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2.3 TUTELA JURISDICIONAL DIFERENCIADA

2.3.5 Técnicas de cognição

2.3.5.2 Cognição sumária

Em outros casos, o juiz não dispõe de tempo para a formação de sua convicção plena e exauriente. São situações nas quais ele está diante de urgência do pedido de tutela jurisdicional, de modo que precisa decidir antes de formar convicção plena e definitiva sobre o assunto.

Kazuo Watanabe fala em cognição sumária, típica das medidas cautelares, e em

cognição superficial,177 típica das liminares, repousando a diferença entre essas espécies de

cognição no grau de aprofundamento que o juiz está autorizado ou ao menos tem condições

de exercer. Cassio Scarpinella Bueno adverte que,178 quanto mais rápido o juiz tiver que

decidir, menos tempo hábil ele terá para pesquisar a respeito dos fatos e provas trazidos até aquele instante. E justamente por esse fato é que é possível ao juiz rever suas decisões

tomadas com base nessa modalidade de cognição,179 o que relativiza, de certo modo, o

instituto da preclusão pro judicato prevista no caput do artigo 471 do Código de Processo Civil de 1973 – correspondente ao disposto no artigo 505 do Novo Código de Processo Civil.

Desse modo, ao contrário da cognição exauriente e plena, a cognição sumária busca simplificar e acelerar a prestação jurisdicional, apesar de existir, de certo modo, algum risco

                                                                                                                         

176

PISANI, Andrea Proto. Verso la residualità del processo a cognizione piena? In: Studi in onore di Carmine

Punzi, v. I. Torino: G. Giappichelli ed., 2008, p. 699-707.

177

WATANABE, São Paulo, 1987.

178

BUENO, 2010, p. 371.

179

Segundo Daisson Flash, a doutrina, em geral, entende que a tutela advinda de cognição plena e exauriente é a que resguarda os princípios constitucionais. Aduz que existe uma preocupação doutrinária com o conflito entre a efetividade da tutela jurisdicional e a segurança jurídica (FLACH, Daisson. A estabilidade e controle das decisões fundadas em verossimilhança: elementos para uma oportuna reescrita. In: ARMELIN, Donaldo (Coord.). Tutela de urgência e cautelares: estudos em homenagem a Ovídio A. Baptista da Silva. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 308).

maior na tomada de decisão. Segundo Luiz Guilherme Marinoni,180 a restrição do juízo de cognição no plano vertical conduz aos chamados juízos de probabilidade e de verossimilhança, ou seja, as decisões que ficam limitadas a afirmar o provável. Em outras palavras, a sumarização da cognição, destinada a garantir o resultado útil do processo, permite a concessão de tutelas jurisdicionais baseadas nos juízos mencionados – com maior celeridade

do que aquelas proferidas com juízo de cognição plena e exauriente.181

São exemplos típicos em que se utilizam essa modalidade de cognição as tutelas de

urgência (tutela antecipada, cautelar e da evidência).182 Ao contrário da tutela de cognição

plena e exauriente, muitos defendem que a tutela sumária, como regra, não produz coisa

julgada material,183 pois se fundam na probabilidade da existência de um direito e da

ocorrência de situação de perigo ou de evidência, além do fato serem provisórias. Essa questão é de bastante entrave entre os processualistas, sobretudo, porque envolve a segurança jurídica e o devido processo legal como fatores preponderantes da discussão.

Ao julgar com cognição plena, contudo, poderá o juiz, eventualmente, aprofundado o juízo de cognição, entender que o direito que supunha existir em juízo de probabilidade, de fato, não existe.

Não obstante, como já afirmado, a técnica de cognição sumária é o traço característico das tutelas jurisdicionais diferenciadas, incluindo, nessa modalidade de tutelas, aquelas relacionadas à urgência e à evidência.

Aqui, nos interessa, por tratar o presente estudo de espécie de tutela jurisdicional diferenciada (a estabilização é possível consequência da tutela antecipada), essa modalidade de cognição, até para analisarmos se a estabilização está sujeita aos efeitos da coisa julgada material ou não.

                                                                                                                         

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MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica de cognição e a construção de procedimentos. In: EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS. Uma vida dedicada ao direito: homenagem a Carlos Henrique de Carvalho, o editor dos juristas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 627.

181

Manifestando-se sobre o tema, Kazuo Watanabe afirma que: em razão da função que cumpre a cognição sumária, mero instrumento para a tutela de u m direito, e não para a declaração de sua certeza, o grau máximo de probabilidade é excessivo, inoportuno e inútil ao fim a que se destina. (WATANABE, 1987. p. 128).

