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O direito (das pessoas com deficiência) à educação e o (des)emprego da perspectiva desenvolvimentista no Supremo Tribunal Federal: uma investigação orientada pelas regras alexyanas de justificação racional das decisões jurídicas

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO EM DIREITO. VICENTE ELÍSIO DE OLIVEIRA NETO. O DIREITO (DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA) À EDUCAÇÃO E O (DES)EMPREGO DA PERSPECTIVA DESENVOLVIMENTISTA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: uma investigação orientada pelas regras alexyanas de justificação racional das decisões jurídicas. Natal/RN 2016.

(2) VICENTE ELÍSIO DE OLIVEIRA NETO. O DIREITO (DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA) À EDUCAÇÃO E O (DES)EMPREGO DA PERSPECTIVA DESENVOLVIMENTISTA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: uma investigação orientada pelas regras alexyanas de justificação racional das decisões jurídicas. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGD – do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.. Orientadora: Profa. Dra. Patrícia Borba Vilar Guimarães. Natal/RN 2016.

(3) Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Oliveira Neto, Vicente Elísio de. O direito (das pessoas com deficiência) à educação e o (des)emprego da perspectiva desenvolvimentista no Supremo Tribunal Federal: uma investigação orientada pelas regras alexyanas de justificação racional das decisões jurídicas / Vicente Elísio de Oliveira Neto. - Natal, 2016. 218f. Orientador: Profa. Dra. Patrícia Borba Vilar Guimarães.. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Direito. 1. Direito fundamental social - Educação - Dissertação. 2. Pessoa com deficiência - Dissertação. 3. Supremo Tribunal Federal - Dissertação. 4. Argumentação jurídica alexyana - Dissertação. I. Guimarães, Patrícia Borba Vilar. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA. CDU 342.7:37-056.

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(5) Dedico esta pesquisa àquelas pessoas que na trajetória das sociedades humanas em geral estiveram, e ainda continuam, agregadas aos segmentos mais vulneráveis dentre os grupos discriminados, excluídos e marginalizados social, econômica e politicamente: as pessoas com deficiência..

(6) AGRADECIMENTOS. Aos meus pais João Elísio de Oliveira (in memorian) e Gilza Maria de Carvalho Oliveira, fontes perenes da vida e das minhas inspirações. À minha irmã Rosângela, aos meus sobrinhos Vitor Rudá e Mateus Elísio, bem como aos parentes paternos e maternos, pelo convívio, estímulo e apoio que, em grande medida, determinaram a minha trajetória e o meu modo de ser até o presente. Aos meus amados filhos Pedro Jorge Varela Barca Oliveira e João Pedro Medeiros de Oliveira, sinais incontestes da minha convicção na viabilidade da edificação de um mundo novo, orientado pelas aspirações de prosperidade, felicidade e paz, perpétuas e universais. A Áldena Fernandes de Melo, companheira de todas as horas e circunstâncias nos últimos treze anos, pelos conselhos e pela inquebrantável firmeza de propósitos. Aos amigos Afonso de Ligório Bezerra Júnior, Antônio Felipe de Paula Júnior, Eduardo Medeiros Cavalcanti, Jean Soares Moreira, José Aranha Sobrinho, Jovino Pereira da Costa Sobrinho, Luiz Antônio Tomaz do Nascimento e Sildilon Maia Tomaz do Nascimento, pela habilidade fraterna com que sempre findam por me convencer de que é preciso e possível seguir adiante na persecução de projetos quase abandonados. Aos Mestres e Mestras que contribuíram decisivamente ao longo do percurso formativo que possibilitou meu ingresso no Mestrado, impondo-se registrar especialmente as Professoras Tuzinha e Dona Joana (alfabetização em Nísia Floresta-RN), Tatiana Mendes Cunha (Direito/UFRN) e Sara Andrade (curso preparatório à seleção do mestrado). Ao Ministério Público Potiguar e à Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN, instituições as quais ,voluntariamente, confesso a minha condição de devedor de encargos de grande monta que tenho buscado amortizar, de modo parcelado e pontual, desde a década de noventa do século vinte, sem qualquer previsão quanto ao dies ad quem. À Professora Patrícia Borba Vilar Guimarães, pela maestria, domínio, competência, segurança, serenidade, firmeza e dedicação que marcaram o desempenho das funções próprias da orientação da pesquisa. Não posso aqui deixar de consignar com admiração e encantamento respeitosos a invulgar capacidade demonstrada pela preceptora, ao corrigir e reorientar com simpatia e.

(7) elegância a ponto de o pupilo somente compreender as sutis repreensões e adotálas integralmente muitas horas após a finalização dos encontros. À Coordenação (Yanko Marcius de Alencar Xavier e Maria dos Remédios Fontes Silva), aos professores e servidores que integram os quadros do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFRN. Aos colegas da turma de Mestrado pelo harmônico e proveitoso convívio acadêmico que permitiu o compartilhamento, o debate e a propagação de um rico acervo de conhecimentos e ideias que não poderia ser, em tão reduzido lapso de tempo, apropriado por um mestrando isoladamente. Em atenção a dimensão substancial da isonomia, é preciso distinguir a colega Naide Maria Pinheiro com quem empreendi uma longa jornada que teve início no curso de Direito da UFRN, passou pela Seção Judiciária da JFRN, seguiu pelo ingresso no parquet norte-riograndense, chegando no presente à conclusão do Curso de Mestrado, assim como o colega Diogo Padre, que tive o prazer de conhecer na pós-graduação e a honra de tê-lo como único companheiro de linha de pesquisa e parceiro de incontáveis seminários. Por fim, mas não menos importante, aos professores que compuseram a banca de qualificação: Patrícia Borba Vilar Guimarães, José Orlando Ribeiro Rosário e Leonardo Oliveira Freire; e a banca de defesa da dissertação: Patrícia Borba Vilar Guimarães, José Orlando Ribeiro Rosário e Robson Antão de Medeiros, pelas valiosas apreciações críticas e contribuições..

(8) RESUMO O estudo dedica-se à investigação da imbricação do direito (das pessoas com deficiência) à educação com a pretensão desenvolvimentista constitucionalmente instituída na justificação das decisões do Supremo Tribunal Federal que enfrentaram as múltiplas questões envolvidas na concretização do direito fundamental titularizado pela minoria historicamente excluída, confrontando-se as premissas fundantes do decisum com as regras alexyanas de justificação racional das decisões jurídicas. A pesquisa emprega o método de abordagem dedutivo, foi executada no nível descritivo e utilizou os procedimentos técnicos, bibliográfico e documental. No estudo, o (processo de) desenvolvimento é pluridimensional, o que permite seu entrelaçamento com a íntegra do catálogo aberto dos direitos fundamentais em uma relação instrumental/substancial. Define-se o direito à educação enquanto direito fundamental, destaca-se sua gênese no contexto do reconhecimento das liberdades positivas, suas dimensões humanas, política e econômica e sua universalização progressiva viabilizada no processo de política pública que conjuga e potencializa os esforços estatais, as iniciativas econômicas e as atividades do terceiro setor. Tendo por pano de fundo a enunciação dos modelos de compreensão e tratamento das deficiências e das pessoas com deficiência no curso da história das sociedades humanas, descrevem-se especificamente os reflexos de uma história de exclusão desse segmento social no subsistema educacional, efeitos cuja superação vem sendo paulatinamente afirmada no plano normativo. O estudo dos casos apreciados no âmbito do Supremo Tribunal Federal evidenciou que parte das decisões assentam-se em premissas que entrelaçam o direito (das pessoas com deficiência) à educação ao desenvolvimento, liame que se constituiu com o recurso exclusivo à uma interpretação sistemática do texto constitucional, nele incluído a Convenção de Nova York. A submissão da fundamentação dos provimentos jurisdicionais ao crivo das regras de justificação formuladas pela teoria do discurso jurídico, inspiradoras e em grande medida positivadas com o Novo Código de Processo Civil, parece apontar que a inobservância de regras atinentes ao emprego de precedentes, dos cânones de interpretação e de enunciados dogmáticos em alguns casos pode resultar em déficit de racionalidade do decisum, na não satisfação da pretensão de correção da decisão, problemas de relevo em se cuidando do equacionamento de “casos difíceis” que impõem a realização de escolhas que, por sua vez, alcançam intensa repercussão social e efeitos econômicos de monta cuja aceitação social se sujeita à adesão majoritária em favor de um juízo positivo sobre a consistência e legitimidade da solução encampada pelo Poder Judiciário em face de uma sociedade aberta, complexa e plural em permanente dissenso na arena pública. Palavras-Chave: Direito fundamental social à educação. Pessoa com deficiência. Desenvolvimento. Supremo Tribunal Federal. Teoria da argumentação jurídica alexyana..

