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Os mandados de criminalização na nova ordem constitucional e a lei do

No documento Maria Isabel Rebello Pinho Dias (páginas 95-109)

4. A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO PENAL E A CONSTITUIÇÃO

4.2. Os dispositivos penais da Lei nº 6.766/79 e a Constituição Federal de 1988

4.2.1. Os mandados de criminalização na nova ordem constitucional e a lei do

A conclusão de que de que a Lei nº 6.766/76 foi recepcionada pela nova ordem constitucional pode ser obtida a partir da análise de mandados de criminalização expressos e implícitos sobre a matéria urbanística existentes na nossa lei maior, bem como da legislação elaborada após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988.

De proêmio, observa-se que os dispositivos da Lei do Parcelamento do Solo Urbano têm como objeto o meio ambiente artificial – uma das facetas do conceito mais amplo de meio ambiente.

Segundo José Afonso da Silva197 o meio ambiente deve ser analisado sob três aspectos: I) o meio ambiente artificial é constituído “pelo espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e dos equipamentos públicos (ruas, praças, áreas verdes, espaços livres em geral: espaço urbano aberto)”; II) o meio ambiente cultural é integrado “pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que, embora artificial, em regra, como obra do homem, difere do anterior (que também é cultural) pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que se impregnou” e III) o meio ambiente natural é constituído “pelo solo, a água, o ar atmosférico, a flora, enfim, pela interação dos seres vivos e seu meio, onde se dá a correção recíproca entre as espécies e as relações destas com o ambiente físico que ocupam”.

Embora a abrangência do direito urbanístico ainda não esteja bem delineada, pois ele ainda está em formação, é certo que há intersecções entre essas normas e os preceitos de direito ambiental, já que o primeiro é definido

por José Afonso da Silva198 como “conjunto de normas que têm por objeto organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade” e o segundo 199 “consiste no conjunto de normas jurídicas disciplinadoras da proteção da qualidade do meio ambiente”.

A relação entre esses dois campos do direito é bem analisada por João Roberto Salazar Junior 200 o qual conclui que “mesmo que as normas de Direito Urbanístico não apresentem como finalidade imediata a proteção do meio ambiente, atribuição exclusiva das normas ambientais, o fato de tutelarem obliquamente a qualidade de vida as tornam obrigatoriamente comprometidas com a proteção e preservação do meio ambiente”.

Com relação ao meio ambiente artificial “é forçoso reconhecer que ao disciplinar a organização dos espaços habitáveis, o Direito Urbanístico promove, indiretamente, a proteção do meio ambiente”.201

Assim, “a matéria urbanística está inserida em um contexto maior ligado à idéia de proteção do meio ambiente, expressão, por sua vez, de grande amplitude202”.

Dessa forma, quando a Constituição Federal prevê no seu artigo 225, caput e parágrafo 3º, que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações“ e que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os

198SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, cit., p. 49. 199Id. Direito ambiental constitucional, cit., p. 42.

200SALAZAR JUNIOR, João Roberto. O direito urbanístico e a tutela do meio ambiente urbano. In:

DALLARI, Adilson Abreu; DI SARNO, Daniela Campos Libório (Coord.). op. cit., p. 168.

201Id. Ibid., p. 169.

infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”, o alcance do conceito de “meio ambiente” deve ser compreendido a partir da concepção doutrinária mencionada, em que pese posição em sentido contrário.

De fato, no âmbito penal, o bem jurídico penal “meio ambiente” tem concepção ampla, abarcando não apenas o meio ambiente natural, mas também o meio ambiente artificial e cultural.

Guilherme de Souza Nucci203 conclui ao comentar a seção sobre os crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural existente na Lei nº 9.605/98 que se adotou o conceito de meio ambiente diversificado: “não se trata mais do meio ambiente natural mais conhecido da sociedade, composto pela flora, fauna etc. Está-se, agora, cuidando do meio ambiente artificial, chamado pela lei de ordenamento urbano, lugar onde habitam os seres humanos, em construções artificialmente erguidas, bem como meio ambiente cultural, envolvendo todos os aspectos históricos, arquitetônicos, científicos, etc.”

