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O Código de Processo Civil de 1973 baseou-se em princípios que norteavam a sociedade à época, na tentativa de criação de uma técnica processual segura e com maior organicidade. Devido a isso, buscou-se inspiração em sistemas processuais europeus, especialmente no italiano, a fim de viabilizar a adequação necessária do sistema à realidade brasileira.

Daí porque o sistema é rigoroso, formal e repleto de questões que induzem a todo

instante a tomada de determinadas medidas, sob pena de preclusões.349 Contudo, se

avaliarmos com cautela esse sistema processual, é possível verificar, dentro do contexto em que foi criado, que durante muito tempo o Código de Processo Civil cumpriu sua função como conjunto de regras ou normas visando, ao final, permitir a atividade jurisdicional e, consequentemente, o jurisdicionado obter o resultado útil esperado.

Com o advento da Constituição da República e, portanto, com a criação de um Estado Democrático de Direito, princípios fundamentais foram alterados. A sociedade modificou-se, com ela as relações sociais e, consequentemente, os conflitos e as formas de resolvê-los.

Não funcionava mais pensar em um sistema processual como modalidade autônoma de ciência jurídica, pois a doutrina e aplicadores do direito começaram a perceber que o processo civil precisava ser contextualizado dentro de todo um sistema, regido pela Carta Magna como pilar e adequado às novas relações jurídicas de direito material, que vêm e continuam surgindo na sociedade, como decorrência natural do desenvolvimento humano.

O distanciamento e essa separação, vista durante algum tempo, passou a ser pensada de forma diferente pelos processualistas, e outras medidas que buscassem maior efetividade na prestação jurisdicional – embora sempre buscada – passaram a ser necessárias.

                                                                                                                         

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Tendo como vetores fundamentais a oralidade, a efetividade processual e a redução dos formalismos perniciosos, seguro que o Novo CPC contém avanços importantes relativos à aplicação da preclusão consumativa para as partes no âmbito recursal, flexibilizando esse sistema. Para exemplificar, o artigo 932, parágrafo único do Novo Código de Processo Civil que prevê a possibilidade de o relator, “antes de considerar inadmissível o recurso, concederá o prazo de 5 dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível” (BRASIL, 2015). No mesmo sentido, o art. 1.007, em seus parágrafos 2° e 4°, autoriza a complementação do preparo ou mesmo a realização posterior do preparo, com recolhimento do valor em dobro, no prazo de 5 dias, sob pena de decretação da deserção só após essa concessão de prazo adicional.

Infelizmente, verificou-se que o Código de Processo Civil de 1973, em muitos casos, não resolvia os conflitos de direito material levados a juízo. Muito pelo contrário, ocasionava problemas e prejudicava, ao final, o jurisdicionado que almejava solução rápida, eficaz e eficiente de seu problema. As discussões processuais tomavam frente às questões de direito material, o que, em muitos casos, eram fator de vitória de uma das partes, sem que, eventualmente, tivessem razão e direito quanto ao mérito da demanda, ocasionando, de certo modo, sentimento de incredulidade na Justiça.

Esse rigor formal, técnico do sistema processual e, consequentemente, da mentalidade que foi sendo criada pelo Judiciário e também pelos advogados não condizia com os parâmetros e princípios fundamentais da Constituição da República. Afinal, os conflitos sociais são levados ao Judiciário para serem resolvidos e não para que deem azo a discussões paralelas e infindáveis acerca de questões processuais que o legislador não conseguiu resolver.

Como consequência, o mais penalizado é o jurisdicionado, que passa anos e anos aguardando a solução para seu problema. Em segundo lugar, a própria Justiça. E muitos não têm conhecimento disso, uma vez que o processo possui custo elevadíssimo para o Estado.

Para compreender com pouco mais de clareza o que se pretende demonstrar, o

Conselho Nacional de Justiça,350 em seu Relatório relativo ao ano de 2015 “Justiça em

Números 2015”, verificou que o Poder Judiciário do País teve um custo total, em 2014, de cerca de R$ 68,4 bilhões, representando um crescimento de 4,3% em relação ao ano de 2013 e de 33,7% se comparado com o último sexênio. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, essa despesa equivale a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional; a 2,3% dos gastos totais da União, Estados, Distrito Federal e dos municípios e equivale a um custo, por pessoa, de R$ 337,00 por habitante.

