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3 A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, O DIREITO À

3.2 AS GERAÇÕES/DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A exposição das perspectivas que se acaba de levar a efeito já permite antever a historicidade que enreda a compreensão dos direitos fundamentais. Assim, a literatura que enfrenta o assunto costuma dedicar atenção ao tracejo de um percurso histórico durante o qual a teorização dos direitos humanos em aparente paradoxo se afirma em incessante atividade de construção/desconstrução/ reconstrução, se (re)afirma em processo de mutação que lhe resguarda a essência.

Por isso, assenta-se que a evolução histórica dos direitos fundamentais é marcada pela ideias de acumulação, variedade e abertura mas que, ainda assim, é possível enxergar um momento comum, um signo do começo ou recomeço precisamente na “proteção da 'dignidade da pessoa' contra os perigos que resultam das estruturas de 'poder' na sociedade” (VIEIRA DE ANDRADE, 2004, p. 68; 69).

Costumeiramente, mas não sem objeções, busca-se fixar cronologicamente gerações ou dimensões de direitos fundamentais que se acumulam, sem superação ou exclusão, que se complementam e dão ensejo a um novo elenco e uma nova conformação dos direitos humanos e liberdades fundamentais.

Sem se deter às controvérsias, é forte uma tendência no sentido de associar as gerações/dimensões às ideias-força que compõem a trilogia revolucionária do liberalismo francês do século XVIII.

Nesse sentido, “liberdade, igualdade e fraternidade são os princípios cardeais que expressam todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais antecipando inclusive a sequencia histórica de sua gradativa institucionalização” (BONAVIDES, 2012, p. 580-1).

A concepção, no ano de 1979, da fórmula geracional é, de regra, atribuída a Karel Vasak e é defendida como adequada à apreensão das nuances de um processo de mudanças quantitativas e qualitativas que se inicia como uma proposição de universalidade abstrata e metafísica e chega à contemporaneidade propugnando um universalismo material e concreto dos direitos do homem e da humanidade enquanto condições inarredáveis para o convívio pacífico e a própria sobrevivência da espécie (BONAVIDES, 2012).

Em grande medida, o desenvolvimento e a influência da teoria geracional ou multidimensional dos direitos fundamentais, no Brasil, são tributários dos esforços intelectuais e da produção doutrinária de Paulo Bonavides. De acordo com o constitucionalista, é possível distinguir cinco gerações de direitos que se constituíram agregadas aos ideais de liberdade (a primeira), igualdade (a segunda) e fraternidade (as três últimas).

A primeira geração compreende os direitos civis e políticos titularizados pelo indivíduo e oponíveis ao Leviatã. Os direitos de liberdade são vistos como atributos ou faculdades da pessoa e constituem uma esfera (individual/privada) que ao Estado

descabe de qualquer modo ameaçar ou violar, daí se falar em direitos de defesa, resistência, oposição ou escudo contra ou perante o Estado.

Averbe-se que a valorização do homem singular é o produto final das doutrinas contratualistas, segundo as quais sociedade e Estado são criaturas da vontade livre dos indivíduos que salvaguardaram suas esferas de autonomia, quando instituíram o contrato social.

No contexto da primeira geração dos direitos humanos encontram-se bem definidas a esfera da autonomia individual (liberdade), a esfera social (propriedade privada) e a esfera pública (segurança), razão pela qual se exige do Estado que se abstenha de interferir quer na vida pessoal, quer no ambiente socioeconômico.

A segunda geração de direitos congrega direitos em torno da pretensão principiológica da isonomia. Cuidam-se dos direitos econômicos, sociais e culturais na terminologia empregada no âmbito do sistema das Nações Unidas, tradicional e fortemente assinalados na doutrina brasileira pela expressão direitos sociais, destacando-se, nessa categoria, os de natureza prestacional, que se diferenciam das liberdades

[...] porque representam exigências de comportamentos estaduais positivos – embora a contraposição indivíduo-Estado não desapareça, esbate-se na medida em que os direitos não são, em si, direitos “contra” o Estado (contra a lógica estadual), mas sim direitos “através” do Estado. (VIEIRA DE ANDRADE, 2004, p. 59).

