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3. OS CRIMES DE PARCELAMENTO ILEGAL DO SOLO URBANO (ARTIGOS

3.2. Fato típico

3.2.1. Tipos penais em espécie

3.2.1.5. Artigo 52

“Artigo 52 - Registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes, registrar o compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetuar registro de contrato de venda de loteamento ou desmembramento não registrado.

Pena: Detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis.”

O artigo 52 traz um crime funcional, pois apenas pode ser praticado pelo oficial de registro de imóveis, bem como pelo escrevente substituto, que possui capacitação técnica plena e está habilitado a praticar simultaneamente com o titular todas as funções próprias do oficial titular136, entre as quais a de registrar títulos. Tanto o oficial de registro de imóveis como os escreventes autorizados se enquadram no conceito penal de funcionário público estabelecido no artigo 327 do Código Penal.

Este delito evidencia o relevo que foi dado à função do oficial de registro de imóveis, o qual realiza a qualificação registral dos títulos que lhe

135“Repristinação é o nome que se dá a fenômeno que ocorre quando uma norma revogadora de outra

anterior, que, por sua vez, tivesse revogado uma mais antiga, recoloca esta última novamente em estado de produção efeitos. Esta verdadeira restauração de eficácia é proibida em nosso Direito, em nome da segurança jurídica, salvo se houver expressa previsão da nova lei, conforme preceitua o art. 2º, § 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil.” (MORAES, Alexandre de. op. cit., p. 618).

são apresentados a fim de garantir que os loteamentos e desmembramentos sejam realizados de acordo com as disposições urbanísticas.

O tipo penal descreve duas condutas: o registro de loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes e o registro de compromisso de compra e venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou contrato de venda de loteamento ou desmembramento não registrado.

Na primeira hipótese o oficial concorda em registrar um loteamento ou desmembramento em desacordo com a lei, pois o registro pressupõe a prévia aprovação dos órgãos competentes, ou seja, do Município e, excepcionalmente, dos Estados ou Distrito Federal, no caso de áreas de interesse especial. No segundo caso, o oficial registra indevidamente contrato de venda, compromisso ou cessão ou promessa de cessão de direitos, pois tais instrumentos só podem ser registrados quando o loteamento ou desmembramento já estiver registrado.

Ivan Carlos de Araújo137 critica a redação do tipo penal, porque

sustenta que para que o segundo verbo do tipo, “registrar”, seja usado para se punir condutas, será necessário utilizar o objeto vinculado ao terceiro verbo, “efetuar”, isto é, “de loteamento ou desmembramento não registrado”, para se ter a descrição da conduta “registrar o compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos de loteamento ou desmembramento não registrado”, o que seria uma violação ao princípio da legalidade.

Entretanto, em que pese a redação inapropriada do artigo 52, a conclusão de que o complemento “loteamento ou desmembramento não registrado” refere-se ao núcleo “registrar” não viola o princípio da legalidade,

pois evidente que tal complemento apenas não constou após o núcleo registrar para que não houvesse repetição.

Por outro lado, a redação deste tipo penal seria mais clara caso fosse reformulado a fim de englobar os núcleos “registrar” e “efetuar registro” no mesmo núcleo, passando a constar “registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes, registrar o compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou o contrato de venda de loteamento ou desmembramento não registrado”.

Destaca-se que se exige que os funcionários públicos mencionados atuem com dolo, ou seja, tenham conhecimento de que realizam um registro ilegal. Caso contrário, se atuarem de boa-fé ou mediante erro, não responderão pelo delito.

Não obstante a importância deste delito, o anteprojeto de reforma do Código Penal nada estabeleceu quanto à responsabilidade criminal do oficial de registro de imóveis e seu substituto.

Em contrapartida, o projeto de lei nº 3057/2000 repetiu a redação do atual dispositivo penal sobre a matéria, não realizando as alterações necessárias para a melhor compreensão do seu alcance:

“Art. 101. Registrar parcelamento não licenciado pela autoridade competente, registrar o compromisso de venda e compra, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetuar registro de contrato de venda e compra relativo a parcelamento do solo para fins urbanos não registrado: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.”

Tal projeto aumentou os patamares mínimo e máximo da pena privativa de liberdade, bem como a natureza da pena, isto é, passou a ser de

reclusão. Contudo, como já dito, o aumento da pena privativa de liberdade não é o caminho para a atuação do Direito Penal nesta seara.

Tanto o anteprojeto de reforma do Código Penal quanto o projeto de lei nº 3057/2000 propõem a criação do delito de licença ilegal, inovação em relação à legislação vigente. O primeiro estabelece tal crime no artigo 373:

“Art. 373. Conceder licença para edificação, demolição, alteração, loteamento, parcelamento do solo, incorporação imobiliária ou qualquer outra forma de ocupação do solo urbano, em manifesta contrariedade às normas legais de ordenamento urbano.

Pena – Reclusão, de dois a cinco anos, e multa

Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem faz uso da licença a que se refere este artigo.”

Delito semelhante é previsto no projeto de lei nº 3057/2000: “Art. 102. Expedir:

I – licença integrada sem a observância das disposições desta Lei ou em desacordo com as normas urbanísticas ou ambientais;

II – títulos de legitimação de posse a quem sabidamente não preencha os requisitos exigidos em lei:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 1º Comete também o crime previsto no inciso II do caput aquele que, mediante declaração falsa ou outro meio fraudulento ou enganoso, contribui para a expedição indevida do título de legitimação de posse. § 2º Sendo o infrator funcionário público, considera-se a conduta infração disciplinar punida na forma da lei.”

Nesse tipo penal a falta de determinação quanto aos seus elementos dificultaria a sua aplicação. Na hipótese do inciso I a lei não esclarece a quais tipos de licença se relaciona e tampouco concede parâmetros para se alcançar tal informação. O inciso II também é por demais genérico, porquanto não

esclarece em que contexto de expedição de título de legitimação tal conduta é praticada.

Importante mencionar que estes dispositivos penais alcançam condutas que nunca foram punidas no nosso ordenamento jurídico, mas que se assemelham a infrações penais prevista no Direito Francês, Italiano e, principalmente no Direito Espanhol138.

Interessante observar que se pretende punir não apenas a concessão de licença ilegal para parcelamento do solo, mas também outras formas de ocupação do solo. Há previsão de responsabilização do funcionário público que concede a licença ilegal e também daquele que a utiliza.

A iniciativa do legislador de criminalizar a concessão de licenças irregulares deve ser aplaudida, pois “muitos problemas urbanísticos poderiam ser evitados, caso o Poder Público não concorresse com licenças irregulares139”, bem como se estas não fossem utilizadas por aqueles que têm conhecimento de que elas desrespeitam as normas urbanísticas.

Como o objetivo deste trabalho não é analisar de forma profunda todos os dispositivos dos projetos mencionados, a análise limitou-se à proposta de tipo penal que traz idéia inovadora, estendendo a atuação do Direito Penal em matéria urbanística, bem como aos aspectos relacionados aos tipos penais hoje vigentes com o objetivo de buscar alternativas às imprecisões da lei atual.

138Nesse sentido o artigo 320 do Código Penal Espanhol: “1. La autoridad o funcionario público que, a

sabiendas de su injusticia, haya informado favorablemente proyectos de edificación o la concesión de licencias contrarias a las normas urbanísticas vigentes será castigado com la pena establecida en el art. 404 de este Código, y, además, com la de prisión de seis meses a dos años o la de multa de doce a veinticuatro meses.

2. Con las mismas penas se castigará a la autoridad o funcionário público que por sí mismo o como miembro de um organismo colegiado haya resuelto o votado a favor de su concesión a sabiendas de su injusticia”.

Observa-se que o projeto de lei nº 3057/2000 ampliou os dispositivos penais sobre a matéria, aumentou as penas e acrescentou qualificadoras, que podem ser observadas no anexo 3. Contudo, não houve preocupação do legislador em melhorar a redação dos tipos penais hoje vigentes, ponto da atual legislação que é mais criticado na nossa doutrina e que deve ser o enfoque em proposta legislativa de alteração dos delitos em estudo. Neste particular, andou melhor o anteprojeto de lei de reforma do Código Penal, que em alguns aspectos aperfeiçou a redação dos tipos penais, apesar de ter excluído condutas importantes à proteção dos bens jurídicos tutelados pelos delitos urbanísticos.

No documento Maria Isabel Rebello Pinho Dias (páginas 65-70)