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Introduz-se esse capítulo com a seguinte afirmativa, que chama à reflexão e inquieta os estudiosos do tema abordado neste trabalho: a coisa julgada é uma opção política! E, de fato, ousamos concordar com essa afirmação que traduz o entendimento de alguns doutrinadores brasileiros, como será demonstrado ao longo do presente capítulo.

Aliás, a coisa julgada, como opção política, é uma das justificativas para o entendimento, que será visto mais à frente no capítulo atinente à estabilização, do motivo pelo qual o legislador optou por não outorgar os efeitos da coisa julgada à decisão que se estabilizar no prazo bienal para a propositura de uma demanda, que, como se verá, tem como finalidade a modificação da tutela antecipada antecedente estabilizada.

Feitas tais considerações, é fato que no sistema brasileiro o legislador entende que o mérito deve ser analisado e, diante disso, está formada a coisa julgada, independentemente do grau de cognição. Como abordado no primeiro capítulo, as denominadas ações que se manifestam por meio de tutela jurisdicional diferenciada – com grau de cognição sumária – estão sujeitas à formação de coisa julgada. São exemplos disso as ações monitórias, as de consignação em pagamento e as possessórias, embora haja controvérsias a respeito da

matéria.211

Além disso, a coisa julgada sempre se apresentou como um tema que gerou discussões acirradas sobre sua natureza e seus efeitos, não havendo um consenso, primeiramente, sobre sua necessidade, tampouco sobre sua natureza e seus efeitos. Quando se fala em coisa em

                                                                                                                         

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Os processualistas não possuem entendimento único acerca da coisa julgada na ação monitória – mandado monitório. Segundo Garbatini, para haver sumariedade da cognição na fase inicial do processo, essa sumariedade deve decorrer do procedimento, e não da natureza da cognição. Segundo ele, o decreto ingiuntivo tem natureza idêntica à do processo ordinário di cognizione, já que seus efeitos seriam os mesmos de uma sentença proferida em processo de cognição ordinária. Para ele, contudo, a cognição seria parcial, já que o réu não teria sido ouvido para expedição do mandado monitório fundado somente em face dos fatos descritos pelo autor. Talamini, criticando posicionamento de Garbatini, afirma que a qualidade da coisa julgada é escolha legislativa e que não decorre do conteúdo da decisão, e que o posicionamento de Garbatini é contraditório. Ou a cognição é parcial ou é exauriente (efeitos de sentença de processo ordinário). Talamini acrescenta que não se poderia falar em cognição exauriente com base apenas na prova apresentada pelo autor para a expedição do mandado monitório e que, por essa razão, não haveria que se falar em coisa julgada no mandado monitório. Finaliza acrescentando que a outorga de coisa julgada ao mandado monitório dependeria de provas contundentes e robustas, o que esvaziaria a finalidade da ação monitória. (GARBATINI, Edoardo, I procedimento d´ingiunzione e per convalida di sfratto; TALAMINI, Eduardo. Tutela monitória. A ação monitória. Lei nº 9.079/95. p. 80. apud SILVA, Natália Diniz. Estabilização da tutela jurisdicional

diferenciada. 2014. Dissertação [Mestrado em Direito] Departamento de Processo Civil, Faculdade de Direito

coisa julgada em questões atinentes às tutelas diferenciadas, então, as controvérsias se acirram.

Atualmente, o grande problema que se percebe é encontrar uma solução para os conceitos tradicionais da res judicata face a uma tendência do direito para a criação de medidas com técnicas de cognição sumária para maior efetividade na busca de um resultado útil e que sejam, evidentemente, seguras juridicamente às partes e à sociedade.

Os países de origem anglo-saxônica sequer conhecem a coisa julgada tal como existente e aplicável nos países de origem romano-germânica, como no Brasil. Apesar de não ser o escopo do presente trabalho, naqueles países regidos pela common law, os efeitos da coisa julgada apresentam-se sob uma perspectiva ampla, pois consistem nos efeitos de uma decisão judicial sobre todos os litígios posteriores, possuindo, ademais, força de fonte de

direito capaz de regular novo caso concreto.212

Sob esse prisma, portanto, é possível afirmar que a formação da coisa julgada, e como ela se opera no mundo jurídico, é uma opção política de cada Estado.