(9) ABSTRACT The study is dedicated to the investigation of intertwining of the right (of disabled people) to education with the constitutionally established developmentist pretension in justification of the decisions of the Supreme Court who faced multiple issues involved in the implementation of the fundamental right of the historically excluded minority confronting the founding premises of decisum with the alexy´s rules of rational justification of legal decisions. The research uses the deductive method of approach, it was performed at the descriptive level and used the technical, bibliographic and documentary procedures. In the study, the (process of) development is multi-dimensional, which allows its relationship with the entirety of the open catalog of fundamental rights in an instrumental/substantial. It defines the right to education as a fundamental right, highlighting its genesis in the recognition of positive freedoms context, its human, political and economic dimensions and its progressive universalization, made possible in the public policy process which combines and enhances state efforts, economic initiatives and activities of the third sector. Having as background the enunciation of the understanding models and treatment of disabilities and people with disabilities throughout the history of human societies, it describes specifically the consequences of a history of exclusion experienced by this social segment in educational subsystem, effects whose overcoming has been gradually affirmed in normative level. The study cases examined in the context of Supreme Court revealed that some of the decisions are based on the assumptions that intertwine the right (of people with disabilities) to education with the development, connection that was constituted with the exclusive recourse to a systematic interpretation of the constitutional text, in it included the New York Convention. The submission of the foundation of jurisdiction measures to the scrutiny of justification rules formulated by the theory of legal speech, inspiring and largely positivated with the New Civil Procedure Code, seems to point that the noncompliance with rules relating to the use of precedents, the canons of interpretation and statements dogmatic in some cases may result in decisum rationality deficit, and not satisfaction of the decision correction pretension, major problem when dealing of equating "hard cases" that impose the realization of choices that, in turn, achieves strong social impact and economic effects of amounts whose social acceptance is subject to the majority support in favor of a positive judgment about the consistency and legitimacy of the solution adopted by the judiciary in face of an open, complex and plural society in permanent dissension in the public arena. Keywords: Social Fundamental Right to Education. Person with Disabilities. Development. Federal Supreme Court. Alexy´s Theory of Legal Argument..

(10) SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO........................................................................................ 11. 2. O IDEAL DO PROGRESSO, A AFIRMAÇÃO DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO NA ORDEM INTERNACIONAL E A PLATAFORMA DESENVOLVIMENTISTA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO........................................ 16. A IDEIA DE PROGRESSO NO PROCESSO DE GESTAÇÃO E PARTO DA MODERNIDADE.................................................................. 16. A COMPREENSÃO DO DESENVOLVIMENTO COMO CRESCIMENTO ECONÔMICO.............................................................. 19. 2.3. DESENVOLVIMENTO COMO PROCESSO MULTIDIMENSIONAL ….. 21. 2.4. UMA PERSPECTIVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ….... 22. 2.5. UMA PECULIAR APROXIMAÇÃO ENTRE DIREITO E DESENVOLVIMENTO............................................................................ 24. A CONSTRUÇÃO E O RECONHECIMENTO DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO NO CONTEXTO INTERNACIONAL ….............. 29. 2.7. A AGENDA 2030 PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. 33. 2.8. A PRETENSÃO DESENVOLVIMENTISTA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO......................................... 35. A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, O DIREITO À EDUCAÇÃO E SUA EFETIVAÇÃO PROGRESSIVA: ESTADO, TERCEIRO SETOR E POLÍTICAS PÚBLICAS NA ORDEM SOCIAL.. 44. PERSPECTIVAS PARA UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE DIREITOS FUNDAMENTAIS.................................................................................... 44. 3.2. AS GERAÇÕES/DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS....... 46. 3.3. ALGUNS PRINCÍPIOS QUE CONTRIBUEM PARA A COMPREENSÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS............ 52. 3.4. O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À EDUCAÇÃO........................... 54. 3.4.1. O direito à educação na Constituição de 1988................................. 56. 3.4.1.1 O titular do direito, os coobrigados e os colaboradores........................ 56. 3.4.1.2 Os compromissos teleológicos da educação.......................................... 60. 3.4.1.3 Os princípios, as competências e o planejamento educacionais........... 61. 2.1 2.2. 2.6. 3. 3.1. 3.5. A EFETIVAÇÃO PROGRESSIVA DOS DIREITOS SOCIAIS VIA POLÍTICAS PÚBLICAS: ESTADO E TERCEIRO SETOR NA ORDEM SOCIAL................................................................................................... 67. 3.5.1. A noção de serviço público................................................................ 68. 3.5.2. A atividade de fomento público.......................................................... 70.

(11) 3.5.3. Políticas públicas.................................................................................. 74. 3.5.4. O terceiro setor e sua configuração no ordenamento brasileiro............................................................................................... 78. 4. DEFICIÊNCIA, EDUCAÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, NORMATIVIDADE E POLÍTICAS.......................................................... 84. 4.1. DEFICIÊNCIA......................................................................................... 84. 4.1.1. A explicação mística............................................................................ 85. 4.1.2. A abordagem biológica........................................................................ 86. 4.1.3. O modelo social................................................................................... 87. 4.2. A EDUCAÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E OS DOCUMENTOS INTERNACIONAIS...................................................... 89 90. 4.2.1. A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes........................ 90. 4.2.2. O Programa de Ação Mundial para as pessoas deficientes e a educação............................................................................................... 91. 4.2.3. A Convenção sobre os Direitos da Criança....................................... 94. 4.2.4. As normas para equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência..................................................................................... 96. 4.2.5. A Declaração de Salamanca................................................................ 99. 4.2.6. A Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência............................................................................................ 101. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência............................................................................................. 103. O ACERVO HISTÓRICO DA NORMATIVIDADE E DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL............................ 106. A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva.............................................................................. 111. O direito à educação do jovem com deficiência na Lei nº 12.852/13 – Estatuto da Juventude.................................................... 119. 4.3.3. O direito à educação no Estatuto da Pessoa com Deficiência......... 120. 4.4. UMA APRECIAÇÃO CRÍTICA DA ATUAL POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL......................................................................... 124. O DIREITO (DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA) À EDUCAÇÃO E A PERSPECTIVA DESENVOLVIMENTISTA NO STF: UMA APRECIAÇÃO A PARTIR DAS REGRAS ALEXYANAS DE JUSTIFICAÇÃO..................................................................................... 136. A FUNDAMENTAÇÃO DOS PROVIMENTOS JURISDICIONAIS SOB O PRISMA DA DOGMÁTICA PROCESSUAL......................................... 136. A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS À LUZ DA DOUTRINA CONSTITUCIONAL E DA JURISPRUDÊNCIA DO STF......................... 138. 4.2.7 4.3 4.3.1 4.3.2. 5. 5.1 5.2.