A segunda geração demanda ao Estado o desempenho de papel positivo na libertação material do homem, impondo-se modificações de forma e de fundo na estrutura estatal, metamorfose a que se costuma aludir com a expressão modelo de Estado social29.

Representativa da justificação/contextualização histórica da afirmação dos direitos sociais enquanto direitos humanos é a proposta elaborada por Gotti (2012, p. 46; 47):

Os direitos sociais foram incorporados à gramática dos direitos após crescentes reivindicações da classe trabalhadora que, em um

29 Anota Bonavides (2012, p. 582), que os direitos fundamentais da segunda geração foram

“introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado Social depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX”.

cenário de miséria, condições desumanas de trabalho e total exclusão da vida social e política buscava o amparo estatal para as necessidades relacionadas às condições de trabalho, a educação, a saúde e a moradia, que tinham como fundamento central a proteção da dignidade humana.

Impende ainda registrar que a segunda dimensão dos direitos fundamentais incorpora novas questões à pauta temática, particularmente:

a) mesmo tendo uma dimensão subjetiva, os direitos fundamentais apresentam outra de caráter objetivo30, de modo que o homem e seus

direitos são agora situados no contexto social: é na sociedade que o indivíduo realiza e expressa a sua dignidade humana e exercita os direitos que titulariza, indissociáveis da condição humana, tem reconhecida uma função social;

b) o Estado, além do imperativo do respeito (de cunho negativo), tem o dever de atuar positivamente visando a assegurar o desfrute dos direitos fundamentais;

c) a igualdade genérica e abstrata do contratualismo, que impunha ao Estado comportamento absenteísta, é substituída pelo dever estatal de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais (igualdade substancial);

d) os direitos fundamentais não sofrem riscos exclusivamente em razão do arbítrio estatal. Com efeito, devem ser eles postos a salvo dos abusos do poder econômico tão danoso quanto os provenientes dos desmandos do Leviatã (eficácia irradiante e horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas).

As três mais recentes gerações de direitos fundamentais, consoante a formulação de Bonavides (2012) emergem no fim do século XX, sendo que a quarta e a quinta são, em verdade, desdobramentos da terceira geração de direitos humanos. Além disso articulam-se todas sob a bandeira da fraternidade, assim como os direitos que as representam e lhes conferem forma e conteúdo próprios são titularizados pelo gênero humano, independentemente de qualquer outro

30 Assevera Bonavides (2012) que a objetivação dos direitos fundamentais passa pelo

reconhecimento de que são eles dotados de carga axiológica cuja concretização é viabilizada por

pressuposto fático ou jurídico, daí porque Bonavides (2012, p. 588) acentua que se tratam de direitos “dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade”, ao passo que Bedin31 (2003) propõe qualificá-los como “direitos sobre o Estado”.

A terceira geração de direitos humanos compreende os direitos ao desenvolvimento, ao patrimônio comum da humanidade32 e ao meio ambiente. Tal

dimensão afirma-se buscando equacionar as consequências deletérias da divisão do mundo em grupos de países desenvolvidos e subdesenvolvidos (ou em desenvolvimento), distinção também efetuada sob as denominações países cêntricos e periféricos.

Parte-se da premissa que a interdependência econômica entre os países é um processo que, embora não dissolva as peculiaridade históricas e estruturais de cada país nem imponha um modelo único rumo à modernização, aponta uma tendência para a emergência de uma sociedade planetária, cuja consolidação e estabilidade dependerá da superação da pobreza (afrontada pelo padrão de vida dos países hegemônicos) e das relações assimétricas que contrapõem economias cêntricas e periféricas no intercâmbio internacional (GUERREIRO RAMOS, 2014)33.