Na mesma linha Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas204 asseveram que na Lei nº 9.605/98 “o bem jurídico protegido é o meio ambiente em toda sua amplitude, na abrangência do conjunto”.

Importante mencionar que embora prevaleça o entendimento de que a nossa Constituição adota o conceito amplo de “meio ambiente”, registra-se posicionamento no sentido de que tal conceito deveria ser compreendido em uma acepção mais restrita. Luiz Regis Prado205 se manifesta nessa linha ao dizer que o conceito de meio ambiente “inclui, além dos recursos naturais

203NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista

dos Tribunais, 2007. p. 845.

204FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p. 38. 205PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente, cit., p. 72.

existentes na biosfera (ar, água, solo, fauna e flora), a relação do homem com esses elementos, visando lhe permitir condições de vida satisfatória (conceito ontológico ou natural de ambiente)”. Acrescenta que em matéria penal não se deve fundir os conceitos de meio ambiente natural, meio ambiente artificial e meio ambiente cultural, porque “(...), sobretudo em se tratando de uma proteção jurídico-penal, cujo arcabouço principiológico, constitucionalmente garantido torna imprescindível a delimitação exata e particularizada dos bens jurídicos protegidos206”

Priscila Kutne Armelin207 compartilha o mesmo entendimento de Luiz Regis Prado, adotando um conceito intermediário de meio ambiente pelo qual: “O meio ambiente enquanto bem jurídico-penal, na concepção intermediária (natural, física) significa a manutenção das propriedades do solo, ar, água, fauna, flora e das suas relações com o homem, de tal forma que o seu sistema ecológico se mantenha com seus sistemas subordinados e não sofra alterações substanciais”.

Entende-se que tal conceito mais restrito de meio ambiente não está em consonância com os demais dispositivos da Constituição Federal. Ocorre que o alcance do significado de “meio ambiente” deve ser obtido a partir da análise dos demais preceitos que constam no Capítulo VI, “Do Meio Ambiente”.

Desta maneira, o artigo 225, § 1º, inciso III estabelece que para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente incumbe ao Poder Público “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que

206PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente, cit., p. 301. 207ARMELIN, Priscila Kutne. op. cit., p. 159.

comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”. Este dispositivo relaciona-se inegavelmente não apenas ao meio ambiente natural, mas também ao meio ambiente artificial e cultural, pois menciona de forma genérica “espaços territoriais e seus componentes”. De mais a mais, os “atributos” que justificam a proteção de determinados espaços territoriais não se restringem aos recursos naturais de um espaço, mas também se referem a aspectos culturais e à ordenação territorial – necessariamente relacionados ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

Logo, a nova ordem constitucional estabelece que serão criminalizadas as condutas lesivas ao meio ambiente, entendido este como o meio ambiente natural, o meio ambiente cultural e o meio ambiente artificial . Essa interpretação é ratificada pela circunstância de as modalidades do meio ambiente serem interdependentes. Assim, muitas vezes o desenvolvimento irregular das cidades atinge o meio ambiente natural, como por exemplo, rios, o ar, o solo, e as matas, ocasionando tragédias como enchentes, desabamentos, poluição, etc.

Nessa linha, Maria Sylvia Zanella di Pietro208 observa que ficou superado o entendimento de que o urbanismo preocupa-se tão somente com o meio ambiente artificial:

“É interessante observar que o urbanismo, durante muito tempo, preocupou-se fundamentalmente com o meio ambiente no primeiro sentido assinalado, ou seja, levando em conta o meio ambiente artificial, resultante do trabalho do homem. O seu objetivo era essencialmente a ordenação da cidade ou, por palavras, era a disciplina do uso do solo urbano. Hoje a preocupação volta-se também para a área rural ou, como diz Adilson Abreu Dallari, o urbanismo ‘transcende o espaço da cidade,

do Município e da região, atingindo níveis nacionais e chegando, até mesmo, graças a extrema mobilidade e aos poderosíssimos recursos do homem contemporâneo, a exigir uma perspectiva universal’(in

Desapropriação para Fins Urbanísticos, Rio de Janeiro, Forense, 1981, p. 10)”.