Só a Justiça Estadual é responsável por 55% da despesa total do Poder Judiciário, representando cerca de R$ 37,6 bilhões. Esse custo é ocasionado, dentre outras causas, pelo aumento da litigiosidade no País. Em 2014, o Poder Judiciário iniciou o ano com 70,8 milhões de processos, representando um aumento de 0,8% em relação a 2013. Em 2009, o número de processos pendentes no Poder Judiciário era de 59,1 milhões.

Não bastasse o crescimento significativo do aumento da litigiosidade ao longo desses mais de 30 anos de vigência do Código de Processo Civil de 1973, a abertura da sociedade brasileira para um mundo globalizado após a década de 1980, também modificou a economia                                                                                                                          

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CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2015 (ano-base 2014). Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros>. Acesso em: 04 jan. 2016.

e a maneira como as pessoas e sociedades empresariais se relacionavam. A introdução do conhecido “consumismo”, típico da cultura norte-americana, em um País denominado, após a Guerra Fria, de 3º Mundo, ocasionou a necessidade da modificação dessas novas relações, que ganharam tratamento diferenciado com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), na tentativa de proteger o consumidor – mais vulnerável nessa cadeia de relações.

Diante desse novo cenário que demandava tutelas diferenciadas de cognição para uma prestação mais efetiva e célere, uma importante modificação foi introduzida no Código de Processo Civil – que foi a criação da tutela antecipada Lei nº 8.952/94 (alterada, posteriormente, pela Lei nº 10.444/02) – que trouxe modificações significativas nas situações jurídicas que demandavam urgência e imunização, como já visto nos capítulos anteriores.

Percebeu-se, com o tempo, que o problema não estava resolvido, pois o Código de Processo Civil ainda estava engessado em premissas que não condiziam com a sociedade da década de 90 – que não era aquela de 1973. Assim, se por um lado o advento da tutela antecipada trouxe evidentes impactos na solução rápida de situações de urgência, por outro, a doutrina e o Judiciário não conseguiram, por anos, lidar com a diferença existente entre elas e as tutelas cautelares.

Como demonstrado, a fungibilidade das tutelas de urgência procurou, ou pelo menos tentou, resolver a questão, mas novamente a doutrina e os aplicadores do direito ainda travavam inúmeros debates a respeito de pressupostos ou requisitos de cabimento dessas medidas (cautelar ou antecipada), diante de uma situação jurídica de direito material, muitas vezes, não transparente.

Justamente dentro desse cenário é que os avanços dessas novas técnicas processuais, inspiradas, muitas vezes, no direito europeu, estão sendo consagradas pelo Novo Código de Processo Civil, em uma tentativa, repita-se, de alcançar o resultado útil do processo por meio de tutelas diferenciadas.

Entre elas, há a possibilidade da concessão de tutela antecipada antecedente – apta a produzir estabilização –, consagrada no ordenamento jurídico vigente justamente com essa finalidade, como será abordado a seguir.

4.2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Por estabilização da tutela antecipada entende-se a situação jurídica que torna possível

a conservação da eficácia da tutela antecipada,351 pleiteada e concedida pelo juiz, sem a

necessidade de prolação de decisão posterior de mérito ao final do processo que a confirme. Trata-se, como já demonstrado no presente estudo, de modalidade de tutela jurisdicional diferenciada, a qual possui, em decorrência de sua própria natureza, traço típico das tutelas provisórias (provisoriedade).

O fundamento básico da medida é a urgência.

Por ser modalidade de tutela de urgência, possui, portanto, como elemento de formação a cognição sumária como a técnica utilizada pelo juiz para a análise de sua viabilidade ou não – como já abordado anteriormente. Em outras palavras, é tutela antecipada e possui as mesmas características dessa espécie de tutela de urgência, mas com uma peculiaridade: pode ser concedida em caráter antecedente, e somente a tutela concedida sob essa modalidade poderá produzir efeitos da estabilização.

Na visão de Fredie Didier Jr., Paula Sarno e Rafael Oliveira, somente a tutela

antecipada antecedente tem aptidão para estabilizar-se nos termos do artigo 304 do CPC.352 O

entendimento dos doutrinadores corrobora o disposto no caput do artigo 304, que é expresso ao afirmar que somente a tutela concedida nos termos do artigo 303, ou seja, aquela em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, está apta à estabilização.

