PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Carlos Eduardo Jorge Bernardini
Tutela jurisdicional que concede a tutela antecipada antecedente
estabilizada e seus efeitos
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Carlos Eduardo Jorge Bernardini
Tutela jurisdicional que concede a tutela antecipada antecedente
estabilizada e seus efeitos
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Processual Civil, sob a orientação da Prof.ª Dra. Thereza Celina Diniz de Arruda Alvim.
SÃO PAULO
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial da presente tese de dissertação, por
qualquer meio de comunicação, inclusive, na Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo com escopo de estudo e pesquisa, citando-se a fonte de origem.
BERNARDINI, Carlos Eduardo Jorge.
Tutela jurisdicional que concede a tutela antecipada antecedente estabilizada e
seus efeitos.
168 p.
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2015.
Nome: BERNARDINI, Carlos Eduardo Jorge
Título: Tutela jurisdicional que concede a tutela antecipada antecedente estabilizada e seus
efeitos.
Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Direito Processual Civil da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como requisito parcial para obtenção de título
de mestre.
Aprovado em:
Banca examinadora
Prof. Dr.
Instituição:
Julgamento: Assinatura:
Prof. Dr.
Instituição:
Julgamento: Assinatura:
Prof. Dr.
Instituição:
AGRADECIMENTOS
Inicialmente, meus agradecimentos vão a Deus e a Jesus! Sem a presença deles e da força
diária que me concederam por meio de minhas orações, eu não estaria aqui!
Em seguida, meus honrosos e saudosos agradecimentos vão à querida e estimada professora
Thereza Alvim, por quem tenho, além de forte empatia, grande admiração como pessoa e
como professora.
Quando foi aceito o meu humilde pedido de ser seu orientando, após um árduo exame de
ingresso escrito e também oral realizado por sua filha, Dra. Tereza Wambier, fiquei muito
feliz e honrado. Nem todos os alunos possuem a honra e o privilégio de contar com os
ensinamentos da professora Thereza Alvim, os quais certamente foram essenciais ao meu
desenvolvimento pessoal e profissional.
Agradeço, igualmente, aos queridos e renomados professores Eduardo Arruda Alvim e
Nathália Carvalho, que sempre me receberam com carinho e atenção no escritório e estiveram
disponíveis para conversar a respeito deste trabalho.
À minha esposa, Juliana Ruggiero, que renovou minha vida, trazendo alegria, maturidade,
crescimento e, sobretudo, amor. Seu amor, paciência, carinho e companheirismo nos
momentos mais difíceis da vida e ao longo deste trabalho, principalmente nas pedras que
surgiram na sua finalização, foram essenciais.
À nossa bebê Beatriz, que foi gerada fruto desse amor que temos um pelo outro, que me
ajudou ainda mais a dar força para concluir este sonho.
Às nossas Nina e Bianca, que nos trazem alegria todos os dias!
Aos meus queridos pais, Marilu e Flávio, que me ajudaram e me apoiaram ao longo da vida e
me incentivaram continuamente em busca de meus sonhos. Admiro-os muito! Não sei como
In memorian aos meus avós queridos, sem exceção, Elza, Vera, Hugo e Alfredo, que podem não estar mais conosco neste mundo caótico, mas suas qualidades, valores e ensinamentos são
reproduzidos diariamente por mim na jornada da vida. Saudades imensas de vocês!
À minha querida amiga Helena Najjar Abdo, por quem tenho especial admiração e me
incentivou ao mestrado e também aos estudos!
Aos meus colegas do escritório, especialmente aos meus colegas Renato Franco de Campos,
Pedro Salles, Guilherme Bruschini, Gustavo Nogueira, e ao meu time, André Aoni, Felipe
Mendes e Elisa Pinheiro, que sempre me estimularam e prestaram forte apoio nas horas mais
difíceis em que tive que conciliar trabalho e mestrado! Sem a compreensão e apoio de vocês,
RESUMO
BERNARDINI, Carlos Eduardo Jorge. Tutela jurisdicional que concede a tutela antecipada
antecedente estabilizada. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016.
O escopo do presente trabalho é analisar a tutela jurisdicional que concede a antecipação de
tutela antecedente, as características, as limitações e os possíveis efeitos que podem ser
atribuídos a ela. Com essa finalidade abordaremos, inicialmente, o conceito de tutela
jurisdicional, suas classificações segundo a doutrina clássica e também segundo uma
perspectiva constitucional. Abordar-se-ão, ainda, no capítulo atinente à tutela jurisdicional, o
conceito de tutela jurisdicional diferenciada, alguns exemplos e também, mais
especificamente, as tutelas de urgência e da evidência consagradas pelo Novo Código de
Processo Civil. Tratar-se-á, outrossim, do conceito de sentença no Novo Código de Processo
Civil e de alguns princípios constitucionais julgados importantes e que permeiam a concessão
de qualquer tutela jurisdicional, tendo o autor optado por aqueles julgados mais relevantes
sobre o assunto, como o princípio do juiz natural, a imparcialidade e a motivação das decisões
judiciais. Ainda nesse capítulo, serão examinadas as técnicas de cognição e suas espécies, por
constituírem de traço característico da tutela jurisdicional diferenciada, na qual se insere a
tutela de urgência. Essa análise é muito importante para se aferir quais os possíveis efeitos
que podem ser atribuídos à estabilização da tutela antecipada antecedente. Como não poderia
deixar de ser, no capítulo seguinte àquele em que tratada a tutela jurisdicional será abordado o
conceito de coisa julgada, sua natureza jurídica, suas características e sua eficácia preclusiva.
Nesse capítulo, em específico, serão demonstradas algumas modificações trazidas pelo Novo
Código de Processo Civil quanto à coisa julgada e à possível ampliação de seus limites
objetivos, face à questão das questões prejudiciais e da ação declaratória incidental. Em
seguida, será tratado, de forma sucinta, do que é preclusão, dos aspectos que a diferenciam da
coisa julgada e, após isso, da ação rescisória. Atinente à ação rescisória, julgou-se importante
saber o seu conceito e cabimento, sobretudo face às alterações que o Novo Código de
Processo Civil trouxe em relação ao conceito de sentença, à possibilidade de julgamento
antecipado e parcial do mérito e, enfim, aos aspectos e ao alcance da coisa julgada.
Finalmente, no último capítulo, pretende-se demonstrar qual a natureza jurídica da tutela
antecipada antecedente estabilizada, em face ao que foi abordado no trabalho ─ a finalidade
tratados, igualmente, questões controvertidas acerca da nova medida no Código de Processo
Civil e possíveis efeitos que podem ser a ela atribuídos. Importante salientar que o trabalho
analisou, no que necessário, doutrina e jurisprudência nacionais e internacionais, para
relacioná-las com o escopo que se pretende.
Palavras-chave: Tutela jurisdicional. Tutela diferenciada. Tutela de urgência.
ABSTRACT
BERNARDINI, Carlos Eduardo Jorge. Non-ordinary court protection and possibility of
stabilization regarding preliminary relief and their effects.Dissertação de mestrado.Faculdade
de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016.
The scope of this dissertation consists in analyzing the non-ordinary court protection and its
possibility of stabilization regarding preliminary relief and its effects. The work analyses its
characters, limitations and possible effects that these kind of decision may have. For this, it is
analyzed the concept of court protection, some historical aspects and classification. In light of
those concepts, it will be analyzed the non-ordinary court protection types, provision
proceedings (preliminary relief), evidence court decision, especially in regards to the New
Procedure Civil Code. Furthermore, it will be developed the new ruling concept and some
constitutional principles, such as due process of law, the principle of equality and critical
Court precedents that encompass the subject matter. In addition, in this chapter cognition
techniques will be pointed out and analyzed. We addressed the topic of the unappealeble
decisions, historical aspects and classification settling a comparison among CPC/73 and
CPC/15. Finally, the preliminary injunction will be analyzed; its proceedings stated in the
CPC/15 and some critical aspects.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...11
1.1 ESCOPO DO PRESENTE TRABALHO...11
1.2 CORTE TEÓRICO PROPOSTO ...15
2 TUTELA JURISDICIONAL...17
2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA...17
2.2 ESPÉCIES DE TUTELA JURISDICIONAL ...26
2.2.1 Conceito de sentença...28
2.2.2 Tutela jurisdicional classificada segundo a classificação Trinária ...33
2.2.3 Tutela jurisdicional classificada segundo a teoria Quinária ...37
2.2.4 Tutela jurisdicional classificada segundo a perspectiva do dano – tutela preventiva e repressiva ...42
2.2.5 Tutela jurisdicional classificada segundo a perspectiva do momento de sua prestação – antecipada e ulterior...45
2.3 TUTELA JURISDICIONAL DIFERENCIADA ...48
2.3.1 Processo de cognição para prestação da tutela jurisdicional - diferenciada ...52
2.3.2 Princípio do juiz natural...54
2.3.3 Princípio da imparcialidade ...56
2.3.4 Princípio da motivação das decisões judiciais ...59
2.3.5 Técnicas de cognição ...64
2.3.5.1 Cognição plena e exauriente ou parcial e exauriente ...66
2.3.5.2 Cognição sumária...68
2.4 TUTELA DE URGÊNCIA...71
2.5 TUTELA DA EVIDÊNCIA ...76
3 COISA JULGADA ...81
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...81
3.2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O HISTÓRICO DA COISA JULGADA NO DIREITO ROMANO ...83
3.3 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA COISA JULGADA...90
3.4 OS LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA...96
3.5 OS LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA...104
3.6 ELEMENTOS QUE COMPÕEM O ALCANCE POSITIVO DOS LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA...108
3.7 ELEMENTOS QUE COMPÕEM O ALCANCE NEGATIVO DOS LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA...112
3.8 DA PRECLUSÃO ...113
3.9 DA AÇÃO RESCISÓRIA...115
4 ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA ...119
4.1 INTRODUÇÃO...119
4.3 ASPECTOS GERAIS DO REGIME DA TUTELA ANTECIPADA, REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE NA FORMA DO ARTIGO 304 DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, E SUA OPERACIONALIZAÇÃO...128
4.3.1 Procedimento na tutela antecipada antecedente...131 4.4 ASPECTOS GERAIS DA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA
ANTECEDENTE OBJETO DE CONTROVÉRSIA ...133 4.5 DIREITO À REVISÃO DA TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE
ESTABILIZADA E ASPECTOS CONTROVERTIDOS...139 4.5.1 Controvérsia atinente ao esgotamento do prazo de 2 anos sem o ajuizamento da ação prevista no §§ 5 e 6 do artigo 304 e seus efeitos. Há coisa julgada, preclusão ou
estabilização? ...142
5 CONCLUSÃO...151
1 INTRODUÇÃO
1.1 ESCOPO DO PRESENTE TRABALHO
Propõe-se a presente dissertação trazer à tona questão controversa acerca dos efeitos
que podem ser atribuídos à estabilização da tutela antecipada antecedente, a partir de uma
análise da tutela jurisdicional que envolve essa medida, introduzida no ordenamento jurídico
vigente pelo Novo Código de Processo Civil (CPC/15).
A Lei nº 13.105, sancionada em 16 de março de 2015 (CPC/15), tem provocando
intenso debate doutrinário e muita expectativa na comunidade jurídica brasileira. A revogação
do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73), depois de muitas reformas legislativas,
apresentou-se como uma mudança necessária e importante diante de um cenário de profundas
alterações socioculturais.
Atualmente, a sociedade brasileira urge pela adoção de medidas céleres e eficientes,
que busquem o resultado útil do processo em curto espaço de tempo ou, no dizer do texto
constitucional, dentro de um tempo razoável.
A partir da promulgação da Constituição de 1988, que expressamente garante o direito
de acesso à jurisdição, surgiu maior conscientização dos cidadãos, com o consequente
crescimento no volume e na complexidade das demandas submetidas ao Poder Judiciário. Tal
fenômeno, aliado a uma economia de massa, ao crescimento populacional e à falta de
estrutura, tem gerado enormes dificuldades para a garantia da efetiva prestação jurisdicional,1
ocasionando uma crise no Poder Judiciário e em sua credibilidade.
Em que pesem o legislador e a comunidade jurídica sempre terem procurado encontrar
soluções e medidas que buscassem a entrega de uma tutela jurisdicional célere e útil ao
jurisdicionado, nem sempre as diversas tentativas incorporadas nas codificações até hoje
existentes produziram os efeitos esperados.
Algumas conjecturas podem ser pensadas para justificar essa ineficiência. Contudo,
um aspecto é certo: a evolução da sociedade e das relações que a constituem impacta
sobremaneira na forma como determinados institutos processuais caminharão e serão
aplicados. Eventualmente, podem ser úteis por muito tempo, passando, posteriormente, em
decorrência dessas transformações, a não mais possuírem a eficiência pretendida inicialmente.
Daí a constante necessidade de se incorporar no ordenamento jurídico novas técnicas que
1
busquem modificar e aperfeiçoar o sistema processual como meio para o exercício do direito
de ação e, consequentemente, por meio do qual se buscará o bem da vida almejado.
Com o advento das denominadas tutelas diferenciadas, fundadas em cognição sumária,
associadas a esse pensar constitucional do processo, há uma grande tendência na
simplificação de alguns procedimentos até então seguidos à risca por grande parte dos
processualistas e também pela jurisprudência, notadamente no sentido de que a segurança
jurídica está nas decisões proferidas em processos com cognição plena e exauriente, e de que
a liberação da eficácia da tutela final só pode ocorrer na sentença não sujeita à apelação.
Esse paradigma (segurança jurídica e entrega célere de tutela jurisdicional) deve ser
levado em consideração para resolver a morosidade dos processos.
