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5 O DIREITO (DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA) À EDUCAÇÃO E

5.4 A JUSTIFICAÇÃO INTERNA E EXTERNA DAS DECISÕES

No que tange especificamente à decisão jurídica, há que se perquirir sua racionalidade, cotejando sua fundamentação sob os ângulos interno e externo. Sobre o tema propõe Alexy (2013, p. 219):

Nos discursos jurídicos, trata-se da justificação de um caso especial de proposições normativas, as decisões jurídicas. Podem distinguir- se dois aspectos da justificação: a justificação interna (internal justification) e a justificação externa (external justification). Na justificação interna, verifica-se se a decisão se segue logicamente das premissas que se expõem como fundamentação; o objeto da justificação externa é a correção destas premissas.

Para examinar se o decisum prolatado decorre logicamente das premissas expressas como fundamentação, faz-se mister a consideração de cinco regras relativas à justificação interna apontadas na teoria da argumentação alexyana, a saber:

R. 1. Para a fundamentação de uma decisão jurídica deve-se apresentar pelo menos uma norma universal.

R. 2. A decisão jurídica deve seguir-se logicamente ao menos de uma norma universal, junto a outras proposições.

R.3. Sempre que houver dúvida sobre se A é um T ou M¹, deve-se apresentar

uma regra que decida a questão.

R. 4. São necessárias as etapas de desenvolvimento que permitam formular expressões cuja aplicação ao caso em questão não seja discutível.

R.5. Deve-se articular o maior número possível de etapas de

desenvolvimento.

Quando as regras de justificação interna são empregadas pelo órgão julgador os pressupostos que de outra maneira ficariam ocultados passam a ser formulados explicitamente. “Isso aumenta a possibilidade de reconhecer e criticar erros. Acrescentar ou apresentar regras universais facilita a consistência da decisão e contribui, por isso, para a justiça e para a segurança jurídica.” (ALEXY, 2013, p. 228)

Saliente-se, ainda, que as cinco regras de justificação interna permitem aferir certa medida de racionalidade. “A racionalidade que garante é certamente relativa à racionalidade das premissas. O juízo sobre a racionalidade de uma decisão pertence, pois, ao campo da justificação externa.” (ALEXY, 2013, p. 228).

No que se refere à justificação externa, interessa aqui aclarar que tem ela por objeto o esquadrinhamento das premissas empregadas na justificação interna da decisão ou deliberação jurisdicional. Na teoria alexyana, tais premissas agrupam-se em três classes (ALEXY, 2013, p. 228), a saber: normas de direito positivo; enunciados empíricos e, premissas que não são nem enunciados empíricos nem regras do direito vigente. Esclarece em seguida o autor que a cada um dos três tipos de premissas correspondem distintos métodos de fundamentação, in verbis:

A fundamentação de uma regra de direito positivo consiste em mostrar sua conformidade com os critérios de validade do ordenamento jurídico. Na fundamentação de premissas empíricas pode recorrer-se a uma escala completa de formas de proceder que vão desde os métodos das ciências empíricas, passando pelas máximas da presunção racional, até as regras de ônus da prova no processo. Finalmente, para a fundamentação das premissas que não são enunciados empíricos nem regras de direito positivo aplica-se o que se pode designar de ‘argumentação jurídica’.

Assim, é precisamente para a fundamentação das premissas, que não são enunciados empíricos nem regras de direito posto, que Alexy (2013, p. 229-278) formula as regras de justificação externa. Embora reconheça que os três tipos distintos de fundamentação de enunciados operem de maneira interativa, cooperativa e/ou complementar na práxis decisória jurídica, ainda assim remanesce para Alexy (2013) a possibilidade e a necessidade de regulação específica do caso especial do discurso prático geral: o discurso jurídico (argumentação jurídica), cuja racionalidade constitui-se a partir da sua vinculação às normas do direito positivo, do que igualmente resulta a pretensão de correção da argumentação jurídica ser precisamente sua aspiração de conformidade aos imperativos do ordenamento jurídico vigente.

Dito isso, assevere-se que a teorização argumentativa alexyana estrutura e normatiza a justificação externa das decisões jurídicas sobre questões práticas por meio da identificação de seis grupos e da formulação das suas correspondentes

prescrições consoante se refiram: à interpretação da lei; à argumentação produzida institucionalmente pela dogmática jurídica; aos precedentes; à argumentação prática geral (razão); à argumentação teórica (científico-experimental) e, por fim, às formas especiais de argumentos jurídicos.

