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Analisou-se no item atinente aos limites objetivos da coisa julgada que a compreensão do pedido e da causa petendi são necessários e importantes à compreensão do que efetivamente são os limites objetivos da coisa julgada e como eles se operam.

Verificou-se que, pela análise desses dois elementos indispensáveis à ação, é possível individualizá-la e, a partir disso, para efeitos de coisa julgada, verificar se os fatos e seus fundamentos em uma segunda ou mais ações em curso estão acobertados ou não pelo manto da coisa julgada material atinente à parte dispositiva.

O estudo sobre a coisa julgada e seus efeitos não é simples e vem causando debates na doutrina desde tempos mais remotos. Entender simplesmente que os limites objetivos da coisa julgada é a parte da decisão, que é efetivamente coberta pela coisa julgada – o dispositivo da sentença – seria simplificar um tema que tem sido objeto de debate.

                                                                                                                         

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“A sentença faz coisa julgada entre as partes que intervieram na relação processual (CPC, art. 472), não se estendendo a terceiros estranhos ao processo, quer para beneficiá-los, quer para prejudicá-los. Res inter alios

judicata tertiis nec prodest, nec nocet” (STF, 2ª T., Agravo no MS nº 23.221/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ

de 14/6/2002, p. 149); “A coisa julgada material produz efeitos entre as partes, não sendo apta a prejudicar a parte que deveria figurar no polo passivo da ação. Além disso, a ausência de citação ou a citação inválida configuram nulidade absoluta insanável por ausência de pressuposto de existência da relação processual” (Idem, 4ª T., REsp nº 695.879/AL, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe de 7 out. 2010).

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De fato, como analisado, na doutrina esse é o melhor e mais aceito conceito para limites objetivos da coisa julgada. Contudo, faz-se necessário se analisar como esses efeitos se operam e se projetam. Segundo o disposto no artigo 468 do CPC/73, a sentença que julgar total ou parcialmente a lide, tem forçaa de lei nos limites da lide e das questões decididas.

Para compreensão do referido dispositivo legal, é necessário que se estabeleçam, primeiramente, os conceitos de lide e de questão, os quais advêm da escola do jurista italiano

Canelutti.313

Em que pese referido dispositivo tenha sido fiel ao jurista italiano, o que induz, em um primeiro momento, a pensar que o conceito adotado por Carnelutti estivesse correto, foi alvo de severas críticas, a iniciar por Liebman.

Carnelutti definiu lide como sendo o conflito intersubjetivo entre as partes, no qual há

uma resistência.314 Referido conceito, contudo, de natureza claramente privada, não levou em

consideração a possibilidade de haver conflitos individuais e também de natureza coletiva, o que se mostra, evidentemente, com todo respeito, incompleto se levarmos em consideração o modelo constitucional que o processo atualmente vem ganhando e, sobretudo, as questões de direito material relacionadas a direitos coletivos.

Liebman não negou a existência do conceito de lide adotado por Carnelutti. Muito pelo contrário, chegou a afirmar que “lide, assim conceituada, desdobra-se em duas subespécies, uma caracterizada pela contestação da pretensão de um dos interessados e a

outra, pela simples insatisfação daquela pretensão.”315 A crítica de Liebman, contudo, está

assentada no fato de que somente o que efetivamente tivesse sido posto em juízo pelas partes seria objeto de análise pelo juiz, constituindo, deste modo, o objeto do processo em curso.

Segundo o jurista, os fatos externos ao processo não devem ser levados em consideração para fins de aferição do objeto do processo e, consequentemente, para efeito de julgamento.

Liebman acrescenta, ademais, que o conceito de lide não pode ser dissociado do conceito de questão, impondo reconhecer, apesar das impropriedades nesses conceitos de

Carnelutti, a sua utilidade prática no sistema processual.316

                                                                                                                         

313

SILVA, Ovídio Araujo Baptista da. Sentença e coisa julgada: Ensaios. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1995. p. 136.

314

A pretensão é a exigência de prevalência do interesse próprio em detrimento do interesse do outro. É exigência de subordinação. Mas se aquele cujo interesse se pretende subordinar resiste, diz-se, instala-se uma lide, que, na mais clássica definição, é conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou insatisfeita. (MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 35-36).

315

LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre processo civil brasileiro. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 125.

316

Ao que parece, Buzaid concordava, pelo menos em parte, com o jurista italiano Carnelutti, pois manteve os termos lide e questão (CPC/73, arts. 128 e 458) ao estabelecer, respectivamente, como o conflito levado pelas partes (lide) deverá ser julgado.

Estando o juiz limitado às questões discutidas e suscitadas no processo, parece correto afirmar que, por corolário lógico, o que faz a coisa julgada é o ato decisório que decidiu a lide, nos exatos termos do que as partes trouxeram em juízo, não importando as razões que levaram o juiz a decidir de determinado modo, conclusão que já foi adotada quando se tratou de limites objetivos.