A sumarização, nessa linha, é tendência não apenas no campo procedimental, mas
também na criação de tutelas de urgência.2
A pior das consequências da morosidade na
prestação da tutela jurisdicional é exatamente a perda do objeto do processo, a negação da sua
natureza instrumental e do seu caráter de caminho para a concretização de direitos materiais.
Verdadeiramente, de nada adianta a prestação tardia; o direito pode ter perecido, na prática,
ou perdido muito de seu significado para o seu detentor.3
Como afirma Rui Barbosa, “a justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada
e manifesta”.4
Em busca da efetividade processual, devem ser construídos procedimentos adequados
e céleres, sob pena de tornar a garantia constitucional letra morta. Contudo, por outro lado,
também devem ser observados princípios fundamentais relacionados à ampla defesa, ao
contraditório e ao devido processo legal.5
Não se pretende, com o presente trabalho, concluir que as técnicas de sumarização são
prejudiciais às partes por constituírem um instituto violador da Constituição, como alguns
processualistas podem pensar, com o que, de fato, ouso a discordar. Muito pelo contrário, o
que se pretende, especificamente, em relação à modalidade de tutela diferenciada – tutela
2
No entender de José Roberto Bedaque dos Santos, “a demora exagerada dos processos torna imprescindíveis as medidas urgentes, que, por sua vez, geram efeitos provisórios – o que também não contribui para a segurança das relações jurídicas.” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 48).
3
WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 43. 4
BARBOSA, Rui. Oração aos moços. Edição popular anotada por Adriano da Gama Kury. 5. ed. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 1999, p. 40. Disponível em: <http://www.casaruibarbosa.gov.br/ dados/DOC/artigos/rui_barbosa/FCRB_RuiBarbosa_Oracao_aos_mocos.pdf>. Acesso21 dez. 2015.
5
antecipada antecedente – é demonstrar que o Novo Código de Processo Civil procurou
estabelecer um novo instituto, o qual, da maneira como se encontra disposto, respeita todas as
garantias constitucionais e que, apesar de possuir em sua natureza a provisoriedade e a
sumariedade como elementos norteadores, tem como finalidade precípua a produção imediata
de eficácia, independentemente da continuidade do processo.
Como conseqüência, obtém-se por meio da tutela antecipada antecedente, com todas
as suas características peculiares e inerentes a essa modalidade de tutela de urgência, a entrega
de uma tutela jurisdicional em tempo razoável passível de se tornar estável, se respeitadas as
garantias constitucionais que envolvem o devido processo legal.
A atribuição de estabilidade às tutelas antecipadas antecedentes advém do sistema
processual italiano,6
inspirada no sistema dos référés franceses e belgas, possuindo como
finalidade evitar prejuízos decorrentes da demora excessiva na obtenção de uma tutela
jurisdicional definitiva, bem como evitar a propositura de demandas principais, na hipótese
das partes (a ré, principalmente) estarem satisfeitas com a liminar concedida em sede de tutela
antecipada.
Verificou-se, por meio de cálculo estatístico, que a partir da cognição sumária a justiça
francesa põe fim a cerca de 90% de seus litígios, utilizando-se do denominado procédure em
référé.7
Não se olvida que esse instituto novo no direito processual brasileiro, aparentemente,
traz alguma solução para o tão falado problema da atual ineficiência do Poder Judiciário na
entrega do resultado útil do processo, sem que haja a necessidade de um moroso e longo
processo de conhecimento com cognição plena e exauriente. Como se sabe, o procedimento
ordinário, em muitos casos, mostra-se desnecessário, assoberbando o Poder Judiciário, por
muito tempo, com inúmeros processos a um custo elevadíssimo.
6
Na Itália, antes do Códice di Procedura Civile de 1942, uma das preocupações dos processualistas era a ausência na lei de um poder-geral de cautela que permitisse a aplicação de medidas de acautelamento, não previstas expressamente, o que levou o legislador a introduzir no Capítulo dos Procedimenti Cautelari os Provvedimenti d’urgenza, dispondo o artigo 700 que: “fora dos casos regulados nas seções procedentes deste capítulo, quem tiver fundado motivo de temer que o tempo que possa decorrer para que se reconheça seu direito nas vias comuns, por estar este ameaçado de perigo iminente e irreparável, poderá requerer ao juiz provimento de urgência, que se apresente, segundo a circunstância, como meio idôneo a assegurar provisoriamente os efeitos da decisão de mérito.” Edoardo F. Ricci afirma que “è o próprio il fenomeno dela resistenza ingiustificata a rendere più difficile la tutela giuridica per chi há ragione; e poiché la resistenza ingiustificata, tanto più incoraggiata, quanto più il processo è ineficiente come strumento di efetiva tutela, si è di fronte al clássico serpente che si morda la coda. (RICCI, Edoardo F. Per una efficace tutela provvisoria ingiunzionale dei diritti di obbligazione nell´ordinario processo civile. Rivista di Diritto Processuale, Padova: Cedam, p. 1033, ottobre-dicembre 1990).
7
Desta feita, o que o CPC/15 pretende com a nova medida, efetivamente, é conferir às
partes a autonomia para optar entre a demanda plenária ou a efetividade imediata do
provimento de urgência, sem a obrigação do ajuizamento de demanda com cognição plena e
exauriente para manutenção ou revogação dos efeitos da decisão liminar concedida.8
Como toda inovação, a possibilidade da estabilização da tutela antecipada antecedente
tem sido alvo de inúmeros debates na doutrina. A controvérsia não paira, como será abordado,
apenas em relação aos aspectos procedimentais, a contagem de prazos e as demais medidas a
serem adotadas pelas partes.
A grande questão que tem sido travada consiste nos efeitos que podem ser atribuídos à
tutela antecipada estabilizada, depois de escoado o prazo de 2 (dois) anos para o ajuizamento
da ação de modificação prevista no § 6 do artigo 304 do CPC/15.9
Em que pese o Código de
Processo Civil ter previsto expressamente não haver formação de coisa julgada dentro desse
prazo bienal, ele não deixou claro que efeitos podem se formar após o exaurimento desse
prazo.
Dessas ponderações é que se extrai a importância do tema e da necessidade de se
estabelecer, pelo menos, algum critério – coerente com o ordenamento jurídico vigente - para
ser seguido em relação à produção desses efeitos, na medida em que, dependendo da linha que
se adotar (coisa julgada, preclusão, estabilização, imutabilidade), há possíveis consequências
processuais – também alvo de debate pela comunidade jurídica.
Neste trabalho, portanto, inicialmente será traçado um escorço histórico da tutela
jurisdicional, para em seguida investigar a sua natureza jurídica e suas características e
possíveis classificações, uma vez que o objeto do presente trabalho – tutela antecipada
antecedente – constitui modalidade de tutela jurisdicional. Justificado, pois, o porquê da
importância de se abordar esse tema logo no início do trabalho.
