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Educação quilombola em Mesquita : estudo da gestão da escola a partir do processo histórico, emancipatório e das relações de conflito

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Academic year: 2017

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quissL

Pró-Reitoria Acadêmica

Escola de Educação

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação

Educação quilombola em Mesquita: estudo da gestão da escola a

partir do processo histórico, emancipatório e das relações de conflito

Autor: Manoel Barbosa Neres

Orientador: Prof. Dr. Wellington Ferreira de Jesus

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MANOEL BARBOSA NERES

EDUCAÇÃO QUILOMBOLA EM MESQUITA: ESTUDO DA GESTÃO DA ESCOLA A PARTIR DO PROCESSO HISTÓRICO, EMANCIPATÓRIO E DAS RELAÇÕES DE

CONFLITO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Senso em Educação da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Wellington Ferreira de Jesus

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7,5cm

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB

N444e Neres, Manoel Barbosa.

Educação quilombola em Mesquita: estudo da gestão da escola a partir do processo histórico, emancipatório e das relações de conflito. / Manoel Barbosa Neres – 2015.

150 f.; il.: 30 cm

Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2015. Orientação: Prof. Dr. Wellington Ferreira de Jesus

1. Educação. 2. Quilombo Mesquita. 3. Gestão escolar. I. Jesus, Wellington Ferreira de, orient. II. Título.

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AGRADECIMENTO

Gratidão imensa aos familiares, amigas, amigos, companheiros(as) de trabalho, à Universidade de Brasília, à Universidade Católica de Brasília, à Secretaria de Educação de Cidade Ocidental, ao Prof. orientador Wellington Ferreira de Jesus, aos membros da banca examinadora, Profª. Renísia Cristina Garcia Filice e Prof. Célio Cunha e demais professores(as). Gratidão especial aos quilombolas da Comunidade Remanescente de Quilombo, Mesquita, membros das famílias Pereira Braga, Pereira Dutra, Lisboa da Costa e Teixeira Magalhães.

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Hoje saúdo a memória A história e a tradição

De um povo de luta, de conduta e coração De peleja, de beleza, cultura, religião

Gente forte que tem norte, rosto bronzeado, cor do chão [...]

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RESUMO

NERES, Manoel Barbosa. Educação quilombola em Mesquita: estudo da gestão da escola a partir do processo histórico, emancipatório e das relações de conflito. 2015, 150f, Programa de Mestrado em Educação da Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2015.

Este estudo investiga a educação quilombola, particularizada na gestão escolar de uma instituição pública de ensino do Quilombo Mesquita, em Cidade Ocidental, Goiás. Utilizando-se de pesquisa qualitativa de tipo etnográfico, análiUtilizando-se documental e pesquisa bibliográfica, analisa-se o processo histórico local, os múltiplos conflitos relacionados à dimensão quilombola e à gestão escolar, propriamente dita; esta, no tocante ao atendimento às diretrizes da educação quilombola. Faz-se também uma conexão entre o passado e a contemporaneidade da luta emancipatória dos negros em Mesquita, procedendo-se, assim, à ampliação do quadro de abrangência temática, partindo do ocorrido em Mesquita e chegando-se a particularidades do enfrentamento da escravidão no Brasil. Como resultados da investigação, surge pertinente traçado histórico-cultural local, dado esse que potencializa as fragilidades evidenciadas na escola local investigada, quanto a cumprir e fazer cumprir a legislação educacional quilombola. Atinente, ainda, à gestão escolar, os conflitos entre os defensores e opositores do Quilombo constituem uma dessas fragilidades por traduzir o desconhecimento, assim como o descrédito da ação afirmativa demandada pelo artigo 26A, da LDB. Em que pesem os contextos dos embates que envolvem a historicidade do Quilombo Mesquita, verifica-se que a base das oposições, quase sempre, tem por motivação interesses fundiários, embora não exclua a possibilidade da existência de posturas racistas, não raro, veladas. Por fim, este estudo publiciza perspectivas de pesquisas, no âmbito dessa temática, ao demonstrar que, mesmo considerando os avanços da humanidade em matéria de direitos humanos, políticos, sociais e étnico-raciais, os desafios da emancipação negra, exemplificados nos quilombolas de Mesquita, são exigentes e persistentemente atuais.

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ABSTRACT

NERES, Manoel Barbosa. Education in Quilombo Mesquita : School management study from the historical process , emancipatory and conflict relations. 2015, 150p, Programa de Mestrado em Educação da Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2015.

This study investigates the quilombo education, individualized in school management of an educational public institution of Quilombo Mesquita in Cidade Ocidental, Goiás. Using qualitative research ethnographic, documentary analysis and bibliographic research, it analyzes local historical process multiple conflicts related to quilombo size and school management; this, with regard to compliance with the guidelines of the quilombola education. And did it too a connection between the past and contemporary emancipatory struggle of blacks in Mesquita proceeding thus at expanding the thematic scope of framework, based on what happened in Mesquita and coming to the bondage of coping with the particularities in Brazil. As a result of the investigation, it appears relevant historical and cultural site layout, as one that enhances the weaknesses highlighted in the local school investigated, as the respect and enforce the quilombo educational legislation. Regard also to the school management, conflicts between proponents and opponents Quilombo of these weaknesses for translating the ignorance, and the discrediting of affirmative action demanded by Article 26A of the LDB. In spite of the contexts of conflicts involving the historicity of the Quilombo Mesquita, it was found that the base of the opposition, almost always, is motivated by land interests, while not ruling out possibility of racist attitudes, often, veiled. Finally, this study publiciza prospects for research under this theme by showing that even considering humanity's progress in human rights, political, social and ethnic-racial, the challenges of black emancipation, exemplified in the people from Quilombo Mesquita, are demanding and persistently present.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1...27

Figura 2...28

Figura 3 ...28

Figura 4...29

Figura 5...29

Figura 6...45

Figura 7...53

Figura 8...54

Figura 9...55

Figura 10...56

Figura 11...60

Figura 12...60

Figura 13...61

Figura 14...82

Figura 15...83

Figura 16...83

Figura 17...93

Figura 18...93

Figura 19...94

Figura 20...94

Figura 21...95

Figura 22...95

Figura 23...96

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Figura 25...97

Figura 26...98

Figura 27...103

Figura 28...104

Figura 29...107

Figura 30...109

Figura 31...109

Figuras 32, 33, 34...111

Figura 35...122

Figura 34...122

Figura 35...112

Figura 36...113

Figura 37...114

Figura 38...114

Figura 39...116

Figuras 40, 41, 42, 43...120

Figura 44, 45, 46...121

Figura 47...122

Figura 48...122

Figura 49...136

Figura 50...137

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LISTA SIGLAS

1. Associação dos Produtores Rurais de Mesquita e Água Quente (Apromaq); 2. Associação Renovadora Quilombo do Mesquita (Arequim);

3. Conselho Nacional da Educação (CNE); 4. Fundação Cultural Palmares (FCP);

5. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama); 6. Instituto Brasil de Geografia e Estatística (IBGE);

7. Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB); 8. Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA);

9. Ministério de Desenvolvimento e Combate a Fome (MDS); 10.Plano Nacional de Educação (PNE);

11.Plano Municipal de Educação (PME); 12.Projeto Político Pedagógico (PPP);

13.Relatório Técnico e de Delimitação (RTD);

14.Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir); 15.Universidade Católica de Brasília (UCB);

16.Universidade de Brasília (UnB);

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...12

1.1. MEMORIAL...16

1.2. PROBLEMATIZAÇÃO DO OBJETO...19

1.2.1. Problema de pesquisa...19

1.3.2. Objetivos...20

1.3.2.1. Objetivo geral...20

1.3.2.2. Objetivos específicos...20

1.4. JUSTIFICATIVA...20

1.4..1. Quilombos: um breve histórico...20

1.4.2. Os negros e o mundo do trabalho...24

1.4.3. Presença/ausência do Estado na educação quilombola...31

1.5. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA...33

1.6. METODOLOGIA...36

Capítulo 01 Quilombo Mesquita: estudo do processo histórico, do conceito de quilombo e do movimento emancipatório 1.1. SANTA LUZIA...40

