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Maria Isabel Rebello Pinho Dias

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Academic year: 2018

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Maria Isabel Rebello Pinho Dias

A incriminação das condutas de parcelamento ilegal do solo urbano à luz dos princípios penais e mandados de criminalização da Constituição Federal de 1988

MESTRADO EM DIREITO

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Maria Isabel Rebello Pinho Dias

A incriminação das condutas de parcelamento ilegal do solo urbano à luz dos princípios penais e mandados de criminalização da Constituição Federal de 1988

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Penal, sob a orientação do Professor Doutor Antonio Carlos da Ponte.

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MESTRADO EM DIREITO

A incriminação das condutas de parcelamento ilegal do solo urbano à luz dos princípios penais e mandados de criminalização da Constituição Federal de 1988

Orientanda: _________________________ Maria Isabel Rebello Pinho Dias

Professor Orientador: _________________________ Dr. Antonio Carlos da Ponte

Banca Examinadora

________________________________________

________________________________________

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Agradeço ao meu mestre e orientador deste trabalho Professor Doutor Antonio Carlos da Ponte pelos ensinamentos, pela paciência e pelo exemplo de seriedade e dedicação.

Agradeço, ainda, às queridas amigas Carla, Helena, Maria Rita, Daniela e Luiza, que acompanharam o processo de desenvolvimento deste trabalho.

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O estudo da Lei do Parcelamento do Solo Urbano - Lei nº 6.766/79 - é essencial para aprofundar as questões que envolvem os problemas urbanísticos existentes na nossa sociedade. Percebe-se que há uma lacuna na doutrina na análise desse tema, o que gera prejuízo a toda coletividade diretamente afetada pelo desrespeito às diretrizes urbanísticas.

O fato de essa legislação contar com mais de trinta anos não exauriu o interesse no seu exame, pois, após a sua entrada em vigor, foi promulgada uma nova Constituição Federal e passaram a viger diversas leis relacionadas à matéria.

Nesse contexto colocam-se as seguintes questões: os crimes urbanísticos foram recepcionados pela nova ordem constitucional? Há interesse em incriminar as condutas de parcelamento ilegal do solo urbano? Qual é a melhor forma de criminalizá-las? Qual o bem jurídico protegido por tais delitos?

Esse trabalho pretende discutir essas questões, a fim de contribuir para que o tema seja aprofundado na nossa doutrina. Isso porque, quiçá, com o debate sobre a melhor forma de tratamento das condutas de parcelamento ilegal se possa facilitar um desenvolvimento mais sadio e adequado das cidades, resguardando-se o ordenamento do território e o meio ambiente.

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Studying the Law about urban land division - Law nº 6.766/79 - is essential to understand some aspects of the urban issues in modern society. As a matter of fact, it is clear that there is not enough research about the theme, which results in direct damage to the entire society once the urban rules are not respected.

The fact that this law is more than thirty years old does not exclude the interest in deepening its analysis because, since then, a new Federal Constitution was promulgated and several other laws related to the theme became effective.

In this context, a few important questions shall be posed: have the urban crimes determined by Law nº 6.766/79 been corroborated by the new constitutional order? Is there any interest in criminalizing actions referring to the illegal parceling of the urban land? What is the best way of criminalizing them? Which criminal legal interests do these crimes protect?

This study aims to discuss such an important matter and therefore stimulating deeper research by legal experts about the theme. Hopefully, as a consequence of increased debate on illegal parceling of the land, a healthier and more sustainable urban development in a long term perspective will be fostered.

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INTRODUÇÃO ... 8

1. HISTÓRICO LEGISLATIVO... 11

2. MULTIDISCIPLINARIEDADE DO TEMA: DIMENSÃO POLÍTICA, SOCIAL E ECONÔMICA ... 23

3. OS CRIMES DE PARCELAMENTO ILEGAL DO SOLO URBANO (ARTIGOS 50 A 52 DA LEI Nº 6.766/79) ... 27

3.1. Conceito de parcelamento do solo urbano ... 29

3.2. Fato típico ... 33

3.2.1. Tipos penais em espécie ... 41

3.2.1.1. Artigo 50, incisos I e II ... 41

3.2.1.2. Artigo 50, inciso III ... 51

3.2.1.3. Artigo 50, parágrafo único, incisos I e II ... 56

3.2.1.4. Artigo 51 ... 61

3.2.1.5. Artigo 52 ... 64

3.3. Objetividade Jurídica ... 69

3.3.1. Tutela de bens jurídicos supra-individuais ... 76

3.3.2. Conotação Individual dos delitos urbanísticos ... 82

4. A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO PENAL E A CONSTITUIÇÃO ... 84

4.1. Os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal e o processo de recepção jurídico-penal ... 84

4.2. Os dispositivos penais da Lei nº 6.766/79 e a Constituição Federal de 1988 ... 88

4.2.1. Os mandados de criminalização na nova ordem constitucional e a lei do parcelamento do solo urbano ... 94

5. ANÁLISE CRÍTICA ... 108

6. APURAÇÃO DOS DELITOS URBANÍSTICOS ... 118

7. DIREITO COMPARADO ... 121

CONCLUSÃO ... 129

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 132

ANEXOS ... 141

ANEXO 1 - LEI No 6.766, DE 19 DE DEZEMBRO DE 1979 ... 142

ANEXO 2 – REFORMA DO CÓDIGO PENAL (RELATÓRIO E ANTEPROJETO DE LEI) ... 155

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INTRODUÇÃO

A Lei nº 6.766/79 – também conhecida como Lei Lehmanns1 – teve papel essencial na regulamentação do parcelamento do solo urbano, mormente

considerando-se que, à época em que entrou em vigor, ressentia-se da falta de dispositivos legais que permitissem o efetivo controle da urbanização.

A urbanização é definida por José Afonso da Silva2 como “o processo pelo qual a população urbana cresce em proporção superior à população rural”, porém “não se trata de mero crescimento das cidades, mas de um fenômeno de concentração urbana”.

A necessidade de controle desse processo fazia-se premente, porquanto a urbanização se intensificou a partir da década de 30 – quando as indústrias passaram a ter maior relevância na economia brasileira - e culminou com a predominância da população urbana, quando o índice de urbanização3 superou 50% (cinqüenta por cento), segundo censo demográfico do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística4 realizado em 1970.

A ausência de sanções na legislação existente sobre a matéria resultava em “carta branca” aos oportunistas para que dividissem grandes porções de terra, vendendo lotes sem registro e em locais sem infra-estrutura mínima em detrimento não só dos adquirentes – muitas vezes tentando concretizar o tão almejado “sonho da casa própria” – mas também dos

1A lei do parcelamento do solo urbano também é chamada de Lei Lehmann, pois o projeto de lei que a

originou foi apresentado pelo Senador Otto Cirillo Lehmann, em 1977.

2SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2008. p. 26. 3Índice de urbanização=população urbana/população total.

4BATTAGLIA, Luisa. Projeto e processo de urbanização no Brasil. 1987. Dissertação (Mestrado em

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interesses difusos, notadamente o direito ao desenvolvimento sustentável, à ordenação territorial e ao meio ambiente sadio.

O grande mérito do mencionado diploma legal foi estabelecer a responsabilidade dos loteadores nos âmbitos cível e criminal, possibilitando o controle do parcelamento do solo urbano.

Frise-se, também, que a Lei do Parcelamento do Solo Urbano concretizou preocupações relativas a momento vivenciado mundialmente, ou seja, a conscientização dos Estados sobre a necessidade de um adequado ordenamento do solo urbano, sob pena de prejuízo da coletividade. Nessa época, diversos países europeus também elaboraram legislações a respeito do ordenamento do solo urbano, e, em muitas delas, as condutas de parcelamento ilegal também foram consideradas crimes5.

Apesar de a mencionada lei vigorar há mais de 30 (trinta) anos, remanesce o interesse no seu estudo, porque de acordo com o último censo realizado pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 81,3% da

população reside na área urbana6. Logo, as cidades continuam crescendo e os loteamentos se multiplicando, na maioria das vezes de forma ilegal.

Ermínia Maricato comenta a crise urbana vivenciada no nosso país7: “o processo de urbanização se apresenta como uma máquina de

5Pedro Rodríguez López comenta que nos anos oitenta ocorreu a penalização de condutas em matéria

urbanística na Europa Ocidental: “La necessidad de llevar al Derecho punitivo determinadas condutas de ámbito urbanístico realmente no es nueva. En la década de los ochenta del pasado siglo XX la propuesta de penalización de determinadas conductas em matéria urbanística se presenta con uma doble coincidência temporal: de um lado, coincide con um efervescente movimiento de reforma de la legislación punitiva con el objeto de adaptar um bloque legislativo procedente del antiguo régimen a la CE; de otro lado, se hace cada vez más patente el hecho de que la sociedad va adquiriendo conciencia del deterioro de intereses de toda la comunidad que se van produciendo como resultado de la plasmación en la Ordenación del Territorio de los efectos devastadores de las actuaciones urbanísticas derivadas del importante desarrollo económico que se produce em Europa ocidental en general y en el Estado español en particular a partir de los años sessenta y setenta” (RODRÍGUEZ LÓPEZ, Pedro. Medio ambiente, territorio, urbanismo y derecho penal. Barcelona: Bosch, 2007. p. 82).

6Censo demográfico realizado no ano de 2000.

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produzir favelas e agredir o meio ambiente. O número de imóveis ilegais na maior parte das grandes cidades é tão grande que, inspirados na interpretação de Arantes e Schwarz sobre Brecht, podemos repetir que ‘a regra se tornou exceção e a exceção regra’. A cidade legal (cuja produção é hegemônica e capitalista) caminha para ser, cada vez mais, espaço da minoria”.

Importante ressaltar que existe uma grande lacuna no estudo desse tema, pois, embora na época da entrada em vigor da Lei nº 6.766/79 tenham sido publicados diversos trabalhos sobre os seus aspectos, após o advento da Constituição Federal de 1988, poucos estudos foram realizados, não obstante o relevo que a nova ordem constitucional deu à matéria e o intenso crescimento das cidades brasileiras.

Nessa perspectiva, o objetivo deste trabalho é analisar os dispositivos penais da aludida lei, sob o ponto de vista prático e teórico,

levando-se em consideração a Constituição Federal de 1988 e a atual realidade urbanística do Brasil.

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1. HISTÓRICO LEGISLATIVO

A elaboração da Lei nº 6.766/79 visou a enfrentar diversas questões e dificuldades vivenciadas durante o processo de urbanização, para as quais não havia solução prevista em lei.

Para a compreensão exata dos dispositivos do diploma legal ora estudado, necessário realizar uma breve análise da legislação que o precedeu.

O processo de crescimento das cidades brasileiras “encontrou nos loteamentos a maneira ideal de exprimir-se8”. Assim, passou a ocorrer a ocupação das áreas periféricas das cidades, bem como a favelização, sem obediência a diretrizes urbanísticas e sem qualquer controle.

A inexistência de legislação acarretava grande insegurança aos adquirentes de lotes, que realizavam pagamentos a prazo, pois com arrimo no artigo 1088 do Código Civil de 19169 - o qual previa a possibilidade de arrependimento antes da assinatura da escritura pública - muitas vezes os negócios celebrados eram desfeitos pelos loteadores de má fé, que realizavam especulação imobiliária dos terrenos alienados, com finalidade de lucro.

Quando ocorria valorização do imóvel pelas mais diversas razões, os vendedores, que haviam se comprometido a alienar os lotes aos compradores, retomavam a propriedade, com amparo na lei, antes da assinatura do contrato de compra e venda, restando aos compradores receber indenização.

8WALCACER, Fernando. A nova de Lei de Loteamentos. In: PESSOA, Álvaro (Coord.). Direito do urbanismo: uma visão sócio-jurídica. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos: Instituto Brasileiro de Administração Municipal [IBAM], 1981. p. 207-208.

9“Artigo 1088 - quando o instrumento público for exigido como forma de contrato, qualquer das partes pode

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A necessidade de proteção dos adquirentes dos lotes comprados a prazo resultou na aprovação do Decreto- Lei nº 58/37, oriundo de projeto de lei apresentado por Waldemar Ferreira, o qual teve enfoque no campo cível, trazendo diversas garantias aos compradores de lotes, sem, contudo, prever sanções para o descumprimento dos seus preceitos.

Embora não tenham sido previstos tipos penais específicos, a aludida lei trouxe um dispositivo em matéria penal, com a finalidade de assegurar os direitos dos compradores, sem maiores preocupações com a observância das regras urbanísticas.

Nesse sentido, o artigo 1º, § 6º desse diploma legal dispunha que “sob pena de incorrerem em crime de fraude, os vendedores, se quiserem invocar, como argumento de propaganda, a proximidade do terreno com algum acidente geográfico, cidade, fonte hidromineral ou termal ou qualquer

outro motivo de atração ou valorização serão obrigados a declarar no memorial descritivo e a mencionar nas divulgações, anúncios e prospectos de propaganda, a distância métrica a que se situa o imóvel do ponto invocado ou tomado como referência”.

Como pode ser observado, esta norma não estabeleceu um tipo penal relacionado à venda de lotes, limitando-se a alertar quanto à necessidade de clareza das informações sobre o imóvel transmitidas aos adquirentes, a fim de evitar que eles fossem ludibriados. O mesmo dispositivo legal ressaltou que no caso de desobediência aos parâmetros estabelecidos, os vendedores poderiam incorrer em crime de fraude.

