• Nenhum resultado encontrado

Mana vol.8 número1

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Mana vol.8 número1"

Copied!
29
0
0

Texto

(1)

Int rodução

A crise in te rn a cion a l d e se n ca d e a d a a p a rtir d os a te n ta d os a o World Tra -d e C e n te r -d e N ova Iorq u e , p e rp e tra -d os n o -d ia 11 -d e se te m b ro -d e 2001, colocou o m u n d o islâ m ico n o ce n tro d a op in iã o p ú b lica . Ao re d or d o m u n d o, os m e ios d e com u n ica çã o “ n oticia ra m ” o Islã com in te n sid a d e com p a -rá ve l à a b ord a g e m jorn a lística d a re volu çã o islâ m ica n o Irã e m 1979 — a n a lisa d a e m d e ta lh e p or Sa id (1997) — ou a o m om e n to e m q u e o Islã foi m a n ch e te n o m u n d o com a d e cla ra çã o d e Kh om e in i d a fatw a con tra o e scritor Sa lm a n Ru sh d ie , e m fe ve re iro d e 1989.

Q u a tro d ia s d e p ois d os a te n ta d os n os Esta d os Un id os, a Folh a d e S . Pau lo p u b licou u m a n ota in titu la d a “ Ve rsã o d e m a rroq u in o é q u e stion a -d a ” , n a q u a l -d irig e n te s -d a Socie -d a -d e Be n e fice n te M u çu lm a n a -d o Rio -d e J a n e iro (SBM RJ ), a tra vé s d e se u p re sid e n te , re p u d ia va m o d e p oim e n to d e u m m a rroq u in o p re so e m Sã o Pa u lo sob re u m a su p osta con e xã o d e re si-d e n te s á ra b e s n o Bra sil com os a te n ta si-d os n os Esta si-d os Un isi-d os1. A n ota a firm a va :

“ N o d e p oim e n to, d a d o a n te on te m à Polícia Fe d e ra l e a com p a n h a d o p or fu n

cion á rios d a e m b a ixa d a a m e rica n a , o m a rroq u in o d isse te r p re se n cia d o re u

n iõe s e m q u e á ra b e s q u e m ora m n o Rio d iscu tira m a p re p a ra çã o d e a te n ta

-d os te rrorista s n os EUA. Esta s re u n iõe s te ria m a con te ci-d o n u m a m e sq u ita

n o Rio. [N o fin a l a n ota a cre sce n ta :] O d ire tor-g e ra l e m e xe rcício d a Polícia

Fe d e ra l Wilson Da m á sio, d e te rm in ou on te m q u e a s in ve stig a çõe s in icia d a s a

p a rtir d o d e p oim e n to p e rm a n e ça m e m sig ilo” .

A p re ocu p a çã o, re a çã o e m ob iliza çã o q u e isso g e rou e n tre os m u çu l-m a n os d o Rio n ã o in a u g u ra u l-m n ovo tip o d e re la çã o e n tre Islã e l-m íd ia . N a ve rd a d e , a s re sp osta s se p rod u ze m a p a rtir d e u m m od o já “ in stitu cion a

-DISCURSOS E CON TRA-DISCURSOS:

O OLHAR DA MÍDIA SOBRE

O ISLÃ N O BRASIL*

(2)

liza d o” d e d ia log a r com o “ olh a r e xte rn o” , n o m a rco d e a n tig a s te n sõe s e n tre a p rod u çã o d e d iscu rsos jorn a lísticos sob re o Islã e a e la b ora çã o d e con tra d iscu rsos d a p a rte d os m u çu lm a n os.

N o con te xto d a m in h a p e sq u isa sob re a con stru çã o id e n titá ria d o isla m ism o n o Bra sil, a p a rtir d o tra b a lh o d e ca m p o e n tre os m u çu lm a n os su n ita s d o Rio, e ssa a n tin om ia se m p re re p re se n tou u m fa to on ip re se n te . Sa -b e m os q u e d a d in â m ica d e tod a id e n tid a d e socia l p a rticip a m a g e n te s q u e , d e ce rta form a , “ cria m ” , re cria m ou con tra d ize m ce rta s visõe s sob re o q u e sig n ifica o p e rte n cim e n to a o g ru p o. N o ca so d os m u çu lm a n os, a im p re n sa a p a re ce com o u m d os a g e n te s m a is im p orta n te s, d a d o q u e os re con h e -ce e in d ivid u a liza com o g ru p o, ou a o e scre ve r sob re e le s, os “ cria ” e torn a socia lm e n te visíve is d e u m m od o b a sta n te e sp e cífico.

