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O meio previsto para o desfazimento da coisa julgada material é a ação rescisória. Possui previsão nos artigos 966 a 975 do CPC/15, correspondente ao artigo 458 do CPC/73. Foca-se apenas no mérito da decisão definitiva, de modo a expurgar daquela decisão os vícios nela contidos.

Diferentemente do que ocorria no regime do CPC/73, a ação rescisória prevista na sistemática do CPC/15 é que a ação rescisória poderá ser utilizada para a rescisão de qualquer decisão de mérito e não apenas da sentença. Vale destacar, como já abordado, que as decisões

interlocutórias,338 na nova sistemática, podem ser revestidas de aspectos substantivos e

materialmente aptos a transitar em julgado.339

A esse respeito, vale salientar que a jurisprudência do STJ340 e parte da doutrina341 já

vinham adotando entendimento a respeito do cabimento da ação rescisória em face de decisão interlocutória.

                                                                                                                         

336

São exemplos de exceção à preclusão consumativa do poder de decidir, enquadráveis no inciso II: o juízo de retratação em apelação (CPC, arts. 331 e 332, § 3º, art. 485, § 7º), em agravo de instrumento (CPC, art. 1.018, § 1º), em agravo interno (CPC, art. 1.021, § 2º) e em julgamentos dos tribunais (CPC, arts. 1.040, inciso II, e 1.041, § 1º); a possibilidade de correção de erros materiais (CPC, arts. 494, inciso I, e 1.022, inciso III); a possibilidade de eliminação de omissões, contradições e obscuridades mediante embargos declaratórios (CPC, arts. 494, inciso II, e 1.022, incisos I e II); o julgamento dos embargos infringentes previstos no art. 34 da Lei nº 6.830/1980; etc.

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Segundo Eduardo Talamini, as questões processuais de ordem pública (pressupostos processuais, condições da ação...), que o juiz pode decidir de ofício (CPC, arts. 337, § 5º, e 485, § 3º), podem ser reexaminadas, de ofício ou por provocação da parte – desde que a decisão anterior não tenha sido no sentido de extinguir o processo ou sua fase cognitiva, hipótese em que se aplica o art. 494 do CPC. Portanto, a Súmula nº 424 do STF não se aplica às questões de ordem pública. (TALAMINI, 2015, p. 820).

338

No mesmo sentido, BUENO, 2015, p. 568.

339

Conforme Enunciado nº 336 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Cabe ação rescisória contra decisão interlocutória de mérito.”

340

Admitindo a rescindibilidade de decisões interlocutórias, confira: “(...) 1.- A jurisprudência desta Corte admite a Ação Rescisória no caso de falsa decisão interlocutória, isto é, de sentenças substancialmente de mérito, entendido como o núcleo da pretensão deduzida em Juízo, o que se evidencia em situações como a de rejeição de pedidos cumulados ou julgamento incidental de reconvenção (REsp 628.464/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi). 2.- A decisão que fixa termo inicial de correção monetária, entretanto, não julga mérito, configurando, pois, decisão propriamente interlocutória e não de mérito travestida de interlocutória. 3.- Recurso Especial não conhecido.” (...)” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - REsp 685738 PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª Turma, DJe 03/12/2009 ); “(...) Em face do art. 485 do CPC, que se refere à 'sentença de mérito', doutrina e jurisprudência, no geral, entendem como possível o juízo rescindendo de decisão

A ação rescisória possui natureza jurídica de ação e está sujeita a todos os requisitos que o CPC/15 exige para o exercício regular do direito de ação e para a constituição e o desenvolvimento válidos do processo, especificamente em relação ao disposto no artigo

966.342

Não cabe aqui aprofundar e examinar todas as hipóteses de cabimento de ação rescisória, uma vez que esse não é o escopo do presente estudo. O que se pretende é uma abordagem sucinta de seus aspectos e requisitos, para que possamos, ao final, avaliar seu cabimento em relação à decisão que concede a antecipação de tutela estabilizada.

Em linhas gerais, os incisos do CPC/2015, art. 966,343 dispõem acerca das hipóteses de

cabimento da ação rescisória. Comparando-se com o CPC/1973, art. 485, foram excluídas das

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            interlocutória apenas em situações muito específicas. (...)” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - REsp 628464 GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ 27/11/2006)

341

Uma interpretação sistemática do art. 485, caput, do Código de Processo Civil, conduzida pela lógica do razoável, impõe o entendimento de que o emprego da locução sentença de mérito é substancialmente destinado a indicar a rescindibilidade dos atos judiciais sobre o meritum causae. Como esses pronunciamentos judiciais deveriam vir sempre em uma sentença, então falou ele em sentenças de mérito; mas, surgindo na experiência concreta uma decisão atípica, como essa aqui examinada, prevalece a substância do preceito ditado em lei e não as formas de sua expressão verbal. (...) Mas a decisão interlocutória que solucionar o mérito, (...), será uma decisão de mérito e como tal deve ser tratada. Ser interlocutória significa somente ser proferida no curso do processo, sem pôr fim à fase cognitiva nem determinar o exaurimento do procedimento em primeiro grau jurisdicional; não significa não ser de mérito, embora o legislador não houvesse cogitado de decisões interlocutórias de mérito". (DINAMARCO, Cândido Rangel Nova Era do Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 291-2920; no mesmo sentido, "se enfrentou matéria de mérito (...), mesmo sob a forma de decisão incidental, terá havido, para efeito da ação rescisória, sentença de mérito. Sob esse enfoque, o Supremo Tribunal Federal decidiu que 'é cabível ação rescisória contra despacho do relator que, no STF, nega seguimento a agravo de instrumento, apreciando o mérito da causa discutido no recurso extraordinário' - STF, AR nº 1.154-6-SP, Rel. Min. Moreira Alves, ac. De 15.03.84, in RT, 593/241." (THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I, 47ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 771).

342

“A ação rescisória não é recurso, por atender à regra da taxatividade, ou seja, por não estar prevista em lei como recurso. (...) Eis porque a ação rescisória ostenta natureza jurídica de uma ação autônoma de impugnação: seu ajuizamento provoca a instauração de um novo processo, com nova relação jurídica processual.” DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Vol. 3, 11ª ed., Salvador: JusPODIVM, 2013, p 392.

343

“Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente; III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; IV - ofender a coisa julgada; V - violar manifestamente norma jurídica; VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória; VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos. § 1o Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado. § 2o Nas hipóteses previstas nos incisos do caput, será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça: I - nova propositura da demanda; ou II - admissibilidade do recurso correspondente. § 3o A ação rescisória pode ter por objeto apenas 1 (um) capítulo da decisão. § 4o Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei” (BRASIL, 2015).

novas regras a rescisão quando houver fundamento para invalidar confissão, desistência e transação que dê fundamento à sentença.

A supressão de tais hipóteses gerou, por consequência, a criação do § 4º do CPC/2015, art. 966, disciplinando que os atos de disposição de direitos praticados pelas partes ou por outros participantes do processo, assim como outros atos homologatórios praticados no curso

da execução, estão sujeitos a processo anulatório.344

Por outro lado, o CPC/2015 ampliou as hipóteses de rescisão aos casos que envolvem coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida e simulação entre partes com objetivo de fraudar a lei.

Restaram mantidas no CPC/2015 as demais hipóteses de cabimento da ação rescisória como nos casos de decisão concedida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz (inciso I), decisão proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente (inciso II), decisão resultante de dolo e/ou colusão (inciso III), decisão que ofende a coisa julgada (inciso IV), decisão que viola manifestamente a norma jurídica (inciso V), decisão que for fundada em prova falsa (inciso VI), decisão fundada em ausência de prova fundamental de que não se pôde fazer uso no momento apropriado (inciso VII) e decisão fundada em erro de fato (inciso VIII).

A esse respeito, contudo, oportuno salientar que não se insere nos requisitos de admissibilidade da ação rescisória o esgotamento de todos os recursos. O que se exige é o trânsito em julgado da decisão de mérito, que se dá quando em face da sentença não couber

mais a interposição de recurso.345

Por fim, questão importante e que necessita ser abordada em relação ao tema consiste no início da contagem do prazo para a propositura da ação rescisória, notadamente em relação ao CPC/15. O artigo 495 do CPC/73 especificou que o prazo para propor a rescisória É decadencial, sendo de 2 anos, contados do trânsito em julgado da decisão.

Contudo, com o advento da possibilidade da prolação de julgamentos parciais pelo

CPC/15,346 não se pode negar a possibilidade da formação da coisa julgada parcial. Diante dessa

nova sistemática, nos casos envolvendo recursos que atacam decisões que julgam parcialmente o mérito, tem se entendido que a formação de coisa julgada é apenas adiada em relação aos                                                                                                                          

344

NUNES, Thiago Marinho. In: Código de processo civil anotado. TUCCI, José Rogério Cruz e et al. (Coords.). AASP, 2015, p. 1515-1516.

345

Súmula 514/STF: “Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenha esgotado todos os recursos”.

346

“O NCPC, em seu art. 356, admite de forma expressa a possibilidade de julgamento parcial do mérito, rompendo o dogma da sentença una. Chama a decisão, neste caso, de decisão, interlocutória de mérito”. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 356.)

capítulos efetivamente atacados. Se não houver impugnação, há aquiescência tácita do

recorrente e a formação imediata da coisa julgada material sobre a matéria não atacada347.

Porém, o CPC/15 dispôs que o prazo para o ajuizamento da ação rescisória deverá ser contato a partir do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo (CPC/15, art. 975). Antes mesmo do advento do CPC/15, o entendimento do STJ já vinha caminhando nesse

sentido, evitando-se, desse modo, a multiplicidade de ações rescisórias348e, consequentemente, a

criação de um sentimento de insegurança jurídica.

                                                                                                                         

347

Cf. Enunciado n. 100 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: Não é dado ao tribunal conhecer de matérias vinculadas ao pedido transitado em julgado pela ausência de impugnação

348

“O entendimento adotado pelo STJ ao unificar o termo inicial para a propositura da ação rescisória, qual seja, o último pronunciamento judicial sobre algum dos capítulos da sentença ou do acórdão rescindendo, independentemente do suposto trânsito em julgado de outros pontos, leva em consideração que o trânsito em julgado, como requisito para a ação rescisória (art. 485, caput, do CPC), somente se opera no momento em que a decisão proferida no processo não seja suscetível de nenhum recurso (art. 467 do CPC), além da circunstância de o desmembramento da sentença ou do acórdão em capítulos para fins de ajuizamento da ação rescisória gerar indesejável insegurança jurídica para as partes. Nesse ponto, no entanto, não se desconhece que o projeto do novo Código de Processo Civil que tramita no Senado Federal propõe a coisa julgada progressiva. Também a Primeira Turma do egrégio Supremo Tribunal Federal vem de adotar, em recente julgado de relatoria do Ministro MARCO AURÉLIO, entendimento segundo o qual o prazo decadencial de ação rescisória, nos casos de existência de capítulos autônomos, deve ser contado do trânsito em julgado de cada decisão (RE n. 666.589/DF, DJe de 3.6.2014). Em tais condições, caso mantida a proposta do novo Código de Processo Civil e eventual alteração da jurisprudência do egrégio Supremo Tribunal Federal, no tempo oportuno, a Corte deverá promover novo exame do enunciado n. 401 da Súmula deste Tribunal” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – Voto do Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira no REsp 736650 MT, Corte Especial, DJe 01/09/2014)

4 ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA