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Artigo 50, inciso III

No documento Maria Isabel Rebello Pinho Dias (páginas 52-57)

3. OS CRIMES DE PARCELAMENTO ILEGAL DO SOLO URBANO (ARTIGOS

3.2. Fato típico

3.2.1. Tipos penais em espécie

3.2.1.2. Artigo 50, inciso III

“Artigo 50, III – fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.

Pena – reclusão, de um a quatro anos e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País.”

O crime previsto no artigo 50, inciso III não se relaciona aos atos de parcelamento material, ou seja, aos atos de efetivação da divisão do terreno, mas à oferta de loteamento ou desmembramento. Logo, ainda que possua como bem jurídico principal a administração pública, também protege os particulares que negociam loteamentos e desmembramento e precisam ter acesso a informações verdadeiras sobre a sua legalidade, não apenas para que sejam observados os princípios consumeristas113, mas também a fim de resguardar os seus patrimônios individuais.

O inciso III do artigo 50 também é um tipo misto alternativo, pois possui três núcleos, quais sejam, “fazer”, “veicular” e “ocultar”, mas a prática de mais de uma das ações previstas no tipo enseja apenas um crime.

É desnecessária a existência desses dois verbos, pois o núcleo “fazer” abrange o “veicular”. Isso porque o primeiro núcleo se refere à realização de uma afirmação falsa, conduta ampla que abrange a veiculação de afirmação falsa, pois esta última significa divulgação – uma das formas pelas quais pode ser realizada uma afirmação falsa.

113Claudia Lima Marques comenta sobre o direito à informação e o princípio da transparência: “o princípio da

transparência rege o momento pré-contratual e rege a eventual conclusão do contrato. É mais do que um simples elemento formal, afeta a essência do negócio, pois a informação repassada ou requerida integra o conteúdo do contrato (arts. 30, 33, 35, 46 e 54), ou se falha representa a falha na qualidade do produto ou do serviço oferecido (arts. 18, 20 e 35). Resumindo, como reflexos do princípio da transparência temos o novo dever de informar o consumidor” (MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006., p. 178).

A conduta delitiva descrita pelos verbos “fazer” e “veicular” traz uma situação de falsidade ideológica114, pois o agente faz afirmação inverídica sobre a legalidade de parcelamento. Ressalta-se que apenas ocorrerá o crime quando a informação falsa relacionar-se à legalidade do parcelamento. Caso o falso seja usado como meio para a busca de vantagem ilícita, ocorrerá crime de estelionato115.

O comportamento de “ocultar” significa omitir. O tipo narra “ocultar fraudulentamente fato a ele relativo”, ou seja, a conduta é realizada com intuito de enganar aquele que está interessado em adquirir desmembramento ou loteamento. O elemento “fato a ele relativo” deve ser interpretado como sendo tão somente aspectos relacionados à ilegalidade do parcelamento ou loteamento do solo, entendimento que está em consonância com a redação do tipo que estabelece tal limitação em relação aos núcleos “fazer” e “veicular”116.

Registre-se o posicionamento de Ivan Carlos de Araújo de que o núcleo “ocultar” deve ser compreendido como esconder, pois se trata de uma ação. Assim, para esse autor o núcleo do tipo traria uma conduta comissiva, como, por exemplo, quando se apaga uma informação contida em averbação na matrícula (bloqueio impedindo o registro de qualquer venda do imóvel, por ilegalidade de loteamento nele implantado), cuja cópia passa a integrar o prospecto de um empreendimento117.

114Cezar Roberto Bitencourt esclarece que na falsidade ideológica “a forma do documento é verdadeira, mas

seu conteúdo é falso, isto é, a idéia ou declaração que o documento contém não corresponde à verdade (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 4, p. 362).

115AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 218.

116ARAÚJO, Ivan Carlos de. Os crimes de parcelamento do solo urbano no direito brasileiro. 2004.

Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, São Paulo, 2004. p. 114.

Tal entendimento é o mais consentâneo com o tipo penal, que não estabelece nenhuma conduta devida durante a negociação do lote, o que seria essencial para que o núcleo “ocultar” fosse compreendido como uma conduta omissiva.

A afirmação falsa pode ocorrer tanto por meio escrito, como por proposta, contrato ou prospecto, ou por outros meios, pois o elemento “comunicação ao público” tem grande amplitude, abrangendo televisão, rádio, cinema, etc.118

Ressalta-se que este inciso reflete a idéia que originou os dispositivos penais hoje vigentes em matéria urbanística, porquanto inicialmente o legislador preocupava-se apenas em proteger os adquirentes de lotes. Posteriormente, percebeu-se que tal proteção era secundária em relação à necessidade de tutela do cumprimento das diretrizes urbanísticas, razão pela qual tal crime se insere entre os delitos de parcelamento ilegal do solo urbano.