182

As ações monitórias são exemplos de tutela jurisdicional diferenciada, nas quais há provimentos judiciais definitivos, mas com base em cognição restrita. Esse procedimento permite a imediata formação de título executivo judicial, sem a necessidade, em princípio, de cognição completa e exauriente, de forma rápida, e sem contraditório prévio, cuja realização é deferida e dependerá da iniciativa do demandado (TUCCI, 1997; MARCATO, 1998).

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Ovídio Baptista da Silva afirma que a sentença de uma ação sumária satisfativa autônoma pode conter declaração suficiente para produzir coisa julgada material. O autor cita, ainda, exemplo de ação cautelar para liberação dos cruzados novos retidos pelo Governo Federal, onde o juiz poderia, na ação sumária, supostamente cautelar, reconhecer e proclamar a inconstitucionalidade da medida decretada pela União, por lhe parecer evidente – não apenas aparente o direito do autor (SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de processo

O Código de Processo Civil de 1973 já previa a possibilidade da concessão tanto das tutelas de cognição sumária com fundamento na urgência como também na evidência. As tutelas de urgência, que dependem de imediata e pronta intervenção do Estado-juiz para acautelar o direito (provimentos de natureza cautelar ou de tutela antecipada), estão positivados, respectivamente, nos artigos 798 e 273 do Código de Processo Civil.

As tutelas fundadas na evidência, que se prestam a afirmar a probabilidade da existência de um direito que, de tão evidente, não justificaria o aguardo do desfecho final do processo, estão positivadas no inciso II do artigo 273 e também seu respectivo § 6º do Código de Processo Civil.

Como será abordado no próximo capítulo, que visa a simplificar o procedimento da concessão das tutelas de urgência, colocando um fim nas doutrinárias e infindáveis classificações dessas medidas (cautelar e tutela antecipada) e de seus requisitos, o Novo Código de Processo Civil disciplinou a matéria de forma bem mais simplificada e de modo a se aproximar de um modelo constitucional do processo civil.

Unificando o regime, o novo modelo processual civil estabeleceu que tanto as tutelas de urgência como as de evidência possuem natureza provisória. Porém, de maneira a eliminar a dicotomia existente no Código de Processo Civil anterior, adotou os mesmos requisitos para a concessão das tutelas com natureza cautelar e com natureza antecipada e estipulou que ambas as medidas são espécies do gênero da tutela de urgência, conforme se observa no título II do Novo Código de Processo Civil. A tutela da evidência, por outro lado, por não se fundar na urgência, é tratada em outro título, denominado "título III".

A tutela fundada em cognição sumária é instrumento fundamental para atender aos anseios da sociedade, que necessita, em diversas situações jurídicas, de extrema rapidez na concessão de provimentos jurisdicionais que tragam soluções e resultado útil, não se revelando adequado e possível, em muitos casos, aguardar a morosidade decorrente do processo em que se utiliza a cognição plena e exauriente.

Kazuo Watanabe afirma que essa técnica sumária de cognição:184

constitui uma técnica processual relevantíssima para a concepção de processo que tenha plena e total aderência à realidade sócio jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação que é servir de instrumento à efetiva realização dos direitos.

                                                                                                                         

184

Ao contrário da cognição exauriente e plena (segurança e certeza), a primordial

característica da cognição sumária é a celeridade –185 principal virtude dessa técnica de

cognição – e sua preocupação é a de prestar prontamente uma tutela jurisdicional, seja para evitar o perigo da demora, seja para evitar que as partes aguardem, sem necessidade, morosidade típica dos processos de cognição exauriente e plena, quando há probabilidade evidente de um direito.

A cognição sumária, contudo, por não aprofundar o juízo de valoração das provas e dos fatos, deve ser feita com muita cautela, e as decisões que refletem esse juízo de cognição devem ser suficientemente motivadas para não ocasionar afronta aos princípios mencionados anteriormente, na medida em que, em alguns casos, estarão antecipando direitos (ou reconhecendo direitos evidentes) e, consequentemente, trarão impactos na vida das partes no processo, podendo, inclusive, pelo CPC/15 se estabilizar (CPC/15, art. 303 e 304).

Por fim, oportuno salientar que a técnica da estabilização da tutela antecipada, objeto do presente estudo, trabalha com probabilidades e riscos, o que, como será analisado mais a frente, é típico de juízo de cognição sumária. A probabilidade que o legislador previu ao consagrar o disposto no artigo 304 do Novo Código de Processo Civil é a de que, em muitos casos, não haverá resistência por parte do demandado, que se conformará e cumprirá a medida deferida liminarmente.

A maneira, contudo, como o instituto está positivado poderá, eventualmente, permitir que os efeitos da decisão que se estabilizar sejam um pouco mais fortes e além do que aqueles produzidos apenas “dentro do processo”, questão que será abordada no capítulo 4.