(12) 5.3. A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA DE ROBERT ALEXY....... 141. 5.4. A JUSTIFICAÇÃO INTERNA E EXTERNA DAS DECISÕES JURÍDICAS............................................................................................. 144. O CONTROLE DA RACIONALIDADE DOS PROVIMENTOS JURISDICIONAIS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A CONTRIBUIÇÃO ALEXYANA................................................................. 152. O DIREITO (DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA) À EDUCAÇÃO NO STF................................................................................................... 158. Implementação de reformas e adequações dos prédios escolares a fim de torná-los acessíveis às pessoas com deficiência............................................................................................. 160. 5.6.2. Demanda por profissionais especializados e pessoal de apoio..... 167. 5.6.3. Aquisição de equipamentos para atendimento de necessidades educacionais especiais........................................................................ 170. 5.6.4. O falso dilema escola comum versus escola especial..................... 171. 5.6.5. O comprometimento das instituições privadas do ensino regular com a garantia de amplo acesso não discriminatório às pessoas com deficiência..................................................................................... 176. A injustificada desconsideração do precedente desenvolvimentista.............................................................................. 180. 5.6.7. Conclusão parcial................................................................................. 182. 6. CONCLUSÕES...................................................................................... 187. REFERÊNCIAS...................................................................................... 200. 5.5. 5.6 5.6.1. 5.6.6.

(13) 11 1 INTRODUÇÃO. Parece ser induvidoso que haja no meio social um intuitivo sentimento de reconhecimento da importância da educação, percebida especialmente como processo ou instrumento facilitador ou indutor da ascensão social, para os que se encontram na base da pirâmide, ou de estabilização do status socioeconômico, para os que se encontram no topo ou muito próximos dele. A assertiva que sustenta a valorização social da educação não pode ser apressadamente infirmada com a invocação de resultados de pesquisas de opinião constantemente divulgadas e que, em geral, indicam os temas da corrupção, saúde e segurança, não necessariamente nessa ordem, como as maiores preocupações do povo brasileiro nos dias que aceleradamente se sucedem. Com efeito, é possível refutar, por exemplo, no plano do senso comum, sustentando que a pauta diária da grande mídia previamente reserva espaço para a divulgação de tais temas, assim como o faz para o noticiário esportivo e o internacional, o mesmo não se dando quanto aos assuntos educacionais, daí podendo decorrer uma relação entre a reiterada divulgação e as escolhas do público-alvo das enquetes. Cientes da difusa percepção positiva alcançada pela educação no ambiente social, distintas e díspares correntes de pensamento filosófico, político, econômico, sociológico etc., costumam convergir, quando o assunto é a educação e sua relevância, mesmo que as razões invocadas continuem sendo mais ou menos prestigiadas pelos diferentes grupos ideológicos. A aparente unanimidade quanto à capital importância da educação, enquanto direito humano e/ou fundamental social, também se apresenta no meio dos que integram a sociedade fechada do discurso jurídico, de que fala Foucault (2014). Basta aqui lembrar que, na dogmática constitucional brasileira, a garantia do acesso universal ao ensino fundamental é alçada à condição de componente essencial do mínimo existencial, o que significa alojá-la no núcleo duro do princípio da dignidade humana (BARROSO; BARCELLOS, 2003). O texto constitucional vigente dispõe ser a educação direito reconhecido a todos indistintamente, cabendo ao Estado e à família, com a colaboração da.

(14) 12 sociedade, promovê-la e incentivá-la, acentuando que é por meio do processo educacional institucionalizado que se viabilizam o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (CF/88, art. 205), ressaltando assim a força impactante do processo de ensino e aprendizagem, universalmente acessível e ofertado com qualidade, que produzirá seus efeitos sobre as dimensões individual, política e econômica. O Estado e a sociedade brasileira estão igualmente comprometidos com a garantia do direito à educação, em razão da vinculação da comunidade política nacional a documentos internacionais revestidos de força cogente. Apesar de assim ser, os esperados e pretendidos efeitos irradiantes do consenso e da força normativa aparentemente dissipam-se quando se põe in concreto o interesse de pessoa com deficiência ingressar em instituições de ensino do sistema regular, pública ou privada, até o presente inadequadas material e culturalmente, em sua grande maioria, ao acolhimento de alunos com demandas peculiares em seu processo educativo. Aqui e alhures, o contingente social com deficiência foi e é alvo de preconceitos que justificam discriminação, segregação e exclusão que levaram à própria negação da condição humana e, por corolário, ao não reconhecimento ou ao impedimento do exercício e gozo dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais em detrimento das pessoas com deficiência1. No cenário brasileiro, o último recenseamento empreendido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2010, apurou que a parcela da população brasileira com deficiência, nas cinco regiões do país, em sua grande 1. Chama-se a atenção do leitor neste ponto. Na realidade de um país em desenvolvimento, subdesenvolvido ou periférico como o Brasil, quando se trata do tema da violação de direitos de uma minoria socialmente escanteada, costuma-se logo pensar na corriqueira violação de direitos econômicos, sociais e culturais. No entanto, no que diz respeito ao segmento social com deficiência, são comuns as objeções familiares, comunitárias e estatais ao exercício dos direitos civis e políticos, em sua maioria afirmados no plano infraconstitucional com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Destaca-se apenas o singelo reconhecimento da capacidade de uma pessoa com deficiência de qualquer natureza ser inquirida como testemunha em processo judicial (art. 80, da Lei 13.146/15), por lembrarmos que Foucault (2014) denunciava a interdição da palavra do louco e por isso se indaga: será que somente uma pessoa com deficiência mental desconhece a verdade ou é com ela descomprometido? À luz da experiência adquirida com a participação em incontável número de audiências na condição de Promotor de Justiça, se é levado a supor que não há qualquer relação entre loucura e mentira. Se de outro modo fosse, não se teria, tantas vezes, constatado de maneira segura e fundamentada o insuperável divórcio entre as circunstâncias fáticas apuradas e a correspondente e incongruente versão proferida por testemunhas normais..

