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2 O IDEAL DO PROGRESSO, A AFIRMAÇÃO DO DIREITO AO

2.7 A AGENDA 2030 PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A agenda universal para o desenvolvimento foi estabelecida pela Declaração da Organização das Nações Unidas, em 27 de setembro de 2015, no curso das comemorações alusivas aos 70 anos da entidade. A agenda internacional compreende um catálogo de 17 (dezessete) objetivos de desenvolvimento sustentável, a partir dos quais são instituídas 169 (cento e sessenta e nove) metas que devem ser perseguidas e adimplidas até 2030.

Ciente de buscar a sustentabilidade da espécie humana e do planeta, o integral adimplemento dos objetivos e das metas pretende tornar efetiva e concreta a fruição universalizada e sem discriminação dos direitos humanos em toda a esfera planetária. Nos termos da Declaração Internacional, o desenvolvimento sustentável é processo que se constitui a partir de três dimensões fundamentais: a ambiental, a social e a econômica. Assim, o crescimento que dele resulta deverá concomitantemente ser ambientalmente sustentável, socialmente inclusivo e economicamente equilibrado.

13 Faz-se mister destacar do extenso rol a noção do desenvolvimento sustentável, neste momento

apenas para assinalar que a ideia-chave de sustentabilidade poderá futuramente elevar-se à condição de indissociável à compreensão do desenvolvimento, por ter se afastado da original ênfase ambientalista.

A agenda mundial para o desenvolvimento sustentável invoca o respaldo dos documentos constitutivos do sistema das Nações Unidas, inclusive da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986, assim como convoca a experiência e o legado dos objetivos de desenvolvimento do milênio, de 2000, reafirmando compromissos com a paz mundial, segurança, justiça, inclusão social, interculturalismo, respeito e tolerância à diversidade humana.

A implementação do programa desenvolvimentista no plano internacional será levada a cabo pela parceria global revitalizada, fundada na cooperação e solidariedade, particularmente com o emprego dos meios e recursos do sistema das Nações Unidas para a promoção do desenvolvimento prioritariamente em favor dos países menos desenvolvidos.

No âmbito de cada país, caberá ao poder público articular e coordenar a participação e a colaboração do setor privado, da sociedade civil e de outros atores no alinhamento do planejamento e das políticas públicas às estratégias e metas de desenvolvimento sustentável consubstanciadas na Agenda 2030, salvaguardadas sempre a autonomia política, as peculiaridades e as prioridades nacionais.

Sobre o acompanhamento e a revisão dos objetivos e das metas encartados na agenda mundial para o desenvolvimento sustentável nos próximos 15 (quinze) anos, a Declaração estabelece princípios, prevê o emprego de indicadores globais, regionais e nacionais, devendo ser instituído o quadro de indicadores global pela ONU, o encaminhamento de relatórios anuais pelos países membros, assim como reuniões quadrienais a partir de 2019, do fórum político de alto nível.

Apresenta-se, a seguir, o rol de objetivos de desenvolvimento sustentável, asseverando de antemão que todos, sem exceção, afiguram-se como compatíveis e sintonizados com os parâmetros desenvolvimentistas dispostos na Constituição de 1988, a saber:

1) acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares; 2) acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição

e promover a agricultura sustentável;

3) assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades;

oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos;

5) alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas; 6) assegurar disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para

todos;

7) assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos;

8) promover o crescimento econômico equilibrado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos;

9) construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação;

10) reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles;

11) tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis;

12) assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis;

13) tomar medidas urgentes para enfrentar a mudança climática e seus impactos;

14) conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável;

15) proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação do solo e deter a perda de biodiversidade;

16) promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis;

17) fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento.

Percebe-se, sem muito esforço, que, em geral, cada um dos objetivos está conectado com as dimensões do desenvolvimento sustentável, ainda que em um ou outro esta ou aquela dimensão assuma certa proeminência ou destaque em contraste com as demais que com elas se imbricam.

programa de desenvolvimento sustentável inicialmente com os direitos que consubstanciam o núcleo duro do primado da dignidade da pessoa humana (o mínimo existencial), e, em desdobramentos consequenciais, logo em seguida, com todo o catálogo de direito humanos, continente que abriga inclusive o direito ao desenvolvimento, circunstância que não pode ser olvidada.

Assim, a assertiva parece reforçar o posicionamento daqueles que sustentam ser instrumental/teleológico o liame que se verifica entre o processo de desenvolvimento e os direitos humanos e liberdades fundamentais contemporaneamente afirmados e sustentados no âmbito do sistema das Nações Unidas.

2.8 A PRETENSÃO DESENVOLVIMENTISTA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO

O compromisso desenvolvimentista do Estado não é inovação advinda do texto constitucional vigente. Ao contrário, tem suas raízes solidamente fincadas na história nacional e foi textualmente estampado no lema expresso na bandeira do Brasil14. O ideal do progresso, muito em voga naquela época, veio a ser sucedido15

pela noção de desenvolvimento no pensamento e na literatura do Ocidente.

Sem solução de continuidade, ainda que com direcionamentos e ênfases setoriais distintos, a perspectiva do desenvolvimento sempre esteve presente na pauta programática dos mais altos interesses estatais no Brasil, cabendo lembrar, exemplificativamente, os esforços para a industrialização do país e o pensamento

14 Sobre o tema assinala Heidemann (2014, p. 24): “No século 19, o conceito de progresso atingiu

seu auge, tornando-se bandeira do romantismo e assumindo caráter de necessidade. Em um contexto de busca e luta por democracia, a realização material propiciada pelo progresso econômico seria uma condição necessária para que as pessoas comuns pudessem superar seu destino de danação social. Quem não fosse nobre ou clérigo poderia, enfim, sonhar com a redenção social. O mito do progresso dominou todas as manifestações da cultura ocidental durante aquele século. Não foi, portanto, por mero acaso que o lema do progresso acabou sendo estampado então na bandeira do Brasil (Ordem e “Progresso”)”.

15 A crise da ideia de progresso é concomitante às dúvidas e críticas direcionadas ao ideário liberal

e ao seu modelo de Estado absenteísta (Estado de Direito Liberal). Sob tal perspectiva o conceito de desenvolvimento e a assunção de novos papeis pelo Estado são historicamente contemporâneos. Nas primeiras décadas do século XX, afirma-se o protagonismo estatal no processo de desenvolvimento (Estado intervencionista nos domínios econômico e social). O incremento das atividades estatais se expressa particularmente via regulação, prestação de serviços públicos, exploração de empreendimentos econômicos e formulação de políticas governamentais. Nesse sentido, Heidemann (2014).

nacional desenvolvimentista. Ademais, lembre-se ainda, aqui, da mobilização de expressiva parcela da opinião pública brasileira pela campanha “o petróleo é nosso”16 que resultou na criação da Petrobras por intermédio da Lei nº 2.004, de 03

de outubro de 1953.

É certo que as referências ora mencionadas prendem-se a uma fase histórica já ultrapassada na qual o desenvolvimento era compreendido como sinônimo de industrialização, de crescimento econômico, o que já não mais se dá na atualidade. De igual modo, o intervencionismo estatal na esfera econômica por meio da exploração direta de atividades próprias do mercado e do fomento econômico excessivo e exauriente dos recursos públicos já não mais se sustentam em face do incremento de demandas coletivas na ordem social e que a estrutura estatal vem sendo incapaz de eficazmente atender.

Ademais tende a se reforçar a compreensão no sentido de que as expectativas, os interesses e reclamos de uma sociedade complexa e plural exigem, de um lado, a redefinição dos papéis do Estado e do mercado, ambos socialmente responsáveis; e, de outro, a compreensão de que Estado e a sociedade civil devem assumir os encargos afetos à concretização dos direitos fundamentais sociais (coprodução do bem público).

Dessarte, para a pacificação social, o desenvolvimento impõe-se como um dos fins primordiais e justificadores do Estado brasileiro, consoante impresso no mais importante dos seus símbolos17, e, no Estado Democrático de Direito, a

plataforma desenvolvimentista é correlacionada aos fins do Welfare State, agregados no modelo desenhado pelo texto constitucional de 1988.