Esses dispositivos complementaram os preceitos penais da Lei nº 6.766/79, a fim de tutelarem o “patrimônio histórico, cultural, artístico, arqueológico e paisagístico209”, proporcionando proteção penal ao meio ambiente sob os seus três aspectos, ressaltando-se que o meio ambiente cultural protegido pela Lei nº 9.605/98 não deixa de ser um meio ambiente artificial.

Destarte, as condutas de parcelamento ilegal do solo urbano são consideradas uma das mais graves violações à ordenação do território, pois acarretam transformações profundas e irreversíveis nos solos objeto de intervenção, tanto que estão entre os delitos urbanísticos mais gravemente apenados nas legislações da França e Itália210.

Assim, à luz do princípio da intervenção mínima, ou seja, da compreensão de que a restrição ou privação dos direitos fundamentais somente se legitima se estritamente necessária a sanção penal para a tutela de bens fundamentais ao homem, e mesmo de bens instrumentais indispensáveis a sua realização social211, tais condutas devem ser criminalizadas em face da relevância que a nossa ordem constitucional destinou aos bens jurídicos protegidos pelos crimes em estudo.

Nesse aspecto, ressalta-se que uma das críticas aos delitos urbanísticos previstos na Espanha é justamente a criminalização de condutas brandas, contrárias à ordenação do território, omitindo-se em relação a

209FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p. 234.

210Conforme José Luis de la Cuesta Arzamendi “parece más correcto entender, con otros autores, que la

mayor sanción del delito de parcelación ilegal se deriva de la transcendencia misma de la actividades parcelatorias, no ya por su possible condición de base para futuras infracciones urbanísticas, sino por sus efectos reales e frecuentes de transformación < profunda e irreversible> del suelo objeto de intervención” (DE LA CUESTA ARZAMENDI, José Luis. op. cit., p. 207).

comportamentos considerados graves como o parcelamento ilegal do solo urbano 212.

Em suma, os crimes previstos na Lei nº 6.766/79 foram recepcionados pela Constituição Federal, em razão da necessidade de intervenção penal no âmbito do parcelamento do solo urbano para proteção do meio ambiente, da ordenação territorial, do direito à moradia, bem como do adequado desenvolvimento das cidades, que são tutelados pelos delitos urbanísticos.

Essa conclusão é confirmada pela elaboração da Lei nº 9.605/98, posterior à entrada em vigor da nova Constituição, que cumpriu os seus anseios ao criminalizar as condutas lesivas ao meio ambiente natural e cultural. Não foi necessária a proteção do meio ambiente artificial, porque ele já estava tutelado pela Lei nº 6.766/79, recepcionada pela Constituição Federal.

Nessa perspectiva, anote-se que a Lei nº 9.605/98 foi criada a partir desse mandado de criminalização expresso e destinou seção específica aos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural, notando-se que

212Nesse sentido as propostas de reforma da legislação espanhola propostas por José Luis de la Cuesta

Arzamendi: “Especialmente llamativa es, em este sentido, la ausência de toda tipificación de las parcelaciones irregulares o abusivas, castigadas penalmente tanto por el derecho francés e italiano con las penas más graves y consideradas por la doctrina administrativa y la jurisprudência como los ataques de mayor trascendencia em este campo. Ciertamente, la tipificación de las parcelaciones ilegales penalmente relevantes habría de ser objeto central de las parcelaciones ilegales penalmente relevantes habría de ser objeto central de uma reforma de este capítulo del Código Penal, que debería estructurar las conductas típicas sobre la base de la alteración ilegal y esencial del destino del suelo, por médio de actividades de urbanización , edificación, uso del suelo o parcelación” (DE LA CUESTA ARZAMENDI, José Luis. op. cit., p. 219). Nessa linha também é a lição de Pedro Rodríguez LÓPEZ “No se acaba de entender la razón po la que, si existe clara vocación de despenalizar determinados delitos, convirtiéndolos en ilícitos administrativos – al considerarse que estas conductas no atentan contra los valores y princípios de la convivecia social -, la tendencia em materia de urbanismo y de ordenación del território sea la contraria, penalizándose conductas hasta ahora constitutivas de meras infracciones urbanísticas. Podría entenderse la penalización de estas conductas si al menos si hubiese atendido a su especial gravedad, tipificando como delitos aquellas actuaciones que vulnerasen de forma grosera el ordenamiento territorial y urbanístico, y los valores que este representa; en el ordenamiento territorial y urbanístico, y los valores que este representa; en todo caso, pareceria más normal que se hubiera tenido em cuenta el régimen de infracciones contenido en la legislación urbanística y en cambio se há dejado de penalizar otras consideraciones especialmente graves (RODRÍGUEZ LÓPEZ, Pedro. op. cit., p. 81).