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Outrossim, como bem frisado por Antonio Augusto Veríssimo10, embora o Decreto – Lei nº 58/37 tenha previsto nos seus artigos 1511 e 1612 a possibilidade de adjudicação compulsória13, esta providência não poderia ser considerada uma sanção. Na verdade, tratava-se de situação em que os compradores de lotes, que pagavam integralmente as prestações do contrato, conseguiam obter a escritura definitiva do imóvel, mediante sentença constitutiva, a qual possuía a mesma eficácia do ato que não foi praticado, efetivando, dessa forma, uma obrigação de dar que deveria ter sido satisfeita pelo loteador.

Poder-se-ia, no máximo, atribuir um caráter preventivo à adjudicação compulsória, visto que tal medida evitava que o loteador – ao desistir de alienar a propriedade antes da assinatura do contrato de compra e

venda – lucrasse indevidamente graças à especulação imobiliária e, desse modo, prejudicasse o adquirente de boa-fé. Entretanto, o adquirente não dispunha desse recurso jurídico de forma universal, isto é, em todas as situações, porque o seu direito de propriedade poderia ser obstado em razão de irregularidades, mormente nos casos de desrespeito à legislação urbanística.

Esse foi o primeiro diploma legal no âmbito federal a tratar do parcelamento do solo urbano e se aplicava tanto às zonas rurais quanto às urbanas. Não obstante anteriormente já houvesse algumas leis municipais a

10VERÍSSIMO, Antonio Augusto. Parcelamento informal do solo na cidade do Rio de Janeiro: raízes legais

da informalidade. Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 6, n. 33, maio/jun. 2007.

11“Artigo 15 – Os compromissários têm direito de, antecipando ou ultimando o pagamento integral do preço,

e estando quites com os impostos e taxas, exigir a outorga da escritura de compra e venda”.

12“Artigo 16 - Recusando-se os compromitentes a passarem a escritura definitiva no caso do artigo anterior,

serão intimados, por despacho judicial e a requerimento do compromissário, a dá-la nos dez dias seguintes à intimação, correndo o prazo em cartório.

Parágrafo primeiro – Se nada alegarem dentro desse prazo, o juiz, por sentença, adjudicará os lotes aos compradores, mandando:”.

13O conceito de adjudicação compulsória é dado pela lei no artigo 1417 do Código Civil, que prevê:

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respeito desse tema, o Decreto-Lei nº 58/37 se destacou porque previu normas genéricas sobre a matéria, aplicáveis em todo o território nacional.

Por outro lado, insta ressaltar que a aludida lei – como já citado – teve como enfoque a proteção aos adquirentes no tocante à estabilidade dos negócios jurídicos de aquisição de lotes, não se preocupando em estabelecer as diretrizes urbanísticas que se faziam necessárias a um adequado e sadio parcelamento do solo.

Assim sendo, embora houvesse normas genéricas de natureza civil, permanecia a critério de cada município estabelecer restrições urbanísticas, o que, na prática resultou, em muitos casos, em omissão a respeito dessa questão.

Nesse aspecto, manifestou-se Fernando Walcacer: “o Decreto-Lei nº 58/37 cuidava exclusivamente – ou, ao menos, propunha-se a isso – da proteção dos direitos dos compradores de lotes a prestações, vis-à-vis a

ganância ilimitada dos loteadores. O resto – bem, o resto era assunto a ser decidido pelos municípios, da maneira que lhes fosse possível14”.

Conquanto o Decreto-Lei nº 58/37 não tenha criado tipos penais específicos em relação ao parcelamento ilegal do solo urbano, ele pode ser considerado como marco na nossa legislação penal, pois foi a primeira oportunidade em que se estabeleceu relação entre condutas fraudulentas de loteadores e configuração de delitos – o que evidenciou que o legislador passou a vislumbrar a necessidade de criminalização das condutas de parcelamento ilegal.

Nesse momento da estória, as condutas ligadas ao parcelamento ilegal ainda eram compreendidas como uma questão relacionada notadamente aos interesses individuais, pois não havia dimensão difusa. O intuito do Decreto-Lei nº 58/37, editado na época do Estado Novo, foi proporcionar um mercado de terras de baixo custo para a população de baixa renda e não

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garantir as condições urbanísticas necessárias aos assentamentos desta população15.

Ainda que em matéria penal fosse possível a aplicação de delitos

previstos no Código Penal para punição de parte das condutas dos loteadores, na prática, esses tipos penais não possibilitavam o efetivo combate e a punição daqueles que praticavam ações contrárias à legislação urbanística.

Isso porque diversas ações ilícitas não podiam ser subsumidas aos tipos penais comuns, pois a matéria de loteamento ilegal é complexa, já que a descrição da conduta delitiva precisa ser complementada por normas civis e administrativas específicas sobre a disciplina urbanística.

Após o Decreto-Lei nº 58/37, o anteprojeto do Ministro Roberto Campos, que acabou não entrando em vigor, teve importante papel, pois significou um novo passo no desenvolvimento da legislação penal sobre parcelamento ilegal do solo urbano.

Pela primeira vez foi redigida uma norma incriminadora específica, que “visava justamente a proteger a sociedade da ação, cada vez mais freqüente, de loteadores clandestinos, aqui considerados numa acepção mais

precisa, os parceladores do solo urbano16”.

Destarte, na mesma linha da disposição penal do Decreto-Lei nº 58/37 – que narrava condutas relacionadas à fraude na venda dos lotes – o anteprojeto estabelecia uma figura típica específica e aperfeiçoava a sua descrição, o artigo 20 dispunha: “Artigo 20 - Incorre nas penas do crime de estelionato (Código Penal, artigo 171) o proprietário, o loteador, o cedente de compromisso ou corretor que omitir o número de inscrição ou averbação de loteamento ou contrato, em anúncios, documentos ou papéis relativos a

15VERÍSSIMO, Antonio Augusto. op. cit., p. 19.

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negócios regulados por esta lei, ou fizer indicação falsa sobre as características do loteamento ou do lote. Na mesma pena incorre o Oficial do Registro ou o escrevente que realizar dolosamente, inscrição ou averbação irregular17”.

Esse dispositivo penal inovava ao prever a responsabilização penal do oficial de registro ou escrevente que realizasse averbação irregular. Além disso, esse projeto de lei influenciou a redação dos crimes previstos na Lei nº

6.766/79, onde inclusive consta delito próprio, praticado pelo oficial de registro ou pelo escrevente substituto, na hipótese de registro indevido de parcelamento ou compromisso de compra e venda e contrato relacionados a parcelamento não registrado, conforme será analisado no item 3.2.1.5.

Depois disso, a matéria apenas voltou a ser regrada quando entrou em vigor o Decreto-Lei nº 271/67, o qual foi elaborado com base em projeto de lei de Hely Lopes Meirelles e trouxe algumas melhorias, não obstante sua falta de regulamentação tenha prejudicado a sua efetividade18.