É preciso deixar aqui assentado que a dogmática constitucional não costuma

16 “A campanha do petróleo movimentou o Brasil a partir de 1947, com o fim da II Guerra Mundial e

a derrubada da ditadura do Estado Novo. A ela se opunham setores liberais, chamados de "entreguistas" pelos grupos nacionalistas. À frente da campanha, o escritor Monteiro Lobato e os generais Leônidas Cardoso (pai do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) e Júlio Caetano Horta Barbosa, entre outras figuras ilustres da época. [...] Na época, o país vivia um boom de desenvolvimento econômico e a indústria do petróleo precisava acompanhar esse boom. Em 1950, o consumo do combustível praticamente triplicara, passando de 34 mil barris para 100 mil. No ano seguinte, o presidente Getúlio Vargas lança um projeto de lei para a criação da Petrobras. Depois de quase dois anos de batalhas no Congresso, a lei é aprovada no Senado e sancionada pelo presidente em outubro de 1953.” Disponível em: <http://acervo.oglobo.globo.com/fatos- historicos/campanha-petroleo-nosso-mobilizou-brasil-no-final-da-decada-de-40-

1040179#ixzz3fsD4urO>

17 São símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais.

acentuar o compromisso desenvolvimentista do Estado Democrático de Direito, consoante se percebe, exemplificativamente, na clássica obra de José Afonso da Silva (2008). Nesse diapasão, averbam Vieira e Dimoulis18 (2011, p. 45) que

[…] os constitucionalistas consideram a questão do desenvolvimento como um tema de pouca relevância, isto é, como tópico específico do direito econômico e não como elemento relevante no estudo do direito constitucional.

Contudo, uma hermenêutica constitucional sistemática desvenda o projeto desenvolvimentista. Com efeito, identifica-se no conteúdo versado no art. 3º da Constituição Federal o ponto de partida mais geral que permite a indicação das tarefas fundantes atreladas à República, sintetizadas na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na garantia do desenvolvimento nacional, no estabelecimento de um padrão mínimo de vida digna, na redução das desigualdades sociais e regionais e na promoção do bem de todos sem discriminação19.

O programa a ser concretizado pela atividade estatal mantém estreita coerência com a soberania popular instituidora da comunidade política, com a cidadania, a dignidade humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, todos qualificados com o status de fundamentos da comunidade estatal. Assente-se, desde logo, que premissas de tamanha magnitude não podem ser escamoteadas por quem pretenda empreender uma interpretação sustentável do texto constitucional.

Não é despiciendo lembrar que tais cláusulas foram firmadas pela representação democrática e plural da sociedade como frutos do consenso estabelecido no processo constituinte que trouxe a lume um projeto a ser perseguido, um dever-ser prospectivo que pretende progressivamente vir-a-ser.

18 Segundo os autores, as múltiplas relações entre Constituição e desenvolvimento são, em geral,

ignoradas. Por um lado, como já assinalado, os estudos constitucionais são excludentes no tocante ao desenvolvimento; por outro, “[...] economistas, cientistas e teóricos do Direito que escrevem sobre a relação entre direito e desenvolvimento costumam analisar o sistema jurídico como um todo, com ênfase na atuação decisória concreta do Executivo e do Judiciário, não dedicando análises específicas às Constituições.” (VIEIRA; DIMOULIS, p 45).

19 MOREIRA NETO (1994, p. 401): “O Estado contemporâneo não se esgota como garantidor da

convivência harmoniosa, como prestador de serviços públicos e como preservador de valores econômicos e culturais. Cabe-lhe ainda, […] estimular a sociedade a desenvolver-se, isto é, auxiliar a cada indivíduo e às suas multiformes expressões gregárias a utilizar o máximo de sua potencialidade em todos os campos da vida humana, propiciando-lhes todas as possíveis condições e instrumentos para o progresso.”

Ademais, a apreensão sistemática das disposições constitucionais20 permite

inferir que os objetivos fundamentais republicanos devem ser entendidos como metas que orientam as atividades estatais, do mercado e do terceiro setor em uma interação politicamente coordenada e fomentada pelo poder público, conforme se buscará demonstrar mais adiante.

Os que relacionam o modelo do Estado Democrático de Direito com a pós- modernidade21 justificam um enfático realce dos compromissos diretamente

vinculados à efetivação dos direitos sociais do protótipo em países periféricos, de modernidade tardia ou emergentes, como o Brasil, em virtude do imprescindível resgate das promessas da modernidade.