Na segunda parte do trabalho, será analisado o instituto da coisa julgada, abordando-se
seus aspectos históricos, seu conceito, sua natureza jurídica, sua eficácia preclusiva, e também
seus limites objetivos e subjetivos. Tratar-se-á, ainda, do conceito de preclusão e, ao final da
ação rescisória, abordar-se-ão as principais modificações introduzidas pelo CPC/15.
Em seguida, passar-se-á ao estudo da estabilização da tutela antecipada antecedente,
de seus aspectos históricos de origem, do conceito e da natureza jurídica, bem como do
8
TESSER, André Luiz Bauml. In: Código de processo civil anotado. TUCCI, José Rogério Cruz e et al. (Coords.). AASP, 2015, p. 509.
9
“Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.” (BRASIL, Lei nº 13.105, de 16 mar. 2015. Código de Processo Civil.
procedimento. O enfoque dado ao estudo será crítico e restritivo, ou seja, se buscará
demonstrar que a estabilização da tutela antecipada antecedente foi consagrada no
ordenamento jurídico vigente como medida de efetividade, desde que observadas algumas
medidas pelas partes, pelos advogados e também pelo Poder Judiciário, e que seu instituto,
apesar de positivo, possui algumas falhas redacionais no CPC/15 que merecem ajustes para
que seja melhor e mais corretamente utilizado.
Verificar-se-ão, ademais, questões controvertidas em relação ao modo como o regime
foi positivado no Código de Processo Civil, encerrando-se o estudo acerca dos efeitos que
podem ser atribuídos à tutela antecipada estabilizada antecedente.
Por fim, será apresentada a conclusão da presente dissertação, pela qual se pretende
contribuir para o estudo de um instituto bastante recente no Brasil, e também demonstrar o
posicionamento da doutrina acerca dos possíveis efeitos que podem ser atribuídos à tutela
antecipada que se estabiliza, levando-se em consideração a sua natureza jurídica, suas
características e seus preceitos constitucionais e infraconstitucionais (CPC/15).
1.2 CORTE TEÓRICO PROPOSTO
O presente trabalho terá como hipótese central de estudo a análise da tutela
jurisdicional que concede a tutela antecipada que se estabiliza e seus efeitos, de modo a não
violar as garantias constitucionais.
Fixado o objeto do presente estudo, dividiu-se o presente trabalho em capítulos e
subitens, relacionados sobremaneira a esse objeto e, paralelamente, procurou-se estabelecer,
dentro do que foi abordado, comparação entre o CPC/73 e o CPC/15.
Julgou-se importante abordar “tutela jurisdicional” como primeiro tópico a ser
estudado, uma vez que o entendimento do conceito de tutela antecipada antecedente, suas
características, sua natureza jurídica e suas demais aplicações pressupõe, necessariamente, a
compreensão do que seja tutela jurisdicional, afinal a tutela antecipada é uma espécie de
tutela jurisdicional (tutela diferenciada – provisória – urgência).
A discussão envolvendo as inúmeras classificações da tutela jurisdicional sempre foi
alvo de muito debate na doutrina e se mostra importante dentro do panorama que envolve a
presente dissertação, já que, para se compreender que as tutelas de urgência – nas quais se
encontram compreendidas a tutela antecipada e a tutela cautelar – necessário se faz conceituar
tutela jurisdicional diferenciada, demonstrando, dentro do que cabe, a natureza jurídica, as
Abordar-se-á, ainda dentro de tutela jurisdicional, questão atinente à cognição. Em que
pese não seja o escopo do presente trabalho necessário se faz analisar o conceito de cognição,
suas técnicas e sua classificação, uma vez que a tutela antecipada tem como uma de suas
características principais o fato de possuir a sumariedade como um dos traços que a diferencia
das demais tutelas jurisdicionais. Além disso, a cognição se mostra necessária para se
entender no capítulo 3 quais decisões, segundo a doutrina, poderão estar cobertas pelo manto
da coisa julgada.
Traçado um panorama dentro de onde se encontra no processo civil a tutela antecipada
antecedente, seu conceito, sua natureza jurídica e suas principais características, adentrar-se-á
no estudo da coisa julgada.
Dentro desse capítulo, procuraram-se abordar, dentro do que o autor julgou pertinente
ao tema, elementos principais a respeito do conceito de coisa julgada, natureza jurídica,
eficácia e limites objetivos e subjetivos. Como o presente estudo não versa sobre coisa
julgada, mas sobre possíveis efeitos que podem ser atribuídos à tutela antecipada antecedente,
julgou-se importante abordar apenas tais aspectos, suficientes à possível conclusão a que se
chegará.
Nesse sentido, não serão abordadas as questões filosóficas e correntes teóricas acerca
do conceito de coisa julgada, nem em relação às diversas teorias que envolvem o presente
instituto.
Finalmente, acerca da estabilidade da tutela antecipada, limitou-se a questão a uma
análise geral do instituto frente ao CPC/15, traçando-se, dentro do que se julgou importante,
um sucinto escorço histórico sem, contudo, aprofundar-se na aplicação do instituto nos países
europeus, pois esse não é o objetivo do presente trabalho.
A contribuição que se pretende oferecer é demonstrar, dentro do que se tem debatido
pela doutrina especializada, possíveis conclusões acerca dos efeitos que podem ser atribuídos
2 TUTELA JURISDICIONAL
2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
Nos tempos mais remotos, quando ainda não se falava em Estado organizado, quando
o Estado ainda não tinha poder de dirimir e julgar conflitos existentes entre as pessoas, a
resolução dessas desinteligências era feita por meio das próprias mãos.
Assim, primitivamente, o Estado era fraco e limitava-se a definir direitos. Competia
aos próprios titulares dos direitos reconhecidos pelos órgãos estatais defendê-los e realizá-los
com os meios de que dispunham. Eram os tempos da justiça privada, ou, como mencionado,
da justiça pelas próprias mãos, que, naturalmente, era imperfeita e incapaz de gerar a paz
social desejada por todos.10
Muitas vezes, esse mecanismo primário de solução de conflitos acabava gerando mais
danos e prejuízos entre as partes envolvidas do que propriamente a resolução em si da
questão, já que não havia limites. Não havia, como hoje há na Carta Magna, proteção por
meio de cláusulas pétreas aos direitos e garantias fundamentais – notadamente ao direito à
vida.11
Esse mecanismo rudimentar de solução de conflitos foi denominado "doutrina de
autotutela" e,12 atualmente, o Estado o proíbe, em regra, como mecanismo de composição,
com exceção, por exemplo, aos casos de proteção à posse e direitos de propriedade.13 Há
10 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 50. ed. v. 1. São Paulo: Forense, 2009, p. 35.
11 Art. 5º (BRASIL. Constituição [1988]. Portal da Legislação do Governo Federal, Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 10 nov. 2015).
