição ao sistema. Alcançava-se, assim, a universalização da cobertura na proteção social. Por isso, pode-se considerar que, se por um lado, o Estado Social favoreceu a condição de assalariamento, ao torná-la atrativa ao trabalhador por meio do estatuto jurídico do trabalho e das proteções sociais, por outro, tanto o Estado Social como as proteções sociais foram favorecidos pela expansão que o assalariamento auferiu, abrangendo o conjunto das atividades humanas, através do célere crescimento econômico e do elevado nível de emprego que as economias apresentaram no período dos anos gloriosos.

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Tabela 3  Evolução do PBF  –  2004 a 2013  Ano  Nº de  famílias  (dezembro  de cada ano)  Contingente de pessoas assistidas* Percentual da população total
Gráfico 1
Gráfico 2
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