Por enquanto, basta averbar que as mudanças sociais e regionais pretendidas e teleologicamente direcionadas à promoção universalizante do bem comum rumo a uma sociedade livre, justa, solidária e promotora da dignidade da pessoa humana pressupõem e se inter-relacionam com o processo dinâmico do desenvolvimento22

nas suas múltiplas acepções, como imediatamente pretende-se explicitar.

Acentue-se, aqui, ainda que de passagem, que a importância e o relevo da temática restam sobremodo evidenciados quando se leva em conta que, no plano internacional, o direito da humanidade ao desenvolvimento foi proclamado por

20 Empreendendo uma análise sistemática do texto constitucional, propõe Grau (2010, p. 174): “Que

a nossa Constituição de 1988 é uma constituição dirigente, isso é inquestionável. O conjunto de diretrizes, programas e fins que enuncia, a serem pelo Estado e pela sociedade realizados, a ela confere o caráter de plano global normativo, do Estado e da sociedade.”

21 Streck e Bolzan (2014, p. 149): O atendimento a esses fins sociais e econômicos é condição de

possibilidade da própria inserção do Estado Nacional na seara da pós-modernidade globalizante. Portanto, há que se ter presente que os objetivos constantes no art. 3º não são conceitos desvinculados da contemporaneidade que cerca a noção de Estado Nacional; na verdade, o art. 3º da Constituição do Brasil conecta-se com a própria noção de Estado Democrático de Direito constante do art. 1º.

22 A pretensão constitucional não pode ser alcançada se se confundir “desenvolvimento” com

“crescimento econômico”, equívoco em que muitos incorrem, intencionalmente ou não. É certo, todavia, que se aproximam, sendo possível assentar que a expressão “crescimento econômico” constitui uma importante dimensão do que se compreende por “desenvolvimento” em sentido lato. Grau (2010, p. 217-8) constrói a seguinte diferenciação: “[...] a ideia de desenvolvimento supõe dinâmicas mutações e importa em que se esteja a realizar, na sociedade por ela abrangida, um processo de mobilidade social contínuo e intermitente. O processo de desenvolvimento deve levar a um salto, de uma estrutura social para outra, acompanhado da elevação do nível econômico e do nível cultural-intelectual comunitário. Daí porque, importando a consumação de mudanças de ordem não apenas quantitativa, mas também qualitativa, não pode o desenvolvimento ser confundido com a ideia de crescimento. Este, meramente quantitativo, compreende uma parcela da noção de desenvolvimento”. Assim, a confusão ou sinonímia se dá, em verdade, entre “crescimento econômico” e “desenvolvimento” em seu sentido mais estrito, atualmente superado pelas concepções pluridimensionais do desenvolvimento (sentido lato).

declaração aprovada no dia 04 de dezembro de 1986 pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

Uma perspectiva que permite compreender as conexões possíveis entre (direito ao) desenvolvimento e direitos fundamentais é a sustentada por Sen (2010) em obra de referência. Defende o autor que, na contemporaneidade, a superação da pobreza, das privações enfrentadas por significativa parcela da comunidade humana, das agressões ao meio ambiente e as demais violações de direitos constituem a questão central do processo de desenvolvimento em todo o planeta, inclusive nos chamados países desenvolvidos que devem equacionar as distorções do processo.

O modelo proposto por Sen (2010) associa em uma só plataforma os dois catálogos de direitos humanos que no passado demarcaram a divisão do mundo em dois blocos. Assim, os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais são agregados sob a categoria geral da liberdade em cinco espécies a saber: políticas; facilidades econômicas; oportunidades sociais; garantias de transparência; e segurança protetora.

A expansão de tais liberdades, que se entrelaçam e não se excluem na dinâmica social, é apontada como fim e meio do desenvolvimento, entendendo o autor que tal formulação é uma alternativa adequada à superação da tradicional abordagem que sempre enfatizou exclusivamente a renda (crescimento econômico, renda per capita, produto interno bruto, etc.) como parâmetro do desenvolvimento. A mudança de foco operada claramente abandona a concepção economicista do fenômeno desenvolvimentista sem, todavia, desconhecer ou reduzir o peso do componente estritamente econômico do processo. A teoria evidencia a necessidade de que a avaliação e o planejamento levem em consideração as múltiplas dimensões e implicações envolvidas no processo.

