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Artigo 50, parágrafo único, incisos I e II

No documento Maria Isabel Rebello Pinho Dias (páginas 57-62)

3. OS CRIMES DE PARCELAMENTO ILEGAL DO SOLO URBANO (ARTIGOS

3.2. Fato típico

3.2.1. Tipos penais em espécie

3.2.1.3. Artigo 50, parágrafo único, incisos I e II

“Artigo 50, parágrafo único – O crime definido neste artigo é qualificado se cometido:

I – por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote ou loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis competente;

II – com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou desmembrado, ressalvado o disposto no art. 18, §§ 4º e 5º, desta Lei, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir crime mais grave.

Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa de 10 a 100 vezes o maior salário mínimo vigente no País”.

Os incisos do parágrafo único do artigo 50 trazem duas hipóteses que qualificam os delitos previstos nos incisos I a III do mesmo artigo. Ambas se relacionam à comercialização de loteamento ou desmembramento.

Logo, não se referem diretamente ao parcelamento material, mas ao parcelamento jurídico. Contudo, para a sua configuração, também deverá ocorrer alguma das situações previstas pelos tipos penais na forma simples, ou seja, além da execução de todos os atos necessários à prática da forma simples, ingressa no terreno das efetivações de negócios irregulares, o que

acarretará prejuízos não só ao poder público, diante do desrespeito às normas urbanísticas, mas também aos adquirentes dos lotes121.

O inciso I menciona a hipótese em que o agente não só realiza parcelamento em desacordo com as regras urbanísticas, mas também comercializa os lotes correspondentes não registrados no Registro de Imóveis por meio de instrumentos, vale dizer, documento escrito, onde necessariamente deverá constar a intenção de venda do imóvel. A comercialização dos lotes ou a manifestação da intenção de vendê-los envolve diversas formas entre as quais a compra, a promessa de venda e a reserva de lote, observando-se que as duas últimas consubstanciam fase anterior à venda. A redação dessa qualificadora prevê a interpretação analógica122 para alcance do significado de “quaisquer instrumentos”, que deve ser buscado a partir da série exemplificativa que consta na norma, isto é, “compra, promessa de venda e reserva de lote”, o que permite concluir que “a ampliação há de ser feita, porém, tendo em vista que os casos enumerados pressupõem a existência de um contrato ou precontrato entre o loteador e o interessado, numa relação bilateral definida, daí não se incluir no conceito de ‘outros instrumentos’ os prospectos, anúncios e comunicações endereçados ao público123”.

A pena do agente que pratica o delito nas circunstâncias do inciso I é agravada justamente porque se atinge a economia do particular, que é prejudicado, pois realiza negócio relativo a lote que não está legalizado, ou seja, não está registrado124. Nessa perspectiva, o artigo 37 da Lei nº 6.766/79

121COUTO, Sergio A. Frazão do. op. cit., p. 387.

122Guilherme de Souza Nucci explica que a interpretação analógica “é o processo de averiguação do sentido

da norma jurídica, valendo-se de elementos fornecidos pela própria lei, através do método da semelhança” (NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 55).

123AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 220. 124VIANA, Marco Aurélio S. op. cit., p. 141.

veda a venda ou promessa de venda de parcela de loteamento ou desmembramento antes do registro.

Esse dispositivo estabelece exceção em relação ao artigo 18 §§ 4º e 5º125, que dispõe que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios estão dispensados do título de propriedade quando se tratar de parcelamento popular. Nestes casos, se o parcelamento ou desmembramento não atender às diretrizes urbanísticas, a falta de título de propriedade não acarretará agravamento da pena.

O inciso II descreve hipótese em que os delitos dos incisos I a III do artigo 50 são praticados sem título legítimo de propriedade ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, salvo se ocorrer delito mais grave.

Ora, aquele que realiza loteamento ou desmembramento sem título que constitua o seu domínio sobre o imóvel objeto do empreendimento pratica conduta mais gravosa, pois não será possível aos adquirentes dos lotes registrarem o seu domínio na matrícula do imóvel.

Quanto à norma subsidiária, que traz conduta omissiva consistente em omissão fraudulenta relativa ao título legítimo de propriedade há uma imprecisão técnica, pois os crimes mais graves apontados pela doutrina – que se aplicariam em caráter principal - quais sejam, uso de documento falso,

125“Artigo 18 - § 4º O título de propriedade será dispensado quando se tratar de parcelamento popular,

destinado as classes de menor renda, em imóvel declaração de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de habitação. (Incluído pela Lei nº 9.785.29.1.99).

§5º No caso de que trata o § 4º, o pedido de registro do parcelamento, além dos documentos mencionados nos incisos V e VI deste artigo, será instruído com cópias autênticas da decisão que tenha concedido a imissão provisória na posse, do decreto de desapropriação, do comprovante de sua publicação na imprensa oficial e, quando formulado por entidades delegadas, da lei de criação e de seus atos constitutivos. (Incluído pela Lei nº 9.785. 29.1.99)”.

falsificação de documento público e estelionato são comissivos, isto é, praticados por ação126.

Mario Seto Takeguma127 discorre com propriedade sobre a imprecisão do legislador ao usar o termo “omissão” na qualificadora do inciso II, pois ele não descreveu uma conduta devida, o que seria pressuposto para a ocorrência de um delito omissivo. De mais a mais, a aludida norma exige que a “omissão” seja praticada mediante fraude, o que pressupõe que ocorra uma ação:

“Na realidade, a utilização terminológica da “omissão” não significa uma correspondência ao tipo omissivo, vez que o adjetivo “fraudulenta”, exige uma ação por parte do agente. Poderia o legislador ter repetido a expressão “ocultar fraudulentamente” utilizado no inciso III do art. 50, a fim de não confundir a exegese mais afoita. Não há que se falar em “dever de não de silenciar sobre o fato” ainda que cumprisse com o dever jurídico de falar, subsistiria um crime na forma qualificada. Vislumbra-se que a preocupação do legislador foi em punir com maior rigor o delito, nos casos em que se induzisse a vítima a incidir num vício de consentimento, principalmente, a omissão pré-típica, não haveria a omissão típica no caso, pois a norma involucrada no tipo não impõe ao agente o dever jurídico de falar, v.g., sobre a existência de ônus reais sobre o imóvel, quando a venda por si é criminosa, na medida em que isoladamente, subsume-se a tipos penais do art. 50 da Lei nº 6.766/79”.

Conclui-se, pois, que o inciso II é inaplicável em relação à omissão fraudulenta.

Interessante mencionar que, ainda que não ocorra parcelamento físico, a manifestação da intenção de venda de parcelamento não registrado também será considerada crime, pois a união entre as redações dos incisos I a III do artigo 50 com o parágrafo único, inciso II, do mesmo artigo, admite a ocorrência do delito quando ocorrer parcelamento jurídico por meio da sua

126Nesse sentido Mario Seto TAKEGUMA (Aspectos fundamentais do tratamento jurídico-penal do

parcelamento do solo urbano, cit., p. 97) e Ivan Carlos de ARAÚJO (Os crimes de parcelamento do solo urbano no direito brasileiro, cit., p. 137).

comercialização sem registro128, principalmente porque todas as formas simples dos delitos de parcelamento ilegal abrangem o parcelamento jurídico, conforme já mencionado.

Critica-se o fato de ter sido mantido o patamar mínimo da pena privativa de liberdade estabelecida pela forma simples, isto é, 1 (um) ano de reclusão. Isso porque o objetivo do legislador de agravar a pena aplicada daquele que pratica a conduta em circunstâncias especiais muitas vezes não é alcançado diante da praxe observada nas decisões judiciais de fixação da pena no piso legal. Por tal razão, sugere-se que a pena mínima nas hipóteses qualificadas de parcelamento ilegal seja elevada para 2 (dois) anos, tendo em vista o princípio de proporcionalidade, assim como a necessidade de diferenciar as condutas praticadas em circunstâncias mais gravosas.

No anteprojeto de reforma do Código Penal não foram previstas figuras qualificados e não há nenhuma menção às circunstâncias trazidas nessa norma.

Já o projeto de lei nº 3057/2000 manteve como qualificadora a “omissão fraudulenta, falsa ou enganosa de circunstância relativa ao parcelamento, se o fato não constituir crime mais grave”, o que acarreta “Pena – reclusão, de 3(três) a 8 (oito) anos, multa e, no caso de o proprietário ser um dos infratores, perda do imóvel ilegalmente parcelado, ressalvados os direitos de terceiros de boa-fé”. Tal qualificadora é desaprovada, pois manteve enunciado que torna inviável a sua aplicação ao mencionar omissão fraudulenta, termo inapropriado, conforme visto acima.

Outrossim, o valor da pena privativa de liberdade é totalmente despropositado, porquanto, como já mencionado, não há justificativa

plausível para a elevação da pena privativa de liberdade da forma qualificada do delito de cinco para oito anos.

O projeto de lei nº 3057/2000 transformou em tipo penal autônomo a qualificadora relativa à comercialização de lotes ilegais, o que foi benéfico, pois tal conduta, por seu relevo, merece ser punida, independentemente da ocorrência de atos de parcelamento material, que alguns entendem ser essencial à caracterização de tal delito, quando se referir aos incisos I e II do artigo 50.

“Art. 100.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem:

II – anunciar, vender, prometer vender, ceder direitos, prometer ceder ou manifestar a intenção de alienar lote ou unidade autônoma, por qualquer instrumento público ou particular, mesmo que em forma de reserva, recibo de sinal ou outro documento, sem estar o parcelamento para fins urbanos devidamente registrado no Registro de Imóveis competente”.

No documento Maria Isabel Rebello Pinho Dias (páginas 57-62)