12 “Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente forte para superar ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares: por isso, não só existia um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, como ainda não havia sequer as leis (normas gerais e abstratas impostas pelo Estado aos particulares). Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão. A própria repressão aos atos criminosos se fazia em regime de vingança privada e, quando o Estado chamou a si o jus punitionis, ele o exerceu inicialmente mediante seus próprios critérios e decisões, sem a interposição de órgãos ou pessoas imparciais, independentes e desinteressadas. A esse regime chama-se autotutela (ou autodefesa) e hoje, encarando-a do ponto de vista da cultura do século XX, é fácil ver como era precária e aleatória, pois não garantia a justiça, mas a vitória do mais forte, mais astuto ou mais ousado sobre o mais fraco ou mais tímido. São fundamentalmente dois os traços característicos da autotutela: a) ausência de juiz distinto das partes; b) imposição de decisão por uma das partes à outra.”. (CINTRA, Antonio Carlos Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 26. ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2010. p. 27)
quem defenda, ainda, que essa forma de autotutela, denominada "desforço imediato", seria
inconstitucional,14 porquanto somente o Estado, detentor do poder jurisdicional de resolução
de conflitos, poderia dirimi-la, sob pena de colocar em risco os direitos e as garantias
fundamentais.
Se, por um lado, o direito material permitiu um toque de liberdade na proteção à
posse,15 por outro a própria Constituição da República, em seu artigo 5º, garante proteção à
vida. A questão, como se verifica, é controversa na doutrina e também nos Tribunais, não
havendo, ainda, um entendimento uniforme a respeito da matéria.
De todo modo, é possível aferir, com firmeza, que a permissão dada pelo Estado ao
particular para utilizar da força para a defesa de seu patrimônio em detrimento da integridade
física da pessoa constitui retrocesso à justiça privada, pois a força do particular em defesa dos
seus interesses patrimoniais não faz direito, mas cria, ao contrário, significante injustiça, com a
qual não se pode coadunar.
Nesse mesmo sentido, Rousseau, já afirmava que16
O mais forte não é nunca assaz forte para ser sempre o senhor, se não transforma essa força em direito e a obediência em dever. Daí o direito do mais forte, direito tomado ironicamente pela aparência e realmente estabelecido em princípio. [...] Convenhamos, pois, que a força não faz direito, e que não é obrigado a obedecer senão às autoridades legítimas.
Institui o Código Civil. Portal da Legislação do Governo Federal, Brasília, DF, 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 nov. 2015).
14 Durante o denominado V Encontro, o Núcleo de Estudos da Defensoria Pública Estadual de São Paulo aprovou uma súmula a respeito da matéria, por meio da qual se entende que “é ilegal e inconstitucional o ato de remoção compulsória de moradias de pessoas baixa renda pelo Poder Público sem autorização judicial, com exceção dos casos de área de risco devidamente comprovado ‒ por meio do devido processo legal administrativo ‒ e, neste caso, com o devido atendimento habitacional” (DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Teses aprovadas: V encontro estadual dos defensores públicos de São Paulo 2012. Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/20/TESES%20V%20ENCONTRO. pdf>. Acesso em 10 nov. 2015). No mesmo sentido, colhe-se, a título exemplificativo, ementa oriunda de julgamento de recurso de agravo de instrumento: “AGRAVO DE INSTRUMENTO Conquanto se possa falar no risco à integridade física daqueles que ocupam a área non aedificandi, local em que está instalada torre de edificação de propriedade da concessionária de serviço público, certo é que existe também o risco de dano inverso, considerando o fato de que várias famílias habitam o local, no qual construíram casas de alvenaria, inclusive Necessário que a agravante reúna melhores elementos, estabelecendo um plano de ação, com vista à imissão provisória na posse, pedido este que, se for do interesse da parte, poderá ser novamente submetido a exame do juízo a quo Por ora, faltam condições necessárias à imissão provisória Decisão mantida Recurso improvido.” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Agravo de Instrumento nº 0287059-62.2011.8.26.0000, 7ª Câmara de Direito Público, Relator Des. Luiz Sérgio Fernandes de Souza, julgado em 10 set. 2010. Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/28/Documentos/tj_dano_ inverso.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2015).
15 O artigo 188, inciso I do Código Civil dispõe que não constituem atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito (BRASIL, 2002).
O fortalecimento do Estado e a conscientização das pessoas quanto à impossibilidade
do uso da própria força na tentativa de solução dos conflitos e insatisfações, criou a
necessidade da intervenção de um terceiro, que figurou inicialmente como mediador e,
posteriormente, tornou-se a figura do juiz.
O histórico sobre a evolução do processo foi abordado com pouco mais de
profundidade no capítulo 3 atinente à coisa julgada e sua formação.
De todo modo, a evolução da sociedade levou à necessidade do reconhecimento pelas
pessoas de uma solução efetiva e acertada para a solução de seus conflitos. Percebeu-se,
portanto, que a autotutela não era eficaz e eficiente na solução de conflitos.
A partir da transferência dessa tentativa de solução a um terceiro, o Estado, já
fortalecido após o período arcaico e clássico do direito romano (fase do ordo judiciorum
privatorum), começou a se impor sobre os particulares por meio da figura dos juízes
estatais.17 Era o início da transferência de justiça privada para justiça pública. A essa
atividade, mediante a qual os juízes, representando a figura do Estado, analisam e resolvem os
conflitos a eles submetidos, dá-se o nome de jurisdição.18
Jurisdição é, portanto, uma das funções do Estado, por meio da qual se faz substituir
os titulares dos interesses em contraposição, visando à busca da paz social por meio da
solução do conflito levado pelas partes à autoridade estatal.
No entender de Giuseppe Chiovenda,19
[...] função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva.
Segundo Chiovenda, a respeito do conceito de jurisdição, a lei regulamenta todas as
situações que ocorram na vida em sociedade, atuando o Estado, dentro de seus limites quanto
exercício da jurisdição, substituindo a vontade das partes – dentro do que pretendem.
Eduardo Cambi contraria essa colocação ao entender que o conceito de jurisdição não
deve se restringir à atuação concreta da lei, pois a função jurisdicional vai além da mera
subsunção às fontes formais que consagram o direito material.20
17
TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 196. 18
CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 29. 19
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. v. II. Campinas: Bookseller, 2000, p. 3. 20
Carnelutti,21 por outro lado, conceituou jurisdição com fundamento na existência de lide entre as partes, de modo que, se uma das partes manifesta uma pretensão e a outra resiste,
nasce o conflito, dando origem a uma lide, donde adviria a função da jurisdição na tentativa
de resolver esse conflito. Assim, para o mestre italiano, a jurisdição tem como princípio a
contenciosidade.
Em que pese a evidente e significativa contribuição de Carnelutti ao conceito de
jurisdição, grande parte da doutrina moderna acerca do tema critica seu posicionamento no
sentido de que o exercício da jurisdição não está condicionado à existência de lide.
Há casos em que não há lide, ou seja, que inexiste pretensão resistida, mas que
necessitam do exercício da jurisdição, como por exemplo nas ações de controle de
constitucionalidade.