Tal Decreto-Lei foi o primeiro diploma legal a entrar em vigor que trouxe disposição penal específica sobre as condutas ilegais dos parceladores urbanos. Contudo, não estabeleceu norma incriminadora sobre a matéria, mas aproveitou os tipos penais sobre incorporação imobiliária.

Para possibilitar a aplicação desses tipos penais ao parcelamento ilegal, equiparou o loteador ao incorporador, os compradores de lotes aos

17AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Normas penais sobre o parcelamento do solo urbano. In: PESSOA,

Álvaro (Coord.). op. cit., p. 203.

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condôminos e as obras de infra-estrutura à construção de edificações (artigo 3º, caput19).

Logo, os artigos 64 a 66, da Lei nº 4.591/64, que tratam dos crimes em matéria de condomínios e incorporações imobiliárias, em tese, poderiam ser aplicados ao parcelamento urbano, o qual, por conseguinte, passou a tutelar o mesmo bem jurídico protegido pela aludida lei, isto é, a economia popular.

Todavia, na prática, houve dificuldade na aplicação dessa lei aos loteamentos, o que já havia sido antevisto no próprio decreto, ao prever que “O Poder Executivo, dentro de 180 dias regulamentará este Decreto-Lei, especialmente quanto à aplicação da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964 aos loteamentos, fazendo inclusive as necessárias adaptações”.

Deveras, o mencionado diploma legal não trouxe norma incriminadora, adaptando um tipo penal relativo à outra matéria com o fim de criminalizar as condutas de parcelamento.

Entretanto, o Direito Penal tem como fundamento o princípio da

legalidade, o qual é definido por Cezar Roberto Bitencourt20: “em termos bem esquemáticos, pode-se dizer que, pelo princípio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. A lei deve definir com precisão de forma cristalina a conduta proibida”.

19“Art. 3º - Aplica-se aos loteamentos a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, equiparando-se o loteador

ao incorporador, os compradores de lotes aos condôminos e as obras de infra-estrutura à constituição da edificação”.

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Assim, importa na hipótese vertente o postulado do princípio da legalidade concernente à enunciação das normas penais incriminadoras, ou seja, a determinação taxativa, conceituada por Luiz Luisi21:

“O postulado em causa expressa a exigência de que as leis penais, especialmente as de natureza incriminadora, sejam claras e o mais possível certas e precisas. Trata-se de postulado dirigido ao legislador vetando ao mesmo a elaboração de tipos penais com a utilização de expressões ambígua, equívocas e vagas de modo a ensejar diferentes e mesmo contrastantes entendimentos. O princípio da determinação taxativa preside, portanto, a formulação da lei penal, a exigir qualificação e competência do legislador, e o uso por este de técnica correta e de uma linguagem rigorosa uniforme.”

Portanto, evidente que o conteúdo desse Decreto-Lei maculou o princípio da legalidade, bem como o postulado da determinação taxativa, o que inviabilizou a sua aplicação prática.

Na época, Celso Delmanto22 concluiu pela inaplicabilidade da mencionada legislação:“o art.3º do Decreto-lei nº 271 não instituiu norma

incriminadora, tal qual requer o direito penal. Não trouxe dispositivo, nem sanção; sequer declarou, de maneira explícita, que seriam comináveis aos loteadores as penas previstas para as figuras criminais e contravencionais da lei aludida”.

Em razão da falta de regulamentação e das notáveis violações aos fundamentos do Direito Penal, tal Decreto-Lei acabou sendo letra morta.

Anote-se que esse diploma legal aplicava-se exclusivamente ao parcelamento urbano e conviveu com o Decreto-Lei nº 58/37, revogando apenas os dispositivos deste que eram com ele incompatíveis.

21LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003.

p. 24.

22DELMANTO, Celso.

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Desse modo, até a entrada em vigor da Lei nº 6.766/76, as condutas irregulares de parcelamento do solo apenas podiam ser punidas se subsumidas entre os tipos penais constantes no Código Penal, especialmente o crime de estelionato.

Assim, a proteção penal existente em matéria de parcelamento ilegal do solo urbano restringia-se aos interesses dos adquirentes dos lotes, não havia norma incriminadora que permitisse a tutela das condutas lesivas ao desenvolvimento das cidades de acordo com a disciplina urbanística.

Dessa maneira, a necessidade de combater os comportamentos de parcelamento ilegal de forma mais efetiva resultou na promulgação da Lei nº 6.766/76, que trouxe dispositivos não mais focados apenas nos interesses individuais, mas também em toda a coletividade, pois passou a prever sanções àqueles que violassem as regras urbanísticas. Observa-se, a partir daí,

uma crescente conscientização sobre a dimensão difusa da proteção à ordem urbanística.

Após o advento da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, em 1988 a Constituição Federal consagrou diversos interesses difusos como bens jurídicos penais - que serão analisados de forma detalhada no item 3.3.1.e deu relevo tanto ao meio ambiente23 quanto à política urbana, para os quais foram destinados capítulos próprios, capítulo VI e capítulo II, respectivamente.

A par disso, a ordem constitucional também elevou a dignidade da pessoa humana a fundamento do Estado Democrático de Direito, a teor do que dispõe o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. A dignidade da

23Sobre esse aspecto Edis Milaré comenta que a Constituição de 1998 deu tal destaque ao meio ambiente, que

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pessoa humana é definida como “um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos24.

Assim, tem-se que tal valor se relaciona à qualidade de vida e bem-estar que devem ser proporcionados a todos. Indubitável, pois, que o direito ao meio ambiente equilibrado e ao adequado desenvolvimento das cidades está diretamente relacionados à garantia desse valor fundamental, ou seja, que todos tenham uma vida digna.

Saliente-se que, com a nova ordem constitucional, foram editadas leis para a proteção do meio ambiente e da ordem urbanística, inclusive de caráter penal.

A Lei nº 9.605/98 trouxe tipos penais que passaram a proteger o solo como recurso natural (artigos 5425 e 5526), bem como a ordenação urbana (artigo 6427).

Embora atualmente prevaleça na doutrina o entendimento de que os delitos previstos na Lei nº 9.605/98 possuem objeto jurídico diverso das

24MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2007. p. 16.

25“Artigo 54 - Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos

à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.

26“Artigo 55 - Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem o competente autorização,

permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa”.

27“Artigo 64 – Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão

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infrações penais da Lei nº 6.766/79, o fato é que todos esses crimes, de forma direta ou indireta, protegem a ordenação territorial e o meio ambiente.