(15) 13 maioria encontra-se incorporada à legião de analfabetos historicamente constituída em ambiente social marcado por desigualdades abissais. No que se refere à escolarização de alunos com necessidades educacionais especiais – terminologia oficial que compreende os estudantes com deficiência – em nossos dias, não há certeza quanto a percentuais de atendimento nem sobre a quantificação do universo dos que hoje se encontram na faixa etária da escolarização constitucionalmente obrigatória. Todavia, sérios são os indícios sinalizando que ainda são ínfimas as estimativas de efetiva inclusão de pessoas com deficiência nas escolas do ensino regular, públicas ou privadas. Quanto às instituições privadas de ensino, registre-se que recentemente foi ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 5357-DF), pretendendo a Confederação Nacional dos Estabelecimentos. de. Ensino. (CONFENEN). o. reconhecimento. da. inconstitucionalidade de dispositivos do Estatuto da Pessoa com Deficiência que exigem de tais empreendimentos educacionais que adequem suas estruturas físicas, materiais e seus recursos humanos para permitir o ingresso, a permanência e o sucesso dos alunos com deficiência, vedando a cobrança de valores diferenciados de quaisquer natureza em desfavor da clientela com deficiência. Ao que parece à primeira vista, pretendia a entidade representativa do empresariado que se dedica à exploração da prestação de serviços educacionais a chancela pela Corte constitucional brasileira a uma tese inovadora que apagaria de vez as fronteiras já tênues que hodiernamente distinguem direito público e privado: a viabilidade de estipulação contratual de cláusula de sobrepreço para o desfrute de direito fundamental ou, mais sucintamente, tese da cláusula remuneratória pela não discriminação. O trabalho pretende superar os desafios, trilhando um percurso teórico que busque um consenso racionalmente fundado em uma sociedade democrática, complexa e plural, nos moldes da proposta habermasiana, conforme se encontra em Habermas (2007; 2012) e posteriormente em Alexy (2013), viabilizando assim a aceitação e a adesão social ao projeto de inclusão educacional das pessoas com deficiência. Tendo por norte a formulação de Amarthya Sen (2010) sobre a interação.

(16) 14 instrumental/substancial desenvolvimento,. as. que. associa. contribuições. as. das. liberdades. pesquisas. na. ao área. (processo de. de). direito. e. desenvolvimento, procura-se especificar tal nexo de maneira que findem atrelados o direito (das pessoas com deficiência) à educação e ao desenvolvimento, incrementando a probabilidade de legitimação social da proposta includente com a articulação de mais uma linha argumentativa. A teoria de Alexy (2013) assenta que o discurso jurídico especializa-se a partir de sua vinculação ao direito vigente, afirmando-se a racionalidade da argumentação jurídica em decorrência da sua conformidade com a racionalidade que se desvela na ordem jurídica. Por isso, Alexy (2013) formula regras de justificação racional das decisões jurídicas que serão empregadas na tarefa de análise e crítica das decisões do STF. O principal objetivo da pesquisa é resgatar a contribuição que pode ser extraída da fundamentação das decisões do STF relativas ao direito (das pessoas com deficiência) à educação, submetê-la à sistematização e crítica para, em seguida, expor os resultados da investigação e sujeitá-los à apreciação acadêmica e ao confronto de ideias travado na arena pública. Com o fim de levar a efeito o empreendimento dogmático, o trabalho foi estruturado em quatro capítulos, consoante a descrição que se passará a averbar. Inicialmente, busca-se acentuar a contribuição da ideia-luz do progresso no contexto dos acontecimentos que antecedem e envolvem a caracterização da fase da história humana que se designa por Modernidade. Fixado o ponto de partida, cuida-se de esboçar a trajetória pela qual a esperança em um futuro de bem-estar geral passou a ser identificada pelo termo desenvolvimento, assumiu novas feições e incorporou novas razões, assumiu o status de metadireito, findando por se afirmar como pretensão guiada por uma racionalidade social no Estado Democrático de Direito brasileiro. No segundo capítulo, dedica-se atenção ao direito à educação. Articula-se o texto com o posicionamento do direito na teoria dos direitos humanos fundamentais, projetando-o logo após no texto constitucional com um perfil e conteúdo bem definidos, habilitando-o, assim, para enfrentar os conflitos de uma sociedade plural e influir nos destinos que se constroem na ordem social, impulsionado pela dinâmica.

(17) 15 acionada pelo mecanismo das políticas públicas. No terceiro capítulo, aborda-se a temática da deficiência a partir da exposição dos seus principais modelos de explicação, o que se faz com o explícito propósito de oportunizar ao leitor a identificação das seculares raízes dos preconceitos e das visões distorcidas que levam à discriminação, segregação e apartação das pessoas com impedimentos de ordem física, mental, intelectual ou sensorial. Passa-se à análise dos textos internacionais, da legislação e das políticas nacionais atinentes à educação das pessoas com deficiência, salientando-se que a incorporação da Convenção de Nova York (ONU, 2006) ao ordenamento jurídico brasileiro, com o status de Emenda Constitucional, implicou a constitucionalização das premissas do modelo social de compreensão da deficiência, do que decorre uma imperativa opção pela inclusão social plena do contingente com deficiência, inclusive nas instituições públicas e privadas que compõem o sistema de ensino regular. O quarto, último e mais importante capítulo da obra, encontra-se constituído por duas partes, dedicando-se a primeira à descrição do instrumental teórico que será empregado para a consecução das tarefas da segunda parte, consistentes precisamente na análise, crítica e síntese do conteúdo da fundamentação das decisões do STF acerca do direito (das pessoas com deficiência) à educação, encerrando-se com uma conclusão parcial que pretende identificar as teses centrais da Corte na matéria e seus reflexos. Por fim, pretende o trabalho consubstanciar uma proposição dogmática que, ao articular o conhecimento e a consideração das decisões proferidas pelo STF, atinentes aos múltiplos aspectos envolvidos na concretização do direito (das pessoas com deficiência) à educação, venha a contribuir e orientar à compreensão da matéria não só entre os operadores do direito mas também, e precipuamente, no meio social como um todo, agregando ao debate, já em curso, uma nova perspectiva argumentativa visando a incrementar a formação de consenso racionalmente fundada em torno da questão..

(18) 16 2. O IDEAL DO PROGRESSO, A AFIRMAÇÃO DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO NA ORDEM INTERNACIONAL E A PLATAFORMA DESENVOLVIMENTISTA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO Os mitos têm exercido uma inegável influência sobre a mente dos homens que se empenham em compreender a realidade social. Do bon sauvage, com que sonhou Rosseau, a idéia milenar do desaparecimento do Estado, em Marx, do “princípio populacional” de Malthus à concepção walsariana do equilíbrio geral, os cientistas sociais têm sempre buscado apoio em algum postulado enraizado num sistema de valores que raramente chegam a explicitar. O mito congrega um conjunto de hipóteses que não podem ser testadas. Celso Furtado (1996, p. 7). 2.1 A IDEIA DE PROGRESSO NO PROCESSO DE GESTAÇÃO E PARTO DA MODERNIDADE A noção de progresso, resgatada da gramática latina (progressus), ganha força nas sociedades do Ocidente no processo histórico renascentista (séculos XV a XVII) e afirma-se no Iluminismo revolucionário e vitorioso do século XVIII. Assim, o progresso estético2 renascentista inspira e prenuncia a arquitetura da nova fase da história do mundo ocidental não aleatoriamente denominada Modernidade, a grande obra da Ilustração e matriz das sucessivas gerações de direitos humanos de que trataremos mais adiante. A ideia-luz do progresso incide sobre o pensamento e orienta a ação das forças sociais mudancistas. Reformar, transformar, revolucionar e superar as estruturas socioeconômicas e políticas da decadente conformação do modo de produção feudal e da sua organização social são as tarefas que mobilizam e empolgam os arautos da nova ordem liberal-capitalista em uma luta que se trava inicialmente nos altiplanos da filosofia, da literatura, da ciência e da religião, 2. A estética renascentista retoma e reconstrói o estilo clássico de inspiração greco-romana e implica rompimento e superação da arte religiosa medieval. No pensar hegeliano, a arte não é outra coisa senão o mais subjetivo desenvolvimento do espírito a partir do real, e suas formas históricas representam, cada uma a seu modo, momentos desse desenvolvimento. (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 96 e 239)..

