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Para tratar da origem dos quilombolas de Mesquita, é pertinente recorrer a Artiaga (1979), segundo o qual o trabalho escravo constituiu, no Estado de Goiás, primeiro na mineração e depois na agricultura. Esclarece ainda que São Paulo e Minas Gerais forneciam os escravizados para Goiás, porém, enviava quase sempre os velhos e doentes, rejeitados que eram pelos seus antigos donos, dado o estado de definhamento físico dos degredados.

Quanto à origem africana em Goiás, Artiaga (1959) fala de 19 etnias: Quissama, Congol, Egbana, Cacimba, angolana, Benguela, Bamba, Dahomeana, Guiné, Ginga, Balanto, sudanesa, Nagô, Mussuconga, Mina, Cabinda, benim, Quibunda e Vrumana. Estas dividiam- se em quatro grandes grupos: Papuásia (papua e malanésia), Tasmânia, Negrítica (sul- africana, sudanesa, milótica e paleotropóides) e Etíope. Para dar credibilidade a seu trabalho de pesquisa Artiaga (1959) afirma que teve acesso a livros oficiais da época, nos quais os comerciantes de escravizados eram obrigados por lei a registrar os nomes das nações e tribos de onde os negros eram originários.

Figura 6

Fonte: <http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/deriva-genetica/descobrindo-a-africa-no-brasil>.

Esses povos contribuíram, sobremaneira, com a formação econômico-social brasileira, e particularmente, para o mundo do trabalho, conforme já foi abordado anteriormente. Oportuno ainda comentar que alguns rostos, tais como os personagens de números 3, 4, 5, 6 e 8 da figura acima são muito comuns em Mesquita; há muitas pessoas com traços fisionômicos assemelhados.

Essas etnias sem dúvidas foram as que formaram o povo Mesquita, o qual esteve submetido à Luziânia até 1990, quando Cidade Ocidental conquistou sua emancipação, o que não significou um desligamento pleno dos Mesquita em relação ao antigo município.

Embora haja na tradição oral menções referentes às três escravas, documentalmente podemos afirmar que a população Mesquita tem seu tronco familiar a partir de quatro famílias: Pereira Braga, Pereira Dutra, Teixeira Magalhães e Lisboa da Costa. O desafio, a

partir daqui é demonstrar a continuidade histórica dessas famílias, sua ancestralidade e, ao mesmo tempo, definir os vínculos delas com José Mesquita e as três escravas.

Esta pesquisa constatou em documentos antigos das Sesmarias e em Registros Paroquiais, entre os anos 600 e 800 do segundo milênio, que os sobrenomes das famílias mencionadas acima reincidem com frequência. Da mesma forma, nos documentos cartoriais dos anos 900, encontram-se facilmente os troncos “da Costa”, “Pereira Dutra”, “Pereira Braga”, “Teixeira Magalhães” e ainda “do Nascimento”.

Como os sobrenomes são portugueses, indica-se que os antigos escravizados de Mesquita pertenciam a essas famílias e que, posteriormente, com os movimentos libertários, passaram a ocupar a região do Quilombo, onde seus descendentes encontram-se até hoje.

Na verdade, tais sobrenomes são encontrados em documentos referentes a uma área geográfica bem mais extensa do que a de hoje, isto é, compreendia a região do Rio Descoberto, do Rio Alagados, de Santa Maria, Saia Velha, além do próprio Mesquita. Por exemplo, um documento antigo, Carta das Sesmarias, de 09 de setembro, de 1777, registra a propriedade de um senhor de nome João Peixoto dos Santos que, ao apresentar os limites de sua propriedade no Rio Descoberto, menciona Manoel Pereira Braga (GOIÁS, 1777).

Manoel Pereira Braga ou Pereira da Paixão – casado com Anna Victoria - deixou uma vasta descendência (LUZIÂNIA, 1943):

 José Pereira Braga ou Pereira da Paixão, casado com Maria do Nascimento e pai de: Isidora Pereira Braga, Jonas Pereira Braga, Leonarda Pereira Braga e Eugênio Pereira Braga.

 Luiz Pereira Braga, casado com Ana Teixeira Xavier e pai de Timóteo da Cunha Souto.

 Ana Brasdia da Paixão, casada com Porfírio Pereira Braga e mãe de: Cândida Pereira Braga, Inês Pereira Braga, Bernarda Pereira Braga e Pedro Pereira Braga.

 Maria do Carmo Pereira, casada com Manoel do Nascimento Vale e mãe de: Francisco Alberto de Souza e Isabel Alberto de Souza.

 Maria Joana Pereira, casada com João Malaquias e mãe de: Manoel Braz Pereira Braga, Luiz Pereira Braga, Maria da Conceição Pereira Braga, Domingos das Neves de Paula, Vitalina, Maria Madalena Pereira Braga, Manoel da Paixão Pereira, Frutuosa Pereira Braga, Francisco Pereira da Paixão e Andreza Pereira Braga.