O d iscu rso d e a u toa p re se n ta çã o d os m u çu lm a n os, e xp re sso n o in te -rior d a m e sq u ita e n os m e ios d e com u n ica çã o in te rn os, é con stitu íd o n a form a d e d iá log o com e ssa visã o q u e lh e a p a re ce com o forâ n e a , e q u ivo-ca d a , d e tu rp a d ora e m a n ip u la d ora . Am b a s a s visõe s, a “ p róp ria ” e a “ e x-te rn a ” , a ca b a m a ssu m in d o a form a d e u m d iscu rso m a is ou m e n os h om o-g ê n e o ou , n o m ín im o, con stroe m a b a se d e u m ce rto con se n so sob re u m con ju n to d e te m a s.

É p ossíve l isola r u m re p e rtório te m á tico re corre n te , isto é , u m con -ju n to lim ita d o d e m otivos q u e se re p e te m e q u e con stitu i a m a triz d o d is-cu rso jorn a lístico sob re o Islã n o Bra sil2. Ta l re p e rtório n ã o p a re ce a lh e io a ou tros olh a re s jorn a lísticos sob re o Islã n o p la n o in te rn a cion a l. Ao m e sm o te m p o, e ssa m a triz a ca b a g e ra n d o, com o re a çã o, u m a e sp é cie d e con tra -d iscu rso p or p a rte -d a com u n i-d a -d e a g re g a -d a e m torn o -d a SBM RJ , con s-tru íd o, b a sica m e n te , p or u m g ru p o d e a g e n te s q u e se a p re se n ta m com o se n d o d e e sp e cia lista s ou in te le ctu a is. Este g ru p o a p re e n d e d e form a p a r-ticu la r o “ olh a r e xte rn o” sob re o Islã , e b u sca “ isla m izá -lo” n o se io d a co-m u n id a d e , fa ze n d o-o n o con te xto d e u co-m a lin h a g e co-m in te le ctu a l à q u a l se vin cu la d e n tro d o isla m ism o. O e m p re e n d im e n to d o g ru p o q u e lid e ra a in stitu içã o se torn a com p re e n síve l som e n te se o tom a rm os com o u m d e sd ob ra m e n to sd os g ra n sd e s sd iscu rsos, sd iá log os, filia çõe s e sd iscu ssõe s e m -p re e n d id os -p e la Um m ah ou com u n id a d e g lob a l d o Islã .

(3)

Em u m p rim e iro m om e n to, p rocu ra re i re con stru ir os e ixos q u e e stru -tu ra m o d iscu rso jorn a lístico sob re o isla m ism o loca l, a tra vé s d e n ota s q u e tê m a p a re cid o e m re vista s e jorn a is n a cion a is sob re e sta te m á tica . Poste -riorm e n te , te n d o com o fio con d u tor o con tra d iscu rso e la b ora d o p e la SBM RJ , p re te n d o e xp lora r o e fe ito e a im p ortâ n cia q u e e sse olh a r e xte rn o te m n o in te rior d o m od e lo d e a u to-a p re se n ta çã o d os m u çu lm a n os d o Rio. Q u e ro su b lin h a r, ig u a lm e n te , o m od o com o os a rg u m e n tos q u e com p õe m a con -tra -re sp osta d a in stitu içã o d e n ota m o e sforço e a s com p le xa s filia çõe s in tra e e xtra -isla m ism o d o g ru p o q u e a lid e ra . Do con fron to, d a in te rse çã o e d a im b rica çã o e n tre a s visõe s jorn a lística e m u çu lm a n a , su rg e u m a á re a d e fron te ira e fricçã o p rivile g ia d a p a ra a a n á lise d a con fig u ra çã o id e n ti-tá ria im p u lsion a d a p e la SBM RJ3.

An te s d e com e ça r a a n á lise , ca b e u m a b re ve re fe rê n cia à p re se n ça d o Islã n o Bra sil, con sid e ra n d o q u e a SBM RJ form a p a rte d e u m con ju n to d e in stitu içõe s q u e , p or tod o o p a ís, re p re se n ta m a re lig iã o m u çu lm a n a .

A p rim e ira con sta ta çã o q u e se im p õe sob re a p re se n ça loca l d o isla -m is-m o é a d e q u e e sta -m os d ia n te d e u -m a re lig iã o -m in oritá ria , já q u e o tota l d e m u çu lm a n os n ã o su p e ra a cifra d e u m m ilh ã o d e fié is e m tod o o Bra sil. Em m in h a p e sq u isa con ta b ilize i p e lo m e n os 58 org a n iza çõe s m u çu lm a -n a s, corrob ora -n d o q u e os d ois p ri-n cip a is ra m os d o isla m ism o, a ve rte -n te su n ita e a xiita , se re p rod u ze m n o Bra sil n a m e sm a p rop orçã o q u e n o p la -n o i-n te r-n a cio-n a l, 90% d e su -n ita s e a p e -n a s 10% d e xiita s.

As vá ria s in stitu içõe s q u e a g re g a m os m u çu lm a n os re ce b e m o n om e le g a l d e Socie d a d e s Be n e fice n te s M u çu lm a n a s, se n d o a s m a is a n tig a s a s q u e se loca liza m e m Sã o Pa u lo q u e tê m m a is d e 70 a n os d e e xistê n cia4. N ã o ob sta n te , a h istória in stitu cion a l d e ssa re lig iã o n o Bra sil n ã o corre s-p on d e à d e su a s-p re se n ça n o s-p a ís. Pa ra a lite ra tu ra h istórico-sociológ ica , o Islã ch e g a a o Bra sil a p a rtir d o trá fico d e e scra vos, com os p rim e iros con tin g e n te s d e n e g ros isla m iza d os q u e a ca b a m p e rd e n d o a s tra d içõe s m u -çu lm a n a s e m virtu d e d o sin cre tism o com ou tra s re lig iõe s a frica n a s; p os-te riorm e n os-te , a p re se n ça m u çu lm a n a n u tre -se d a s corre n os-te s m ig ra tória s á ra b e s d e fin s d o sé cu lo XIX. Pa ra m u itos m u çu lm a n os, a p re se n ça d o is-la m ism o a q u i é p ré -e u rop é ia , u m a ve z q u e circu is-la u m a forte e e is-la b ora d a m itolog ia d e orig e m q u e a firm a a d e scob e rta d o Bra sil p or n a ve g a n te s m u çu lm a n os, sé cu los a n te s d a ch e g a d a d os p ortu g u e se s5.

(4)

d e sce n d e n te s d e im ig ra n te s. Ao m e sm o te m p o, n o con ju n to d os e stu d os re fe rid os à im ig ra çã o á ra b e , o isla m ism o n ã o te m re ce b id o m u ita a te n çã o. C om o a lg u n s tra b a lh os d e m on stra m , n a s d ife re n te s on d a s d e im ig ra çã o á ra b e p a ra o Bra sil os g ru p os m u çu lm a n os fora m b a sta n te m in oritá -rios já q u e , e m tod a s a s e ta p a s, h ou ve a m p lo p re d om ín io d e im ig ra çã o d e á ra b e s cristã os (Sa fa d y 1972; O sm a n 1997).

Se m d ú vid a , n o Bra sil, a s com u n id a d e s m u çu lm a n a s p od e m se r con -sid e ra d a s m in oria s re lig iosa s, p oré m , e m vá rios ca sos, d e n tre e le s o d a com u n id a d e d o Rio, h á vá ria s ra zõe s p a ra se re la tiviza r a id é ia d e q u e e sta m os d ia n te d e u m a m in oria “ é tn icore lig iosa ” . Do p on to d e vissta d a a n á lise , a ju n çã o d o “ é tn ico” (á ra b e ) com o “ re lig ioso” (Islã ) im p lica ria con -ce b e r o isla m ism o com o a q u ilo q u e O b e ye se k e re d e fin e , d e n tro d o b u d im o, coim o “ id e n tid a d e a xioim á tica ” , q u e r d ize r, sig n ifica ria a ce ita r q u e e s-ta m os d ia n te d e u m a re lig iã o cu ja p osiçã o se d e fin e d e fa to, e n tre ou tra s coisa s, p or u m a q u a lid a d e q u e te m su a ra iz n o n a scim e n to. C om o e sse a u tor re ssa lta , a n a lisa n d o o ca so d a id e n tid a d e a xiom á tica cria d a p e lo b u d ism o n o Sri La n k a , on d e se r cin g a lê s é ip so facto se r b u d ista , e sse tip o d e id e n tid a d e a p a re ce n a form a d e “ p rod u to p ron to” , fa to q u e ocu lta tod o o tra b a lh o q u e d e m a n d ou criá la (O b e ye se k e re 1995:242). Q u a n to a o isla -m is-m o n o Bra sil, ve re -m os q u e a a ssu n çã o d e u -m a id e n tid a d e e -m q u e se con sid e ra se r á ra b e e se r m u çu lm a n o com o d u a s fa ce s d a m e sm a m oe d a fa z p a rte d o d iscu rso n a tivo d e ce rta s com u n id a d e s, e n q u a n to a d issocia -çã o d e a m b os os te rm os com p õe o d iscu rso n a tivo d e ou tra s ta n ta s, com o a d o Rio d e J a n e iro. Assim , m a is d o q u e a ssu m ir com o re a is u m a ou ou tra p ostu ra , tra te i d o ca so e sp e cífico d os m u çu lm a n os d o Rio d e J a n e iro7.

(5)

-fe re n cia l in stitu cion a l p a ra o p e q u e n o g ru p o d e m u çu lm a n os a la ovita s d o Rio, ca lcu la d os e m torn o d e 1.200 fié is9.

O s a rg u m e n tos q u e form a m e ste a rtig o se n u tre m d o tra b a lh o e tn o-g rá fico q u e d u ra n te u m p rolon o-g a d o p e ríod o d e te m p o re a lize i e n tre os m u çu lm a n os d o Rio d e J a n e iro, a ssistin d o à s a u la s d e form a çã o d os m e m b ros, à s a tivid a d e s re lig iosa s e cu ltu ra is, à s fe sta s d o ca le n d á rio re li-g ioso e tc. N e sse se n tid o, ca b e a ssin a la r q u e o q u e a q u i con sid e ro com o o con tra d iscu rso d e ssa com u n id a d e , se con strói n o d ia -a -d ia d a m e sq u ita , n o b ojo d a s d iscu ssõe s su scita d a s p or p u b lica çõe s, p e q u e n os com e n tá -rios, re a çõe s, a n e d ota s e tc. N ã o ob sta n te , n e sta e ta p a d a a n á lise , e scolh i tra b a lh a r com d iscu rsos siste m a tiza d os, isto é , o d iscu rso e scrito d o jorn a -lism o e a q u e le q u e a com u n id a d e m u çu lm a n a d o Rio e se u s d irig e n te s p re p a ra m e d iscu te m p a ra d ifu n d ir e m d ife re n te s m e ios.

Discursos: o olhar dos out ros

Esp ora d ica m e n te , os m e ios d e com u n ica çã o loca l a p re se n ta m a lg u m a s m a té ria s sob re o isla m ism o n o Bra sil q u e p rovoca m u m visíve l m a l-e sta r e n tre os m u çu lm a n os d a com u n id a d e d o Rio d e J a n e iro. C a d a ve z q u e u m a a p a re cia e m a lg u m a p u b lica çã o loca l, e ra com e n ta d a n a s re u n iõe s d a m e sq u ita , a n a lisa d a e , n a m a ioria d a s ve ze s, e n q u a d ra d a n a tra m a d e “ d e m on iza çã o” e m q u e a im p re n sa e sta ria e m p e n h a d a .

Va le p e rg u n ta r: p or q u e e ssa s n ota s sã o re p e lid a s p e los m u çu lm a n os? Q u e im a g e m d e le s é a ssim tra n sm itid a p a ra q u e a re je ite m ? E, p or fim , q u a l é a m a n e ira d e se ve r o Islã q u e os m u çu lm a n os con sid e ra ria m p róp ria ?

Pod e -se d ize r q u e a s re p re se n ta çõe s con stru íd a s p e lo jorn a lism o se e stru tu ra m a p a rtir d e u m le q u e d e tóp icos re corre n te s. Pa rticu la rm e n te , ire i m e d e te r e m d ois a sp e ctos d e g ra n d e re le vâ n cia n a con stru çã o jorn a lística d o isla m ism o: o p rim e iro d iz re sp e ito a o cre scim e n to d o Islã ; o se -g u n d o, à re p re se n ta çã o d o lu -g a r d a m u lh e r n e ssa re li-g iã o. De le s d e riva a p rod u çã o d e u m a sé rie d e im a g e n s d o isla m ism o: su a d ifícil a d a p ta çã o a o Bra sil, a p e rig osa ju n çã o e n tre re lig iã o, p olítica e te rrorism o e o p a p e l d e su b m issã o d a m u lh e r, e n tre ou tra s.

Cresciment o, perigo e inadequação do islamismo

(6)

n ota com e ça va a firm a n d o: “ N o Bra sil, a m a ior p a rte d os re b a n h os q u e se a fa sta m d e Rom a se g u e os e va n g é licos, m a s, a e xe m p lo d o re sto d o g lo-b o, é cre sce n te o n ú m e ro d e ove lh a s q u e se volta p a ra M e ca ” (:51).

Pa rtin d o d e ssa p re m issa , o a rtig o p rocu ra d a r u m p a n ora m a d e q u e m sã o e sse s n ovos con ve rtid os b ra sile iros10. O te xto e stru tu ra -se e m torn o d a s d e cla ra çõe s d e u m jove m d e 18 a n os con ve rtid o a o Islã e m Sã o Pa u lo q u e a p a re ce u sa n d o u m a lin g u a g e m d icotôm ica q u e se p a ra cla ra m e n te O cid e n te / Islã , d e cla ra n d o a p oia r Kh om e in i, o H a m a s, a Fre n te Islâ m ica d e Sa lva çã o d a Arg é lia , e su ste n ta n d o q u e n ã o e xiste ca m in h o in te rm e -d iá rio: “ m u çu lm a n os m o-d e ra -d os sã o h ip ócrita s. N o Islã , n ã o h á se p a ra çã o e n tre re lig iã o e p olítica , é tu d o a m e sm a coisa ” (:51).

Em se g u id a , o te xto a ssu m e u m tom m a is p róxim o d o jorn a lism o d e in ve stig a çã o, fa ze n d o re fe rê n cia à s d ificu ld a d e s d e e sta b e le ce r o n ú m e ro d e m u çu lm a n os n o Bra sil. N ova m e n te , a n ota volta a a p re se n ta r d e cla ra -çõe s d e con ve rtid os, e a e n fa tiza r q u e n a d a in d ica q u e “ n o Bra sil n ã o e xista m fu n d a m e n ta lista s e ra d ica is” . Pa ra a p oia r e sta h ip óte se sã o con -tra p osta s à s d e cla ra çõe s d e u m sh e ik d e Sã o Pa u lo, q u e a firm a q u e “ O fa n a tism o é p roib id o n o Islã ” , a s d a q u e le jove m con ve rtid o sob re cu jo d is-cu rso ra d ica l a n ota é e stru tu ra d a . Em u m a ou tra p a ssa g e m , e le a firm a “ te r ou vid o fa la r d e u m g ru p o d e tre in a m e n to a rm a d o a o q u a l p re te n d e se u n ir” . De tod a form a , a m a té ria a d ve rte : “ A Polícia Fe d e ra l e m Bra sília n ã o con firm a a e xistê n cia d e q u a lq u e r g ru p o Islâ m ico a rm a d o e m te rritó-rio n a cion a l” (:53).

(7)

Pa ra a p oia r e ssa id é ia , sã o tra n scrita s su a s a firm a çõe s: “ n o tra b a lh o m e p e rg u n ta m se sou p a re n te d e Ali Ba b á e p e n sa m q u e vou sa ir voa n d o n u m ta p e te ” (:69).

À d ife re n ça d a m a ioria d os a rtig os sob re o te m a , o d a Isto É a n u n cia q u e e n tre os n ovos con ve rtid os n o Bra sil se d e sta ca m os n e g ros. Um a e xm ilita n te fe xm in ista e d e g ru p os n e g ros con ve rtid a a o Islã , cu jo “ íd olo ixm -p orta d o é M a lcom X” (:53), Wilm a Lú cia d e O live ira , a ssu m e o -p a -p e l d e p orta voz d o “ Islã n e g ro” , e xp lica n d o su a ch e g a d a a o Islã p or m e io e xclu -siva m e n te d a lu ta d os n e g ros a m e rica n os. Im e d ia ta m e n te a p ós, o a u tor d a m a té ria fa z u m a p e q u e n a re se n h a h istórica d os líd e re s n e g ros m u çu l-m a n os a l-m e rica n os, d e M a lcoll-m X a M r. Lou is Fa rra k h a n , e “ a le rta ” p a ra o fa to d e q u e o m ovim e n to lid e ra d o p or Fa rra k h a n q u e r p e n e tra r n a Am é -rica La tin a : “ N o m ê s p a ssa d o, u m re p re se n ta n te d e Fa rra k h a n e ste ve n o Rio d e J a n e iro con ve rsa n d o com p e rson a lid a d e s lig a d a s a o m ovim e n to n e g ro e a n u n ciou a in te n çã o d o líd e r visita r o p a ís” (:69).

M e d ia n te con su lta a líd e re s d e ou tra s tra d içõe s re lig iosa s, e m e sp e -cia l d e n tro d o ca tolicism o e ju d a ísm o, e a e sp e -cia lista s e m re lig iã o, a n ota in d a g a com o é p e rce b id o o g ran d e cre scim e n to d o Islã n o Brasil. En tre os ca tólicos, d e sta ca m -se a s d e cla ra çõe s d o p a d re G a b rie le C ip ria n i, a sse s-sor d e Ecu m e n ism o e Diá log o In te r-Re lig ioso d a C N BB e , n o ca so d a co-m u n id a d e ju d a ica , a s d o ra b in o H e n ry Sob e l, p re sid e n te d o ra b in a to d a C on g re g a çã o Isra e lita d e Sã o Pa u lo. Am b os coin cid e m e m su b lin h a r os p ou cos con ta tos in te rre lig iosos com o isla m ism o, e a d ificu ld a d e d e e n -con tra r q u e m se ja o in te rlocu tor e m u m a re lig iã o q u e “ p a re ce te r vá ria s fre n te s” (:70).

Essa id é ia d e q u e se tra ta d e u m a re lig iã o q u e n ã o se e n ca ixa m u ito b e m n o Bra sil a p a re ce rá com d e sta q u e e m u m b ox in titu la d o A x é M ao-m é . Ali se fa z re fe rê n cia a os ce n tros islâ ao-m icos d a Ba h ia , a p re se n ta n d o-se “ sim p a tiza n te s se m com p rom isso d o Islã ” . Um d e sse s sim p atiz an te s é o d ire tor cu ltu ra l d o O lod u m , p a ra q u e m o isla m ism o a p a re ce com o re fe -rê n cia p olítica, com o u top ia d e lib e rd ad e p ara a com u n id ad e n e g ra d a Bah ia. Assim , cita n d o u m a a firm a çã o d o m ú sico, a n ota volta a a firm a r o q u ã o fora d e con te xto o Islã p od e e sta r n o Bra sil: “ M a s n ã o d á p a ra se su b m e te r a u m a re lig iã o q u e te tira d a fe sta , d a b e b id a e d o se xo” . Essa e sp é cie d e “ e xce ssiva rig id e z” d o Islã n ova m e n te é su b lin h a d a p e lo sh e ik n ig e ria n o q u e d irig e o C e n tro Islâ m ico d a Ba h ia , e q u e , ch e g a n d o d u ra n -te o ca rn a va l p a ra a ssu m ir su a s fu n çõe s, -te ria fica d o “ ch oca d o a o ve r a s m u lh e re s se m in u a s e a s d a n ça s e xp lícita s d o ca rn a va l” .