(19) 17 descambando em seguida para o chão da disputa política concreta, do confronto ideológico sustentado pelo potencial lesivo e persuasivo do povo armado que investe, destrói e derrota símbolos e representantes das forças conservadoras e avessas às mudanças. O movimento Iluminista do século XVIII repercute com intensidade na França, Alemanha e Inglaterra. Assentado em uma filosofia antropocêntrica que exalta o atributo humano da razão que tudo pode compreender, transformar e dominar com o emprego de instrumental científico e, em consequência, investe contra a fé, a superstição e o dogma religioso que legitimam e dão sustentação à formação socioeconômica que se pretende ver suprimida. Tal formulação irá se propagar, angariar adeptos e influir irresistivelmente nas esferas literárias, artísticas, científicas e políticas, destacando-se como corolário do seu viés transformador a hegemônica ascensão da ideologia do progresso3. Já no início do século XVII, Francis Bacon (1561/1626), para quem saber é poder, conferia aos homens da ciência o encargo de lutar contra a ignorância, o sofrimento e a miséria e, com isso, realizar o bem-estar da humanidade (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 256). No contexto da política, o ideário liberal que pretende instituir a nova ordem, igualmente, invoca a noção de progresso4 para justificar a plataforma mudancista consubstanciada na trilogia liberdade/igualdade/fraternidade e que se direciona especialmente. à. erradicação. da. estrutura. estamental,. seus. privilégios. e. discriminações, e à supressão do arcabouço feudal que emperra e oprime as atividades produtivas e mercantis. Ciente das duras investidas da filosofia iluminista contra a religião, a Igreja Católica viu o seu poder temporal ser circunscrito à cidade-estado do Vaticano, assim como perdeu parcela do seu rebanho em favor de outras denominações religiosas como resultado de contestações promovidas por Lutero (1483-1546) e Calvino (1509-1564), dentre tantos outros.. 3. 4. Segundo Japiassú e Marcondes (2006, p. 227), a ideologia do progresso é típica do século XVIII. Para ela, a filosofia das luzes teria descoberto, na noção de uma marcha contínua para a verdade, a figura na qual melhor exprimia-se seu otimismo histórico. Não se olvide que na linguagem política contemporânea o termo progressista é corriqueiramente empregado para designar grupos ou proposições direcionadas à transformação sociopolítica em contraposição ao termo conservador..

(20) 18 Coube a Max Weber destacar, em obra clássica A ética protestante e o espírito do capitalismo, a contribuição do pensamento protestante na legitimação do modo de produção capitalista. Por seu turno, Furtado (2002, p. 45), sustenta que a noção de progresso encontra suporte espiritual. Sob tal prisma, a ideia de progresso vincula [...] a conquista de bem-estar a ações meritórias que assumiam a forma de sacrifícios realizados no presente (poupança e investimentos) em troca de recompensas futuras. Esses sacrifícios, legitimaram a dominação social graças à qual se viabiliza a acumulação de riquezas, abrindo o caminho para a divisão social do trabalho e o aumento da produtividade deste.. Nos séculos XVIII e XIX, a noção de progresso encontra apoio e respaldo na concepção de evolução empregada no campo das ciências da natureza, destacando-se a obra de Charles Darwin (1859), Origem das Espécies, na filosofia romântica, que a tomou por bandeira, assim como no pensamento socialista marxista que afirmava a crença na marcha transformadora e inexorável da história da humanidade (DUPAS, 2007; HEIDEMANN, 2014; GUERREIRO RAMOS, 2014). Furtado (2002, p. 45), esclarece que nessa fase, “dava-se como evidente que o homem sempre aspira a ascender melhores condições de vida”. Assim, o original otimismo iluminista permanece incorporado às novas perspectivas que enfrentam o tema, sendo o progresso compreendido como o resultado inafastável de um processo social gradual e linear de mudança para melhor sob qualquer ângulo de análise (moral, político, econômico, social, científico etc.). Ademais, parece que se tem aqui exposta a raiz da teoria do caminho único a ser percorrido por todo e qualquer país rumo ao desenvolvimento, sustentada por Rostow e Marx5, conforme Guerreiro Ramos (2014) ainda que cada um a partir de prismas, fundamentos e objetivos próprios: o caminho dos países que lideraram a Revolução Industrial6. A ideologia, ideia, noção ou o mito do progresso passou a sofrer abalos 5. 6. Guerreiro Ramos (2014) critica o etnocentrismo e o determinismo marxianos que findam por desconsiderar as peculiaridades históricas e estruturais que apartam as realidades e possibilidades de países cêntricos e periféricos. Furtado (1996, p. 09) pondera: “A tese de que o desenvolvimento econômico, tal qual vem sendo praticado pelos países que lideraram a Revolução Industrial, pode ser universalizado, não representa nada que vá além de um prolongamento do mito do progresso”..

(21) 19 produzidos por questionamentos precipuamente a respeito de quem se apropria dos seus frutos e dos objetivos que persegue. A crise da noção de progresso é imputada à superação do receituário liberal clássico, desafiado pela eclosão de conflitos e tensões sociais, aos dois confrontos bélicos mundiais e às crises cíclicas que sacodem, desestabilizam e inquietam o sistema capitalista. Tais circunstâncias de grande relevo histórico e social terminaram por abrir espaços nos quais brilha com maior intensidade a noção de desenvolvimento, ainda que o ideal de progresso, sob nova roupagem, preserve sua majestade e influência em aparições isoladas ou em parceria com a noção afim que lhe relegou a segundo plano na literatura e no debate público, conforme passaremos a expor.. 2.2 A COMPREENSÃO ECONÔMICO. DO. DESENVOLVIMENTO. COMO. CRESCIMENTO. Não há consenso em torno do conceito de desenvolvimento. Explica-se a plurivocidade conceitual como expressão das múltiplas tendências de pensamento que disputam a primazia no universo do saber socioeconômico (PFEIFFER, 2011). Certo é, entretanto, que o pensamento clássico na matéria concebe o fenômeno do desenvolvimento como processo identificado ao crescimento econômico. Assim, o desenvolvimento seria fenômeno circunscrito ao campo de especulações dos economistas, e a aferição de sua magnitude podia ser dimensionada a partir da acumulação da riqueza verificada em dado espaço temporal. Nessa perspectiva, a constatação da situação econômica de um país (desenvolvimento, crescimento, estagnação ou recessão) em um intervalo de tempo (em regra, anual) seria aferida tendo em vista a expressão monetária de toda a riqueza. produzida, denominado Produto Interno Bruto (PIB). O quociente obtido. com a divisão de toda a produção nacional monetariamente avaliada pelo contingente populacional expressaria o PIB per capita. O enfoque exclusivamente econômico do desenvolvimento teleologicamente destinado ao incremento da produção e consequente, em tese, aumento da riqueza, orientou. estudos. visando. a. estabelecer. um. caminho. universal. para. o. desenvolvimento econômico, destacando-se a formulação de Rostow (PFEIFFER, 2011; ZANATTA, 2011)..