o seu artigo 64 criminaliza a realização de construção em solo não edificável ou no seu entorno, com valor paisagístico.

Outrossim, a Lei nº 9.785/99 – também posterior à Constituição de 1988 – trouxe diversas alterações à Lei nº 6.766/79, sem, contudo, suprimir os seus dispositivos penais. Na realidade, em matéria penal, limitou-se a adequar a redação do artigo 50, parágrafo único, inciso II, à alteração realizada no artigo 18, parágrafos 4º e 5º.

Registre-se o escólio de Márcia Dometila Lima de Carvalho213 que bem salienta a importância do bem jurídico ambiental no nosso ordenamento jurídico: “Em seqüência, no balanço dos bens jurídicos dignos de proteção, ganham mais força os pertinentes à defesa da ordem econômico-social, cultural e ambiental, hierarquicamente superiores, pela Constituição, aos clássicos crimes contra o patrimônio, por exemplo”.

Neste diapasão, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha Bueno214 comenta a importância que os bens jurídicos tutelados pela Lei nº 6766/96 adquiriram na atualidade: “O que se pretende concluir, então, é que neste processo evolucionário das sociedades, que, dia a dia, multiplica seus interesses e, por via de conseqüência, a proteção jurídica destes, acabou por surgir a necessidade de ordenar, promover, disciplinar e proteger tudo aquilo que estivesse relacionado com as atividades fundamentais da vida urbana nos diversos aspectos a ela pertinentes, de forma a garantir o bem-estar coletivo de tantos quantos venham a se estabelecer nas regiões urbanas”.

Realmente, o controle e a prevenção das condutas relacionadas à expansão urbana possuem destaque entre as preocupações da sociedade

213CARVALHO, Marcia Dometila Lima de. op. cit., p. 48. 214BUENO, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha. op. cit., p. 6.

moderna, principalmente, porque há consciência quanto aos efeitos nefastos de um crescimento urbano desvinculado de regras.

A proteção da ordem urbanística passou a ter importante destaque na Constituição Federal, o que denota que a criminalização dos crimes de parcelamento ilegal também se justificaria independentemente do mandado expresso de criminalização mencionado.

Com efeito, a Constituição Federal elencou entre os direitos sociais o direito à moradia, que está relacionado ao parcelamento do solo urbano.

Destarte, a Carta Magna inovou ao dedicar um capítulo próprio ao tema da política urbana, inserido dentro de título dedicado exclusivamente à ordem econômica e financeira. O artigo 182 prevê como objetivo da política de desenvolvimento urbano o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes. Além disso, estabelece o parcelamento compulsório como uma das medidas cabíveis na hipótese de solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado. Assim, a nova ordem constitucional passou a considerar como “valor fundamental o direito difuso à função social da cidade215”.

O princípio da função social da propriedade está expresso em diversos dispositivos constitucionais, tais como nos artigos 5º, inciso XXIII, 170, incisos II e III, 182, 184 e 186 e é considerado “o grande princípio aplicável ao Direito Urbanístico, cuja importância sobreleva em relação a qualquer outro216”.

215SIQUEIRA, Guilherme Mello Ferraz de. Políticas públicas e direito urbanístico: papel do Poder Judiciário

e ação civil pública. In: FREITAS, José Carlos (Coord.). Temas de direito urbanístico 2, cit., 2000, p. 221.