Os tradicionais cânones de interpretação são articulados por Alexy (2013), em seis grupos de argumentos interpretativos: semânticos; genéticos; históricos; comparativos; sistemáticos e teleológicos. Após destacar a permanência do dissenso em torno de aspectos terminológicos, quantitativos e qualitativos na matéria, sustenta Alexy (2013), ser viável fixar certa precedência ou primazia, mas não hierarquia entre os cânones, passando em seguida à exposição das seguintes regras:

R.6. Deve ser saturada toda forma de argumento que houver entre os

cânones da interpretação.

R. 7. Os argumentos que expressam uma vinculação ao teor literal da lei ou à

vontade do legislador histórico prevalecem sobre outros argumentos, a não ser que se possam apresentar motivos racionais que dêem prioridade a outros argumentos.

R.8. A determinação do peso de argumentos de diferentes formas deve

ocorrer segundo regras de ponderação.

R. 9. Devem-se levar em consideração todos os argumentos possíveis e que

possam ser incluídos por sua forma entre os cânones da interpretação. A dogmática jurídica é descrita por Alexy (2013) como disciplina tridimensional (empírico-descritiva; analítico-lógica e prático-normativa) responsável por uma mescla de atividades distintas, mas não dissociadas, e que correspondem as já mencionadas dimensões atinentes à descrição do direito vigente, à análise sistemática e conceitual da ordem jurídica e/ou dos seus elementos constitutivos, assim como à elaboração de propostas de solução dos casos jurídicos problemáticos. Em seguida, cuida o teórico de defini-la asseverando que

[…] uma dogmática do Direito é (1) uma série de enunciados que (2) se referem à legislação e à aplicação do Direito, mas que não se podem identificar com sua descrição, (3) estão entre si numa relação de coerência mútua, (4) formam-se e discutem dentro de uma Ciência do Direito que funciona institucionalmente e (5) têm conteúdo

normativo. (ALEXY, 2013, p. 252).

Interessa ainda aqui chamar a atenção para as funções cumpridas pela dogmática jurídica, consoante a compreensão alexyana:

 estabilização;  progresso;  descarga;  técnica;  controle; e  heurística.

A função de estabilização da dogmática jurídica decorre da formação no curso do tempo de um acervo de enunciados dogmáticos – que se distinguem de outras espécies de enunciados pelo fato de poderem ser comprovados sistematicamente – que permite a fixação e a reprodução de determinadas soluções a questões práticas. Assim, o abandono de um enunciado dogmático exige justificação, de modo que quem postula nova solução deve, necessariamente, suportar o ônus da argumentação. Alerta o autor, todavia, que o efeito de estabilização da dogmática não deve ser supervalorizado, advertência que parece ser corriqueiramente olvidada por muitos.

A função desenvolvimentista do direito encampada pela Ciência Jurídica não é, entretanto, decorrência exclusiva do labor do dogmático. Na opinião de Alexy (2013), o efeito transformador em muito resulta da atividade de produção legislativa e das mutações das ideias valorativas no meio social, sustenta ele que

A institucionalização da dogmática, isto é, ampliação da discussão jurídica na dimensão temporal, objetiva e pessoal, torna possível oferecer comprovações e diferenciar os enunciados dogmáticos numa medida consideravelmente maior do que seria possível em discussões que se desenvolvem de forma pontual. Isso possibilita um progresso da dogmática. (ALEXY, 2013, p. 262).

A função de descarga proporciona, em certa medida, a otimização da produtividade dos debates e pesquisas jurídicas que não precisam a todo tempo demandar a comprovação de um enunciado dogmático incorporado ao catálogo

estabilizado, salvo se uma razão especial torne necessária sua confirmação. À evidência, tal função sofrerá variações em virtude particularmente de circunstâncias tais como a simplicidade/complexidade, precisão/imprecisão e/ou consenso/dissenso em torno do conteúdo ou da incidência do enunciado dogmático.

A dogmática jurídica desempenha uma função técnica de transmissão de informação e conhecimento relativo à matéria jurídica, promovendo assim o ensino e a aprendizagem, fomentando as discussões, institucionalizadas ou não, sobre problemas jurídicos.

A dogmática igualmente empreende uma função de controle da consistência e legitimidade das decisões jurídicas. Segundo Alexy (2013, p. 265) “A dogmática permite decidir casos não de maneira isolada, mas relacionados com uma série de casos já decididos e ainda por decidir”.