(22) 20 Segundo Rostow (1974), o processo de desenvolvimento/crescimento econômico desdobra-se em cinco etapas consecutivas que deveriam ser vencidas pelos países que pretendiam alcançá-lo e desfrutar de suas benesses, assim sintetizadas: a) sociedade tradicional; b) atendimento das pré-condições para a decolagem; c) a efetiva decolagem; d) a chegada à maturidade; e) o desfrute da elevação do consumo de massa proporcionado pelo novo patamar econômico. O modelo rostowniano, assim como outras proposições que aprisionam o processo de desenvolvimento às apertadas cadeias do crescimento econômico, vem sendo alvo de contestações. Inicialmente, afirma-se que um modelo universal para o desenvolvimento de todo e qualquer país, máxime, quando exclusivamente centrado na faceta econômica de um processo polifacético, desconsidera peculiaridades históricas, políticas, sociais, geográficas e de outras ordens presentes em distintos contextos nacionais e regionais. Enfatiza-se que a acumulação de riquezas deve ser compreendida como condição necessária, mas não suficiente à deflagração do processo de desenvolvimento. Ademais, no que diz respeito especificamente ao modelo de Rostow. (1974),. as. condições. alinhadas. para. o. take-off. eram. aquelas. circunstancialmente verificadas na conjuntura dos países desenvolvidos na fase que antecedeu o segundo conflito mundial. Em sendo assim, a duvidosa e pouco provável reprodução dos requisitos indutores do take-off, em um momento posterior do processo histórico, põe em xeque a viabilidade do percurso desenvolvimentista de Rostow. Embora ainda goze de prestígio e influência, as abordagens centradas na dimensão econômica do desenvolvimento estão cada vez mais cedendo espaço para a emergência de teorizações interdisciplinares que destacam outras dimensões e implicações no processo de desenvolvimento, registrando-se de pronto as formulações da nova economia institucional e da Inovação schumpeteriana (PFEIFFER, 2011)..

(23) 21 2.3 DESENVOLVIMENTO COMO PROCESSO MULTIDIMENSIONAL. Contrapondo-se. às. análises. exclusivamente. econômicas. do. desenvolvimento, ao pensamento político-econômico liberal, ao determinismo econômico marxista e demais proposições unilaterais e reducionistas do processo social ao mesmo tempo condição e ameaça à sobrevivência humana (o processo econômico em sua dinâmica), outras vertentes de pensamento propõem visões mais alargadas do fenômeno do desenvolvimento de modo a compreender aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais, axiológicos e jurídicos, dentre outros, que se imbricam e mesmo se complementam em um jogo de conexões e influências recíprocas. Ainda que conscientes do alto grau probabilístico da incompletude e considerando que o todo é muito mais do que a adição das partes que o integram, mesmo assim arriscamo-nos a pontuar algumas questões mais salientes em cada uma das dimensões ora explicitadas, ressalvando mais uma vez suas interconexões: 1) em sua dimensão política, debatem-se particularmente o papel e os limites da atuação estatal no processo de desenvolvimento, bem como a viabilidade de um projeto nacional em tempos de interdependência sistêmica ou de globalização da economia; 2) em sua dimensão nuclear, o processo de desenvolvimento sofre os influxos das questões, relativas ao destino da produção (mercado interno/externo), à disciplina da ordem econômica e à forma de apropriação e distribuição das rendas; 3) a dimensão social do desenvolvimento atrela-se às temáticas do bemestar geral e ao nível de desfrute dos diretos sociais, precipuamente; 4) na perspectiva cultural, questiona-se em que medida a participação de minorias discriminadas no processo de desenvolvimento e o acesso aos bens produzidos contribuem para a superação de estigmas e preconceitos historicamente consolidados; 5) a dimensão axiológica insere a consideração da dignidade humana, da justiça social, dos valores do trabalho e da liberdade de iniciativa e dos fundamentos da ética dos negócios no contexto do desenvolvimento;.

(24) 22 6) a dimensão ambiental especialmente compromete o desenvolvimento com. a. ponderação. das. relações. ser. humano/natureza. com. a. responsabilidade em face das presentes e futuras gerações e consequente emprego equilibrado, eficiente e sustentável dos recursos naturais renováveis; 7). por fim, na dimensão jurídica, o entrelaçamento em que se enredam direito e desenvolvimento pode ser demonstrado ao menos a partir de três perspectivas, a saber: a) o direito pode ser instrumento que permite ou obstaculiza o desenvolvimento; b). o. desenvolvimento. pode. ser. compreendido. como. processo. comprometido com a apropriação dos direitos humanos; c). por último, de acordo com a mais radical das óticas aqui elencadas, ao processo de desenvolvimento é conferido o ingresso no catálogo dos direitos humanos: o desenvolvimento é reconhecido como direito titularizado por toda a espécie humana.. Ainda que se tenham sido fixados tão somente os contornos de uma compreensão multidimensional, do que foi assentado, é admissível inferir que, para além do crescimento econômico, o desenvolvimento implica mobilidade social, mais precisamente transformações estruturais profundas no plano social, consequências geralmente não decorrentes do exclusivo processo de crescimento econômico, de modo. que. se. afiguram. mais. Lapropriadas. à. percepção. do. problema. desenvolvimentista as visões que imediatamente serão apresentadas.. 2.4 UMA PERSPECTIVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. Sachs (2009) dedica-se a indicar o trajeto histórico no qual as questões do desenvolvimento (crescimento econômico), dos direitos humanos e do meio ambiente entrelaçaram-se no âmbito dos debates promovidos pelo sistema das Nações Unidas dando ensejo à afirmação da abordagem conhecida como desenvolvimento sustentável (ou ecodesenvolvimento). Em meados do século XX, desenvolvimento e direitos humanos assumem.

(25) 23 posição de relevo [...] como duas ideias-força destinadas a exorcizar as lembranças da grande depressão e dos horrores da Segunda Guerra Mundial fornecer os fundamentos para o sistema das Nações Unidas e impulsionar os processos de descolonização. (SACHS, 2009, p. 47).. A adição da temática ambiental somente ocorreria posteriormente. A chegada do homem à lua, por ter paradoxalmente despertado a consciência humana para a finitude do planeta Terra, viria a ser o evento histórico deflagrador do incremento da importância dos problemas ambientais. A partir de então, “a opinião pública tornouse cada vez mais consciente tanto da limitação do capital da natureza quanto dos perigos decorrentes das agressões ao meio ambiente, usado como depósito”. (SACHS, 2009, p. 48) O ingresso da dimensão ambiental, na agenda internacional, resultou das discussões travadas no Encontro de Founex (1971) e na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo (1972). No curso dos debates que apartavam os que defendiam o crescimento econômico desatento às implicações nocivas do processo sobre o meio ambiente (economicismo arrogante) dos que, em posição diametralmente oposta, propunham crescimento zero como única forma de preservação ambiental (fundamentalismo ecológico), acabou se consolidando uma nova formulação intermédia (o paradigma do caminho do meio), preconizando a adoção de um modelo de desenvolvimento pautado no aproveitamento racional e ecologicamente sustentável dos recursos naturais (SACHS, 2009, p. 48; 53). A perspectiva desenvolvimentista abraçada na Conferência de Estocolmo veio a inspirar o Relatório What Now (1975) propondo um [...] desenvolvimento endógeno (em oposição à transposição mimética de paradigmas alienígenas), auto-suficiente (em vez de dependente), orientado para as necessidades (em lugar de direcionado pelo mercado), em harmonia com a natureza e aberto às mudanças institucionais. (SACHS, 2009, p. 53; 54).. A concepção de desenvolvimento sustentável elaborada por Sachs (2009) pode ser sintetizada nas seguintes proposições: 1) a relevância social, a prudência ecológica e a viabilidade econômica são os três pilares do modelo;.