1.2. A FAMÍLIA MESQUITA...40

1.3. A ORIGEM AFRICANA DOS QUILOMBOLAS DE MESQUITA...44

1.4. A RELAÇÃO HISTÓRICA DE MESQUITA COM SUA “QUILOMBIDADE” E A ABRANGÊNCIA DO CONCEITO DE QUILOMBO...50

CAPÍTULO 02 QUILOMBO MESQUITA: UM TERRITÓRIO EM CONFLITO 2.1. CONFLITOS RELACIONADOS À QUILOMBIDADE DE MESQUITA...64

2.1.1. Argumentação dos defensores...65

2.1.2. Argumentação dos opositores...71

2.2. CONFLITOS GERADOS DAS DIFERENTES CONCEPÇÕES SOBRE A PROPRIEDADE INDIVIDUAL E A COLETIVA 2.2.1. A argumentação dos defensores...73

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2.3. SÍNTESE...79

2.3.1. O problema da historicidade...79

2.3.2. A contradição do conceito de quilombo em mesquita...84

2.3.3. O conflito entre propriedade privada e propriedade coletiva...87

CAPÍTULO 03 HISTÓRICO DA RESISTÊNCIA NEGRA E A ATUALIDADE DA LUTA EMANCIPATÓRIA EM MESQUITA 3.1. CRONOLOGIA DA RESISTÊNCIA NEGRA NO BRASIL...99

3.2. RESISTÊNCIA CONTEMPORÂNEA DO QUILOMBO MESQUITA...102

CAPÍTULO 04 GESTÃO ESCOLAR NA ESCOLA ALEIXO PEREIRA BRAGA: CONFLITOS QUE AINDA PERMANECEM NA EDUCAÇÃO QUILOMBOLA CONSIDERAÇÕES FINAIS...139

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1. INTRODUÇÃO

Ao iniciar esta pesquisa, não havia a percepção de que em pleno século XXI, a 127 anos de promulgação da Lei Áurea e a 67 anos de proclamação da Declaração dos Direitos Humanos, houvesse a possibilidade de encontrar situações tão semelhantes às das épocas de negação explícita de direitos como no período colonial e, particularmente, no que toca aos direitos étnico-raciais. Situação que adquire ainda maior relevância, se considerado que, entre os atores negadores de direito, encontram-se pessoas diretamente ligadas à educação.

O Quilombo Mesquita, situado em área fronteiriça entre o Distrito Federal e o Estado de Goiás, integrando-se ao município de Cidade Ocidental, pela sua configuração histórica constitui importante locus de reflexão, onde se torna possível verificar o real estado das relações étnico-raciais e desvelar, em um campo mais específico, uma das faces da ação educativa vivenciada pelas comunidades remanescentes de quilombo.

Conhecer a história de Mesquita, discutir seus elementos identitários, verificar seu atual estado conjuntural, evidenciar seus principais conflitos, analisar as particularidades da gestão escolar e das relações de docentes, discentes, servidores da educação, comunidade e atores políticos podem contribuir para uma melhor compreensão da realidade local, bem como possibilitar certa generalização a respeito das comunidades remanescentes de quilombo no Brasil.

Dada a relevância da dimensão educativa na organização social, na explicitação e consolidação de direitos, na correção de desequilíbrios sociais, no oferecimento de recursos argumentativos, para prevenir e combater situações de desrespeito às relações sociais, religiosas, de gênero e raciais, faz-se imperativo verificar se a ação educativa oferecida em uma comunidade quilombola acontece de forma mais propositiva ou omissiva. Portanto, é preciso avaliar a educação na instituição escolar pública do Quilombo Mesquita, verificando se ela contribuiu, ou não, com o processo emancipatório quilombola, ou se constitui em mais um instrumento da classe dominante, haja vista as constantes ameaças e/ou ataques de grupos que hostilizam as comunidades quilombolas, ao desrespeitar, notadamente, as suas especificidades étnicas.

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se pautam principalmente em aspectos históricos, culturais, sociológicos e identitários (BRASIL, 2011).

Falar, portanto, em gestão escolar quilombola significa abordar a forma como a escola está organizada administrativa e pedagogicamente, norteada pelo seu Projeto Político Pedagógico (PPP), quanto às ações pedagógicas contempladas neste e que eixos nortearão tais ações; quanto à forma de composição do quadro de pessoal, docentes e demais profissionais da educação; quanto à formação continuada dos professores; quanto à participação do estudante como autor da sua história; quanto à participação da comunidade escolar como corresponsável pela gestão e aprendizagens dos estudantes; quanto à observância da educação em diversidade e em direitos humanos; quanto ao estabelecimento de prioridades na aplicação dos recursos, dentre outros.

Sendo assim, há que se verificar, se a gestão escolar considera a escola de ensino fundamental de Mesquita como uma instituição quilombola, isto é, com a observância da diversidade na educação e, principalmente, a étnico-racial, prevista tanto no artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB), quanto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena; ou se apenas vê ali um lugar comum às demais escolas do Município ou do Estado.

Segundo Bourdieu (2001) nessas instituições de ensino, prevalece a ineficiência de uma prática educativa, na qual não é dada importância à interdisciplinaridade e à contextualização do processo sócio-histórico uma vez que, ao Currículo Escolar, satisfaz-se a seleção e a disposição temporal e temática dos conteúdos escolares, onde se insemina a homogeneização do saber igualitário; onde os fundamentos e os objetivos do Currículo não incorporam a experiência e não retratam a história de uma população, por exemplos. É quando a escola perpetua as desigualdades sociais, ao transmitir a herança cultural das classes favorecidas.

[...] o sistema escolar cumpre uma função de legitimação cada vez mais necessária à perpetuação da “ordem social” uma vez que a evolução das relações de força entre as classes tende a excluir de modo mais completo a imposição de uma hierarquia fundada na afirmação bruta e brutal das relações de força (BOURDIEU, 2001, p. 311).

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e prever as características humanas dos egressos, resultantes da prática educacional local. Terão eles consciência da dimensão simbólica de um quilombo para a sociedade de hoje? Serão eles conscientes de que fazem parte de um processo histórico demandante de justiça social, de resistência e de autoafirmação identitária? Estarão eles dispostos a prosseguir como partícipes de uma luta, travada pelos seus antepassados, na defesa de objetivos almejados a mais de um século? Estarão eles aptos a dar continuidade ao seu processo de libertação, em outras arenas, estas que os livrariam dos seus opressores? Preservarão o pensamento quilombola, concretizado em ações para o bem da coletividade, na perspectiva de descendência comum, colaborando, assim, na consolidação dos direitos humanos, sociais e ecológicos e com o acesso aos bens culturais considerados universais?

Logo, esta pesquisa investiga a realidade educacional em Mesquita; analisa suas simetrias e assimetrias em relação ao que a legislação vigente define por educação quilombola. Busca verificar o conhecimento, a real aplicação da lei, o acompanhamento da evolução legal e a proatividade da gestão, dando-se em termos de boa vontade gestora e profundidade na missão-educação.

A pesquisa ainda investiga o movimento emancipatório dos quilombolas, em especial, mas não exclusivamente, no campo educativo. A exemplo, como esse movimento se faz presente na escola local e como essa instituição educacional os acolhe e os insere - ou não - em suas atividades de planejamento e de execução. Verifica a interferência de forças externas na gestão da escola, no que se refere ao quadro político municipal, de modo particular, a influência da Secretaria Municipal de Educação no tocante à contratação e demissão de profissionais da educação; na definição do Currículo, do Calendário Escolar e da atenção terminológica, como por exemplo, o uso da palavra “quilombo”, em seu cotidiano escolar.

Oportuno registrar que o Quilombo Mesquita por ser rico em manifestações populares – folias, festa do marmelo, danças, ritos religiosos – elementos esses que, inevitavelmente, perpassam o processo educativo dos quilombolas, não há como desconsiderá-las na investigação, com ênfase na educação popular, dentro do que Moura (2000) define por Currículo Invisível1. Contribui também significativamente para a educação quilombola em

Mesquita, a Associação Renovadora Quilombo do Mesquita (Arequim), a qual também é objeto de apreciação nesta pesquisa.

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Por fim, o processo histórico e educativo do Quilombo Mesquita pode revelar uma face atual da luta libertadora dos negros no Brasil. A forma com que a mobilização popular acontece, o embate em torno de exigibilidade, da garantia de direitos e o reflexo disso tudo na educação, constituem realidade que materializa, de forma explícita, a luta do povo negro por emancipação.

No tocante à terminologia a ser utilizada ao longo da pesquisa, é preciso esclarecer que, em relação a quilombo, o termo oficial é “Comunidade Remanescente de Quilombo”, definido pelo artigo 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (BRASIL, 1988); o que deve prevalecer nesta pesquisa. Todavia, com a finalidade de manter certa flexibilidade linguística, faremos uso também de expressões derivadas e equivalentes.

Quanto à estrutura, a pesquisa está organizada em quatro partes. Na primeira, faz-se um estudo histórico e discute-se o conceito de quilombo. Consiste em base científica para os três outros capítulos, uma vez que investiga os fundamentos históricos, culturais e conceituais do Quilombo Mesquita. Trata-se de uma investigação das origens e respectivos atores, do processo evolutivo e da amplitude conceitual.

A segunda parte é um levantamento e análise do quadro conflitivo em Mesquita, conflito esse de viés histórico, conceitual, identitário e antes de tudo, econômico-fundiário. Verifica-se, nesse momento, que a matriz capitalista define a motivação do enfrentamento na arena sociológica. Evidencia-se que a negação histórico-cultural-identitária resume-se a uma disputa feroz pela posse e direito de comercialização fundiária.

O terceiro capítulo visa inserir a reflexão na realidade contemporânea, evidenciando a atualidade da resistência quilombola/negra na sociedade. Percebe-se, por essa parte, que muitos aspectos das lutas do passado ainda não foram superados e hoje se mostram com novas roupagens, mas com a mesma ou maior intensidade. A luta de Mesquita manifesta-se como resistência quilombola em geral, busca por consolidação e ampliação dos direitos do povo negro e estratégia de garantia aos direitos humanos, sociais e ecológicos.

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1.1. MEMORIAL

De naturalidade baiana, nasci em Brejolândia em 1966 e mudei para Brasília/DF com a família em 1978. Iniciei Ensino Fundamental, anos iniciais com 11 anos de idade e conclui o Ensino Médio com 22 anos. Antes disso, entrara no convento dos Franciscanos Menores Conventuais, em Cidade Ocidental e foi nessa época que tive meus primeiros contatos com Mesquita. Tempo em que ainda não se falava muito da questão quilombola, embora a presença maciça de negros evidenciasse tal particularidade.

Continuei religioso franciscano, onde cursei filosofia, teologia e mestrado em teologia. Em 2007, deixei a vida religiosa e passei à vida de “homem comum”. A partir daí, tomei a decisão de conhecer melhor a vida em Mesquita. O momento parecia propício haja vista que a discussão quilombola, ora efervescia. Os defensores e os opositores manifestavam seus argumentos, traçavam e executavam suas estratégias em clima de tensão.

Já conhecedor da história, pois era um ouvinte assíduo das narrativas que envolviam o passado e o presente dessa comunidade, percebi que ingressar na causa quilombola parecia algo justo e necessário. Procurei me inteirar mais sobre a questão e busquei aproximação com a Arequim. Evidentemente, fui muito assediado pelos opositores para, em vez de defender o quilombo, combatê-lo.

Em 2010, comecei a trabalhar em uma escola pública localizada no Jardim ABC. Foi essa, então, a oportunidade de passar a viver em Mesquita. O trabalho na escola teve um ano de duração, pois em 2011 fui incorporado, por concurso público, ao quadro de servidores da Universidade de Brasília e também contratado, como docente, na Universidade Católica de Brasília. Todavia, preferi manter residência em Mesquita, aos fins de semana, e assim permaneço até hoje.

Concluída uma pós-graduação em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais, pela UFMG, decidi entrar no Programa de Mestrado em Educação da Universidade Católica de Brasília, quando tive a oportunidade e o privilégio de tratar, de forma acadêmica, a riqueza existencial, cultural e identitária de Mesquita. Evidenciei que seus traços étnico-raciais precisavam ser abordados no âmbito da educação. Assim, começara outra fase de experiências na minha vida, relacionada à Mesquita: residente, parceiro, acadêmico-pesquisador.

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Participei de trabalhos de elaboração do Projeto Político Pedagógico da Escola Aleixo Pereira Braga I, o qual ainda não deslanchou. Tal intensidade de demandas educacionais, resultou na minha participação, como membro efetivo, da comissão de elaboração do Plano Municipal de Educação do Município de Cidade Ocidental.

No campo social, também participo ativamente das ações comunitárias, festas, trabalhos e convívios. A exemplos, o preparo da terra, o plantio e a colheita têm sido ações frequentes dos últimos anos; o que proporcionou conhecer com mais profundidade as conexões da história da população Mesquita. Detalhes do dia-a-dia que nem sempre são possíveis de registrar em uma entrevista e que, por isso, passam a fazer parte da memória viva do pesquisador, assim como gestos e fatos que contribuem para esclarecimento de muitas informações obtidas nas entrevistas, análises documentais e literatura em geral.

No aspecto político, primeiro evidencio que a questão quilombola em Mesquita, antes de ser um problema cultural, étnico-racial ou identitário, é de cunho político-econômico. Presenciei várias vezes os opositores ao Quilombo afirmarem “essa questão de quilombo é coisa do PT, desse governo que quer transformar o Brasil numa Cuba”. Paralela a essa afirmação, citam o Decreto 4887 (BRASIL, 2003) sustentando que o Supremo Tribunal Federal decretará sua inconstitucionalidade.

Afirmam ainda que o aspecto coletivo da terra, definido pelo Decreto, vai contra o princípio da propriedade privada, o que evidencia a oposição capitalismo x comunismo. Desta forma, os opositores se autodefinem capitalistas e acusam os defensores de comunistas, marxistas. Assim, quando tratamos da questão educativa no âmbito da educação quilombola, percebe-se a pressão política influenciando os posicionamentos, de forma que a defesa de uma concepção nem sempre está isenta das forças políticas relacionadas à manutenção de um cargo.

Sendo assim, temos construído várias ações de cunho formativo e de conscientização da comunidade, junto à Associação Renovadora Quilombo de Mesquita, com vistas ao empoderamento da concepção de quilombo, da importância de manter esse cabedal cultural e identitário; além de discutir questões ligadas ao meio ambiente e a aspectos político-econômicos. Uma das iniciativas foi, inclusive, a criação de um grupo cultural-musical denominado Som de Quilombo, com finalidade de preservar e divulgar os valores culturais-identitários quilombolas.

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enaltecer ainda mais os aspectos humanos, culturais e científicos da pesquisa; sem, entretanto, citar os personagens envolvidos.

O primeiro caso foi contado por um entrevistado o qual relata que, no período da construção de Brasília, muitos quilombolas passaram a vender seus produtos nas cidades satélites Núcleo Bandeirante e Candangolândia e que um desses, sendo produtor de leite, resolveu também aproveitar a oportunidade comercial e o seu negócio tornou-se lucrativo.

Só que ele, vislumbrado com o sucesso, resolveu ampliar a margem de lucro, acrescentando água ao leite. Certo dia, quando transportava o produto, ao passar perto de um riacho, desceu e misturou, como já de costume, a água ao leite, e seguiu rumo às vendas.

No outro dia, repetiu a façanha, mas quando chegou ao local da venda foi imediatamente preso pela polícia. Motivo? As pessoas teriam encontrado alguns peixinhos no leite.

Outro caso é relacionado ao plantio. Os quilombolas quase sempre plantam observando as fases da lua. Mas, um deles vendo que nem sempre dava para obedecer às leis naturais; sem falar que muitas pessoas usavam esse saber, por desculpa, para não trabalhar, desabafou: “Nóis planta é na terra e não na lua” (sic).