O desenvolvimento não é tarefa exclusiva do Estado ou do mercado. Para Sen (2010), ao lado de espaços próprios de atuação, o poder público, o sistema de mercado e a sociedade civil são partícipes indispensáveis do processo que busca maximizar as capacidades humanas individuais. Nesse sentido, sopesa a heterogeneidade presente no meio social, viabiliza o protagonismo individual do cidadão quer na condução da sua vida, quer na participação nos debates em torno

das decisões afetas às questões de interesse coletivo, o que só é possível com a garantia efetiva das liberdades instrumentais/substanciais.

A estruturada teorização do desenvolvimento como processo vocacionado à expansão dos direitos é inegavelmente compatível com o modelo constitucionalizado do Estado Democrático de Direito brasileiro23. Igualmente é útil ao desate das

questões relativas ao atingimento dos seus fins e à deliberação sobre as soluções mais apropriadas para alcançá-los via planejamento estatal e adoção de políticas públicas que deverão inexoravelmente assegurar a participação da sociedade civil e dos agentes econômicos em todas as fases dos procedimentos atinentes aos temas de interesse geral ou setorial.

Uma apreciação sistemática do desenvolvimento no texto constitucional vigente deve partir da sua inserção dentre os objetivos fundamentais republicanos. Estabelece-se assim uma íntima interação entre a promoção inclusiva do bem comum, a erradicação da pobreza e da marginalização, o propósito direcionado à redução das desigualdades sociais e regionais24, o desenvolvimento enquanto

processo simultaneamente instrumental/substancial e a construção da sociedade com os valores da liberdade, justiça e igualdade, inexistindo, o que se supõe, parâmetro consensualmente fundado ou racionalmente aceito para hierarquizá-los.

Tais são os fins de uma comunidade (soberana) que se universaliza no plano político pela cidadania e no moral pela afirmação da dignidade humana, mas que no plano estrito da vida social admite as tensões que envolvem o trabalho e a livre iniciativa.

Ao que parece, o emprego da noção de pluralismo25 é que permite justificar o

23 Segundo Guimarães (2013, p. 36) “o pensamento teórico de Sen (2000), portanto, pode ser

transportado, no contexto brasileiro, para o debate constitucional da promoção dos direitos sociais e das políticas públicas de inclusão, delineadas e asseguradas no Estado Social de Direito brasileiro […].”

24 Segundo Grau (2010, p. 220): ”O enunciado do princípio expressa, de uma banda, o

reconhecimento explícito de marcas que caracterizam a realidade nacional: pobreza, marginalização e desigualdade, sociais e regionais. Eis um quadro de subdesenvolvimento incontestado, que, todavia, se pretende reverter. Essa reversão nada tem, porém, em relação aos padrões do capitalismo, de subversiva. É revolucionária apenas enquanto voltada à modernização do próprio capitalismo […]”.

25 Segundo Paes e Santana (2014, p. 180-1): “A teoria constitucional do tempo presente deve levar

em conta dois fatores sociais: a complexidade da sociedade e o pluralismo. Há, portanto, sistemas diferenciados para situações específicas o que não viabiliza a regulamentação por uma via unitária (Streck, 2002, p110-1). Seria uma função não dirigente, mas coordenada para que diversos sistemas coabitassem de forma autônoma e maximizando uma racionalidade interna. A

estabelecimento do programa teleológico abertamente social desenvolvimentista como uma aposta viabilizadora de um respeitoso convívio com a heterogeneidade social sem, todavia, abrir mão de que no convívio social um padrão mínimo seja a todos assegurado (mínimo existencial, garantia do núcleo essencial dos direitos, renda básica ou similares).

Certamente, a pretensão desenvolvimentista descortina-se com a enumeração dos direitos à educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e a assistência aos necessitados (art. 6º).

Cumpre ainda levar em consideração que:

a) compete à União elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e do desenvolvimento econômico e social (21, IX); b) é de competência comum de todos os entes da federação proporcionar os

meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação (23, V, redação da EC 85/15);

c) para efeitos administrativos a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento