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4 DEFICIÊNCIA, EDUCAÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA,

4.3 O ACERVO HISTÓRICO DA NORMATIVIDADE E DAS POLÍTICAS

4.3.1 A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da

Perseguindo a inclusão dos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, nas classes comuns da rede regular de ensino, e a oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE) aos que dele necessitam para complementação ou suplementação do processo educacional, a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (2008) pretende romper em definitivo com a trajetória de exclusão e/ou segregação dos alunos, público-alvo da educação especial do/no sistema social geral de educação.

É certo que os dois alvos principais da nova política já se encontravam suficientemente delineados no texto constitucional de 1988, especialmente nas disposições consubstanciadas nos arts. 205; 206, I; e 208, III, respectivamente.

Entretanto, não se há de desconsiderar o quanto pesou a confluência e co- incidência da atuação de forças exógenas e endógenas no processo que busca suplantar os óbices que se interpõem entre as dimensões formal e material do direito humano/fundamental à educação das pessoas com deficiência e de outras minorias socialmente escanteadas.

No campo internacional, cabem referências aos documentos elencados no Tópico 4.2, aos movimentos globais da educação para todos e da educação inclusiva, da compreensão muito difundida da igualdade e da diversidade como duas facetas indissociáveis da dignidade e da própria natureza humana, impondo-se também uma menção honrosa à Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD), em face da repercussão planetária que rapidamente alcançou tão logo foi urdida e ultimada com significativa participação social.

No âmbito interno, muitas foram as mudanças ocorridas desde o advento da Constituição Cidadã em 1988. A inovação institucional do Ministério Público e do Judiciário para adequá-los ao Estado Democrático de Direito constitucionalmente

edificado; os novos atores e as forças sociais que disputam espaços na sociedade civil brasileira e que, na área da educação e no ambiente específico das demandas das pessoas com deficiência, rivalizam e contrapõem às tradicionais entidades que atuam na educação especial e na prestação de serviços assistenciais a esse segmento social minoritário; a ocupação de parte do aparelho burocrático estatal por forças políticas orientadas por concepções ideológicas distintas das que lhes antecederam no exercício do poder político central; e, por fim a ressonância das proposições afirmadas no plano internacional em matéria de direitos humanos podem ser arrolados como indicadores de um contexto mudancista que engendrou a nova política nacional de educação inclusiva.

A nova política começa a adquirir forma e conteúdo com a confecção de documento basilar elaborado por grupo de trabalho nomeado pela Portaria Ministerial nº 555, de 05 de junho de 2007, estruturado em seis partes, assim designadas: introdução, marcos históricos e normativos, diagnóstico da educação especial, objetivo da PNEE, alunos atendidos pela educação especial e diretrizes da PNEE na perspectiva da educação inclusiva.

Em sua introdução, o documento cuida de filiar a política pública que se pretende constituir e implementar ao movimento mundial por educação inclusiva, assinalando que o paradigma universalizador dos direitos humanos na matéria aspira conjugar igualdade e diferença de modo que se reflita no ambiente escolar a heterogeneidade própria do meio social.

A contextualização histórica ressalta que a educação especial, no Brasil, desenvolveu-se preponderantemente assentada na compreensão biomédica da deficiência que se propunha a tratar (reabilitar, habilitar) e prestar assistência às pessoas com deficiência, empregando os conceitos-chave de normalização e integração, por intermédio de instituições especializadas, escolas e classes especiais privadas e públicas excludentes e segregadoras.

É contra tal modelo que a PNEE irá investir ao sustentar sua decadência histórica e substituição, no plano das ideias, pelo modelo da inclusão social do segmento com deficiência, a quem se afirma e confere o catálogo de direitos humanos.

infralegais, constitucionais e convencionais, igualmente, sinalizam que o novel protótipo assume a primazia com relação ao modelo precedente. O documento expressamente invoca: a Lei 4.024/61; a Lei 5.692/71; a criação do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), em 1973; a Constituição de 1988; a Lei nº 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); a Declaração Mundial de Educação para Todos (ONU- 1990); a Declaração de Salamanca (Conferência de 1994); a Política Nacional de Educação Especial antecedente (1993/4); a Lei nº 9.394/96 – LDB; ao Decreto nº 3298/99 – Regulamenta a Lei nº 7.853/89; a Resolução nº 02/01 – CNE/CEB – Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica; a Lei nº 10.172/01 – Plano Nacional da Educação (PNE); A Convenção de Guatemala (ONU – 1999; Decreto nº 3956/01); a Resolução nº 1/02- CNE/CP – Diretrizes nacionais para formação de profissionais da educação básica; a Lei nº 10.433/02 – Lei da LIBRAS; o Programa Educação Inclusiva (MEC, 2003); o documento do Ministério Público Federal O acesso de alunos com deficiência às escolas e classes comuns da rede regular (MPF, 2004); o Decreto nº 5296/04 (regulamentou as Leis nºs 10.048/00 e 10.098/00); o Decreto nº 5626/05

(regulamenta a Lei nº 10436/02 – LIBRAS); a Convenção de Nova York (ONU, 2006) e o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE (MEC, 2007).