Também resultante de entrevista, o terceiro caso diz respeito às práticas sociais dos quilombolas, após a libertação. Conta um entrevistado que os ex-escravizados adotaram para si uma prática do tempo da escravidão, que consistia na escolha de alguns negros para atuarem como reprodutores. Como precisavam aumentar o contingente masculino por exigência na lavoura, uma característica seria obrigatória para ser selecionado reprodutor: ter o “ovo pequeno” (sic).

Trago ainda na mente e no coração o papel revolucionário de muitas mulheres envolvidas na causa quilombola: Maria da Abadia, Maria do Nascimento, Margarida, Gertrudes, Maria Pereira e suas atuais descendentes.

Quando o interesse fundiário ou a busca incessante pelo “vil metal” impõem-se na realidade histórica, os grandes amantes da matéria revestem-se de suas armas e arremetem-se contra quem estiver em sua frente, mesmo que se trate de crianças, mulheres ou anciãos. Mas com toda essa plataforma de violência evidente, presencio mulheres quilombolas empenhadas na luta, e muitas vezes ocupando o posto mais alto de líderes da resistência. Daí a minha reverência às mulheres quilombolas, acima destacadas.

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execução das entrevistas, dentre outros, foram realizadas no rito mais acadêmico possível, permitindo que a realidade dos fatos e a lógica das coisas viessem, antes de qualquer aspecto que não fosse o científico.

1.2. PROBLEMATIZAÇÃO DO OBJETO

1.2.1. Problema de pesquisa

O presente trabalho tem por alvo a investigação do processo educativo quilombola em Mesquita, o que compreenderá a dimensão histórica, o fundamento legal e a dimensão conceitual de quilombo ou de Comunidade Remanescente de Quilombo; a análise da luta emancipatória dos quilombolas e a incidência disso na gestão da escola local.

O objeto da investigação abrange, pois, a análise de como os elementos históricos, culturais, identitários, políticos, econômicos interferem na ação educativa local, compreendendo, notadamente, a educação oficial, com recorte na educação popular. Interessa-se também em identificar até que ponto a ação educativa em Mesquita é, de fato, emancipatória ou guarda em si o formato opressor, característico da história brasileira em relação aos negros.

Identifica-se que segue em curso conflitos históricos, a discussão dos valores culturais, morais e as tradições. Daí a necessidade de analisar os identificadores/complicadores de uma identidade forjada, ao longo de três séculos. Uma vez levantados esses dados, faz-se o cruzamento de tais particularidades com as ações educativas oficiais com intuito de verificar, na prática educativa, a observância ou o desrespeito a esses elementos próprios, emanados de legislação federal específica e destinados ao segmento populacional quilombola.

Sobre Mesquita surgem, portanto, algumas questões norteadoras: como compreender sua história, sua identidade, sua luta libertadora e os reflexos destes elementos na prática educativa local?; quais elementos do processo histórico quilombola podem ser identificados na gestão escolar local?; quais desses elementos foram ignorados no processo de gestão da educação e como se tem dado o enfrentamento, a despeito de supostas negligências?

(22)

caso não exista, como proceder para ressignificar a prática escolar de modo a fazer cumprir a legislação brasileira sobre o tema?

Percebe-se que o problema de pesquisa é composto de duas partes: a existência/inexistência de uma educação quilombola em Mesquita, por um lado e, por outro, a forma em que ela se dá. Assim, pretende-se que esses elementos e seus desdobramentos perpassem toda a dimensão investigativa do presente trabalho.

1.3.2. Objetivos

1.3.2.1. Objetivo geral: investigar a política educativa quilombola em Mesquita e sua incidência na ação educativa local.

1.3.2.2. Objetivos específicos:

 Identificar aspectos da história de Mesquita que determinam a dimensão de um núcleo quilombola;

 Investigar o processo emancipatório dos quilombolas em Mesquita e o seu reflexo na educação local;

 Analisar a gestão da educação na instituição pública de ensino fundamental local;  Analisar a atualidade da luta libertária em Mesquita e o seu reflexo na realidade

brasileira.

1.4. JUSTIFICATIVA

1.4.1. Quilombos: um breve histórico

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Essa mesma linha de reflexão tem sido desenvolvida pela Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura das Nações Unidas (Unesco), a qual, para incentivar o combate ao preconceito racial, tem financiado alguns projetos no âmbito de sua atuação. É o caso do incentivo às pesquisas no Brasil em meados do século XX, o que resultou na publicação de seis livros: Relações raciais entre brancos e negros em São Paulo, Roger Bastide e Florestan Fernandes, 1955; Relações raciais no município de Itapetininga, de Oracy Nogueira, 1955; O negro no Rio de Janeiro, de L.A. Costa Pinto, 1953; As elites de cor na Bahia, de autoria de Thales de Azevedo, 1952; Race and Class in Rural Brazil, organizado por Charles Waglev, 1952 e Religião e relações raciais, de René Ribeiro, 1956 (UNESCO, 2014). Mais recentemente, a Unesco lançou a coleção História Geral da África, em oito extensos volumes, decorrentes de um intenso trabalho de pesquisa de âmbito internacional.

Contudo, foi em 2014 que os incentivos da entidade resultaram em uma obra voltada diretamente às atividades educativas em sala de aula, Educação das relações étnico-raciais no Brasil: trabalhando com histórias e culturas africanas e afro-brasileiras nas salas de aula. Nesta obra há relatos da história da África, da escravidão no Brasil, da história dos quilombos e das relações étnico-raciais no Brasil.

Abordando os conflitos das relações étnico-raciais, a obra registra:

No Brasil, as desigualdades sociais e educacionais entre brancos e negros ainda são grandes, respondendo este último grupo pelos mais baixos índices de desenvolvimento humano. O preconceito racial cria um estigma, uma marca, uma relação perversa e/ou negativa quanto a tudo o que diz respeito ao negro, às suas formas de ser e de significar o mundo. Essas elaborações preconceituosas, que criam ideais estéticos, epistemológicos e culturais, são reproduzidas dentro do espaço escolar, local onde paradoxalmente se atribui, na atualidade, a responsabilidade pela promoção de valores de respeito pelas diversidades.

Diante desse quadro e frente às pressões realizadas pelo Movimento Negro em busca de transformações, na segunda metade da década de 1990, algumas medidas foram tomadas pelo governo federal, como a revisão de livros didáticos que apresentavam imagens estereotipadas de negros e indígenas. Ainda na década de 1990, diversos municípios elaboraram leis orgânicas nas quais se estabeleceu a obrigatoriedade do ensino da história da África e, da mesma forma, foram criados cursos de qualificação relacionados ao assunto e voltados para professores. Em 2003, o governo federal brasileiro aprovou a Lei nº 10.639, que obriga a inserção nos currículos escolares, das escolas públicas e particulares, de conteúdos referentes à história e à cultura afro-brasileiras nas salas de aula (UNESCO, 2014, p. 06).

Conforme alerta a obra acima, o quadro social preconceituoso em relação ao negro, faz-se presente também dentro das escolas. Registram-se alguns avanços ocorridos nos últimos anos, como a inserção do artigo 26A na LDB (incluso pela Lei 11.645, de 2008, que torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena nas escolas); a Lei

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procedentes das escolas públicas) e o Programa Brasil Quilombola (BRASIL, 2004). Entretanto, na realidade dos quilombos brasileiros, existem ainda muitas situações não resolvidas, inclusive no que dizem respeito às ações educativas. Em relação ao Quilombo Mesquita, por exemplo, percebe-se muita dificuldade da escola local em reconhecer-se e portar-se como locus de descobertas, de oportunidades e de construção de autoestima desse segmento populacional.

Segundo afirma Filice (2010), algumas transformações sociais vêm ocorrendo no País por força da ação coletiva dos movimentos negros, mas a sociedade em geral e as instituições de governo insistem em tratar as desigualdades desse segmento, em termos de desigualdade econômica. Para a autora, as anomalias sociais no Brasil estão relacionadas a problemas de classes e, particularmente, no tocante aos obstáculos de cunho étnico-racial. Portanto, enfrentar essas situações apenas em um viés econômico, não resultará em soluções satisfatórias.

Historicamente, o Brasil entrou cedo e demorou a sair da prática escravocrata em relação aos africanos. Tal procedimento percorreu os séculos XVI, XVII, XVIII e XIX (1530 a 1888). Mas, nem todos os africanos feitos escravizados no Brasil, aceitaram a situação de jugo a eles imposta. Desta forma, onde havia escravizados, havia também movimentos de resistências.

Assim sendo, os escravizados que conseguiam fugir, juntavam-se em grupos nos lugares afastados e aí promoviam os costumes de suas origens como a propriedade coletiva, hábitos culturais, práticas religiosas e utilização de suas línguas próprias. Desse modo, surgiram os quilombos, cuja origem pode ser encontrada na palavra “kilombo" (da língua quibundo) ou "ochilombo" (do umbundo); línguas ainda hoje faladas por povos bantus, que vivem em países da África Ocidental, como Angola. Quilombo, em sua origem africana, significa acampamento ou lugar de pouso, prática das tribos nômades ou comerciantes. Contudo, foi no Brasil que adquiriu o significado de lugar de resistência, uma vez ser considerada a principal estratégia de enfrentamento da escravidão, conforme Carril (2014) e Carvalho (2014).

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Quanto a Mesquita, este situado na região central do Brasil, no interior do Estado de Goiás, sua história está associada à da cidade de Luziânia. Posto que inserido no território da antiga cidade/comarca de Santa Luzia, esse quilombo sofreu todas as, consequências da evolução, conflito e contradições da sede municipal. Luziânia foi fundada pelo bandeirante Antônio Bueno de Azevedo e sua tropa, no ano de 1746, quando percorria a região de Goiás à procura de ouro, conforme afirma Melo (2000). Tem-se assim registrada a primeira atividade laboral dos escravizados desta região - a extração mineral. Segundo Artiaga (1959), o trabalho escravo no Estado de Goiás consistiu, primeiramente, na mineração e depois na agricultura. Contudo, uma abordagem mais aprofundada da origem dos negros, trazidos a Goiás/Brasil, e a contribuição profissional deles será feita mais adiante.

O vínculo político de Mesquita com Luziânia durou até 1990, quando a Cidade Ocidental conquistou sua emancipação política. Mesquita é assim inserido, juridicamente, no novo município uma vez que se localiza no interior da área emancipada. Porém, isto não significou um rompimento amplo e definitivo nas relações sociais, econômicas e culturais com Luziânia. Por exemplo, a marmelada produzida em Mesquita leva o nome de Marmelada de Santa Luzia.

Tendo por consideração a proximidade histórica com Luziânia e sendo esta, fundada por bandeirantes, há fortes indícios de que Mesquita tenha sido fundado pelos exploradores paulistas ou, então, seja resultado da prática escravocrata desses conquistadores na região. Dessa forma, conta a narração popular que o Quilombo surgiu com a doação da fazenda pelo antigo proprietário, capitão José ou João Mesquita, a três escravas. Em depoimento colhido por Borges (1989), os nomes das escravas seriam: Teresina, Freguesina e Franquina. Não obstante, além das informações coletadas na entrevista de Borges (1989), nenhum documento escrito ou em outro formato, que comprovasse a veracidade sobre esses três nomes, foi encontrado.

Com o fim do ciclo do ouro e com a proclamação da Lei Áurea (1888), escravizados alforriados passaram a viver na Fazenda Mesquita e aí constituíram famílias, dando origem ao povoado. Dedicaram à agricultura, em particular ao cultivo do marmelo – o que se transformou depois em símbolo da produção local.

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Outra referência direta a uma exclusividade negra povoadora do local e, portanto, forte indicativo de uma comunidade remanescente de quilombo é o termo Quilombo Mesquita dos Crioulos (FUNDAÇÃO PALMARES, 2000). A existência de semelhante terminologia (Fazenda Mesquita dos Crioulos, Fazenda Mesquita dos Pretos, Arraial dos Pretos), por um lado, constitui em prova da ancestralidade africana e, por outro, indica a carga de preconceito que a sociedade branca tinha em relação aos negros. Assim, tendo por instrumento de prova a postura de uma sociedade racista, chega-se à comprovação da existência da ancestralidade africana no local.

O itinerário histórico de Mesquita, que é desenvolvido em maior amplitude nos capítulos 01 e 02, passou por importantes fases de evolução, constituindo-se quase sempre em momentos críticos, como por exemplo, os episódios de divisão das propriedades fundiárias, em 1943 - a construção de Brasília, a pressão imobiliária advinda da construção de Cidade Ocidental e a luta contemporânea referente à conclusão do processo de legalização do Quilombo. Não há como deixar de mencionar também acontecimentos como a passagem da Missão Cruls, da Coluna Prestes, da participação dos quilombolas na Construção de Brasília, não esquecendo ainda os movimentos de resistência e de combate à especulação imobiliária e à depredação ambiental.

1.4.2. Os negros e o mundo do trabalho

A referência ao trabalho dos escravizados africanos no Brasil, quais sejam, a extração do ouro, produção do açúcar, trabalhos domésticos, dentre outros, muito comum nos livros de História, é sempre caracterizada como ação desqualificada (HISTÓRIA DO BRASIL. NET, 2015). Não obstante, estudos mais recentes têm dado certa atenção à complexidade e qualificação desse trabalho desenvolvido, no Brasil, pelos escravizados. Um dos puxadores dessa nova abordagem é o Instituto Brasil de Geografia e Estatística (IBGE):

Os africanos foram trazidos para trabalhar num dos ramos mais avançados da indústria ocidental no século XVI: a indústria açucareira.

A mão-de-obra escrava foi empregada em atividades que exigiam trabalho qualificado, tais como conserto de barris, tinas (tanoeiros), atividades de preparação do açúcar, atividades de ferreiros, etc.

Os primeiros africanos chegaram aos engenhos do Recôncavo Baiano, uma das regiões pioneiras no estabelecimento da economia açucareira (IBGE, 2015).

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eram os africanos. Evidentemente, não se exclui aí o rigor do trabalho no plantio, coleta e transporte da cana, mas também é preciso que ressalte a qualidade e complexidade dessa atividade laborativa, nem só na produção do açúcar, assim como no conserto de barris, trabalhos em metais e em manufaturas e fabricação dos engenhos.

A importância do trabalho dos africanos é mais ainda evidenciada se, por exemplo, comparado ao dos indígenas:

O trabalho do negro substituiu o do indígena por várias razões

Uma dessas razões, por exemplo, foi por ser a mão-de-obra negra mais qualificada do que a indígena. Outra forte razão, foram os altos lucros que o tráfico de escravizados africanos rendia para os comerciantes. O tráfico era, sem dúvida, uma das atividades mais lucrativas do sistema colonial (IBGE, 2015).

A mesma abordagem, ou seja, a notável especialização do trabalho dos africanos é feita por Mariano (2015). O escritor destaca a habilidade de muitas dessas mãos calejadas, inclusive no mundo das artes:

Essa história começa no tempo em que um negro só se tornava artista se tivesse, na mesma medida, força nos músculos, habilidade nas mãos, inteligência aguda e um coração sensível. Porque as mesmas mãos que cortavam a madeira, quebravam as pedras e forjavam o metal para erguer paredes, monumentos e cúpulas, também eram as mãos que esculpiam os contornos mais delicados e criavam as mais sutis combinações de cores. Contornos e cores que são a alma das nossas igrejas, terreiros, palacetes e casebres. Eram ourives e ferreiros, escultores e pedreiros, pintores de telas e de paredes. Como boa parte da mão-de-obra que ergueu o Brasil foi importada da África, esses “artesãos-artistas” acabaram se encarregando de trazer para cá também símbolos, formas, técnicas e cores da arte tradicional africana, que, junto com a contribuição estética dos indígenas, portugueses, holandeses e outros povos, criaram aquilo que costumamos chamar de arte brasileira (MARIANO, 2015).

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Quanto à contribuição ao mundo do trabalho, Artiaga (1959) destaca que os Quissama trouxeram a indústria de transformação, foram os responsáveis pelas lavouras de cana, pelos engenhos, destilação e fermentação. Percebe-se que o termo utilizado pelo autor, em questão, no que se refere aos Quissama e sua atuação profissional é “trouxeram”. Ou seja, eles nem só sabiam trabalhar na indústria de transformação, mas foram os próprios que inauguraram o seguimento no País. Eram, pois, os especialistas na produção da cana e do açúcar, na fabricação dos engenhos, no processo de destilação e fermentação, o que significa também, na produção de bebidas.

Os congoleses, angolanos e moçambiquenhos tiveram grande importância no campo da cultura e das artes: congoleses trouxeram danças como congadas, moçambiques e cavalhadas; os angolanos, muito civilizados, festeiros e sensuais foram destaques nos serviços domésticos; os benguelas, elegantes e também originais de Angola, quebravam os dentes da frente como distintivo étnico e foram os responsáveis pela disseminação da capoeira.

No campo da música, da dança e da culinária os moçambiquenhos foram os grandes destaques. As mulheres, além de cantar, andavam sempre bem enfeitadas e eram preferidas na casa grande como babás e cozinheiras. Já os beninenses, trouxeram a catira que ainda constitui dança tradicional do interior do Estado de Goiás.

Na metalurgia, os Mina eram os especialistas. Eles, da costa ocidental africana, altivos e inteligentes, foram os responsáveis pelas oficinas e fábricas de objetos de ferro nas fazendas. Ainda sobre o trabalho com os metais, afirma Mariano (2015):

Durável e brilhante, o metal foi usado com muitas finalidades na África. Daí a importância dos ferreiros, aqueles que sabiam lidar com temperaturas elevadas o suficiente para permitir a manipulação dos metais. Ferramentas, objetos do cotidiano, esculturas, adereços que inspiraram os nossos balangandãs e, é claro, armas. Ferro, cobre, bronze, latão e outros metais serviram também como matéria-prima de algumas das melhores expressões da arte africana: as esculturas de metal fundidas com o processo da cera perdida. Essa técnica foi provavelmente originária de Ifé, entre os séculos XII e XIII, como uma evolução da técnica do barro cozido (MARIANO, 2015).

As afirmações de Mariano (2015) são reforçadas por Campos (2015), a qual escreve:

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Artiaga (1959), também menciona algumas etnias tendentes ao crime, quando discorre que os Quibunda eram rebeldes e violentos e, por isso, tinham baixa cotação no mercado. Violentos também eram os Grumano que, segundo o mesmo autor, não se deixavam subjugar com nenhum castigo físico, ao aparentar não sentir dor ou algum tipo de sofrimento. Os Dahomeiano, originários da Guiné Setentrional, eram rebeldes, tendentes ao crime, ideais para atuarem como capangas e assassinos profissionais. Artiaga (1959), porém, não apresenta nenhum estudo relacionado a origem dessa postura “violenta” dos indivíduos em pauta; por exemplo, se não havia relação com algum passado guerreiro desses homens “insensíveis à dor”. De qualquer forma, o período histórico era muito violento, anomalia social essa que afetava brancos, indígenas e deveria afetar também os negros.

Em meio aos profissionais africanos, havia também especialistas na agricultura. Esses eram os guinés, Ginca e Bantu. Quanto aos Mandinga e Balanto, destacaram-se nos rituais religiosos e de magias, em especial nas cidades de Pilar e Crixás, em Goiás.

No tocante à contribuição dos Mesquita ao mundo do trabalho - atividades domésticas, mineração, lavoura - desde a fundação de Luziânia, algumas atividades merecem destaque. Primeiramente, menciona-se Carvalho (1975), seja pelo registro cinematográfico do trabalho dos quilombolas como também pela entrevista concedida para esta pesquisa. Carvalho (1975) registrou os trabalhos de grande complexidade realizados por artífices de Mesquita, tais como Malaquias, Etelvino, Leão, Sinfrônio. Estes, excelentes carpinteiros, entre outros trabalhos, fabricavam engenhos, e máquinas para serrar madeiras e monjolos.

Figura 1

Sinfrônio Lisboa da Costa, carpinteiro, fabricante de engenho, quilombola. Ao fundo engenho de moer cana feito por ele.

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Figura 2

Sinfrônio Lisboa da Costa, carpinteiro, fabricante de engenho, quilombola, junto a seu engenho. Foto: Daiane Souza.

Figura 3

Monjolo, feito por um quilombola já falecido.

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Com relação à palavra monjolo, trata-se de um termo sugestivo, pois entre as etnias trazidas ao Brasil, uma delas tinha exatamente o nome de Monjolo. Portanto, os monjolos encontrados ainda hoje no Quilombo Mesquita, podem indicar o local de origem dessa tecnologia, ou seja, o povo Monjolo da África Central (PENA, 2015).

Figura 4

Monjolo, feito por um quilombola já falecido. Créditos do autor.

Figura 5

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Carvalho (1975) destaca também a produção do marmelo, evidenciando a habilidade da família do “Seu Dito”. Esse fruto tornou símbolo da produção Mesquita, incluindo-se aí uma expressiva mobilização social local em torno do plantio, da poda, da produção do doce e de festas associadas; movimento esse que será detalhado mais adiante. Doces e biscoitos são comuns na culinária de Mesquita, inclusive usa-se muito a palavra quitanda, originária do dialeto quimbundo, que significa tabuleiro onde se expõe diversas mercadorias (QUITANDAS DE MINAS.BLOGSPOT.COM.BR, 2015).

A contribuição profissional dos Mesquita está vinculada também à construção dos canais que levam água às minas de ouro, em Luziânia (Córrego das Cabaças) e às residências e plantações, em Mesquita. Fatos que também serão detalhados adiante.

Por fim, o trabalho Mesquita também mostrou sua importância na construção de Brasília. Quilombolas estiveram com o presidente Juscelino Kubitschek, demarcando a área do território, na construção do Catetinho e no fornecimento de produtos alimentícios aos “candangos”, tal como afirma o quilombola Sinfrônio Lisboa da Costa2:

Foi assim: antes de Juscelino começar lá, ele andou por aqui para pesquisar os terrenos e os lugares por onde seriam abertas as estradas. Depois de armado o canteiro de obras ele seguiu para Luziânia para saber por onde passaria a estrada de ferro. Na volta, ele falou ‘na hora que eu localizar os pontos do terreno vou chamar vocês pra trabalhar pra mim’. Ele veio e intimou oito homens e nós fomos para abrir as primeiras cantinas para quando chegassem os candangos. Ficamos um mês trabalhando bandeirando a área. Fomos os primeiros trabalhadores da construção. Quando terminamos essa etapa, fizemos as repartições – cozinhas, hospedagens e escritórios. Então começaram a chegar os trabalhadores. Era muita gente chegando a toda hora do Nordeste. Na sequencia, fizemos as cantinas na região onde existiu o API (gravação feita e gentilmente cedida pela jornalista Daiane Souza).

Em homenagem do Governo do Distrito Federal, junto a Costa estava também Onélia Pereira Braga, quilombola, no Catetinho. Sobre ela escreve Souza (2012):

Convidada a participar das comemorações, a quilombola Onélia Pereira Braga, 75, foi uma das responsáveis pelo preparo diário do alimento para os trabalhadores da grande obra. Impressionada com a dimensão do sonho de JK, hoje avalia as proporções do que assistiu durante os últimos 52 anos: “Aqui era só cerrado e tinha muitos animais. Hoje eu ando e só vejo casas”, diz. “Tudo se desenvolveu muito, mas também aumentou a violência e isso também afeta o Mesquita”, alertou para as consequências do progresso.

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Em outro trecho Souza (2012) alerta para o papel estratégico ocupado pelo Quilombo em relação à construção da Capital:

Mas a participação dos quilombolas na construção de Brasília não se resumiu à carpintaria. Por muitas vezes Costa hospedou Kubitscheck e o engenheiro Bernardo Sayão em sua casa. Segundo ele, os dois consideravam o Quilombo um ponto estratégico. “Era o mais próximo de onde foi feito o Marco Zero e também das obras da estrada de ferro que hoje atravessa a região”, conta. (SOUZA, 2012).

A atuação dos quilombolas de Mesquita na construção de Brasília é mais uma importante demonstração do papel dos negros na formação e desenvolvimento do País, o suficiente para a exigibilidade e garantia de direitos em igualdade aos demais povos, constituidores da nação Brasil.

1.4.3. Presença/ausência do Estado na educação quilombola

Dado o quadro de relevância histórica, social, cultural e profissional dos africanos escravizados no Brasil e dos quilombolas de Mesquita, em particular, parece adequado refletir sobre a presença ou ausência do Estado em relação aos negros, principalmente, no tocante à educação. É necessário, então, verificar a existência de políticas públicas específicas, bem como analisar a intencionalidade na efetivação dessas ações. Isto tem sido discutido inclusive na dimensão territorial; território, aqui entendido, nas dimensões geográfica e política:

A discussão sobre território é fundamental para a implantação e o desenvolvimento de políticas e ações, sobretudo para a proposta educativa na perspectiva da cidadania, da inclusão, da formação integral e da sustentabilidade humana.Nessa linha de raciocínio, território não é o palco onde acontece o enredo da vida. No território desenvolvem-se as relações sociais, inclusive no sentido de alterá-lo. As relações sociais – educação, cultura, produção, trabalho, infraestrutura, organização política, mercado etc. – compõem as dimensões territoriais. Por quê? Porque essas relações são interativas, complementares e não existem fora do território.O território é, ao mesmo tempo, espaço geográfico e político, onde os sujeitos executam projetos de vida e organizam-se mediante as relações de classe (BRASÍLIA, 2013, P. 26).

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No campo da educação, há que se destacar o artigo 26-A da LDB com a redação dada pela Lei 11.645, de 2008 (BRASIL, 2008), a qual torna obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados. Junto a isto, merece ainda destaque o processo de construção das diretrizes pedagógicas para a educação quilombola, que culminou na edição da Resolução n. 08, de 20 de novembro de 2012 (BRASIL, 2012). Por último, em termos de legislação e programa de governo, menciona-se o Decreto 7.824, de 2012 (BRASIL, 2012) que trata das cotas raciais nas universidades públicas.

Quanto à ação do governo municipal de Cidade Ocidental, no que tange à unidade de ensino do Quilombo, é notória a lacuna em se tratando das políticas quilombolas. Perdura, entre as partes, um contínuo estado de conflito em que são envoltas as ações de criação e de aplicação das políticas educativas.

Por conseguinte, evidenciam-se posturas políticas determinantes para a existência de uma ação educacional inadequada às instituições educacionais das comunidades remanescentes de quilombo, o quer dizer, o não atendimento ao mínimo do que determina a legislação específica. Verifica-se assim que a prática educativa em Mesquita tende ao comum, sem atender a contento ao diferencial exigido pelas características próprias do local.

Tal inferência pode ser esclarecida com a análise dos critérios de contratação de docentes, do processo da definição de currículo, do método de escolha das estratégias pedagógicas e da intencionalidade quanto ao diálogo com a comunidade.

Para Artiaga (1959), os colonizadores portugueses proibiam a prática do ensino aos subjugados, a fim de coibir qualquer tentativa de emancipação. Devido a essa opressão histórica, os quilombolas de Mesquita tiveram que ser proativos nas ações educacionais, tanto no sentido de cobrarem providências ao Estado, como também de contratarem docentes por iniciativa própria e providenciarem a logística necessária. Isto é, a construção de prédio escolar, as providências quanto a transporte e moradia para os professores, dentre outros. A atual escola do Quilombo, que em 2014 completou 50 anos de existência, é símbolo e resultado do envolvimento dos quilombolas na causa educativa (CIDADE OCIDENTAL, 2014a).

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quais podem esclarecer melhor o mundo próprio das comunidades remanescentes de quilombo e também da vida humana como tal.

Assim sendo, o trabalho investigativo em Mesquita potencializa a discussão do processo educativo nas comunidades tradicionais, haja vista que verificando a existência ou inexistência de políticas apropriadas e o perfil destas, sinaliza para a necessidade de mais atenção a grupos historicamente marginalizados, cujo status social não registra grandes mudanças, atualmente.

O Quilombo Mesquita insere-se em um quadro importante da sociedade, com contribuições históricas, inclusive em relação à construção da Capital e, notadamente, com valores culturais diversos, que muito podem acrescentar à ação educativa do País.

Atualmente, os quilombolas Mesquita encontram-se em litígio com o Distrito Federal por questões fundiárias, visto vez que boa parte das terras da cidade satélite de Santa Maria pertence aos Mesquita, advinda de herança. Essas terras foram griladas e, como tudo indica, com participação ou anuência do Estado, comprometendo-se assim o desfrute delas por parte dos atuais proprietários quilombolas.

1.5. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A primeira parte da fundamentação teórica, que consiste na realização de uma pesquisa sobre a história da comunidade, em tela, tem por base documentos históricos, tais como antigos Registros Paroquiais, Certidões de Batismo, documentos das Sesmarias e cartoriais da região de Luziânia. Compõe ainda este conjunto de materiais o Relatório Antropológico: comunidade quilombola de Mesquita (BRASIL, 2011), produzido por técnicos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra, baseado em investigações documentais e entrevistas. O relatório antropológico serve de fundamentação à elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTD), instrumento de legitimação da identidade quilombola perante o poder público e parte do processo de titulação dos territórios remanescentes de quilombo.

Nessa mesma linha histórica, são utilizados o Relatório Cruls: Comissão Exploradora

do Planalto Central do Brasil (BRASIL, 1894) e o documentário Quilombo (CARVALHO,

1975).

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investigação histórica, como por exemplo, o cultivo do marmelo em Mesquita, a passagem dos “revoltosos” por Mesquita e a percepção externa no tocante ao histórico quilombola dessa comunidade. ÁLVARES (1978), ao escrever História de Santa Luzia: Luziânia, seja talvez o mais historiador do tema; obra essa que inclusive serviu de fonte aos dois últimos autores citados.

Não obstante, como no estudo da história pode haver um contraponto com a oralidade (memória), propõe-se fazer, aqui, uso dos estudos de Le Goff (2003) e de Bosi (2009), os quais relacionam a memória com a história. Este trabalho de aproximação e contraponto, consequentemente, é enriquecido por elementos coletados em entrevistas semiestruturadas, realizadas com diversos segmentos da população do Quilombo Mesquita.

Os dados coletados fundamentam a investigação do processo emancipatório dos Mesquita, com a corroboração das informações do já mencionado Relatório Antropológico: comunidade quilombola de Mesquita (BRASIL, 2011). Esses dados são enriquecidos com observações em campo de pesquisa, como por exemplo, o da participação dos quilombolas na elaboração do Plano de Educação de Cidade Ocidental e do Plano Diretor de Cidade Ocidental. Faz-se uso também de registros da Associação Renovadora Quilombo do Mesquita, dos relatórios e certificações, de registros e objetos pessoais dos quilombolas e de materiais audiovisuais produzidos pelos meios de comunicação.

A abordagem do processo emancipatório em Mesquita, adquirindo um aspecto de cidadania, pode também ser fundamentada em Bobbio (2004), o qual aborda o assunto na perspectiva de consolidação dos direitos do homem. Assim, fala de um novo ethos mundial, o que representa o mundo do dever, o qual nem sempre é correspondido pelo mundo real.

Em posição similar, encontra-se Carvalho (2011), quando discute a cidadania no Brasil, na ótica dos direitos civis, políticos e sociais, passando pelos períodos da colonização, da república, da ditadura militar e da redemocratização.

Já Gomes (2010) fornece uma base mais transversal, pois insere a ideia de cidadania dentro do contexto da luta quilombola. Portanto, o processo emancipatório negro, um espaço importante de conquista da cidadania, acontece de maneira explícita no processo quilombola. Gomes (2010), ainda pode contribuir na investigação da história dos quilombos e na definição de sua abrangência conceitual.

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organizar coletivamente; enfim aprender a mudar. Guimarães-Iosif (2009), ainda constitui em fundamentação para o conceito de cidadania, propriamente dita, de cidadania global e para a história da cidadania no Brasil.

Do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional: para a cidadania, diversidade, direitos humanos e meio ambiente resultou a obra Anais do Seminário Internacional em Política e Governança Educacional: para a cidadania, diversidade direitos humanos e meio ambiente (GUIMARÃES-IOSIF, R.; ALVES, J.M.P.; SCÁRDUA, M.P. , 2011), a qual contribui para assinalar a tendência de discussão da cidadania na atualidade. Assim, a abordagem inclui a cidadania relacionada aos direitos humanos, direitos sociais, diversidade e meio ambiente.