Logo, a tutela antecipada incidental não estaria sob o manto da estabilização, embora a decisão incidental continue sendo provisória e o mérito ainda não esteja julgado. No mesmo sentido, mas de forma um pouco mais sucinta, Cássio Scarpinella Bueno leciona que o Novo Código de Processo Civil aceita a estabilização da tutela concedida nos termos do artigo 303,

isto é, da tutela de urgência antecipada antecedente.353

A tutela antecipada antecedente foi consagrada pela primeira vez no ordenamento

jurídico brasileiro por meio do Novo Código de Processo Civil (art. 304) e,354 como se verá,

                                                                                                                         

351

Entendendo que a estabilização da tutela antecedente é sanção pela inércia do réu, está REDONDO, Bruno Garcia. Estabilização, modificação e negociação da tutela de urgência antecipada antecedente: principais controvérsias. Revista de Processo, São Paulo: RT, a. 40, v. 244, p. 174, jun. 2015.

352

BRAGA, Paula Sarno; DIDIER JR., Fredie; e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito

processual civil. v. 2. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 606.

353

BUENO, 2015, p. 232.

354

Apesar da inovação legislativa, a técnica da tutela antecipada antecedente já constava de projetos anteriores (por exemplo, Projeto de Lei nº 186/2005) e era defendida por alguns doutrinadores, à luz do disposto no artigo 273, inciso I do Código de Processo Civil de 1973. Segundo Cândido Rangel Dinamarco (2004, p. 73-74): “[...] se o objetivo é impedir que o decurso do tempo corroa direitos, constitui imperativo da garantia constitucional do acesso à justiça (Const., art. 5º, XXXV) a disposição dos juízes a conceder a antecipação

possui como finalidade precípua, maior eficiência e adequação da prestação jurisdicional. O Código de Processo Civil de 1973 não admitia o pedido de tutela antecipada de forma antecedente (“preparatório”), uma vez que só se admitia o pleito de pedido antecedente caso a

hipótese fosse de tutela de urgência com natureza cautelar (CPC/73, arts. 800 e 806).355

Como será abordado, uma vez concedida a tutela de urgência antecedente na forma do artigo 303 do Novo Código de Processo Civil e não impugnada a liminar concedida, a decisão produz efeitos que se estabilizam até que, em outro momento, as partes retomem a discussão sobre o objeto da medida, por meio do ajuizamento de outra demanda, na qual deverão ser abordados todos os aspectos relativos ao objeto daquela decisão que se estabilizou.

Na estabilização da tutela antecipada antecedente, por definição de Olavo de Oliveira Neto, Elias Marques e Patrícia Oliveira, a “tutela liminarmente concedida se torna perene e

apta a produzir eficácia, isso independentemente da continuidade do iter procedimental”.356

Vale dizer que o ajuizamento da “ação principal”357 pode ser feito tanto pelo autor da

demanda antecedente (na qual se obteve a tutela antecipada antecedente), como também pelo réu – atingido diretamente pela decisão que concedeu a tutela antecipada e, na oportunidade, pleiteará uma sentença de mérito que desconstitua os efeitos da tutela antecipada concedida na demanda antecedente.

Portanto, há correlação entre o pedido de tutela antecipada formulado na demanda antecedente e o pedido formulado na demanda principal posteriormente ajuizada, de modo que o deferimento da liminar na ação antecedente – produzir estabilização – atinge a finalidade e o resultado útil pretendido pela parte autor, se o réu não impugnar a tutela deferida.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            antes ou depois da propositura da demanda principal, sempre que haja necessidade e estejam presentes os requisitos de lei (art. 273, caput, e I). O cumprimento integral dessa garantia exige que, no plano infraconstitucional e na prática dos juízos, haja meios suficientes para obter a tutela jurisdicional efetiva e tempestiva; não é efetiva nem tempestiva, e às vezes sequer chega a ser tutela, aquela que vem depois de consumados os fatos temidos ou sem a capacidade de evitar o insuportável acúmulo de prejuízos ou de sofrimentos. Negar sistematicamente a tutela antecipada em caráter antecedente, ou preparatório, é ignorar o artigo 8º, I do Pacto Sant José da Costa Rica, portador de severa recomendação de uma tutela jurisdicional ‘dentro do prazo razoável’”.

