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Por limites subjetivos da coisa julgada pode-se entender a parte (da relação jurídica de direito processual) que é abrangida pela coisa julgada, impondo, em um primeiro momento,                                                                                                                          

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BRASIL, 2015.

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No mesmo sentido, João Paulo Hecker da Silva, ao afirmar que “o incidente de falsidade em sua essência é verdadeira ação declaratória incidental e, por isso, seu julgamento produz coisa julgada material se decidida em caráter principaliter (CPC, art. 430, parágrafo único, c.c. 503, caput, § 1º). A ausência do incidente de falsidade não impede que o juiz reconheça de ofício a falsidade de um documento se chegar a essa conclusão em razão das outras provas produzidas ou mesmo que a parte alegue a falsidade como argumento de defesa (CPC, art. 436, inciso III). Contudo, nesses casos, o julgamento a respeito da falsidade do documento não fará coisa julgada material, gerando assim efeitos somente dentro do processo em que foi reconhecida, salvo se houver esse pedido específico, até mesmo em reconvenção (CPC, arts. 19, inciso II, 343 e ss. e 433)”. SILVA, João Paulo Hecker da. In: TUCCI, José Rogério Cruz e et al. (Coords.). Código de processo civil anotado. AASP, 2015, p. 723. No mesmo sentido, THEODORO, Jr. Humberto. Teoria geral do direito processual civil I. 53. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 690.

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pensar, diante do que restou demonstrado no presente estudo, que a limitação subjetiva atinge somente as partes e seus sucessores que participaram do processo. Esse entendimento prevaleceu por muitos anos para os processualistas e não se admitia de forma alguma a extensão dos efeitos da coisa julgada a terceiros, seja para beneficiá-los ou para prejudicá-los. Eis uma imposição das garantias do acesso à justiça, com devido processo legal, contraditório e ampla defesa (CF, art. 5º, incisos XXXVI, LIV e LV): apenas a parte tem a possibilidade de exercer o direito de ação ou defesa em sua plenitude dentro do processo; portanto, apenas ela pode ficar vinculada ao resultado desse processo. O sujeito torna-se parte quando propõe a demanda ou é citado para o processo.

Essa tradição acerca da limitação subjetiva da res iudicata vinha desde o direito romano, passou pelas ordenações e pelo moderno direito português, encontrando-se sedimentada no artigo 472 do CPC/73, correspondente ao artigo 506 do CPC/15, que dispõem que a coisa julgada não prejudica, nem beneficia terceiros.

Assim, essa limitação da res iudica às partes teve origem na natureza contratual da litiscontestatio e, no direito contemporâneo, passou a ser concebida no âmbito do direito fundamental ao contraditório, no intuito de evitar que indivíduos que não participaram do

processo ficassem impedidos de discutir judicialmente uma questão.300

Liebman, contudo, inovou a restrição advinda do direito romano ao sustentar que a coisa julgada atinge não só as partes como também terceiros, igualmente, rompendo-se a tradição até então dos processualistas de tentar dividir e classificar os terceiros, como

procedeu, por exemplo, Emilio Betti.301

Afirma Liebman em seu prefácio à primeira edição brasileira à obra Eficácia e Autoridade da Sentença que:302

O homem já não vive isolado na sociedade. A atividade do indivíduo é de maneira crescente e condicionada pelas atividades dos seus semelhantes; aumenta a solidariedade e a responsabilidade de cada um e seus atos se projetam sempre em esfera maior. Contudo, as correntes extremistas, ao                                                                                                                          

300

CABRAL, Antônio do Passo. Alguns mitos do processo (II): Liebman e a coisa julgada. Revista de

Processo. v. 217,. p. 41, 2013.