Outro “Braga” importante da época é Delfino Pereira Braga, alferes do Rei, tesoureiro da Igreja do Rosário e um possível escravo alforriado. Sobre isso, um quadro informativo na parede da Igreja declara:

Igreja do Rosário

Construção iniciada em 1753 por quatrocentos homens de cor, livres e escravizados, sob a chefia do Pe. Doutor Jerônimo Moreira de Carvalho e o arquiteto Ignácio da Costa Xavier (,,,)

Em 1770 vieram da Bahia as imagens de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito em ombros de escravizados (...)

Inauguração em 21-10-1763 (...)

[Uma inscrição em um túmulo próximo do altar, em pedra-sabão, destacado dos demais, número 84, dizia]: 28 de abril, de 1785, aqui jaz D.C.C.P.B., Dona Cândida Coutinho Pereira Braga, esposa de Delfino Pereira Braga, tesoureiro da Igreja do Rosário (...)

[Esta igreja foi a primeira a ser tombada em Luziânia com a Lei n. 8.915 (estadual) de 13/10/1980. Nesta igreja está o túmulo da única pessoa enforcada em Luziânia, José Pereira de Souza, em 30/10/1861, túmulo n. 09] (IGREJA DO ROSÁRIO, 2014).

Entre outras razões para se acreditar que Delfino era escravo alforriado, é o fato de ele e sua esposa terem sido enterrados na Igreja do Rosário, igreja conhecida como “dos escravizados”. A inscrição afirma que a Igreja foi iniciada por homens negros, escravizados e livres. A função de destaque ocupada por Delfino, alferes do rei e tesoureiro da igreja, parece adequada a um homem livre. Embora Palacin (2001) registre que na região havia regimento de “pardos forros” e de “pretos”; o que indica que a existência de regimento de negros daria a possibilidade de algum destes ocupar função de destaque.

Outro indicativo da importância de Delfino na sociedade luzianense é a localização e as características do túmulo de sua esposa, Cândida Coutinho Pereira Braga - central, diante do altar, e o único feito em pedra-sabão.

O parentesco de Delfino Pereira Braga com os quilombolas de Mesquita – por exemplo, o contemporâneo Manoel Pereira Braga, pai de José Pereira Braga - pode ser conferido em Registro Paroquial da época, onde Delfino declara ao escrevente possuir terras no “Sítio Mesquita”, fazendo divisa com o Alferes Profírio Ozano Baptista, Agostinho Camelo, Tenente Francisco Pereira de Mello e com o Rio São Bartolomeu (BRASÍLIA, 1858).

O alferes Delfino Pereira Braga é ainda mencionado na declaração de propriedade de Maria da Cunha Coutinho, a qual o relaciona como um dos vizinhos de sua propriedade, distante aproximadamente cinco léguas de Luziânia (BRASÍLIA, 1854). Cabendo esclarecer que Maria da Cunha Coutinho era irmã de Dona Cândida Coutinho Pereira Braga, esposa de Delfino Pereira Braga.

Outro que afirma ter propriedade vizinha à de Delfino é Francisco Pereira de Melo, cujas terras localizam-se às margens do “Ribeirão Saia Velha”. Este que fica próximo ao Quilombo e que mantém o nome de origem, até os dias de hoje. Isto deixa a entender que Delfino possuía mais que uma propriedade. (BRASÍLIA, 1857).

Neste mesmo período, declaram possuir terras, vizinhas às de Delfino Pereira Braga, na “Tapera do Mesquita”, Clemente Teixeira de Magalhães, Josefa Antônia da Costa, Francisca da Silva e Luiza Pereira Dutra. As terras dividem, ao nascente, com Armando Goez e Soares, ao norte e ao poente, com Domingos Alves da Costa e, ao sul, com Ana Maria.

O terreno, segundo os declarantes, provém de testamento, datado de 16 de agosto de 1852, de compra feita ao Capitão Manoel de Souza Vasques e que se estendia do “nascente ao poente” “três quartos de léguas, mais ou menos”, principiando no “veio d’água Pindahibal”, chegando à “Passagem Maria Pereira” (BRASÍLIA, 1857).

O documento, que faz referência à essa propriedade, é o Registro Paroquial número 37, de 1857 e fornece informações de relevância para compreensão do processo histórico local. Isto porque dá a entender que a compra feita, ao Capitão Manoel de Souza Vasques, foi uma ação de recuperação das terras de seus antepassados, cujos compradores são Clemente Teixeira de Magalhães, Prudêncio Teixeira e Luiza Pereira Dutra, os quais pareciam ter o propósito de retomar as terras que, antes, eram de Maria Pereira Dutra.

Explicitando melhor, as terras - chamadas de “Sítio do Mesquita” e pertencentes à Maria Pereira Dutra - foram arrematadas pelo Capitão Manoel de Souza Vasques; fato documentado em carta de arrematação de 1826 (LUZIÂNIA, 1943). Essa mesma propriedade, chamada agora de “Tapera do Mesquita”, é readquirida por Luiza Pereira Dutra, Clemente e Prudêncio Teixeira.

A figura de Maria Pereira Dutra parece ser de grande importância para a localidade, pois seu nome permaneceu nas terras, conforme verificado na expressão “Passagem Maria Pereira”, mesmo após a venda da propriedade ao capitão Manoel de Souza Vasques.