O diploma legal mais recente atinente à questão urbanística é o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) – lei geral de direito urbanístico28 - que regulamentou os artigos 18229 e 18330 da Constituição Federal e revolucionou o tratamento jurídico da matéria, permitindo que fossem cumpridos dispositivos constitucionais vigentes desde 1988, mas que, em razão de

dependerem de regulamentação, não podiam ser aplicados.

A propósito: “o Estatuto da Cidade veio, de certa forma, dar

eficácia ao princípio constitucional, pois embora a função do plano diretor já estivesse prevista pela Constituição, a carência de uma lei federal dispondo expressamente sobre isso impedia que os Municípios dessem concreção ao princípio da função social da propriedade31”.

28SILVA, José Afonso da. op. cit., p. 69.

29“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme

diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

§ 1.º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades como mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2.º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3.º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4.º É facultado ao Poder Público municipal mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I – parcelamento ou edificação compulsórios;

II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais”.

30“Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por

cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietadquirir-lhe-ário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1.º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2.º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3.º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”.

31DALLARI, Adilson Abreu. Solo criado: constitucionalidade da outorga onerosa de potencial construtivo.

(23)

Assim, o Estatuto da Cidade está diretamente relacionado à efetivação da função social da cidade, bem como ao cumprimento das diretrizes urbanísticas necessárias ao desenvolvimento ordenado das urbes.

Destaca-se que o aludido diploma legal traz dispositivos sobre o plano diretor, que consiste em instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, porquanto “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta lei”32.

(24)

2. MULTIDISCIPLINARIEDADE DO TEMA: DIMENSÃO POLÍTICA, SOCIAL E ECONÔMICA

É cediço que o parcelamento do solo relaciona-se com o processo de urbanização e desenvolvimento das cidades.

A Lei nº 6.766/79 está inserida no ramo do urbanismo, técnica e ciência definida por Hely Lopes Meirelles como “o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade33”.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro34, buscando definir os contornos do conceito de urbanismo, afirma que “pode-se aí incluir tudo o que se refere ao regulamento das construções, ao parcelamento do solo urbano, ao zoneamento, à preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, à higidez do meio ambiente, abrangendo a proteção das águas e das florestas”.

Logo, o mencionado diploma legal integra o Direito Urbanístico, ramo do direito público, “que tem por objeto expor, interpretar e sistematizar as normas e princípios disciplinadores dos espaços habitáveis35”.

Sob outro aspecto, a Lei do Parcelamento do Solo Urbano está entre as legislações relacionadas ao “uso do solo”, expressão que possui diferentes significados, conforme o seu emprego em Geologia, Geografia, Agricultura e Direito, aparecendo nestas várias acepções com dois sentidos

33MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2008. p. 522. 34DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Poder de Polícia em matéria urbanística. In: FREITAS, José Carlos

(Coord.). Temas de direito urbanístico 2. São Paulo: Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Habitação e Urbanismo – CAOHURB; Ministério Público do Estado de São Paulo – Procuradoria Geral de Justiça; Imprensa Oficial do Estado, 1999. p. 31.

(25)

principais, o de recurso natural e o de espaço social36: “É meridianamente claro que as alterações ecológicas do solo contribuem de modo direto para degradar a sua qualidade e, de modo indireto, afetam a qualidade de habitats e biomas. No entanto, o fator social também altera as suas formas de uso e conservação, em decorrência do destino que lhe é dado como espaço para localização de assentamentos humanos e atividades produtivas37”

A lei em estudo é um dos instrumentos principais à preservação não somente do solo como recurso natural, mas de vários outros aspectos relacionados ao meio ambiente natural, principalmente porque se refere às regras de ordenação do solo como espaço social.

O parcelamento do solo urbano pode ser visto como uma questão social, já que se relaciona a um dos mais preciosos direitos dos cidadãos - o direito à moradia. Esse direito enquadra-se na segunda geração dos direitos

fundamentais do homem, e está previsto expressamente na Constituição Federal desde a Emenda Constitucional nº 26, de 14.02.2000, no seu artigo 6º38.

José Afonso da Silva39 define o direito à moradia como “ocupar um lugar como residência; ocupar uma casa, apartamento etc., para nele habitar” e esclarece, também, que “O direito à moradia não é necessariamente direito à casa própria. Quer-se que se garanta a todos um teto onde se abrigue com a família de modo permanente, segundo a própria etimologia do verbo morar,

do latim “morari”, que significa demorar, ficar. Mas é evidente que a

36MILARÉ, Edis. op. cit., p. 225. 37Id. Ibid., p. 227.

38“Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência

social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

39SILVA, José Afonso da.

(26)

obtenção da casa própria pode ser um complemento indispensável para a efetivação do direito à moradia”.

Nesse aspecto, muitas vezes a aquisição de uma casa própria e a efetivação do direito à moradia ocorrem mediante a compra de um lote urbano e nessas situações, o direito à moradia apenas será de fato assegurado, quando o loteamento onde se localizar a propriedade adquirida obedecer aos ditames da Lei nº 6.766/79.

Sob outra perspectiva, o parcelamento urbano também possui importante repercussão econômica no mercado imobiliário, pois as restrições urbanísticas determinam uma série de providências que acarretam maior onerosidade aos loteadores e também influem no preço dos terrenos, bem como dos lotes. A par disso, atinge a economia popular, pois diversos indivíduos investem parte do seu patrimônio na compra de lotes, e poderão

ser prejudicados quando tais lotes possuírem alguma ilegalidade.

No campo político, as prioridades estabelecidas pelos governantes

serão fundamentais para o combate efetivo aos parcelamentos ilegais em cada Município, tendo em vista a importância da fiscalização que deve ser realizada pela Administração Pública.

Destaca-se que a Constituição de 1988 elevou o Município à categoria de ente federado e estabeleceu competência específica para este “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”, conforme previsão do artigo 30, inciso VIII.

(27)

e de Posturas, observando-se as diretrizes e princípios gerais previstos nas leis federais, naquilo que não for contrário à Constituição40”.

No campo penal, a multidisciplinariedade do assunto pode ser percebida na análise dos bens jurídicos protegidos pelos delitos urbanísticos. Embora a lei defina o bem jurídico principal como sendo a Administração Pública, não há como deixar de analisar os diversos bens jurídicos secundários, devido a sua grande relevância no ordenamento jurídico brasileiro, mormente na atual ordem constitucional.

Por derradeiro, a multidisciplinariedade também é observada nos diversos campos do direito que dispõem sobre essa temática, tais como, direito administrativo, direito penal, direito ambiental, direito urbanístico, direito civil, direito registral, direito do consumidor e direito constitucional.

Essa particularidade será essencial para o estudo dos tipos penais da Lei nº 6.766/79, bem como da objetividade jurídica desses delitos, conforme se verá no item 3.3.

(28)

3. OS CRIMES DE PARCELAMENTO ILEGAL DO SOLO URBANO (ARTIGOS 50 A 52 DA LEI Nº 6.766/79)

A Lei do Parcelamento do Solo Urbano reúne disposições de natureza civil, administrativa e penal.