Embora contendo apenas resumos dos artigos, os anais do seminário têm um dado particular, uma referência direta ao Quilombo Mesquita, isto é, o artigo de Batista (2011), com o título Implementação da Lei 10.639/03 na Escola Quilombo do Mesquita. Batista (2011) investiga a instituição educativa pública local, na perspectiva de aplicação da Lei 10.639, de 2003 (BRASIL, 2003), a qual determina o ensino da História da África e da Cultura Afro-brasileira e Indígena.

Quanto à análise das relações de conflito, considerando que elas podem iniciar-se pela dimensão conceitual, O Programa Brasil Quilombola (BRASIL, 2003), o artigo 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (BRASIL, 1998), o Decreto 4887, de 2003 (BRASIL, 2003), além do Relatório Antropológico: comunidade quilombola de Mesquita (BRASIL, 2011), apresentam um bom quadro da abrangência conceitual e existencial que a realidade atual exige.

Nesse quadro em que se analisam as relações de conflito, a partir da delimitação conceitual de quilombo, uma boa contribuição é dada por Nascimento (2002), com sua reflexão sobre os quilombos rurais, urbanos e de agremiações como escolas de samba. Nascimento (2002), também alude ao papel coletivista, contraponto ao individualismo capitalista, que o quilombismo tem a contribuir com a sociedade contemporânea.

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Recorre-se também a Triviños (1987), propriamente no que toca à dialética, em termos de materialismo dialético e materialismo histórico, no adentramento da dimensão conflituosa; o que será melhor explicitado na Metodologia.

Nesta linha de reflexão, insere-se também Filice (2010) acentuando a necessidade de enfrentar os desajustes sociais, a começar do paradigma da luta de classes, não se atendo apenas ao fator econômico, mas chegando também aos aspectos de cunho racial.

Uma vez que se investiga a educação quilombola em Mesquita, especialmente no que se refere à gestão escolar, faz-se necessário munir dos fundamentos da Resolução n. 08, do Conselho Nacional de Educação, de 2012 (BRASIL, 2012), a qual recomenda as diretrizes da educação quilombola. Consoante a isso, encontram-se o Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2014a), o Plano Estadual de Educação do Estado de Goiás (GOIÁS, 2008) e o Plano Municipal de Educação do Município de Cidade Ocidental (CIDADE OCIDENTAL, 2014b). Na mesma abordagem, insere-se o Projeto Político Pedagógico da instituição educacional local (CIDADE OCIDENTAL, 2014a).

Por fim, faz-se uso dos conhecimentos gerados da pesquisa de Paré Oliveira e Vellhoso (2007), referentes à educação quilombola, tendo por base os quilombos São Miguel dos Pretos (RS) e Kalunga (Engenho II, GO). Importante, sobretudo, por abordarem elementos ligados à memória, história e organização social dos quilombolas.

1.6. METODOLOGIA

O presente trabalho é decorrente de uma pesquisa qualitativa. Segundo Gray (2012), a pesquisa qualitativa pode utilizar recursos diversos, como, por exemplo, observações, entrevistas, questionários e análises documentais. Sampieri, Collado e Lucio (2006) afirmam que o enfoque qualitativo, ao contrário do quantitativo, baseia-se na coleta de dados sem aferição numérica. É também utilizado para descobrir ou aperfeiçoar questões de pesquisa e ainda pode, ou não, comprovar hipótese nos processos de interpretação.

Portanto, o enfoque qualitativo apresenta abordagem mais descritiva que aferitiva. Sendo assim, a pesquisa leva em conta tanto o posicionamento de Gray (2012) quanto o de Sampieri, Collado e Lucio (2006). Tais procedimentos tendem a acentuar aspectos mais descritivos e conceptivos que numéricos, haja vista que desvela percepções, conceitos, identificações ou negações de participantes de uma comunidade.

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(2001), esse gênero de pesquisa descreve um conjunto de conhecimentos e entendimentos específicos, compartilhados por membros de um grupo local. Merece destaque, neste campo, a contribuição de Angrosino (2009), particularmente no que diz respeito à pesquisa etnográfica e observação participante.

Uma vez que a presente investigação faz um levantamento histórico da comunidade-alvo”, utiliza-se vastamente de pesquisa documental. Para Marconi (2001), esse gênero de pesquisa refere-se a peças de arquivos públicos como, por exemplos, de documentos públicos, publicações parlamentares; de acervos particulares e de documentos jurídicos. São analisados, portanto, dispositivos constitucionais, leis, decretos e resoluções; documentos cartoriais e fontes particulares.

Fundamental também aqui é a pesquisa bibliográfica. Para Marconi (2001), este tipo de investigação compõe-se de livros, revistas científicas, publicações avulsas, imprensa escrita, periódicos, anais e trabalhos científicos. E como que acrescentando outro item à lista de Marconi (2001), este trabalho faz uso de escritos não publicados.

O uso dos recursos das pesquisas qualitativa, etnográfica e documental dá suporte à investigação da história de Mesquita, à discussão do conceito de quilombo, à análise da evolução do processo emancipatório quilombola e sua influência na gestão da escola local. Dado que o presente trabalho refere-se a um ambiente de conflito, entre diferentes grupos com interesses opostos, faz-se uso do método dialético, de forma que os diferentes posicionamentos de ordem conceitual, ideológico, político ou educacional são analisados na dinâmica de seus enfrentamentos.

Embora a literatura ocidental atribua a Hegel (1969) a formulação desse método, a motivação da pesquisa é voltada mais para o que defende Nascimento (2002). Para ele, a dialética é criação africana, assim como a geometria, a astronomia, dentre outros. Portanto, o olhar dialético, aqui, sintoniza com a extensa riqueza cultural da África. Uma vez que o trabalho tem por objeto uma comunidade de ancestralidade africana, a escolha do método já constitui uma forma de diálogo com a etnia investigada.

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A dialética aqui visa analisar os fatores determinantes dos conflitos em Mesquita, as reais oposições, dissimulações e possibilidades de convergências. Percebe-se que explicitamente a base dos enfrentamentos passa pelas diferentes matizes capitalista e socialista. Assim sendo, o caráter realista, cientista e materialista de Marx (1964) consiste em importante instrumento de análise aplicado à realidade mesquitense.

Quanto à estrutura tripartite da dialética, aparentemente não há discordância entre os autores acima citados. Quando então se fala em dialética, deve-se compreender a análise da realidade em termos de tese (afirmação), antítese (negação) e síntese (tentativa de aproximação conceitual, dados dois opostos).

Valendo-se da trilogia dialética, busca-se verificar que os diferentes pontos de vista de ordem conceitual, ideológico, político e educativo em relação à dimensão quilombola, nem sempre representam oposições reais, ou insuperáveis. Quando, por exemplo, esclarecido o real significado das comunidades remanescentes de quilombo, percebe-se que muitos dos contrapontos são conciliáveis em uma ampla síntese. Mas, o processo investigativo evidencia também que as aparentes oposições, em muitos casos, não passam de estratégias para encobrir jogos de interesses de toda natureza.

Sendo assim, por se tratar de uma realidade social conflitiva, exige-se esforço contínuo na verificação dos fatos, em suas múltiplas nuances, abstendo-se de adotar um posicionamento unilateral.

As diferentes faces desse processo incidem diretamente no dia a dia da escola pública, da comunidade investigada, onde se evidencia um espaço educativo achacado ou combalido de tendências educacionais, políticas e comunitárias, as quais interferem diretamente na gestão da escola.

O processo metodológico da pesquisa incluiu, ainda, realização de entrevistas semiestruturadas com quilombolas e não-quilombolas, de diferentes faixas etárias. Entre esses encontram-se pessoas da comunidade, da escola, da Secretaria de Educação de Cidade Ocidental e pessoas totalmente externas à comunidade. Foram realizadas trinta entrevistas e dezenove delas utilizadas explicitamente no texto, o que não significa que as demais não foram aproveitadas indiretamente.

Referências

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