355

REDONDO, 2015.

356

OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzollino de. Curso de direito processual civil. 1. ed. São Paulo: Editora Verbatim, 2015, p. 639.

357

O Novo Código de Processo Civil não utiliza a denominação “ação principal”, mas menciona no artigo 304, § 2o, que: “qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput”; e no § 3º que: “a tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2o” (BRASIL, 2015). No entanto, optou-se pela sua utilização no presente estudo para facilitar a compreensão por ser praxe jurídica utilizada nas tutelas cautelares antecedentes para determinar a ação do artigo 806 do CPC, de 1973.

Como já asseverado, o que importa saber – para fins de definição se a medida deverá ou não ser estabilizada – é se esta possui real utilidade ao demandante que a pleiteou, mesmo diante da eventual inexistência de elaboração de pedido principal.

Se a resposta for positiva, é natural e adequado que se permita com que essa decisão continue a produzir efeitos, até que a outra parte, caso tenha interesse, busque a sua modificação pela via própria. Nessa linha, buscar-se-á, ainda, analisar se essa estabilização, sob outro prisma, produz efeitos da coisa julgada material ou não.

Apesar de o Novo Código de Processo Civil ter sido expresso quanto à possibilidade da estabilização apenas nos casos de tutela antecipada antecedente, nos termos do disposto no artigo 304 do Novo Código de Processo Civil, as relações jurídicas de direito material não são, muitas vezes, tão claras a ponto de se distinguir se é caso de tutela cautelar ou antecipada

pura.358

Nessa seara, para evitar o perecimento do direito do jurisdicionado parece-nos correto, inclusive, à luz da instrumentalidade das formas, que o juiz deverá poder se valer de seu poder-geral de cautela e do poder-geral de antecipação para conceder a liminar e atribuir-lhe

os mesmos efeitos (estabilização) à medida pleiteada pela parte.359

A atribuição de estabilidade às tutelas antecipadas antecedentes advém do sistema

processual italiano,360 inspirada no sistema dos référés franceses e belgas, e possui como

finalidade evitar prejuízos decorrentes da demora excessiva na obtenção de uma tutela jurisdicional definitiva, bem como para evitar a propositura de demandas principais, na                                                                                                                          

358

“Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso. Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo” (Ibidem).

359

Segundo Cássio Scarpinella Bueno (2010. p. 142), o que importa, à luz do “modelo constitucional do processo civil”, é que o magistrado disponha de meios para tutela adequada de direitos quando lesionados ou quando ameaçados. Se tais mecanismos são suficientemente obtidos, consoante as circunstâncias de cada caso concreto, pelo uso do “dever-poder geral de cautela” e do “dever-pode geral de antecipação”, não há por que deixar de reconhecer que o espaço a ser ocupado pelas “cautelares nominadas” tende a se apequenar.

360

Na Itália, antes do Códice di Procedura Civile de 1942, uma das preocupações dos processualistas era a ausência na lei de um poder-geral de cautela que permitisse a aplicação de medidas de acautelamento, não previstas expressamente, o que levou o legislador a introduzir no Capítulo dos Procedimenti Cautelari os

Provvedimenti d’urgenza, dispondo o artigo 700 que: “Fuori dei casi regolati nelle precedenti sezioni di questo

capo, chi ha fondato motivo di temere che durante il tempo occorrente per far valere il suo diritto in via ordinaria, questo sia minacciato da un pregiudzio imminente e irreparabile, può chiedere con ricorso al giudice i provvedimenti d'urgenza, che appaiono, secondo le circostanze, più idonei ad assicurare provvisoriamente gli effetti della decisione sul merito.”.” Edoardo F. Ricci afirma que “è o próprio il fenomeno dela resistenza ingiustificata a rendere più difficile la tutela giuridica per chi há ragione; e poiché la resistenza ingiustificata, tanto più incoraggiata, quanto più il processo è ineficiente come strumento di efetiva tutela, si è di fronte al clássico serpente che si morda la coda. (RICCI, Edoardo F. Per una efficace tutela provvisoria ingiunzionale dei diritti di obbligazione nell´ordinario processo civile. Rivista di Diritto Processuale, Padova: Cedam, p. 1033, ott./dic. 1990).