Calamandrei,22 já antevira essa questão no conceito do mestre italiano ao sustentar que
a função jurisdicional é tanto de integração quanto de persecução da função legislativa, uma
vez que o Estado, após a edição das leis representativas de sua vontade, refirma sua
autoridade por meio da atividade do juiz em determinado caso concreto.
Como visto, a teoria de Calamandrei aproxima-se das ideias de Chiovenda, mas se
opõe ao conceito de jurisdição dado por Carnelutti. Assim, para Calamandrei, é possível
existir atividade jurisdicional sem lide.23
A par dessas considerações, pode-se entender como jurisdição a atividade realizada
pelo Estado com vista à aplicação do direito objetivo e positivado ao caso concreto colocado
em juízo, resolvendo-se com caráter de definitividade uma situação de conflito com o intuito
de alcançar a pacificação social.
21
CARNELUTTI, Francisco. Estudios de derecho procesal, v. II. Trad. esp. de Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: EJEA, 1952. p. 5.
22
CAMBI, 2002, p. 31. 23
Nessa linha, a pacificação social é o escopo principal da jurisdição.24
Características importantes a serem mencionadas a respeito da jurisdição dizem
respeito à inércia e à definitividade. Os órgãos jurisdicionais, dada a sua natureza e função,
são inertes, por definição, (nemo judex sine actore, ne procedat judex ex officio). Se a função
preponderante da jurisdição é a pacificação social, imaginá-la de outra forma que não fosse
mediante provocação dos interessados (jurisdicionados) acabaria por trazer outros problemas,
ligados, inclusive, à necessária imparcialidade dessa atividade.
Como regra, é sempre uma insatisfação que motiva a provocação da atividade
jurisdicional por meio do exercício do direito de ação. Portanto, independentemente de se
tratar de direitos disponíveis ou indisponíveis, prevalece o disposto no artigo 2º do Código de
Processo Civil quanto à necessidade da provocação do juiz para a prestação de uma tutela
jurisdicional.25-26
Por fim, é oportuno destacar como característica fundamental da jurisdição a sua
definitividade. Trata-se, como se verá no capítulo 3, da formação da coisa julgada das
decisões que apreciarem o mérito das questões levadas em juízo, concedendo-se a segurança
necessária.
Dessa forma, levada uma questão ao órgão jurisdicional e tendo ele apreciado o
mérito, os jurisdicionados não poderão, como regra, rediscuti-la novamente, com supedâneo
no disposto no inciso XXXVI do artigo 5º, da Constituição da República.
Tecidos comentários acerca do conceito de jurisdição, cabe salientar, ademais, que a
sua aplicação é feita por meio de uma atividade denominada "atividade jurisdicional", a qual é
exercida pelo Estado, que se utilizará de mecanismos previstos em lei para a resolução dos
conflitos, não necessariamente advindos de uma lide, que nascem do exercício do direito
constitucional de ação.
24
A doutrina moderna entende que o escopo da jurisdição vai além da pacificação social, englobando uma função educadora para o exercício dos próprios direitos e o respeito aos direitos alheios (escopo social); também tem função de preservação do valor da liberdade, preservação do ordenamento jurídico e de sua própria autoridade (escopo político) e, como escopo jurídico, na atuação da vontade concreta do direito (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 30).
25
Poucos são os casos em que o órgão jurisdicional pode agir de ofício. Em geral, poucas hipóteses relacionadas à atividade jurisdicional ex officio estão ligadas a questões urgentes, desde que já exista direito de ação exercido pelas partes. A execução, no processo trabalhista, por exemplo, corre de ofício.
26
Esse mecanismo de eliminar conflitos e fazer justiça mediante a atuação da vontade da
lei é exercido por meio de um instrumento denominado "processo". Em síntese, é o
instrumento para a positivação do poder do Estado27, operacionalizada por meio da jurisdição.
De todas as teorias que se formaram ao longo do tempo acerca da natureza jurídica do
processo, a que o caracteriza como relação jurídica processual é a que mais atraiu olhares dos
grandes estudiosos acerca da matéria.28 Isso não significa afirmar que o processo seja a
própria relação processual. Ele deve ser encarado não só como relação entre os sujeitos que a
compõem, como também como um conjunto de atos complexos para o exercício da
jurisdição.29- 30 Em última análise, o processo não tem fim em si mesmo; ele é revestido de
caráter instrumental.
Como demonstrado até o presente momento, a evolução da solução dos conflitos entre
as pessoas caminhou com o passar dos anos, de forma a torná-la mais organizada,
democrática e justa.
Ganhando força e atuando como parte imparcial na relação jurídico-processual, o
Estado tem procurado, dentro de um de seus escopos, solucionar questões antes resolvidas por
meio das próprias mãos. Não havia justiça. Ela era feita pelos mais fortes.
27
O processo está presente em todas as atividades estatais (processo administrativo, legislativo) e não estatais (processos disciplinares dos partidos políticos ou associações, processos das sociedades mercantis para aumento de capital etc.). Não se confunde com procedimento e autos. Procedimento é o mero aspecto formal do processo e autos são a materialidade dos documentos dos quais se reveste o processo. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 153).
28
Elio Fazzalari, contudo, não entende o processo como relação jurídica, modificando, completamente, o conceito que se tinha de processo até então. Para o mestre, processo deve ser visto como procedimento em contraditório e não como relação jurídica. É o procedimento de que participam aqueles que são interessados no ato final, de caráter imperativo, por ele amparado, mas não apenas participam; participam de forma especial em contraditório entre eles, porque seus interesses em relação ao ato final (tutela jurisdicional) são opostos. Exige-se que os interessados e os contrainteressados – entendidos como os sujeitos do processo que suportarão o resultado favorável ou desfavorável do provimento – participem em simétrica paridade do iter procedimental – para a formação do provimento. Segundo Fazzalari,“tale struttura consiste nela partecipazione dei destinatari degli effetti dell’atto finale alla fase preparatoria del medesimo; nella simmetrica parità delle loro posizioni” (FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. Padova: Cedam, 1992, p. 82).
29
Não há acordo na doutrina acerca de como é formada a relação jurídico-processual. Há quem defenda a teoria triangular de formação do processo, por meio da qual o processo contém posições jurídicas que interligam autor e Estado, Estado e réu, e autor e réu. Em sentido oposto, há ainda outra corrente que enxerga o processo com configuração angular, por meio da qual só existem posições ligando autor e Estado, e Estado e Réu, não existindo a relação entre autor e réu. No Brasil, adota-se a corrente triangular. Assim, colhendo-a para fins do presente estudo, são três os sujeitos da relação jurídico-processual: o Estado, o demandante e o demandado. As partes figuram na relação processual em sujeição ao juiz. O binômio poder-sujeição é a principal característica da relação jurídico-processual. Em que pese o juiz não ter interesse no objeto do processo, é ele que desempenha todos os atos que impulsionarão a marcha processual – estando dotado de imparcialidade. 30
Com o advento do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), a tendência é
a de justamente utilizar o processo como um modelo constitucional em respeito a todas as
garantias e direitos que compõem a Carta Magna,31 abrandando naquilo que é possível o
excesso de rigidez do atual modelo, prejudicial, evidentemente, à solução dos conflitos
submetidos ao Estado,32 robustecendo o caráter da instrumentalidade do processo.
