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A presença da família Mesquita no município de Luziânia e, consequentemente no Quilombo Mesquita, deve-se, sobretudo, aos bandeirantes. No entanto, antes de tratar

propriamente da presença dos Mesquita em Luziânia, pertinente se torna apresentar algumas informações sobre a presença deles em São Paulo, Minas Gerais e Goiás.

Começando por Minas, registra-se uma cidade denominada Mesquita, nome esse em homenagem a José Jerônimo de Mesquita, fundador da referida povoação e que tinha residência em Minas e no Rio de Janeiro.

José Jerônimo de Mesquita, de influência política na corte, recebeu do rei D. Pedro II o título de Barão de Mesquita. Além da influência política, os Mesquita pareciam evoluídos, cultural e socialmente, para a época. Exemplo disso foi a criação de uma escola de música para os escravizados; bem como foram pioneiros na libertação dos escravizados, fato ocorrido ainda antes da Lei Áurea (CATONI, 2009).

A mentalidade avançada da família Mesquita, em Minas Gerais, é também ilustrada por Jerônima Mesquita, filha de José Jerônimo de Mesquita, a qual se separou do marido, com quem tinha sido obrigada a casar-se aos 17 anos. Jerônima participou da Cruz Vermelha e dedicou-se a outros trabalhos sociais, sendo também uma das fundadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF).

Outro exemplo do trato da família Mesquita, em Minas, com seus escravizados registra-se em Perdigão. José Pacheco da Cunha Mesquita, neto do Pe. José Antônio de Mesquita, após casamento em segundas núpcias com Dª Leocádia Guerra, mudou-se da fazenda Peniche para Bom Despacho. No momento da mudança, declarou ao seu irmão, José Rodrigues de Mesquita, ser o pai da criança que uma de suas escravas estava prestes a dar a luz. Solicitou então, ao irmão, a entrega de Carta de Alforria à escrava e ao nascituro; cujo pedido foi atendido (ARACI MESQUITA, 1996).

Quanto à presença no estado de São Paulo, pode-se fazer referência, por exemplo, à cidade de Itu onde havia um considerável clã dos Mesquita. Segundo Leme (1903-1905), em Itu habitava o capitão José Manoel de Mesquita, seu filho José Antônio de Mesquita; que teve o nome mudado para capitão José Manoel de Mesquita e cujo filho também recebeu o nome de José Manoel de Mesquita. Este, casado com Angela Whitaker, teve quatro filhos - José Manoel de Mesquita, Gertrudes de Mesquita, Ilidia de Mesquita e Felicíssima.

Apesar de remota a hipótese, considerando as quatro gerações de José Manoel de Mesquita, três deles capitães, a possibilidade de um ou mais deles ter feito parte do grupo dos bandeirantes, que fixaram em Santa Luzia, não parece totalmente descartável.

No que diz respeito à presença da família Mesquita em Goiás, particularmente nas vizinhanças de Luziânia, merecem destaque os municípios de Ipameri e Pirenópolis. Por

conseguinte, tratar-se-á da presença dos Mesquita nesses dois municípios e, na sequência, falar-se-á de Luziânia propriamente dita.

Em documentos cartoriais de Ipameri, constam, por exemplo, os nomes de Wilson Mesquita Vaz, filho de José Mesquita e de Luiza Vaz de Mesquita; Washington Simão de Mesquita, filho de José Simão de Mesquita e de Geni Maria de Mesquita; José Mesquita, filho de Manoel José Mesquita e de Alzira Pereira de Moura (IPAMERI, 2014).

Dos Mesquita de Ipameri, três casos merecem destaque. O primeiro refere-se a José Mesquita, do qual não constam os nomes do pai e da mãe relatados no Atestado de Óbito. Com relação aos descendentes, o declarante apenas menciona que o morto deixou filhos. Esse Mesquita era muito poderoso e violento, o que resultou na sua morte precoce, aos 40 anos, por envenenamento, segundo atesta o Entrevistado 08 (E8).

O Atestado de Óbito de José Mesquita data de 1925 e, portanto, retrata um período próximo à promulgação da Lei Áurea (1888). Período este, característico a um movimento de ocupação da terra, por parte dos antigos escravizados, visto que o proprietário faleceu e seus familiares não se viam em condições de manter o controle das propriedades.

O segundo caso refere-se a Francisco Pedro de Mesquita e a José Manoel de Mesquita. Francisco Pedro é filho de Mariano Correia de Mesquita e de Maria Francisca de Jesus, cujo declarante da morte de Francisco Pedro é José Severino de Mesquita. José Manoel, por sua vez, é filho de Luzia Correia de Mesquita e cuja família habita uma fazenda no município de Ipameri chamada Pyrapitinga dos Correia. Detalhe importante deste quadro familiar é o do surgimento do sobrenome “Correia” ou “Corrêa”; fato que será explicitado mais adiante.

Já o terceiro destaque, refere-se a José Corrêa de Mesquita o qual parece ser, de fato, o antigo proprietário da Fazenda Mesquita. Era português e ocupava o cargo de Sargento-mor do exército de Antônio Bueno de Azevedo. Na listagem dos pioneiros de Luziânia, feita por Álvares (1978), Mesquita ocupa a segunda posição, ou seja, é o segundo na ordem de importância; vindo logo após Antônio Bueno de Azevedo. Álvares (1978), ainda registra a presença do Sargento-mor José Corrêa de Mesquita na lista (ano 1762) dos participantes da comissão de construção da Igreja Matriz.

José Corrêa de Mesquita aparece também em obra de Veiga (1965), na qualidade de declarante de morte na Certidão de Óbito de Antônio Ribeiro de Guimarães. Porém, é Bertran (2011) quem afirma, categoricamente, ser esse o Mesquita referenciado na fazenda, no rio e no arraial de igual nome - Mesquita.

Bertran (2011), ao tratar das famílias que permaneceram e as que não permaneceram em Luziânia, afirma que José Corrêa de Mesquita, Sargento-mor, foi um dos pioneiros que mudaram de Luziânia, passando a habitar em Pirenópolis, povoado chamado, antigamente, de Meia Ponte.

Dessa forma, tudo indica que esse Mesquita foi o antigo proprietário e consequente doador das terras, caso a tradição oral seja procedente, às três escravas, já aqui mencionadas (BRASIL, 2011). Ao que indica, José Corrêa de Mesquita era parente próximo de Antônio Bueno de Azevedo, pois o pai de Azevedo se chamava Francisco Correia de Lima e um irmão, testamentário de Azevedo, chamava-se Bento Correia de Moraes. Essa analogia aponta para a possibilidade de relação familiar contínua entre os Mesquita e os Correia, tal como ocorre em Pyrapitinga dos Correia, em Ipameri.

Dada a hipótese de doação de terras às escravas e considerando a crise da extração de ouro em 1775, quando muitas famílias pioneiras abandonaram Luziânia, como já informado acima (BERTRAN, 2001), possivelmente entre as famílias que se mudaram de Luziânia estava a de José Corrêa de Mesquita.

Na lista de Álvares (1978), além de José Corrêa de Mesquita, aparece Lourenço José de Mesquita que, por carência de informações, não há como dizer se ele tem ou não alguma ligação com o Quilombo em estudo.

Por último, escritos da região registram a existência de Francisco Correia de Mesquita, eleito deputado estadual por Goiás, em 1884, data muito próxima a 1888, quando se deu a libertação oficial dos escravizados e, consequentemente, significativo impulso à consolidação dos quilombos. Segundo Veiga (1965), Francisco Correia de Mesquita era da região de Pirenópolis, o que sinaliza parentesco com José Corrêa de Mesquita.

As fontes orais, com certa frequência, mencionaram o nome “João Mesquita” ou “Capitão Mesquita”, mas em termos documentais a pesquisa não conseguiu obter algum tipo de prova. Não obstante, não se trata de um dado a se desprezar, prontamente.

Atualmente, muitos Mesquita habitam as regiões de Luziânia, Ipameri e Pirenópolis, mas não no próprio Quilombo Mesquita. Fato que indica o abandono total da antiga propriedade rural pela família Mesquita, local onde hoje se encontra o Quilombo, ora estudado e em vias de regularização.

Conforme já mencionado, o nome Mesquita perpassou as diversas fases da história do Quilombo. Em documento do Fórum de Luziânia (1943) constam algumas variáveis do nome Mesquita: Fazenda Mesquita, Sítio do Mesquita, Tapera do Mesquita, Fazenda Mesquita dos Crioulos, Fazenda Mesquita dos Pretos. Faz-se também referência ao rio, o qual é chamado de

Ribeirão do Mesquita (BRASÍLIA, 1757), assim como o título de Arraial dos Pretos, uma referência direta aos escravizados ou descendentes, termo este registrado em obra de Carvalho (1975). Existe também “Mesquita dos Crioulos” (PALMARES, 2000).

Evidencia-se uma constante nas variações do nome da comunidade, entretanto, mudam-se os complementos, mas a predominância do nome Mesquita é irrefutável. Por isso, esse nome que tem sustentação histórica, permanece até hoje.

Outro detalhe importante é a associação de Mesquita com pretos ou crioulos, o que constitui em indicativo de que o local é historicamente ligado aos negros, o que é verificável ainda hoje. Referência do PPP da Escola Aleixo Pereira Braga I registra que 80% dos habitantes de Mesquita declararam-se negros ou descentes de negros em senso municipal de 2011 (CIDADE OCIDENTAL, 2014a).

Pretos ou crioulos representam bem a carga de preconceitos que os moradores de Mesquita sofriam, fato que fez parte da história e que ainda hoje encontra ressonância na resistência, de alguns, em não aceitar a oficialização definitiva do Quilombo. A luta dos quilombolas é dupla - para fazer valer seus direitos fundiários e culturais, por um lado e, por outro, combater o preconceito, o racismo ainda presente na região.