hipótese das partes (a ré, principalmente) estarem satisfeitas com a liminar concedida em sede

de tutela antecipada.361

Verificou-se, por meio de cálculo estatístico, que a partir da cognição sumária, a justiça francesa põe fim a cerca de 90% de seus litígios, utilizando-se do denominado procédure em référé.362

Como na Itália, a sua positivação é muito recente, não foi possível ainda se obter dados a respeito da efetividade do procedimento naquele País. Na verdade, a Itália tentou usar o sistema no direito processual societário – medida que ficou conhecida como référé à italiana. Contudo, diferentemente da experiência na França, o instituto recebeu diversas críticas e acabou sendo revogado do ordenamento jurídico italiano.

Como no exemplo francês, o processo sumário italiano não tem como requisito a urgência, mas a evidência do direito. Além disso, o contraditório também é obrigatório, ou seja, o julgador somente proferirá a ordinanza depois de ouvida a parte contrária e na ausência de argumentos de defesa convincentes. A sumariedade, nesses procedimentos, não está ligada à supressão do contraditório, mas na superficialidade da cognição que culmina em

uma decisão provisória, a qual, apesar de não adquirir força de coisa julgada, se estabiliza.363

No Brasil, o que se espera pela doutrina e aplicadores do direito é que esse instituto cumpra a finalidade para o qual foi criado, que é exatamente simplificar o sistema e torná-lo mais eficiente em busca da outorga da prestação jurisdicional, sem que isso possa sugerir violação ao devido processo legal e demais princípios a ele relacionados.

Em 2005, contudo, houve uma modificação do Código de Processo Civil italiano (Lei nº 80/05), pela qual se estabeleceu que, com o deferimento da tutela antecipada, a respectiva decisão não perderá sua eficácia, na hipótese de não ter sido ajuizada uma demanda principal no prazo legal, estabilizando-se e perdendo seu caráter instrumental e acessório. Ou seja, o ajuizamento da “ação principal” é facultativo e não obrigatório, como ocorre nos casos das tutelas cautelares preparatórias (antecedentes), nos termos do artigo 806 do Código de

                                                                                                                         

361

Nesse passo, Barbosa Moreira traz o exemplo do empregado demitido de forma ilegítima que busca, exclusivamente, a sua reintegração. Segundo leciona o eminente processualista, na França e na Itália essa volta à empresa acontece por meio das ordennances de référé e dos provvedimenti d’urgenza.

362

RICCI, Edoardo F., 2003.

363

“La fase sommaria, che qui precede rendendo eventuale la cognizione ordinária, é tale non per il difetto del contradittorio (e, ripetiamo, la delega avrebbe consentio la construzione di um modello di tipo monitorio), ma per la superficialità ed incompletezza della cognizione, cui corrispondene una decisione motivata come un´odinanzza e non come una sentenza” (CAPPONI, Bruno. Sul procedimento sommario di cognizione nelle controversie societarie. In: CAVALLONE, Bruno; RICCI, Edoardo; SALLETI, Achille [Orgs.]. Studi di diritto processual civile in onore di Giuseppe Tarsia, tomo II, p. 1654-1655 apud SILVA, Natália Diniz.

Estabilização da tutela jurisdicional diferenciada. 2014. Dissertação [Mestrado em Direito] Departamento

Processo Civil de 1973 – entendimento que foi mantido pelo artigo 308 do Novo Código de Processo Civil.

Deferida a tutela antecipada antecedente e permanecendo o réu inerte, a decisão se estabilizaria, produzindo os efeitos desejados pelo autor até que, eventualmente, fosse revista em demanda posterior, sem, contudo produzir efeitos de coisa julgada, conforme expressamente consignado na lei italiana.

No Brasil, o que se pretende por meio da recepção da estabilização da tutela antecipada é exatamente essa diminuição da litigiosidade e resolução dos conflitos de uma maneira mais célere e eficaz.

Nesse sentido, José Carlos Barbosa Moreira, evocando o direito comparado afirmou que “a concessão da tutela de urgência vai tendendo a assegurar ao interessado, de direito ou ao menos de fato, o gozo definitivo do benefício pleiteado. Isto é: a solução em princípio