A doutrina admite a hipótese de tentativa para o delito em tela. Paulo Thomaz Alves da Cunha Bueno119 sustenta que o conatus é viável, exemplificando tal entendimento com a hipótese de um agente que, pretendendo fazer uma campanha publicitária sobre um loteamento ou desdobramento, mediante a distribuição de prospectos com informações falsas sobre a legalidade do empreendimento, é surpreendido quando iria remeter o material.

No mesmo sentido Ruy Rosado de Aguiar Júnior120, que prevê a possibilidade de tentativa para o tipo penal em questão no caso das ações de

118VIANA, Marco Aurélio S. Comentários à Lei sobre Parcelamento do Solo Urbano. São Paulo: Saraiva,

1980. p. 141.

119BUENO, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha. op. cit., p. 119. 120AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 217.

afirmação falsa não verbais: “Assim, a elaboração de documentos (que em outros tipos pode ser a consumação), a impressão de propostas ou prospectos etc., são atos de execução, mas insuficientes para caracterizar o crime consumado, que só se realiza com o conhecimento da afirmação falsa, por terceiros. Se não ocorrer o conhecimento por circunstâncias alheias à vontade do agente, a ação restringiu-se ao âmbito da tentativa”.

O anteprojeto de reforma do Código Penal propôs uma norma incriminadora a fim de substituir o delito em estudo. Tal norma torna mais clara a sua redação, solucionando grande parte das críticas doutrinárias:

“Fraude em loteamento ou parcelamento do solo urbano

Art. 372. Fazer, em proposta, qualquer comunicação ao público ou aos interessados, ou em contrato, afirmação falsa ou omitir aquela que deveria constar, sobre a legalidade de loteamento ou de qualquer outra forma de parcelamento do solo urbano.

Pena – Reclusão, de um a quatro anos, e multa.”

Observa-se que o legislador retirou do tipo penal o núcleo “veicular” cujo sentido é abrangido pelo núcleo “fazer”. Destarte, excluiu o termo “ocultar” que acarretava dúvidas quanto a referir-se a conduta omissiva ou comissiva, substituindo-o pelo núcleo “omitir” que indubitavelmente se relaciona a conduta omissiva. Destarte, o legislador esclareceu que a omissão diz respeito apenas a aspectos sobre a legalidade do loteamento ou desmembramento, o que também é duvidoso no atual tipo penal.

Outra particularidade do tipo penal proposto que merece ser aplaudida é a vinculação da omissão a uma conduta devida, sob pena de se tornar inaplicável como ocorre no atual diploma legal.

Entende-se, portanto, que a redação proposta pelo anteprojeto refinaria a redação do atual tipo penal, sem promover mudança na pena privativa de liberdade, o que é mais adequado à espécie.

O projeto de lei nº 3057/2000 apresentou proposta ampliativa do tipo penal:

“Art. 104. Fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto, anúncio ou comunicação ao público ou a interessado, informação total ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor sobre o parcelamento do solo: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. No caso de pessoa física ou jurídica que atua na corretagem de imóveis e do corretor de imóveis, aplica-se o disposto no art. 21 da Lei nº 6.530, de 12 de maio de 1978, sem prejuízo da responsabilização penal da pessoa física, na forma do caput.”

Tal norma incriminadora não se limitou a punir as afirmações falsas ou omissões relacionadas à legalidade do parcelamento, mas abrangeu também outras informações aptas a induzir em erro o consumidor. Essa ampliação do alcance da norma incriminadora não se justifica, porque a conduta acrescentada pelo aludido tipo penal já é incriminada de forma genérica no artigo 66 do Código de Defesa de Consumidor, aplicável à situação em que, durante a comercialização de lote entre consumidor e fornecedor, omitem-se informações ou faz-se afirmação falsa sobre aspecto relevante do parcelamento que não se relacione a sua legalidade:

“Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

De mais a mais, permanece a repetição de núcleos do tipo, pois “fazer” abrange “veicular”. Demais disso, usou-se a expressão “por qualquer outro modo” que não é recomendável em razão da sua amplitude. A inclusão do parágrafo único também é despicienda, considerando que se limita a dizer o óbvio, ou seja, que a responsabilização na esfera administrativa é independente da responsabilização no âmbito criminal.

No documento Maria Isabel Rebello Pinho Dias (páginas 52-57)