(26) 24 2) consequentemente,. só. o. desenvolvimento. impacta. positiva. e. simultaneamente as dimensões social, ambiental e econômica; 3) por assim ser, o desenvolvimento sustentável é mais abrangente e superior quando confrontado ao crescimento econômico; 4) o desenvolvimento sustentável inadmite o jogo sem restrições das forças do mercado, o que demanda algum tipo de atuação corretiva estatal – intervenção e planejamento; 5) o modelo propõe a superação das desigualdades regionais, ao buscar efetivar a apropriação por todos do catálogo integral de direitos humanos7. Assim como o desenvolvimento, compreendido à luz de uma abordagem holística e multidisciplinar, não mais se ajusta ao estreito figurino da economia, de igual modo, o conceito de sustentabilidade extrapolou os marcos da ecologia, ao incorporar novas dimensões – social, cultural, ambiental, demográfica, econômica, política e institucional.. 2.5 UMA PECULIAR APROXIMAÇÃO ENTRE DIREITO E DESENVOLVIMENTO. A narrativa de Sen (2010) tem por fio condutor a suposição de que a viabilidade funcional e a legitimidade do modelo estruturado a partir dos eixos do regime democrático e participativo, da afirmação dos direitos humanos e da globalização, demandam o enfrentamento das atuais, sensíveis e instabilizadoras questões da pobreza, das privações, das agressões ao meio ambiente e das violações de direitos em geral que se verificam, em maior ou menor grau, nos países pobres e ricos8, sendo a superação de tais problemas o desafio maior com que se defronta o processo de desenvolvimento. A atenta consideração dos elementos constitutivos do modelo e da 7. 8. Sachs (2009, p. 65; 66), reportando a Bobbio (1990) e Lafer (1994) assevera: “A centralidade do meu argumento baseia-se no entendimento que o desenvolvimento é o processo histórico de apropriação universal pelos povos da totalidade dos direitos humanos individuais e coletivos, negativos (liberdade contra) e positivos (liberdade a favor), significando três gerações de direitos: políticos, cívicos e civis; sociais, econômicos e culturais; e os direitos coletivos ao desenvolvimento, ao meio ambiente e à cidade”. Sob outro prisma, o do desequilíbrio entre os países, Guimarães (2013, p. 13) averba sobre a teorização seniana: “As contribuições fundamentais de Sen para a discussão de D&D podem ser relacionadas aos modelos contra-majoritários de desenvolvimento, resgatando a centralidade das discussões das forças Norte-Sul, tratadas igualmente em Dezalay e Garth (2005) e em Rodrik (1996)”..

(27) 25 problemática a ser equacionada, ao menos em nosso pensar, parece suportar inferência que aponte uma indissociável conexão simultaneamente instrumental e substancial que atrela o direito ao desenvolvimento. Nessa perspectiva, o direito não é mero instrumento9 que se molda exclusivamente para conferir fluidez, certeza e segurança às atividades e a empreendimentos próprios da esfera econômica. Antes e para além desse papel, a ordem jurídica insere de modo imperativo nos horizontes da ordem econômica uma constelação de valores (liberdades) que passam a coexistir e disputar espaços com os que lá já se encontravam. Em corolário, o processo de desenvolvimento não pode mais ser direcionado tão somente à acumulação de riquezas (crescimento econômico) nem pode ser aferido exclusivamente pelo critério do nível de renda. Ao contrário, deverá perseguir a. expansão das liberdades substanciais/instrumentais (políticas, facilidades. econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora). Assim, a sua avaliação há de ser feita de modo a captar os níveis de alargamento das liberdades, a própria eficácia do processo (GUIMARÃES, 2013). A nova e revolucionária abordagem do processo de desenvolvimento coloca em xeque e condena ao exílio a racionalidade que até então o presidia: a racionalidade economicista pautada no mandamento único e absoluto da eficiência (maximização dos ganhos e minimização dos custos), expressão máxima da lógica do individualismo egoísta e da lógica do sistema de produção capitalista, mandamento instituído pelo Deus que se materializa em cifras – o Deus dinheiro conforme denunciava Marx (2005). A desconstrução da racionalidade econômica e a sua substituição por uma racionalidade social (ou ambiental) é tarefa que atrai a atenção e compromete parte dos autores pesquisados, a exemplo de Furtado (2002); Leff (2004); Sachs (2009); e Sen (2010). Para Leff (2004), que compreende a sociedade como um subsistema de 9. Rodriguez (2011, p. 142; 143) que se insurge contra as concepções etnocêntrica do “rule of law” e instrumentalista do direito sustentadas pelo direito e desenvolvimento inspirado na teoria da modernização, assim se posiciona quanto à formulação de Sen: “A visão de desenvolvimento de Amartya Sen, que nasceu no campo da economia, rompe com os pressupostos neoclássicos vigentes e abre espaço para pensar o problema do direito em novos termos, mais próximos ao ponto de vista dos juristas, que vêem nessa obra a legitimação de seu ponto de vista sobre a realidade. […]. Ao conceber o desenvolvimento como liberdade, ou seja, como a possibilidade de realizar os fins que uma sociedade colocou para si mesma, o autor amplia o conceito de desenvolvimento para além do economicismo dominante e o descentra da perspectiva ocidental. O desenvolvimento passa a ser avaliado a partir de fatores jurídicos, políticos, sociais e econômicos e não mais por um viés exclusivamente econômico”..

(28) 26 um ecossistema global e a crise ambiental como o efeito da racionalidade econômica, [...] a racionalidade ambiental coloca em jogo o valor da teoria, da ética, das significações culturais e dos movimentos sociais na invenção de uma nova racionalidade social, na qual prevalecem os valores da sustentabilidade, da diversidade e da diferença perante a homogeneização do mundo, ao ganho econômico, ao interesse prático e à submissão dos meios aos fins traçados de antemão pela visão utilitarista do mundo. O saber ambiental orienta uma nova racionalidade para os fins da sustentabilidade, da equidade, da democracia.. Sobre tal base é que uma vertente teórica ingressa no debate projetando o discurso que pretende orientar a práxis, ao mesmo tempo justificando e legitimando o processo desenvolvimentista que não mais esconde seus compromissos10 axiológicos, políticos, jurídicos, sociais, culturais, ambientais e econômicos que a nova racionalidade propõe-se a ponderar e harmonizar em sociedades marcadas pela heterogeneidade, diversidade e pelo pluralismo emergentes na pósmodernidade que, num processo caótico, muito desvela e ao mesmo tempo dissipa ou oculta. A consideração que Sen (2010) empresta à heterogeneidade, à diversidade e ao pluralismo, precipuamente quanto às suas repercussões sociais, econômicas e políticas, parece restar evidenciada em sua incursão na seara das concepções de justiça. Com efeito, após criticar a insuficiência e o descompromisso com a realidade socioeconômica das teorias que sustentam a primazia das liberdades formais e de alguns direitos individuais, o autor assenta que sua proposição teórica de desenvolvimento como processo expansionista e universalizador vai bem mais além de uma tese formal, genérica e abstrata ou de uma simples quimera. Se, como já foi visto, desenvolvimento é transformação, urge que previamente se conheça o que deverá ser transformado. Por isso, afirma o autor ser imprescindível que se leve em conta os relevantes indicadores da heterogeneidade social, tais como as variações de natureza pessoal (características físicas, 10. Tendo em conta a maior complexidade que a noção de desenvolvimento vem assumindo, adverte Rodriguez (2011, p. 145): “Objetivos econômicos de justiça social e interesses políticos entram em conflito constantemente, o que exige do analista grande capacidade analítica ao refletir sobre os problemas do desenvolvimento”..