O documento aponta que a avaliação da educação especial brasileira vem se sofisticando e qualificando no curso do tempo, destacando a formatação e o emprego dos seguintes indicadores da educação especial:

1) acesso à educação básica; 2) matrícula na rede pública; 3) ingresso nas classes comuns;

4) oferta do atendimento educacional especializado; 5) acessibilidade nos prédios escolares;

6) municípios com matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais;

7) escola com acesso ao ensino regular;

8) formação docente para o atendimento às necessidades educacionais dos alunos.

especial, demonstrados com base nos dados coletados no lapso compreendido entre os anos de 1998 a 2006, sendo relevante aqui averbar: o incremento constante do número de matrículas de alunos público-alvo da educação especial; a expansão do quantitativo de escolas dos sistemas de ensino que atendem estudantes com necessidades educacionais especiais nas turmas comuns (escolas inclusivas); a redução dos percentuais de matrículas nas escolas e classes especiais, públicas e privadas; e a melhoria, ainda que insuficiente, das condições de acessibilidade no ambiente escolar e no seu entorno.

A PNEE objetiva viabilizar o acesso, a participação e a aprendizagem dos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas comuns dos sistemas de ensino, garantindo: transversalidade da educação especial em todos os níveis e modalidades de ensino, atendimento educacional especializado, continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino, formação de professores para o AEE e demais profissionais da educação para a inclusão escolar, participação da família e da comunidade, acessibilidade urbanística, arquitetônica nos mobiliários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e informação, e articulação intersetorial na implementação das políticas públicas.

A caracterização dos educandos público-alvo da educação especial, clientela heterogênea que se agrega em torno do conceito de necessidades educacionais especiais difundido amplamente a partir da Declaração de Salamanca (1994), é precedida de uma contextualização da nova perspectiva de educação especial que o documento matriz da PNEE pretende ver adotada.

Assim, pelo novo formato, a educação especial deixa de ser organizada como paralela em face da educação comum constituindo-se, desde então, um novo todo que põe fim à dicotomia educação comum/educação especial.

A nova concepção da educação como um sistema social geral apto a incorporar toda a clientela afigura-se como essencialmente includente. Todavia isso não implica apagar a diversidade do alunado, homogeneizá-lo como o fazia o sistema educacional de viés positivista que terminava por excluir expressiva parcela dos estudantes que se não enquadrava ao perfil e não desempenhava o papel de aluno submisso à hierarquia e à disciplina e, por isso, findava expelida do sistema

via reprovação, abandono ou expulsão compulsória, evidenciando a disfuncionalidade e a ineficiência sistêmica (AMBRÓSIO, 2000).

Ao contrário, a PNEE inclusiva postula a reestruturação das escolas do ensino regular, que devem incorporar a educação especial ao seu projeto político pedagógico, articulando educação especial e ensino comum, demanda conferir importância à heterogeneidade do corpo discente, exige reconhecer as potencialidades que emergem do processo de convivência com as diferenças, assim como considera a imprescindibilidade da identificação das condições particulares de cada um dos que compõem o contingente público-alvo da educação especial.

Por fim, antes de propor uma caracterização da clientela, salienta o documento a provisoriedade da classificação dos alunos em qualquer dos subgrupos do universo estudantil com necessidades educacionais especiais, precipuamente em razão da variedade própria da espécie humana, bem como das múltiplas possibilidades propiciadas pela dinâmica do processo educacional, cujos resultados podem ser tão distintos quanto diferentes, são cada um dos que no processo foram inseridos com o status de agentes e não mais de pacientes da dinâmica escolar.

Efetuadas tais ressalvas, cumpre consignar que, para o documento, pessoa com deficiência é aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade.

Alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Nesse grupo, estão inseridos alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil.

Os alunos com altas habilidades/superdotação caracterizam-se por demonstrar potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse.

Quanto às diretrizes da PNEE na perspectiva da educação inclusiva, cumpre aqui deixar averbado:

1) a educação especial é modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o Atendimento Educacional Especializado (AEE), disponibiliza os recursos e serviços e orienta sobre a sua utilização no processo educacional nas turmas comuns de ensino regular;

2) o AEE dirige-se à identificação, elaboração e organização dos recursos pedagógicos e de acessibilidade que permitam a superação das barreiras para a plena participação dos alunos, tendo em mira suas necessidades específicas. As atividades do AEE distinguem-se daquelas que se realizam na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. O AEE complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e no meio social;

3) a avaliação pedagógica deve considerar tanto o conhecimento prévio e o nível atual de desenvolvimento do educando quanto às possibilidades de aprendizagem futura, configurando uma ação pedagógica processual e formativa que considera o desempenho do estudante em relação ao seu progresso individual, priorizando na avaliação os aspectos qualitativos que indiquem as intervenções pedagógicas do docente;

4) devem os sistema de ensino disponibilizar as funções de instrutor, tradutor, tradutor/intérprete de Libras e guia-intérprete, bem como de monitor ou cuidador dos educandos com necessidade de apoio nas atividades de higiene, alimentação, locomoção, entre outras que exijam auxílio constante no ambiente escolar;

5) Para atuar na educação especial, o professor tem como base da sua formação (inicial e continuada) conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos da área.

Aos 17 de setembro de 2008, veio a ser expedido o Decreto nº 6.571/08 dispondo sobre o AEE, regulamentando o parágrafo único do art. 60 da Lei nº 9.394/96-LDB, e acrescentando dispositivo ao Decreto nº 6.253/07.

O instrumento normativo cuida de assegurar o apoio técnico e financeiro da União para a ampliação da oferta do AEE aos alunos matriculados na rede regular (art. 1º), cometendo ao Ministério da Educação a regulamentação relativa à operacionalização do correspondente repasse de verbas e recursos materiais (art.

4º). O Decreto condiciona qualquer repasse de recursos federais, inclusive do Fundeb, à matrícula dos alunos público-alvo da educação especial em escolas da rede regular de ensino. A partir de então, a clientela da educação especial deveria ser duplamente matriculada: em instituição de ensino regular, como todos os demais alunos e matriculados como educando do AEE, que poderia ser ofertado na mesma escola, em outra unidade do sistema regular ou ainda em instituição especializada em educação especial pública ou privada (art. 6º).

Frise-se, ainda, que o apoio técnico e financeiro da União, na sistemática do Decreto, destina-se exclusivamente aos sistemas públicos de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 1º).

No entender das entidades do terceiro setor, que tradicionalmente atuavam na oferta de educação exclusivamente a estudantes com deficiência, em instituições, escolas ou classes especiais, o caminho, então, adotado a nível federal inviabilizava a continuidade da prestação dos seus serviços assistenciais, educacionais ou, em outras palavras, implicava exclusão do setor parceiro da área da educação especial, questão a que dedicaremos atenção mais adiante.

O Decreto nº 6.571/08 veio a ser revogado com o advento do Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011 (Dispõe sobre a educação especial, o AEE e dá outras providências). Consoante o novo Decreto (art. 1º, I a VIII), o dever do Estado com a educação das pessoas público-alvo da educação especial será efetivado em conformidade com as diretrizes que seguem:

1) garantia de sistema educacional inclusivo em todos os níveis, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades;

2) aprendizado ao longo de toda a vida;

3) não exclusão do sistema educacional geral sob alegação de deficiência; 4) garantia de ensino fundamental gratuito e compulsório, asseguradas

adaptações razoáveis que contemplem as necessidades individuais;

5) oferta de apoio necessário, no âmbito do sistema geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação;

6) adoção de medidas de apoio individualizadas e efetivas, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena;

7) oferta de educação especial preferencialmente na rede regular de ensino; 8) apoio técnico e financeiro pelo Poder Público às instituições privadas sem

fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial.

Ciente de manter o sistema de dupla matrícula (art. 4º), o Decreto estabeleceu de maneira inovadora que o apoio técnico e financeiro da União aos sistemas públicos de ensino também se destina às instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, com a finalidade de ampliar a oferta do AEE à clientela da educação especial matriculados na rede pública de ensino regular, exigindo das entidades do setor parceiro que mantenham convênios com o poder executivo do ente federativo competente (art. 5º e § 1º).

Confrontando-se o conteúdo dos dois decretos é de fácil constatação que a atual disciplina normativa favorece mais as organizações do terceiro setor, reconhecendo a imprescindibilidade de sua atuação na prestação do AEE, razão pela qual, expressamente, prevê, em favor dessas entidades, o fomento federal às suas atividades na seara da educação especial.

Entretanto, permaneceram os entes do setor parceiro impedidos de assumirem isoladamente a escolarização de educandos com necessidades educacionais especiais como anteriormente faziam, o que deu ensejo à deflagração de um conflito até o momento não equacionado entre o Estado e o terceiro setor, conforme será visto mais adiante.

4.3.2 O direito à educação do jovem com deficiência na Lei nº 12.852/13 –