Atualmente, Maria Pereira é o nome de um dos principais rios de Mesquita. O ato de arrematação evidencia ainda a fragilidade do poder dos ex-escravizados e seus descendentes sobre as terras (BRASIL, 2011).

O fato de declararem conjuntamente a posse da terra sugere a existência de fortes vínculos sociais entre eles. Além disso, as uniões matrimoniais ocorrem naturalmente, como o caso de José Pereira Braga, filho de Manoel Pereira Braga e de Anna Victorina, o qual se casa com Maria Teixeira do Nascimento, evidenciando assim a integração entre duas das famílias tradicionais - os Pereira Braga e os Teixeira Magalhães. Maria Teixeira falecida em 1944 e

José pereira falecido em 1930, este com 75 anos. José viveu por 23 anos o tempo da escravidão e por 42 anos o da liberdade.

José Pereira Braga nasceu em 1865, portanto, ainda em pleno período de escravidão. Considerando que seus pais têm nomes e sobrenomes, algo incomum aos escravizados e, dado também que sua certidão de óbito registra “cor negra”, é de supor que ele fosse um “homem de cor livre”, terminologia esta grafada em quadro informativo na Igreja do Rosário, em Luziânia, à semelhança de Delfino Pereira Braga.

É o mesmo caso de Maria do Nascimento, nascida em 1873, um ano após a promulgação da Lei do Ventre Livre, o que significa que ela viveu o período da escravidão, pelo menos 15 anos de sua vida. Porém, aos 15 anos de idade presenciou a queda institucional da histórica e perversa prática escravista.

Fato curioso referente aos irmãos de José Pereira é que, alguns deles, morreram muito novos. Agostinho faleceu com 18 anos, Alexandre com 19 e João com 24 anos. Isso talvez seja explicado pela proximidade do “Ribeirão Santa Maria” (fonte de epidemias) das propriedades da família Pereira Braga; o que rendeu ao riacho a pecha de “Ribeirão do inferno” (BRASIL, 2011).

O inventário, de 1943, traz como herdeiros: Antônio Joaquim de Melo, Jeremias Urbano Meireles, Leão Teixeira de Magalhães, Benedito Teixeira de Magalhães, Margarida Teixeira de Magalhães, Gertrudes Teixeira de Magalhães, Lourenço Teixeira de Magalhães, Etelvino Teixeira de Magalhães, Malaquias Teixeira de Magalhães, Afrânio Teixeira de Magalhães, Nicolau Teixeira de Magalhães, Eneio Teixeira Magno, Paulo Teixeira Magno, Epifânia Pereira Braga, Eugênio Pereira Braga, Leonarda Pereira Braga, Benedito Pereira Dutra, Altamiro Pereira Dutra, Domingas das Neves de Paula, Benedito Teixeira de Araújo, Otávio Lisboa da Costa, Adiles Roriz, Salustiano Alves Meireles, Euzébia Teixeira de Araújo e Honorata Teixeira.

Convêm mencionar, neste levantamento histórico das famílias Mesquita, dois personagens da família Teixeira Magalhães, lembrados na tradição oral registrada por Carvalho (1975). São eles os irmãos Malaquias e Etelvino Teixeira Magalhães, ambos falecidos em 1975, os quais foram importantes líderes da comunidade, além de bons carpinteiros e professores.

Carvalho (1975), em seu documentário, também evidencia a importância da liderança de Benedito Antônio, conhecido como “Seu Dito”. O perfil deste líder, assim como os demais citados, no parágrafo anterior, apresenta as mesmas características, quais sejam, mobilizadores da comunidade, animadores das orações e das folias, intermediadores na

resolução de problemas, proativos na busca de melhorias para a comunidade e chefes exemplares de família.

Para não deixar dúvida sobre a ancestralidade africana dos Mesquita, nas certidões de óbito de José Pereira Braga e de Maria Teixeira do Nascimento, constam a expressão “cor negra”. O mesmo ocorrendo nas certidões de Malaquias e de Etelvino.

De fato, os sobrenomes apresentados acima, perpetuaram-se na história e ainda hoje representam maioria absoluta no Quilombo Mesquita, evidenciando a continuidade do vínculo genético e cultural de matiz africana. Porém, o vínculo entre o José Mesquita e os Mesquita, além da relação senhor/escravizados é o que será demonstrado mais à frente.

Em termos oficiais, em relação ao Quilombo Mesquita, teríamos: 1894 – Relatório da Missão Cruls.

1975 – Documentário “Quilombo”.

2000 – Mesquita chamado de Quilombo “Mesquita dos Crioulos” pela Fundação Cultural Palmares (FCP), em sua publicação “Quilombos no Brasil”.

2003 – Criação da Associação Renovadora Quilombo do Mesquita (Arequim) e solicitação para o reconhecimento do Quilombo.

2006 – Certificação fornecida pela Fundação Cultural Palmares. 2011 – Publicação do RTD no Diário Oficial da União.

1.4. A RELAÇÃO HISTÓRICA DE MESQUITA COM SUA “QUILOMBIDADE” E A