(29) 27 desvantagens, incapacidades), ambiental, social, cultural e econômica (nível de consumo, distribuição de renda da família, etc.). A aproximação com a realidade completa-se e verticaliza-se por meio de comparações interpessoais que permitem aferir as capacidades de cada indivíduo em confronto com outros representantes do universo social. Assim, a capacidade pode ser entendida como a medida da liberdade disponibilizada em concreto a um indivíduo singular, ao menos em nosso pensar. Esquadrinhada a realidade em sua completude e complexidade, Sen (2010) indica o próximo passo: a decisão política a respeito das políticas públicas de desenvolvimento, indutoras da expansão das capacidades (liberdades) humanas. Atentando ao componente democrático do modelo e ao pluralismo de expectativas, valores e interesses que se manifestam na esfera pública, o autor enfatiza ser imperioso assegurar a participação social na formulação das políticas e a busca de consenso na eleição das prioridades. Frise-se que o autor acentua ser necessário fomentar a participação em todas as fases do processo, sendo o seu objetivo maior criar as condições para que os cidadãos sejam agentes das mudanças à proporção que suas capacidades são ampliadas. Por outro lado, a verificação da expansão das capacidades será parâmetro para atualização e, quando preciso, correção de rota das políticas. A multiplicação e universalização das oportunidades sociais decorrem, no pensar de Sen (2010), de uma equilibrada ponderação das contribuições do atuar estatal e da dinâmica do mecanismo de mercado, assentada nas seguintes premissas: . é preciso reconhecer as virtudes e imperfeições da economia de mercado;. . o funcionamento adequado dos mercados pode demandar a participação governamental e de outras instituições políticas e sociais;. . a prudência financeira, o controle da inflação e o equilíbrio das contas públicas são metas necessariamente fixadas no médio e longo prazo, sob pena de acarretarem elevados custos sociais quando perseguidas no curto prazo;. . a redução dos gastos públicos não pode mirar os incentivos sociais,.

(30) 28 tendo em conta a imprescindibilidade da performance estatal como indutora do desenvolvimento direcionado à expansão das liberdades (capacidades). A viabilidade da proposta de Sen (2010) pressupõe a afirmação e o reconhecimento universais dos direitos humanos em estreita conexão com o fenômeno da globalização. Inicialmente, trata o autor de ressaltar que, apesar da influência crescente da retórica dos direitos humanos, fruição e violação dos direitos do homem caminham juntas na contemporaneidade. Ademais, a afirmação universalista dos direitos humanos enfrenta ferrenha contraposição que Sen (2010) articula em três grupos: (a) a crítica da legitimidade, que une Marx e Bentham, sustenta que os direitos humanos são exclusivamente os direitos positivados; (b) a crítica da coerência, propugnando que só há direitos humanos correspondentes a deveres; (c) a crítica cultural, que indaga sobre a existência de direitos humanos universais. À primeira crítica, rebate Sen (2010), sugerindo que se deve conceber os direitos humanos como um conjunto de pretensões éticas, as quais não devem ser identificadas com direitos positivados. No que se refere à critica da coerência, o autor assevera que não há efetivamente correspondência entre direito e dever, pois os direitos humanos seriam pretensões gerais que não obrigam direta e especificamente um sujeito passivo. Sen (2010) dedica redobrada atenção à critica cultural. Minar as bases da contraposição da diversidade cultural é condição sine qua non para a viabilidade do modelo de desenvolvimento preconizado pelo autor. Tal intento é o que justifica a opção seniana pela versão fraca dos direitos humanos como pretensões éticas que se legitimam pela força própria dos valores que lhes são imanentes e não em decorrência do reconhecimento estatal via legislação, conforme se interpreta. Estribado em tal premissa, Sen (2010) dedica-se a assinalar na história, na religião, na política e na cultura das sociedades asiáticas a manifestação e o reconhecimento de valores como tolerância, igualdade e liberdade (ainda que não em todos os aspectos e nem para todos os indivíduos) para, com isso, afirmar os pontos de aproximação, sem embargo da diversidade, entre Oriente e Ocidente. Estabelecido o elo axiológico, o autor reforça sua tese invocando a.

(31) 29 disseminação do intercâmbio cultural e da interdependência entre os povos enquanto frutos da globalização. Em arremate, a original compreensão de Sen (2010) do desenvolvimento como liberdade parece endossar asserção no sentido de que no intercâmbio que envolvem direito e desenvolvimento o primeiro não é mero servo ou caixa de ferramentas do segundo; não há na relação subordinação, mas sim colaboração mútua: o direito contribui na orientação do processo de desenvolvimento, ao lhe ofertar os fins que serão perseguidos; o desenvolvimento, ao cumprir as fase da dinâmica transformadora, pretende contribuir para a materialização da ordem jurídica na realidade social ou, em outras palavras, permitir que se opere a tão desejada harmonia entre ser e dever ser.. 2.6. A CONSTRUÇÃO E O RECONHECIMENTO DO DESENVOLVIMENTO NO CONTEXTO INTERNACIONAL. DIREITO. AO. A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas por intermédio da Resolução nº 41/128, de 04 de dezembro de 198611. Essa Declaração reconhece que dados eventos presentes na história dos povos e das nações – colonialismo, racismo e discriminação racial, dominação e ocupação estrangeira, conflitos bélicos, agressões e ameaças à soberania, à unidade nacional e à integridade territorial – implicam violações de direitos humanos dos povos e indivíduos e, igualmente, constituem-se obstáculos que retardam ou impedem o desenvolvimento. Na seara planetária, incumbe à comunidade internacional dos Estados a implementação, promoção e proteção do direito humano ao desenvolvimento, por meio da cooperação e da garantia das condições essenciais da paz e da segurança. 11. Sobre o tema, sumaria com precisão Monteiro (2003, p. 775): O direito ao desenvolvimento estava implícito na Declaração universal dos direitos do homem, como é amplamente reconhecido, mas a expressão só aparece, pela primeira vez, no quadro das Nações Unidas, na Resolução 4 (XXXIII) de 21 de fevereiro de 1977 da Comissão dos Direitos do Homem. A 4 de dezembro de 1986, a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou uma Declaração sobre o direito ao desenvolvimento. O seu Artigo 2.1 proclama: “O ser humano é o sujeito central do desenvolvimento e deve ser, pois, participante activo e beneficiário do direito ao desenvolvimento”. A Conferência mundial sobre os direitos do homem (Viena, 1993), no seu documento final reafirmou o direito ao desenvolvimento como “direito universal e inalienável” (ponto 10), reconhecendo: “A democracia, o desenvolvimento e o respeito dos direitos do homem e das liberdades fundamentais são interdependentes e reforçam-se mutuamente” (ponto 8)..

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