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Betti dividiu os terceiros de acordo com a compatibilidade de seu direito com a sentença proferida entre as partes. Segundo Betti, os terceiros poderiam ser divididos em (i) terceiros juridicamente indiferentes: seriam estranhos à relação jurídica discutida no processo, mas compatível com a decisão, podendo ser afetados, de certa forma, pela sentença proferida, (ii) terceiros juridicamente interessados não sujeitos a exceção de coisa julgada: também não titulares de direito estranho a sentença, não podendo sofrer efeitos da coisa julgada, mas, por outro lado, também desconhecê-la, e (iii) terceiros juridicamente interessados sujeitos a exceção da coisa julgada: são subordinados à parte com respeito a relação decidida, de modo que a coisa julgada que se formou

inter alia também a eles se comunica. (TUCCI, Jose Rogério Cruz e. Limites subjetivos da eficácia da sentença e da coisa julgada civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006, p. 68).

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estudar a extensão subjetiva da coisa julgada, chegaram a resultados inaceitáveis, que importam o sacrifício irrestrito da posição dos terceiros, intolerável principalmente na hipótese de fraude organizada para prejudicá- los. O processo tornar-se-ia máquina perigosa, cujo uso constituiria grave ameaça para aqueles que dele não participaram.

Liebman já antevia a necessidade da revisão desse conceito restrito da res judicata somente às partes, de modo que as relações jurídicas não podem ter e não exigem tratamento igualitário. Assim, em alguns casos é possível que decisões inter alia possam produzir efeitos em relação a terceiros e, além disso, importar em preclusão de rediscussão.

Historicamente, diversas teorias foram criadas na tentativa de defender a extensão dos efeitos da coisa julgada a terceiros que não tivessem participado da relação jurídica de direito processual no processo julgado, como, por exemplo, a teoria da extensão da coisa julgada pela

atuação do legitimo contraditor,303 a teoria da representação e,304 ainda, a teoria de Von

Jhering quanto aos efeitos reflexos da sentença em relação a terceiros.305

Contudo, como já afirmado, Liebman, cuja tese é a predominante no ordenamento jurídico vigente, não se preocupou em classificar terceiros ou em entender a relação que cada um deles possuía frente à sentença do processo do qual não participaram. Seu posicionamento

baseou-se na diferenciação entre os efeitos da sentença e a autoridade da coisa julgada.306

Como analisado no item relativo ao conceito de coisa julgada, o posicionamento de Liebman era contrário à tese adotada por Hellwing. Como Hellwing conceituava coisa julgada como a eficácia da declaração, referido entendimento, segundo Liebman, seria incongruente ao que se entende por limites objetivos da coisa julgada e terceiros a ela vinculados.

Na versão de Liebman, a problemática da tese de Hellwing consistia no fato de que, se a coisa julgada só abrange o conteúdo declaratório e este só se revela entre as partes do processo, seria inexorável permitir que o conteúdo condenatório e constitutivo da sentença pudessem produzir efeitos a terceiros. Na realidade, para Liebman, seria inadmissível fracionar a sentença e submeter a sua vinculação somente em relação a uma dessas partes (condenatória ou constitutiva), sem que houvesse vinculação a parte declaratória.

                                                                                                                         

303

SAVIGNY, Friedrich Karl von. System des heutigen Romischen Rechts. Berlin: Veit & Comp.,1840. v. VI, p. 473-474. Segundo explicação de Antônio do Passo Cabral, fazendo referencia a Binder, o justo contradictor não é efetivamente aquele contra quem se tem um direito, mas aquele que o autor tem direito de apontar como réu.

304

Ibidem, p. 471.

305

Segundo Antônio do Passo Cabral, Jhering afirmava que isto ocorria em casos de vantagem ou prejuízo econômico que o fato gerasse ao terceiro. (CABRAL, 2013, p. 19).