Como já referido, subsumir as condutas ilegais de natureza penal ao crime de fraude não foi suficiente para reprimir sua incidência, razão pela qual o legislador elaborou tipos penais específicos, que passaram a abranger não só as fraudes praticadas na venda de lotes, mas o desrespeito às normas urbanísticas.

Neste particular, salienta-se que o parcelamento mencionado nas infrações penais da Lei nº 6.766/79 não se limita à divisão de terrenos com intenção de venda, pois não houve qualquer menção a essa finalidade nas elementares do tipo. Diversamente do que dispunha o Decreto-Lei nº 58/37, “o qual expressamente se referiu às propriedades de terras ou terrenos que pretendessem vendê-los divididos em lotes e por oferta pública41”.

Rui Geraldo Camargo42 salientou que, na época em que a Lei do Parcelamento do Solo Urbano entrou em vigor, “o legislador, agora, dá ênfase à submissão dos parcelamentos à disciplina urbanística vigente, certo de que, destinado ou não à venda, o retalhamento do solo para fins de edificação interferirá, de qualquer maneira, com os interesses da coletividade que urge preservar”.

41WALCACER, Fernando. op. cit., p. 207-208. 42VIANA, Rui Geraldo Camargo.

(29)

Esse aspecto evidencia o espírito da lei, focada na proteção da coletividade. Assim, os delitos urbanísticos podem se concretizar ainda que não ocorra a venda do lote, pois a ofensa aos bens jurídicos protegidos pela Lei nº 6.766/79 - administração publica, meio ambiente, desenvolvimento sustentável e moradia – independe de envolvimento de um particular lesado, tendo em conta que a regulamentação do espaço habitável não configura assunto de fundamental relevância apenas para os cidadãos individualmente considerados mas, principalmente, para a sociedade como um todo.

Assim sendo, a lei do parcelamento do solo urbano possui quatro dispositivos penais localizados no capítulo das “Disposições Penais”, nos artigos 50 a 52.

“Art. 50 – Constitui crime contra a administração pública:

I – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo urbano para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios;

II – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrativo de licença.

III- fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.

Pena. Reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinquenta) vezes o maior salário mínimo vigente no país.

Parágrafo único. O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido:

I – por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no registro de imóveis competente;

(30)

Pena. Reclusão de 01 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no país.

Art. 51 – Quem, de qualquer modo, concorra para a prática de crimes previstos no artigo anterior desta lei incide nas penas a estes cominadas, considerados em especial os atos praticados na qualidade de mandatário de loteador, diretor ou gerente de sociedade.

Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)

Art. 52 – Registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes, registrar o compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetuar registro de contrato de venda de loteamento ou desmembramento não registrado.

Pena. Detenção de 1 (um) ano a 2 (dois) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinquenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis.”

3.1. Conceito de parcelamento do solo urbano

Parcelamento do solo urbano não só é o tema da lei onde estão previstas as infrações penais em estudo, mas também é elementar dos tipos penais em questão, razão pela qual é essencial esclarecer o seu conceito.

José Afonso da Silva43 define o parcelamento urbanístico do solo como “o processo de urbanificação de uma gleba, mediante sua divisão ou redivisão em parcelas destinadas ao exercício das funções elementares urbanísticas”.

Para compreensão dessa definição, o mesmo autor traz o conceito de gleba como sendo “a área de terra que não foi ainda objeto de arruamento ou de loteamento44” e estabelece uma importante diferenciação entre urbanização e urbanificação, asseverando que a primeira é “o processo pelo qual a população urbana cresce em proporção superior à população rural45” e a segunda consiste na solução para os problemas causados pela primeira

43SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, cit., p. 329. 44Id., loc. cit.

(31)

mediante a “intervenção do Poder Público, que procura transformar o meio urbano e criar novas formas urbanas46”.

O parcelamento do solo urbano é concretizado mediante os seguintes institutos: loteamento, desmembramento, desdobro, arruamento e reparcelamento.

O arruamento é “a divisão do solo mediante a abertura de vias de circulação e a formação de quadras entre elas47”. O loteamento, por sua vez, “é a divisão das quadras em lotes com frente para o logradouro público48”. Já o desmembramento é “a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação,

com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique a abertura de novas vias e logradouros públicos, nem o prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes49”. Desdobro consiste na “divisão da área do lote para formação de novo ou de novos lotes50”. Por fim, o reparcelamento é “a modificação ou subdivisão de uma quadra, pelo reagrupamento de lotes e/ou partes de lotes de que resulte nova distribuição de unidade ou áreas dos lotes51”

A Lei do Parcelamento do Solo Urbano aplica-se tão somente a algumas modalidades de parcelamento, quais sejam, ao loteamento e ao desmembramento, nos termos do que dispõe o seu artigo 2º: “o parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes”.

46SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, cit., p. 27. 47Id. Ibid., p. 332.

48Id., loc. cit.

49Artigo 2º, § 2º, da Lei nº 6.766/79. 50SILVA, José Afonso da.

(32)

O que determina o enquadramento do desdobramento do solo na Lei nº 6.766/79 é a aptidão desse fracionamento para formação de um novo núcleo habitacional ou para modificar a densidade urbana52.

No tocante aos crimes previstos nessa lei em todas as condutas são mencionadas as elementares “loteamento” e “desmembramento”. Por óbvio, só ocorrerão esses delitos nessas hipóteses de parcelamento do solo urbano. No caso de parcelamento do solo rural não haverá delito por ausência de previsão legal.

Nesse sentido, observa-se que os loteamentos rurais são regidos pelo Decreto-Lei nº 58/37 e Instrução Normativa 17-B, do INCRA. O parcelamento de um imóvel rural para fins urbanos pressupõe que o Município o enquadre como zona urbana ou de expansão urbana, bem como comprovação da alteração da sua destinação de imóvel rural para urbano com

apresentação de documento pelo INCRA53.

Assim sendo, quando ocorrer a prática de desdobro, arruamento ou

reparcelamento, o fato será atípico.

As hipóteses de parcelamento contrário à lei são chamadas pela doutrina de parcelamento ilegal – gênero do qual são espécies o parcelamento urbano irregular e parcelamento urbano clandestino.

O parcelamento irregular é aquele em que não foram observadas todas as regras urbanísticas. Já o parcelamento clandestino resulta da falta de

52STF, Relator Ministro Sydney Sanches, HC 67444-SP, 16.05.1989, Primeira Turma. 53GALHARDO, João Baptista.

(33)

conhecimento das autoridades públicas. A esse respeito ensina Sergio A. Frazão do Couto54:

“Entendemos que parcelamentos urbanos clandestinos são os executados

sem o conhecimento das autoridades públicas mesmo que obedeçam às regras urbanísticas traçadas pela Municipalidade”.

Parcelamentos urbanos irregulares são os que, tendo atendido a

algumas exigências legais, não as atenderam na totalidade”.

Diógenes Gasparini55 ensina que a diferença entre o parcelamento irregular e o parcelamento clandestino é que o primeiro possui aprovação.

Essa classificação é importante para determinar o grau de violação à lei que apresenta um dado parcelamento. Caso ele seja clandestino atingirá a nossa legislação de forma mais grave e, se irregular, a violação será menos intensa.

Outra classificação importante é a que utiliza como critério a fase em que o parcelamento se encontra, podendo ser parcelamento material ou parcelamento jurídico, conforme distinção realizada por Pontes de Miranda. O loteamento material compreenderia as ações de “fazer indicável algum terreno novo, a ser cortado do velho” e de “cortar o terreno antigo para se separar algum terreno novo”, enquanto o loteamento jurídico corresponderia “à sua entrada na esfera do Direito”56.

Beatriz Augusta Pinheiro Samburgo57 exemplifica tais modalidades de parcelamento, aclarando o seu significado: “parcelamento material que compreende os atos de modificação física da gleba, tais como: desmatamentos, abertura de ruas (arruamento), dos espaços livres, das áreas institucionais; a demarcação (piqueteamento) das ruas, quadras e lotes;

54COUTO, Sergio A. Frazão do. Manual teórico e prático do parcelamento urbano. 1. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1981. p. 376-377.

55GASPARINI, Diógenes. O Município e o parcelamento do solo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 129. 56AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 207.

57SAMBURGO, Beatriz Augusta Pinheiro. Dos crimes da lei de parcelamento do solo para fins urbanos: Lei

(34)

execução de guias, sarjetas, redes de água, esgoto, etc” e “parcelamento jurídico que compreende os atos de registro no C.R.I. e comercialização dos novos terrenos (lotes).

Frise-se que a abertura de ruas (arruamento) apenas terá repercussão penal quando realizada como etapa de um loteamento.

3.2. Fato típico

O estudo do fato típico nos crimes de parcelamento ilegal merece destaque, principalmente porque parte da doutrina critica a forma como esses delitos estão descritos, sobretudo em razão da amplitude conferida aos tipos penais por elementos normativos, tais como os conceitos de loteamento, desmembramento, contrato, entre outros.

Os elementos normativos “são aqueles que exigem um juízo de valor para o seu conhecimento. Dizem respeito a certo dado ou realidade de ordem jurídica ou não (...). Nessa espécie de elemento faz-se mister um ato de valoração para a apreensão do seu conteúdo58”. Logo, o fato de haver diversos elementos normativos nos tipos penais enseja um amplo campo de interpretação do seu alcance pelos operadores do direito.

Anote-se, ainda, que os crimes previstos nos artigos 50, inciso I e II são normas penais em branco, pois os seus conteúdos dependem de complementação - no primeiro caso os complementos são “as disposições desta lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios” e no segundo, as “determinações constantes do ato administrativo de licença”. Tal circunstância também contribui para a

58PRADO, Luiz Regis.

(35)

amplitude dos delitos urbanísticos, tão criticada pela doutrina por prejudicar o postulado da determinação taxativa.

Luiz Regis Prado59 conceitua a lei ou norma penal em branco ”como aquela em que a descrição da conduta punível se mostra lacunosa ou incompleta, necessitando de outro dispositivo legal para a sua integração ou complementação”.

Guilherme de Souza Nucci60 pondera que nas normas penais em branco o “preceito primário é indeterminado quanto a seu conteúdo, mas o preceito sancionador é determinado”. Destarte, tal autor as divide em normas

impropriamente em branco que “se valem de fontes formais homogêneas, não

penais” e normas propriamente em branco que “se utilizam de fontes formais

heterogêneas, porque o órgão legiferante é diverso e sempre fora do âmbito do Direito Penal”.

Na hipótese em questão, as normas penais em branco são complementadas por dispositivos da própria Lei do Parcelamento do Solo

Urbano, e também por normas federais, estaduais e municipais. Conclui-se, pois, que as normas penais em branco relativas aos crimes de parcelamento ilegal do solo urbano ora serão normas impropriamente em branco – quando complementadas por dispositivos não penais da própria lei nº 6.766/79 e de outras leis federais relacionadas à competência urbanística da União – e ora serão normas propriamente em branco – quando os seus complementos se localizarem em leis e normas do Distrito Federal, Estados e Municípios, referentes às competências urbanísticas destes entes federados.

59PRADO, Luiz Regis. op. cit., v. 1, p. 185. 60NUCCI, Guilherme de Souza.

(36)

Nesse sentido, importante trazer à baila o conteúdo dos artigos 1º e 2º da Lei nº 6.766/79, que estabelecem expressamente que o regramento do parcelamento urbano também está sujeito às disposições dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o que está em consonância com as competências em matéria urbanística previstas na Constituição Federal61:

“Art. 1º – O parcelamento do solo para fins urbanos será regido por esta lei.

Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo municipal para adequar o previsto nesta lei às peculiaridades regionais e locais.

Art. 2º – O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes”.

Ressalta-se, ainda, que os tipos penais estudados são classificados como tipos penais abertos, pois não trazem a descrição completa da conduta incriminada, que tem como pressuposto outras normas62.

Luciano Caseiro63, já na época da elaboração do projeto de lei que originou a Lei nº 6.766/79, desaprovou a forma de definição das infrações

61José Afonso da Silva ensina sobre a repartição de competências entre os entes federados que “à União

compete editar normas gerais de urbanismo e estabelecer o plano urbanístico nacional e planos urbanísticos macrorregionais (arts. 21, XX e XXI, e 24, I, e § 1º); aos Estados cabe dispor sobre normas urbanísticas regionais (normas de ordenação do território estadual), suplementares das normas gerais estabelecidas pela União (art. 24, I, e § 2º), o plano urbanístico estadual (plano de ordenação do território estadual) e planos urbanísticos regionais (planos de ordenação territorial de região estabelecida pelo Estado, que podem ter natureza de planos de coordenação urbanística na área); aos Municípios cabe estabelecer a política de desenvolvimento urbano, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182), promover o adequado ordenamento do seu território , mediante o planejamento e o controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, elaborando e executando, para tanto, o plano diretor (art. 30, VIII). A competência municipal não é meramente suplementar de normas gerais federais ou de normas estaduais, pois não são criadas com fundamento no art. 30,II. Trata-se de competência própria que vem do texto constitucional” (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro,cit., p. 65).

62FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo:

Ed. Revista dos Tribunais, 2006. p. 36.

63CASEIRO, Luciano.