A materialização dessa função do Estado no exercício da jurisdição dá-se por meio da
concessão de um provimento denominado "tutela jurisdicional".33
No entender de Cassio Scarpinella Bueno,34
Tutela jurisdicional é a proteção, a salvaguarda, que o Estado deve prestar naqueles casos em que ele, o próprio Estado, proibiu a autotutela, a justiça pelas próprias mãos. A tutela jurisdicional neste sentido, deve ser entendida como a contrapartida garantida pelo Estado de atribuir os direitos a seus titulares na exata medida em que uma tal atribuição faça-se necessária por alguma razão. O que é importante, pois, de se ter em mente, destarte, é que tutela jurisdicional significa, a um só tempo, o tipo de proteção pedida ao Estado juiz – o que a doutrina tradicional usualmente chama de pedido mediato – mas também os efeitos práticos desta proteção no plano do direito material com vistas a proteger um determinado bem jurídico (um determinado interesse) que justificou o pedido de exercício da função jurisdicional (pedido mediato, para empregar a nomenclatura tradicional).
31
Segundo José Frederico Marques a esse respeito: “Os estudos constitucionais sobre o processo civil podem ser apontados [...] como um dos característicos mais salientes da atual fase científica do Direito Processual Civil. Não só a aproximação com o Direito Processual Penal para isto contribuiu, como também a irrupção do totalitarismo na esfera processual, com tentativas frustradas de substituir o processo por métodos autoritários e soluções administrativas, provocou, como reação natural, essa nova diretriz doutrinária.” (MARQUES, Frederico Marques.Ensaio sobre a jurisdição voluntária. Campinas: Millennium, 2000, p. 5-6 apud BUENO, Cassio Scarpinella. O “modelo constitucional do direito processual civil”: um paradigma necessário de estudo do direito processual civil e algumas de suas aplicações. In: JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA, Juliana Cordeiro de; LAUAR, Maira Terra (Coords.). Processo civil: novas tendências. Homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008a, p.157-166).
32
“Não se quis, com o novo Código, ‘zerar’ o direito processual, fazer ‘tábula rasa’ de tudo o que existe. Quis-se, sim, inovar, a partir do que já existe, respeitando as conquistas. Dando-se passos à frente. Assim é que devem ocorrer as mudanças das ciências ditas sociais, da lei, da jurisprudência: devagar. Porque também devagar mudam as sociedades. Nada de mudanças bruscas, que não correspondem àquilo que se quer, que assustam, atordoam e normalmente não são satisfatoriamente assimiladas. Não há razão para não se manter tudo o que de positivo já tínhamos concebido. Nada como se engendrar um novo sistema, de forma equilibrada, entre conservação e inovação.” (WAMBIER, Teresa et al. Primeiros comentários ao novo CPC: artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015).
33
Sobre o escopo da jurisdição, Cândigo Rangel Dinamarco afirma que: “eis como e porque o correto enquadramento político do processo conduz à insuficiência da determinação de um escopo da jurisdição e mostra a inadequação de todas as posturas só jurídicas, que a todo custo buscam a resposta ao problema nos quadrantes dos direitos, sem descortinar o panorama sociopolítico em que inserida a própria função deste. O mal do pensamento positivista reside justamente no curto alcance de suas soluções. Investiga os resultados que o exercício da jurisdição produz sobre o sistema de direito, mas deixa na sombra o que realmente tem relevância e substancial valia, que é a função do próprio direito perante a sociedade.” (DINAMARCO, Cândigo Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: RT, 1999, p. 153).
34
Como se observa no conceito atribuído por Bueno, a tutela jurisdicional é atribuição
típica do Estado, uma vez que ele mesmo assumiu essa incumbência ao ter proibido a
utilização da autotutela e, em alguns casos, a autocomposição como meios de solução de
conflito.
Ainda segundo o mestre, são características da tutela jurisdicional os elementos da
demanda, notadamente os pedidos mediato e imediato – os quais definirão a modalidade de
provimento pleiteado e que será concedido ou rejeitado.
Na definição de José Roberto Bedaque dos Santos, contudo, não se verifica destaque à
função do Estado no conceito de tutela jurisdicional, mas notável influência do direito
material no direito processual. Para Bedaque, o processo é utilizado para a realização do
direito subjetivo.
A esse respeito, ele afirma:35
Tutela jurisdicional deve ser entendida, assim, como tutela efetiva de direitos ou de situações pelo processo. Constitui visão do direito processual que põe em relevo o resultado do processo como fator de garantia de direito material. A técnica processual a serviço de seu resultado.
Traço típico do conceito de tutela jurisdicional de José Batista Lopes,36 por outro lado,
está na efetiva entrega a quem de direito daquilo que se pede, segundo o ordenamento
jurídico. De acordo com o doutrinador,"Tutela jurisdicional efetiva é a que garante o pleno
exercício dos direitos e faculdades no curso do procedimento e dar razão a quem a tiver
segundo os ditames da ordem jurídica".37
Já o professor Cândido Rangel Dinamarco38 faz distinção entre tutela jurisdicional e
garantia do direito da ação. Segundo ele, para que se exerça o direito de ação, basta que
estejam presentes seus requisitos para obter o provimento jurisdicional, mesmo que esse
provimento seja desfavorável. Caso isso ocorra, será concedida a tutela jurisdicional ao seu
adversário.
35
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 29.
36
LOPES, João Batista. Curso de direito processual civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2005. p. 20. 37
Entendimento similar é o de Flavio Luiz Yarshell, ao afirmar que a tutela jurisdicional é concedida em favor do vencedor, pois este ostenta um direito, considerando o plano substancial do ordenamento. Yarshell acrescenta, ademais, que a finalidade do direito de ação é a de invocar a atividade jurisdicional e, consequentemente, invocar a tutela jurisdicional contida na jurisdição. (YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. 1. ed. São Paulo: Editora Atlas, 1999, p. 28-57).
38
DINAMARCO, Cândigo Rangel. Instituições de direito processual civil. v. I, 3. ed. São Paulo: Malheiros,
Como se pode concluir, a tutela jurisdicional é conceituada sob diversos enfoques,
havendo uma tendência atual à preocupação com o resultado útil, prático e eficiente da tutela
pleiteada. Todos os entendimentos, contudo, caminham no sentido de que sua finalidade é,
sem dúvida, a pacificação social fundada no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição da
República.39
A busca por esse resultado prático, à luz do disposto no artigo 5º, inciso LXXVIII da
Constituição da República, deve observar os princípios da duração razoável do processo e da
celeridade,40 pois justiça atrasada nada tem de justo.