Aliada a isso, a compreensão de que o crescimento econômico não pode desconsiderar seus efeitos nocivos sobre o meio ambiente foi cada vez mais

31 Bedin (2003) distingue quatro gerações de direitos humanos tendo em conta como se articulam

os direitos nas relações Estado/sociedade (ou esfera pública/esfera privada) a saber: 1ª geração: Direitos civis. Direitos negativos face ao Estado. Impõem abstenção estatal; 2ª geração: Direitos políticos ou liberdades políticas. Direitos de participar da esfera pública (sufrágio universal, constituição de agremiações partidárias, plebiscito, referendo e iniciativa popular); 3ª geração: Direitos sociais e econômicos (prestacionais). Direitos por meio do Estado; 4ª geração: direitos de solidariedade destinados ao gênero humano. Direitos sobre o Estado (autodeterminação dos povos, paz, patrimônio comum da humanidade, meio ambiente sadio e direito ao desenvolvimento).

32 Pode-se conceber uma noção geral do patrimônio ou herança comum da humanidade como um

vasto e diversificado acervo de bens materiais e imateriais, naturais e culturais, de significativa relevância e valor para o gênero humano que, qualificados formalmente como tais a partir da edição de atos normativos internacionais de caráter universal, sujeitam-se a regimes ou estatutos jurídicos especiais de proteção, utilização e exploração disciplinados pelo Direito Internacional Público, que prescreve limitações ao campo de ação dos Estados-Partes, das empresas, dos indivíduos, dentre outros, em prol dos interesses gerais da humanidade incluindo as futuras gerações. (DIAS NETO; REBOUÇAS, 2012).

33 Frise-se que as ponderações de Guerreiro Ramos, recentemente publicadas no Brasil, foram

produzidas e divulgadas nos EUA entre 1967 e 1970. Desde então, a consciência de que estamos todos “no mesmo barco” consolidou-se universalmente. A fase atual do que se denomina “globalização” confirma de modo cabal a antevisão do autor quanto a instabilidade de um supersistema mundial caso não fossem superadas as desigualdades que apartam países e regiões do globo, bastando aqui lembrar o quanto os “refugiados econômicos” e os “refugiados de guerra” vem inquietando as sociedades e os círculos políticos da Europa e dos Estados Unidos da América.

ganhando força na opinião pública mundial, com tal intensidade que hodiernamente o processo de desenvolvimento só se legitima com a saliência de suas dimensões de comprometimento social e sustentabilidade ambiental, não se podendo aqui negar a contribuição decorrente da afirmação da terceira geração dos direitos humanos.

A quarta geração pretende instituir os fundamentos da globalização política, as bases para a concretização da sociedade aberta do futuro que já se descortina (BONAVIDES, 2012). A nova dimensão afirma os direitos à democracia (direta), à informação e ao pluralismo conjugando-se a fraternidade à participação nos âmbitos políticos de cada povo, país, região e do sistema das Nações Unidas.

A quinta geração dos direitos do homem e da humanidade, tendo ainda a fraternidade/solidariedade por inspiração, propõe conferir juridicidade à paz. Assim, “a concepção da paz no âmbito da normatividade jurídica configura um dos mais notáveis progressos já alcançados pela teoria dos direitos fundamentais” (BONAVIDES, 2012, p. 598).

Sustenta o autor que o direito à paz encontra-se suficientemente conformado a partir de diretrizes traçadas em diversos documentos expedidos no plano do sistema das Nações Unidas, na doutrina e na jurisprudência, assim como no direito constitucional positivo brasileiro, justificando-se o deslocamento da terceira para uma quinta dimensão em face da necessidade, em tempos de aceleração da globalização, de incrementar a visibilidade do direito. Ademais, “a dignidade jurídica da paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da convivência humana, elemento de conservação da espécie, reino de segurança dos direitos” (BONAVIDES, 2012, p. 602).

Do que se acaba de expor, é possível assentar conclusivamente que a explicação geracional, ainda que não imune a críticas e enredada em controvérsias, não só viabiliza o aprofundamento da compreensão dos direitos fundamentais mas também, principalmente, contribui na percepção do caráter dinâmico desses direitos que vem viabilizando uma perene atualização/adequação/modificação da teoria dos direitos fundamentais às contingências e demandas da proteção da dignidade humana nas distintas fases da história do convívio social global.

tal contexto captar-se com pormenores o direito humano fundamental social à educação.

3.3 ALGUNS PRINCÍPIOS QUE CONTRIBUEM PARA A COMPREENSÃO DOS