306

Tesheiner afirmava que a tese de Liebman sobre a coisa julgada buscava resolver o problema da limitação subjetiva da coisa julgada. (TESHEINER, Jose Maria Rosa. Autoridade e eficácia da sentença. Revista dos

Nessa linha, afirmou Liebman:307

Hellwing tentou, de fato, desembaraçar a meada, confinando, em resumo, a autoridade do julgado a pura declaração, tal como aparece em todas as sentenças, e já que estava firmemente persuadido de que nela residisse o efeito capital e característico da sentença, acabou por identificar a coisa julgada com a declaração obrigatória e indiscutível que a sentença produz. E como era fácil prever, seguiu-o toda a doutrina em peso. [...] o efeito constitutivo e também o condenatório se produzem erga omnes, embora a declaração produzida pela coisa julgada se restrinja tão-somente às partes, resultado, sem dúvida, lógico e natural, mas por isso mesmo sintomático e também perigoso, porque autoriza a afirmação extremista dos que negam precisamente o caráter da coisa julgada as sentenças constitutivas, para as quais ela parece absolutamente inútil: se o efeito constitutivo vige para terceiros, ainda sem a coisa julgada, por que não deveria ocorrer o mesmo para as partes? Conclusão esta última certamente aberrante, pois que basta enunciá-la para ver como contradiz a lei [...]

Liebman conclui seu raciocínio afirmando que, de fato, a coisa julgada não pode prejudicar a terceiros, mas os efeitos da sentença podem perfeitamente atingi-los, efeito que denomina como “eficácia-natural” da sentença. Como visto anteriormente, apenas a estabilidade (vinculação) da decisão, com os efeitos da preclusão, afetam as partes, de modo que os efeitos dessa decisão a todos atingem, inclusive a terceiros.

A tese de Liebman representa o entendimento acolhido no Brasil, razão pela qual grande parte dos estudiosos da matéria fazem severas críticas ao disposto no artigo 472 do CPC/73. Desse modo, não seriam os efeitos da sentença que não poderiam prejudicar terceiros, mas a coisa julgada que encontra essa impossibilidade e limitação.

Por fim, vale apenas mencionar que Carnelutti,308 fazendo referência à tese de

Liebman, aponta que eventualmente o autor teria adotado incorretamente os termos “imperatividade” ou “validade”, utilizando-os como sendo “efeito” da sentença.

No entender de Eduardo Talamini,309 é importante salientar que a limitação da coisa

julgada às partes não impede que os efeitos da decisão de mérito atinjam terceiros. São fenômenos distintos. Os terceiros serão atingidos pelos efeitos sentenciais na proporção em

que se relacionem com o objeto do litígio.310 Podem ter benefícios ou desvantagens, mas não

                                                                                                                         

307

LIEBMAN, 1984. p. 21.

308

CARNELUTTI, Francesco. Efficacia, autorita e immutabilita della sentenza. Rivista di Diritto.

309

TALAMINI, 2015, p. 857.

310

“A sentença também produz efeitos em relação a terceiros, no entanto, a imutabilidade do provimento jurisdicional, garantida pela autoridade da coisa julgada, limita-se às partes, sendo facultado ao terceiro discussão posterior acerca da sentença eventualmente prejudicial a seu interesse jurídico. A sentença, prolatada em processo do qual o garante não participou, produz efeitos em relação a este” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 3ª T., REsp nº 612302/MA, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJU de 11 set. 2005, p. 250).

ficarão impedidos de discutir em demanda própria aquele mesmo objeto processual, na

medida em que detenham legitimidade e interesse para tanto.311

No que diz respeito aos limites subjetivos da coisa julgada no CPC/15, o texto normativo é expresso ao dispor que a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não tendo a aptidão para prejudicar terceiros. A redação do disposto no artigo 506 lembra aquela existente na codificação revogada, mas é mais precisa na medida em que adota a noção de coisa julgada como a autoridade da decisão judicial, de forma que os efeitos fáticos desta podem atingir terceiros, de maneira mais direta ou indireta (reflexa), conforme as peculiaridades do caso concreto.

É importante frisar que a verificação da coisa julgada, no plano fático, não implicará necessariamente vinculação entre as partes, nada impedindo que aquele que foi beneficiado com decisão transitada em julgado venha a renunciar ao direito que lhe foi reconhecido. A eficácia subjetiva da coisa julgada, tornando definitivo o conteúdo da decisão judicial, é

verificada no plano jurídico.312

3.6 ELEMENTOS QUE COMPÕEM O ALCANCE POSITIVO DOS LIMITES