Já dizia Rui Barbosa que justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e
manifesta, porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito das partes e, assim,
lesa-as no patrimônio, honra e liberdade.41
Os excessos de formalismos e o volume imoderado de ações e recursos associados aos
inúmeros problemas advindos de um Código de Processo Civil (1973) que não se encaixava
mais na conjuntura socioeconômica e política do país foram os pontos centrais na decisão de
se criar um modelo mais próximo dos anseios do povo.
Afinal, o exercício da jurisdição é para resolver conflitos do povo, e não para caminhar
contra ele.42
Procurando se adequar a esse modelo constitucional do Processo Civil, o Novo Código
de Processo, ao contrário do Código de Buzaid, procurou modificar alguns critérios
sedimentados até então no tocante à prestação de uma tutela jurisdicional célere e concedida
em tempo razoável.43
A estabilização da tutela antecipada é, inclusive, criada pelo legislador por meio do
Novo Código de Processo Civil, que leva à concretização mais célere e em tempo razoável do
direito invocado pelo jurisdicionado – como será abordado neste trabalho em momento
oportuno.
De nada adianta entender tutela jurisdicional sem levar em consideração o fato de que
sua simples entrega ao jurisdicionado nada lhe interessa, pois a simples declaração (o
39
“[...] a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988). 40
“[...] a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (Ibidem).
41
BARBOSA, 1999, p. 40.
42
A tutela jurisdicional, para Marinoni, é aquela que tem o compromisso de realizar plenamente o direito material, ou seja, a própria tutela material (MARINONI, Luis Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. São Paulo: RT, 1992, p. 405).
43
reconhecimento apenas de um direito), nos casos em que o direito material exige mais do que
a tutela declaratória, não é eficiente.44
Tais aspectos, importantíssimos no conceito de tutela jurisdicional, notadamente em
relação a esse novo modelo de se enxergar o processo, serão abordados mais à frente.
2.2 ESPÉCIES DE TUTELA JURISDICIONAL
A tutela jurisdicional, como meio de salvaguarda e de proteção aos que dela
necessitam, não é única. Existem diversas modalidades de como a tutela jurisdicional pode ser
pleiteada e concedida.
Os critérios de classificação mostram-se importantes no contexto do presente trabalho,
a fim de que se possa compreender como se situa a tutela antecipada dentro das diversas
espécies de tutela jurisdicional e, posteriormente, suas características principais.
Há, na doutrina, diversos critérios de classificação da tutela jurisdicional. Nenhum
deles é excludente de um ou de outro.45 Há quem defenda a classificação das tutelas
jurisdicionais levando em consideração seus efeitos, outros sua eficácia e, ainda, seu momento
e perspectiva de dano.
Como são inúmeros os critérios doutrinários para essa classificação, colher-se-á
apenas alguns que se julgou importantes para a compreensão do presente trabalho dentro do
objeto de estudo.
Apesar de não ser a classificação atualmente mais adotada pelos doutrinadores que
defendem o modelo constitucional do processo civil, inicia-se o presente tópico pela
classificação tradicional das tutelas jurisdicionais segundo sua eficácia: trinária, quartenária
ou quinária das ações. Na maior parte dos países da Europa, as sentenças são classificadas de
acordo com seu conteúdo típico e efeito que produzem. Esses países ainda consagram a
44
De acordo com entendimento de Cassio Scarpinella Bueno, “diferentemente do que ocorria há cem anos, nenhum processualista civil da atualidade que se ocupar e se preocupar com a realização de direitos devidamente reconhecidos existentes em juízo será acusado de não discernir adequadamente entre os planos substancial e processual, quiçá, um ‘imanentista’ ou um concretista ultrapassado. Muito pelo contrário. O processualista civil que assim agir, direcionando seus estudos nesta direção, estará aplicando adequadamente a revisitação de sua disciplina, estará acentuando que o seu objeto de investigação tem finalidades a serem atingidas e que elas localizam-se fora dele, não se confundindo com ele. É chegada a hora de ser sublinhada a necessidade de ser construído um verdadeiro ‘neoconcretismo’, que, conscientemente, volte-se à aplicação do lema chiovendiano de que ‘o processo deve dar, quanto for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir’.” (BUENO, Cássio Scarpinella. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. v. 1. 4. ed. São Paulo: Ed. Saraiva. 2010, p. 308-309).
45
classificação tríplice (trinária ou clássica) das sentenças do processo de conhecimento e
dividem as sentenças em declaratória, constitutiva e condenatória.46
Essa posição também era a dominante no Brasil. Contudo, nos últimos anos, muitos
doutrinadores têm insistido na necessidade de modificar essa classificação, principalmente
após o advento da Lei nº 11.232/2005, que, conforme se analisará a seguir, modificou alguns
conceitos até então sedimentados pela maior parte da doutrina.
A classificação clássica – trinária – deixou de ser a base dessa classificação,
entendendo os doutrinadores a necessidade de sua ampliação, de modo que surgiu a então
sustentada classificação quinária, que inclui as sentenças mandamentais e as executivas latu
sensu. Como se verá, Pontes de Miranda, seguido por Ovídio Baptista, já defendia esse
critério de classificação adotado pelo Código de Processo Civil de 1973 muito antes do
advento da Lei nº 11.232/2005.
Assim, de acordo com a classificação quinária, as ações ou sentenças podem ser de
natureza declaratória, constitutiva, condenatória, executiva latu sensu ou, ainda,
mandamental. Tal classificação é veiculada pelo pedido, de modo que aquilo que se pede na
ação é que determinará o tipo de ação e, consequentemente, o tipo de sentença (tutela
jurisdicional entregue) a ser proferida.
Cássio Scarpinella Bueno faz importante consideração a respeito desse critério,
especificamente em relação à nomenclatura tradicional utilizada em relação a “ações” ou
“sentenças”.47
Segundo ele, o termo "ação" não tem por que receber adjetivações ou qualificações,
pois diz respeito à provocação do Estado-juiz para que seja concedida uma tutela
jurisdicional. O máximo que se pode constatar é que uma ação é compreendida pelo que se
pede, recebendo, em decorrência disso, o nome de tutela jurisdicional.
No tocante ao termo “sentença”, Cássio Scarpinella Bueno afirma que as entende -
como faz a doutrina tradicional - como sendo declaratórias, constitutivas, condenatórias,
executivas latu sensu ou mandamentais seria um grande equívoco, uma vez que se admitiria
que a tutela jurisdicional somente pudesse ser entregue ao final, ao passo que pode ser
perfeitamente concedida antecipadamente e ao longo do processo.
46
Segundo José Carlos Barbosa Moreira, a doutrina contenta-se, ainda hoje, com essa tripartição, vista como abrangente da totalidade das sentenças suscetíveis de serem proferidas pelo juiz cível (MOREIRA, José Carlos Barbosa. A sentença mandamental: da Alemanha ao Brasil. Repro.São Paulo, n. 97, v. 25, p. 251, jan./mar. 2000).
47