Cassio Scarpinella Bueno é assaz ao entender que: “[a coisa julgada é uma] opção política, que realiza o princípio da segurança jurídica expressamente consagrado no artigo 5º,

XXXVI, da Constituição Federal.”.213 No mesmo sentido, vai Fredie Didier, para quem a

coisa julgada “integra o conteúdo do direito fundamental à segurança jurídica, assegurado em

todo Estado Democrático de Direito”.214

Por sua vez, o grande defensor do fundamento constitucional da coisa julgada, Nelson Nery Junior, afirma que “a doutrina mundial reconhece o instituto da coisa julgada como elemento de existência do estado democrático de direito”. Considera, outrossim, que a coisa

                                                                                                                         

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Os autores, no mesmo sentido, afirmam que “At a mundane level, res judicata specifies the effect that any adjudication has on all subsequent litigation” (CASAD, Robert C.; CLERMONT, Kevin M. Res Judicata: A handbook on its theory, doctrine, and pratice. Durham: Caroline Academic Press, 2001, p. 3 apud PORTO. Sérgio Gilberto. Sobre a Common Law, Civil Law e o precedente judicial. p. 22). Ainda, segundo entendimento do Prof. Dr. Sérgio Gilberto Porto, a principal dessemelhança entre os institutos do stare decisis e a coisa julgada da civil law, consiste na circunstância de que àquele possui força superlativa no sistema da common law, gerando um precedente apto a sustentar a formação do direito para casos futuros, uma vez presente a identidade de situação jurídica, ao passo que a coisa julgada da família romano-germânica limita-se a estabilizar a lide entre as partes litigantes, gerando apenas uma referência comportamental para futuros casos (PORTO, Sérgio Gilberto. “Sobre a Common Law, Civil Law e o Precedente Judicial”. Disponível em:

http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Sergio%20Porto-formatado.pdf. <Acesso em 20.01.2016>

213

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 2, p. 390.

214

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4. ed. Salvador: JusPODIVM, 2008. v. 2. p. 552.

julgada é o instituto por intermédio do qual o princípio do estado democrático de direito se

manifesta nas atividades do Poder Judiciário.215

No Brasil, de todo modo, a opção política adotada foi a de elevar a coisa julgada a nível constitucional, tamanha a importância do referido instituto, estando prevista no artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição da República.

E para que não pairassem dúvidas a respeito do modo de operabilidade da coisa julgada, a legislação infraconstitucional não deixou, igualmente, de dispor sobre o instituto, ao dispor os artigos 467 e seguintes do CPC/73, correspondentes aos artigos 502 e seguintes do CPC/15.

Como será abordado no presente capítulo, embora haja controvérsias acerca da natureza da coisa julgada e também dos fundamentos jurídicos que a envolvem, é possível afirmar que a quase totalidade dos estudiosos da coisa julgada entendem que o instituto possui como função precípua trazer segurança jurídica às relações pessoais e ao estado democrático de direito e, justamente por essa razão, associada a outras características que serão abordadas em momento oportuno, é que parte da doutrina é receosa quanto à atribuição dos efeitos da coisa julgada nas decisões em sede de tutela antecipada antecedente estabilizada. Essa questão, contudo, será abordada mais à frente.

De todo modo, a res judicata consiste em questão de grande valia e importância em nosso ordenamento jurídico e não pode deixar de ser analisada neste estudo, pois possui relação com o próprio tema da presente dissertação.

Tratar-se-á, primeira e sucintamente, sobre a evolução histórica da coisa julgada, a fim de que se possa entender a sua natureza jurídica e, posteriormente, o seu conceito e sua natureza jurídica, bem como seus limites e efeitos.

3.2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O HISTÓRICO DA COISA JULGADA NO DIREITO