Por fim, identifica-se uma função heurística de descoberta cometida à dogmática jurídica tendo por base o acervo constituído ao longo do tempo e sua reconstrução constante – correspondentes, respectivamente, às funções de estabilização e de progresso. A dogmática do direito implementa sua função heurística como representativa da síntese alcançada em um processo dialético, no qual a tese é fornecida pela função de estabilização e a antítese emerge da dinâmica deflagrada pela função de progresso. Assim, em nosso pensar, é por força de uma imbricação funcional que se opera na seara da Ciência do Direito que se verifica a “descoberta de novos conhecimentos a partir de modelos de solução, distinções e pontos de vista que não apareceriam se se tivesse de começar sempre novamente” (ALEXY, 2013, p. 265).

Por fim, cumpre aqui averbar as regras que devem pautar o emprego dos argumentos dogmáticos e sua avaliação no âmbito da justificação externa das decisões jurídicas:

R.10. Todo enunciado dogmático, se é posto em dúvida, deve ser

fundamentado mediante o emprego, pelo menos, de um argumento prático de tipo geral.

R.11. Todo enunciado dogmático deve enfrentar uma comprovação

sistemática, tanto em sentido estrito como em sentido amplo.

O instituto do precedente é produto originário do sistema da common law, em que tem o status de fonte do direito. Sua difusão e seu crescimento de importância no direito europeu continental já eram anotadas por Alexy em 1976. Desde então, a propagação do emprego vinculante dos precedentes em todos os quadrantes do globo nos países filiados ao sistema da civil law parece estar associado ao processo de disseminação de um modelo de rule of law homogeneizante do ambiente jurídico- institucional, fundamentalmente, interessado em assegurar previsibilidade e segurança jurídica enquanto sustentáculos dos mercados transfronteiriços.

Sob o prisma de teorização alexyana, o uso dos precedentes no discurso jurídico, ou mais precisamente a aplicação da norma subjacente à decisão do (caso) precedente ao caso semelhante, cujo equacionamento jurídico ora se demanda, funda-se no princípio da universalidade (PU) e seus corolários de isonomia, justiça formal, segurança jurídica e proteção da confiança. Dessarte, o enunciado normativo que se extrai da decisão do(s) precedente(s) é, em princípio, vinculante na solução dos casos semelhantes daí em diante apreciados89.

Alexy (2013) não oculta o problema de que em verdade nunca há dois casos exatamente iguais. O que em regra se tem são casos que podem ser assemelhados a partir da verificação da presença de uma série de circunstâncias relevantes nos casos em contraste, o que justifica o emprego vinculante da solução precedente ao novo caso. Entretanto, ainda que positivamente se reconheça a repetição das circunstâncias relevantes, mesmo assim poderá ocorrer a superação do precedente, ou seja, a decisão anterior não mais será adotada nos casos similares. Tal se dá quando, no interstício que medeia a apreciação dos casos, opera-se uma mudança na valoração das circunstâncias.

A partir de tais considerações, pode-se inferir a necessidade de comparações de casos buscando aferir se se assemelham ou se diferenciam quanto às circunstâncias tidas por relevantes ou, ainda, em se cuidando de casos similares, se no curso do tempo verificou-se substancial mudança na consideração axiológica das

89 Atienza (2014, p. 211) é sobremodo esclarecedor no ponto: “O uso do precedente justifica-se, do

ponto de vista da teoria do discurso, porque o campo do discursivamente possível não poderia ser preenchido com decisões mutáveis e incompatíveis entre si; o uso do precedente significa aplicar uma norma e, nesse sentido, é mais uma extensão do princípio da universalidade. Por outro lado, a obrigação de seguir o precedente não é absoluta, pois isso contraria as regras do discurso […], mas quem se afasta do precedente fica com a carga da argumentação”.

circunstâncias de maior relevo.

Tal demanda é atendida pelas técnicas de divergência manejadas e desenvolvidas pela Ciência do Direito anglo-saxônica: a técnica do distinguishing, que permite o afastamento do precedente; e a técnica do overruling, que viabiliza a superação ou rejeição do enunciado normativo adotado pela decisão do precedente.

Por fim, cumpre consignar as regras alexyanas acerca do emprego no discurso jurídico dos enunciados normativos em que se baseiam os precedentes:

R. 13. Quando se puder citar um precedente a favor ou contra uma decisão,

deve-se fazê-lo.

R.14. Quem quiser se afastar de um precedente, assume a carga da

argumentação90.

A consideração e o manuseio dos precedentes na confecção de petições, requerimentos, pareceres, manifestações e decisões pelos operadores do Direito no Brasil é prática corriqueira e tradicional. O que se tem de novidade é a disciplina legislativa da atividade por meio do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15). O que aqui interessa é tão somente demonstrar que o uso vinculativo dos precedentes instituído pelo sobredito instrumento normativo não se afasta sob qualquer ângulo da formulação alexyana, conforme facilmente extrai-se da consideração das seguinte asserções:

1) a decisão judicial que se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos, será considerada não fundamentada e, consequentemente, nula (art. 489, § 1º, V, CPC);

2) será igualmente não fundamentada e nula a decisão que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento (art. 489, § 1º, VI, CPC);

3) os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente (art. 926, caput, CPC);

90 Alexy (2013, p. 268), funda a regra do ônus argumentativo no “princípio de inércia perelmaniano

que exige que uma decisão só pode ser mudada se se puder apresentar razões suficientes para isso”.

4) a modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia (art. 927, § 4º, CPC);

5) os tribunais darão publicidade a seus precedentes, preferencialmente na rede de comunicação mundial (art. 927, § 5º, CPC).

Consoante a tese central da teoria alexyana, o discurso jurídico (argumentação jurídica) é um caso especial do discurso prático geral de quem se diferencia por se vincular ao direito vigente. Assim o é porque, seja na práxis jurídica ou na Ciência do Direito, o objeto da atividade do operador e do cientista é precisamente a discussão e o equacionamento de questões práticas por meio de uma decisão jurídica que sustenta uma pretensão de correção – de fundamentação racional – no contexto do ordenamento jurídico, ou melhor, dos valores agasalhados no interior do sistema jurídico; ao passo que no discurso prático geral a pretensão de correção se põe e é aferida em contraste com a constelação axiológica que sinaliza o universo da moral, sendo aqui irrelevante que tais valores sejam ou não juridicizados.

Alexy (2013) não estabelece regras quanto ao emprego dos argumentos práticos gerais na justificação das decisões jurídicas. Contudo, trata de pontuar circunstâncias nas quais podem ser empregados argumentos práticos gerais no discurso jurídico, in verbis:

A argumentação prática geral pode ser necessária (1) na fundamentação das premissas normativas requeridas para a saturação das diferentes formas de argumentos, (2) na fundamentação da eleição de diferentes formas de argumentos que levam à diferentes resultados, (3) na fundamentação e comprovação de enunciados dogmáticos, (4) na fundamentação dos distinguishing e overruling e (5) diretamente na fundamentação dos enunciados a serem utilizados na justificação interna. (ALEXY, 2013, p. 276).

De igual modo, não há regra especial para o uso no discurso jurídico dos argumentos buscados com o recurso à cooperação científica, aos argumentos

próprios do discurso teórico (científico-experimental)91, sendo no entanto tal

procedimento admitido por uma regra geral que dispõe: para qualquer falante é, em qualquer momento, possível passar a um discurso teórico (empírico).

Quanto às formas especiais de argumentos jurídicos, formas de inferência logicamente válidas, esclarece Alexy (2013, p. 272) que se cuidam das “[...] formas de argumentos que se usam especialmente na metodologia jurídica, como a analogia, o argumentum a contrario, o argumentum a fortiori e o argumentum ad absurdum”. O emprego de tais argumentos deve observar a seguinte regra:

R. 15. As formas de argumentos jurídicos especiais devem ser saturadas.

A teoria do discurso jurídico de Alexy, a mais estruturada e sistemática dentre as teorias da argumentação jurídica (ATIENZA, 2014), essencialmente consiste em um modelo procedimental, de caráter democrático, pois tem por pressupostos a liberdade e a igualdade em relação a todos os participantes do discurso, tendo por objeto a justificação racional das decisões jurídicas, por meio do estabelecimento de regras de justificação interna e de justificação externa cuja observância pretende conferir consistência e legitimidade a tais decisões.

Parece evidente que tal modelo somente se viabiliza e faz sentido em um Estado Democrático de Direito92, no ambiente da esfera pública de uma sociedade

aberta, complexa e plural e, por isso mesmo, conflituosa, questão que melhor será explicitada logo em seguida.

5.5 O CONTROLE DA RACIONALIDADE DOS PROVIMENTOS JURISDICIONAIS