A esse respeito, Liebman parece ter resolvido,317 com precisão, o conceito de limites

objetivos da coisa julgada ao afirmar que

A questão dos limites objetivos da coisa julgada é uma das mais controvertidas do direito brasileiro. Resolveu-a, na verdade, há muito tempo, e de modo insuperável, Paula Batista (compendio de Teoria e Prática do Processo Civil, 8 ed., São Paulo, 1935, parágrafo 185, nota I), quando afirmou que “a autoridade da coisa julgada é restrita a parte dispositiva do julgamento e aos pontos aí decididos e fielmente compreendidos em relação aos seus motivos objetivos. Significa isso que os motivos da sentença não são objeto da coisa julgada, mas devem ser considerados para entender o verdadeiro e cabal alcance da decisão.

Em outras linhas, o legislador optou por não impor aos motivos da sentença os efeitos da coisa julgada, em que pesem, muitas vezes, eles serem de muita importância às partes e à

própria compreensão do caso.318

A fim de concluir com precisão o presente estudo acerca dos limites objetivos da coisa julgada, necessário faz-se, ademais, analisar o que se entende por questões decididas a que fez alusão o artigo 458 do CPC/73.

O artigo 474 do CPC/73, correspondente ao artigo 508 do CPC/15, dispõe que, com o trânsito em julgado da sentença de mérito, reputam-se alegadas e afastadas todas as alegações e defesas que as partes poderiam ter trazido, seja em relação à procedência ou improcedência do pedido. Trata-se do conhecido princípio do deduzido e do dedutível, conhecido como

eficácia preclusiva da coisa julgada, o qual, segundo Egas Dirceu Moniz Aragão,319 possui

como origem o Código de Processo Civil do Vaticano.

                                                                                                                         

317

LIEBMAN, 1984. p. 55.

318

“A fundamentação da sentença não faz coisa julgada, permanecendo livre para nova apreciação judicial, sempre que o objeto do processo seja outro” (SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 3ª T., REsp nº 1.151.982/ES, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 31 out. 2012).

319

De acordo com a eficácia preclusiva, se uma questão pudesse ter sido discutida, mas não o foi, também a ela se estendem os efeitos da coisa julgada. A finalidade desse instituto, na prática, exige que a coisa julgada permaneça hígida, embora a discussão das questões relevantes tenha sido eventualmente incompleta. Nessa linha, absorve tanto as questões que

foram discutidas como aquelas que poderiam ser.320

Assim, torna-se irrelevante para aferição dos limites objetivos da coisa julgada a amplitude da discussão posta no processo. As partes podem, eventualmente, ultrapassar o âmbito da discussão para além dos limites das questões que forem deduzidas no processo. Contudo, para se identificar os limites da coisa julgada, como visto em item anterior, é necessário que se identifique o objeto do processo, constituído pelo pedido e pela causa petendi.

A sentença deve representar, independentemente do que foi deduzido e discutido, a resposta do juiz aos pedidos das partes e, por essa razão, possui ela os limites exatos desses pedidos, que ministram, certamente, o mais seguro critério para se estabelecer os limites da coisa julgada. Portanto, correto é dizer que a coisa julgada se restringe à parte dispositiva da sentença, não produzindo coisa julgada seus fundamentos ou motivos, a verdade dos fatos e a questão prejudicial, como passa a demonstrar.

Exemplificando o que se pretende demonstrar, supondo-se que A sofre danos em decorrência de acidente de lancha envolvendo B e ajuíza uma ação de indenização por danos morais e materiais em face de B. O pedido está fundamentado no fato de que B corria com a lancha fora do limite legal permitido, mas nada aduz quanto à questão de B estar embriagado. Se A não comprovar que B estava, de fato, em alta velocidade, a questão atinente à embriaguez de B estará acobertada pela coisa julgada, pois, embora não tenha sido deduzida, poderia ter sido.

Trata-se, evidentemente, de disposição que traz segurança jurídica quanto às questões

decididas que não poderão, sob outros fundamentos, ser novamente reapreciadas.321

                                                                                                                         

320

Em igual sentido: MARINONI, 2005. p. 628 e DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito

processual civil. v. 3. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

321

Nesse sentido, José Carlos Barbosa Moreira afirma que “sucede que admitir semelhante possibilidade seria pôr fim em xeque a estabilidade da pretensão jurisdicional dispensada. Lucraria talvez, aqui e ali, a justiça, mas com pesado detrimento para outro interesse fundamental a que deve servir o processo: a segurança. Afinal, é sempre concebível que alguém se lembre, findo o processo, de agitar questão que nele não se cogitara. A certeza jurídica ficaria a pender de tênue fio, até a consumação dos séculos, se, apenas por essa razão se autorizasse a indefinida reiteração do pleito. Diante de dois males potenciais, os ordenamentos jurídicos têm de optar pelo menos grave. A alternativa é a seguinte: ou se abre ensejo à repetição, desde que alegada questão nova, ou se estabelece que, após a formação da coisa julgada, e enquanto esta subsistir, qualquer questão perde relevância, torna-se inútil suscitá-la para tentar reverter o desfecho. Em outras palavras: ou se nega ou se

3.7 ELEMENTOS QUE COMPÕEM O ALCANCE NEGATIVO DOS LIMITES