(37)

penais constantes no aludido projeto, dizendo que “ ‘data máxima venia’, se

ressente daquela técnica usada pelos nossos juristas luminares que confeccionaram o Código Penal, tais como Costa e Silva, Vieira Braga, Nelson Hungria, Narcelio de Queiroz, Abgar Renault. Essa falta de técnica, onde se nota a preocupação do legislador em multiplicar o número de atos com conjunções continuativas e adversativas, numa mesma definição, somente serve para confundir o exegeta, em proveito exclusivo do ato reprovável”.

Dirceu de Mello64 destaca a impropriedade dos dispositivos penais da Lei nº 6.766/79: “(...) a mim me parece que os dispositivos dessa lei são excessivamente exaustivos. Não são singelos, não são objetivos, não são

diretos. Se isso se pode justificar, se pode perdoar, quando a matéria tratada é de natureza administrativa, a mim me parece que essa orientação é absolutamente indesculpável quando nós estamos considerando as normas de caráter penal”.

Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha Bueno65 sustenta a ausência de técnica legislativa na elaboração dos tipos penais em comento, dizendo que não houve observância do princípio da legalidade:

“Se o tipo penal aberto se coloca como uma das deficiências mais graves passíveis de se verificar em uma norma penal, no caso da LPSU esta deficiência ganhou foros de cidade, visto que um dos problemas de maior complexidade prática que se registra é a dificuldade de delimitação objetiva entre o que venha a ser um ato regular de manifestação do direito de propriedade, daquilo que seja efetivamente uma conduta típica enquadrável como início de parcelamento”.

64MELLO, Dirceu de. Crimes no parcelamento irregular do solo urbano e nas vendas de loteamentos

irregulares. Revista do Advogado, São Paulo, n. 24, p. 20, 1987.

65O fato típico nos delitos da lei do parcelamento do solo urbano (Lei nº 6.766 de 19 de dezembro de 1979),

(38)

Ruy Rosado de Aguiar Júnior66 também censura o método adotado na construção das aludidas normas penais:

“O legislador adotou método desrecomendado, apesar de não fazê-lo pela primeira vez, consistente em prescrever as condutas devidas e, ao fim, simplesmente, afirmar ser crime todas as ações contrárias às normas de dever, deixando de descrever o fato e equiparando a tipicidade à antijuridicidade, com o que se feriu o princípio da reserva legal. Norma dessa natureza somente pode ser aceita e aplicada com grande cautela, limitando-se o número das disposições que possam ser invocadas como normas complementares àquelas que estabeleçam condições indispensáveis à aprovação e execução do projeto cuja desatenção crie a probabilidade de dano à administração pública”.

Dirceu de Mello67 comenta, ainda, que os delitos em questão são tipos penais abertos e, por esta razão, “coloca-se na mão do juiz criminal uma dose de arbítrio extraordinário na interpretação do dispositivo”.

Realmente, diante das características dos tipos penais em epígrafe, apenas será possível a sua aplicação a partir de uma delimitação das condutas incriminadas, estabelecendo-se quais normas complementam o conteúdo desses delitos. Se assim não fosse, ocorreria mácula ao princípio da legalidade, pois é imprescindível que os delitos fixem os pressupostos fundamentais de punibilidade68, sob pena de se obstar o direito à defesa.

Ruy Rosado de Aguiar Júnior69 propõe a limitação das disposições que possam ser utilizadas como complemento aos aludidos delitos, o que realmente facilita a compreensão do alcance dos aludidos tipos penais. No âmbito da Lei nº 6.766/79 entende que podem ser considerados complementos o artigo 3º, parágrafo único70 que proíbe o parcelamento em

66AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 210-211. 67MELLO, Dirceu de. op. cit., p. 21-22.

68SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. Necesidad y legitiación de la intervención em la tutela de la ordenación

del territorio. In: MATA BARRANCO, Norberto J. de la (Coord.). Delitos contra el urbanismo y la ordenación del territorio. Oñati: IVAP-Instituto Vasco de Administración Pública, 1998. p. 30.

69AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 210-211. 70“Parágrafo único. Não será permitido o parcelamento do solo:

(39)

determinados terrenos e áreas; o artigo 4º, inciso II71, que dispõe sobre área e testada mínimas; os artigos 1772 e 4373 sobre alteração da destinação de áreas públicas; o artigo 2174, que veda registros simultâneos; o artigo 3775, que estabelece a proibição de vender lote de parcelamento não registrado e os artigos 1876, VI, 2677 e 3878 que determinam que o loteador tem o dever de contratar de acordo com o contrato-padrão depositado no cartório.

II – em terrenos que tenham sido aterrados com material noviço à saúde pública, sem que sejam previamente saneados;

III- em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo as atendidas exigências específicas das autoridades competentes;

IV - em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;

V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção”.

71“Art. 4 – Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:

III – os lotes terão área mínima de 125 m² (cento e vinte e cinco metros quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando a legislação estadual ou municipal determinar maiores exigências, ou quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes”.

72“Art. 17 – Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e

outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter a sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de caducidade da licença ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas as exigências do artigo 23 desta lei”.

73“Art. 43 – Ocorrendo a execução de loteamento não aprovado, a destinação de áreas públicas exigidas no

inciso I do artigo 4 desta lei não poderá alterar, sem prejuízo da aplicação das sanções administrativas, civis e criminais previstas”.

74“Art. 21 - Quando a área loteada estiver situada em mais de uma circunscrição imobiliária, o registro será

requerido primeiramente perante aquela em que estiver localizada a maior parte loteada. Procedido o registro nessa circunscrição, o interessado requererá, sucessivamente, o registro do loteamento em cada uma das demais, comprovando perante cada qual o registro efetuado na anterior, até que o loteamento seja registrado em todas. Denegado o registro em qualquer das circunscrições, essa decisão serão comunicadas, pelo oficial do registro de imóveis, às demais para efeito de cancelamento dos registros feitos, salvo se ocorrer a hipótese prevista no parágrafo quarto, deste artigo.

§ 4º - O indeferimento do registro do loteamento em uma circunscrição não determinará o cancelamento do registro procedido em outra, se o motivo do indeferimento naquela não se estender à área situada sob a competência desta, e desde que o interessado requeira a manutenção do registro obtido, submetido o remanescente do loteamento a uma aprovação prévia perante a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso”.

75“Art. 37 – É vedado vender ou prometer vende parcela de loteamento ou desmembramento não registrado”. 76“Art. 18 – Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao

registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, acompanhado dos seguintes documentos:

VI – exemplar do contrato-padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no artigo 26 desta lei”.

77“Art. 26 – Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão ser feitos por

escritura pública ou por instrumento particular, de acordo com o modelo depositado na forma do inciso VI do artigo 18 e conterão, pelo menos, as seguintes indicações;”

78“Art. 38 – Verificado que o loteamento ou desmembramento não se acha registrado ou regularmente

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