216COSTA, Regina Helena. Reflexões sobre os princípios de direito urbanístico na Constituição de 1998. In:

Deveras, tal princípio significa que “(...) num plano ideal, a sociedade deve extrair benefícios do exercício desse direito. Como limite mínimo de sua eficácia, ao menos não pode ser o interesse coletivo contrastado pelo interesse particular217”

Uma propriedade apenas atenderá à função social, quando, entre outros requisitos, seguir as orientações das regras urbanísticas vigentes no município onde se localiza. O escopo da lei é exatamente organizar o parcelamento do solo de maneira a utilizar, da melhor forma possível, o espaço existente (função social da cidade), criando moradia decente e segura (direito à moradia), tendo em vista o crescimento urbano a longo prazo (meio ambiente artificial ligado ao natural). Demais disso, o direito à moradia poderá ser obstado caso haja desrespeito em matéria urbanística.

De acordo com tal princípio o legislador poderá criar obrigações e deveres para o proprietário, em benefício da coletividade218. Regina Helena Costa conceitua o princípio da função social da propriedade como “uma limitação ao direito de propriedade, no sentido de que compõe o próprio perfil desse direito (correspondendo à noção de Poder de Polícia em sentido amplo, na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello). O proprietário deve usar e desfrutar do bem, exercendo esse direito em prol da coletividade219”. Menciona, ainda, que esse princípio se origina de subprincípios, quais sejam, o da remissão ao plano e o da proteção ambiental. Assim, a função social é definida pelo plano urbanístico relativo a um determinado território, observando-se que o exercício do direito de propriedade deverá ser orientado pelo respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

217COSTA, Regina Helena. op. cit., p. 13. 218DALLARI, Adilson Abreu. op. cit., p. 26. 219COSTA, Regina Helena. op. cit., p. 13.

Nota-se que a Carta Magna traz como valor essencial o desenvolvimento adequado das cidades de acordo com a função social da propriedade determinada nos planos urbanísticos, buscando a proteção da ordenação territorial, que nada mais é do que “um conjunto de medidas destinadas a realizar o conteúdo do plano urbanístico220”.

Conclui-se, portanto que, embora a Lei nº 6.766/79 seja anterior à Constituição Federal, aquele diploma legal já refletia uma maior preocupação da sociedade no que tange à proteção dos interesses difusos, ainda que embrionária. O advento da Carta Magna em 1988 confirmou essa tendência: os valores constitucionais hoje vigentes são fundamentalmente voltados à coletividade, direção que já havia sido seguida anos antes pela Lei nº 6.766/79.

Logo, a criminalização das condutas de parcelamento ilegal também poderia ser considerada um mandado implícito de criminalização, porquanto, à luz do princípio da intervenção mínima, é uma ação ilegal que exige a atuação do Direito Penal para o seu combate, diante da sua gravidade para a atual ordem constitucional.

Em que pesem os respeitáveis posicionamentos em sentido contrário, a análise constitucional da questão não deixa dúvidas de que a Lei nº 6.766/76 foi recepcionada pela nova ordem constitucional, a qual inclusive reforçou a necessidade de intervenção penal na proteção dos bens jurídicos que são amparados pela mencionada legislação.

Necessário mencionar que a atual Carta Magna se diferencia pela importância que conferiu à proteção dos interesses difusos transformados em bens jurídicos difusos – como é o caso dos bens jurídicos protegidos pelos

delitos em questão. A esse respeito Márcia Dometila Lima de Carvalho221 assevera: “O Direito Penal deve proteger os bens jurídicos fundamentais. E o que é fundamental para a Constituição é o desenvolvimento da Justiça social, dignificando o homem. A proteção exacerbada de bem jurídicos individuais, em detrimento do bem jurídico justiça social, direito social, foge à nova ordem constitucional”.

Importante mencionar que a Constituição Federal de 1988 mescla

No documento Maria Isabel Rebello Pinho Dias (páginas 95-109)