(8)

m u çu lm a n os re za n d o, a p a re ce m re su m id a s su a s q u a tro fa ce s a ssu sta d ora s: o fu n d am e n talism o, o te rrorism o, a b arb árie e o m an to n e g ro (e m re fe rê n cia a o ve stu á rio fe m in in o). Ta lve z p or isso a n ota a ssin a le q u e “ e sp e -ra -se q u e o Islã , d e ste la d o d e b a ixo d o Eq u a d or, n ã o te n h a a ca -ra fe ia q u e a m e d ron ta o m u n d o” (:70).

N a m a ioria d a s ve ze s e m q u e o Islã é n oticia d o n ã o d e ixa d e se r e vi-d e n cia vi-d a su a face assu stavi-d ora. N e sta vi-d ire çã o, a Folh a vi-d e S . Pau lo, e m se u su p le m e n to Folh a M u n d o, d e ju lh o d e 1999, d e d ica vá ria s p á g in a s a o Fu n d am e n talism o n o Islã12, e à d ife re n ça d e ou tros a rtig os, su b lin h a q u e a “ fa ce a ssu sta d ora ” d o Islã se e n con tra e m xe q u e . O m a p a d o fu n -d a m e n ta lism o a p re se n ta -d o p e la Folh a in clu i o Irã , Líb a n o, Afe g a n istã o, Su d ã o, Arg é lia , Pa q u istã o, Tu rq u ia e ou tros te rritórios d o O rie n te M é d io. O fu n cion a m e n to d a s org a n iza çõe s islâ m ica s a ssocia d a s a corre n te s “ fu n -d a m e n ta lista s” é a n a lisa -d o e m ca -d a u m a -d e ssa s re g iõe s. O tom g e ra l -d o a rtig o te n d e a e n fa tiza r q u e o “ fu n d a m e n ta lism o” islâ m ico e stá d e stin a d o a p e rd e r força s. Evid e n te m e n te , Islã e fu n d a m e n ta lism o m ostra m -se in ti-m a ti-m e n te a ssocia d os, a p on to d e p a re ce r iti-m p ossíve l fa la r d e u ti-m se ti-m fa ze r re fe rê n cia a o ou tro. As p a la vra s “ islâ m ico” , “ Islã ” e “ m u çu lm a n o” fu n -cion a m com o a d je tivos p a ra o fu n d a m e n ta lism o. As fotos m ostra m m u çu lm a n os re za n d o e lm lm e sq u ita s e líd e re s d e org a n iza çõe s g u e rrilh e ira s e lm -p u n h a n d o a rm a s sofistica d a s (:17). O rg a n iza çõe s com o H a m a s, FIS, G IA, H izb olla h , Irm a n d a d e M u çu lm a n a n o Eg ito, Ta lib ã s e tc. sã o a p re se n ta -d a s com o org a n iza çõe s re lig iosa s, vin cu la n -d o-se , a ssim , os te rm os Islã e p olítica , te rrorism o e Islã .

Imagens da mulher no Islã

N o fin a l d a m e n cion a d a m a té ria d a re vista Re p ú b lica, ou tro te m a “ con -trove rso” é a b ord a d o: a q u e stã o d a p rá tica d a p olig a m ia , se n d o isto fe ito p or m e io d e d e cla ra çõe s d a m e sm a m u lh e r, Wilm a Lú cia d e O live ira , q u e n a re p orta g e m “ Islã Trop ica l” a p a re ce com o p orta voz d o “ isla m ism o n e -g ro” . N e sse ca so, e la se a p re se n ta com o m ilita n te fe m in ista , a firm a n d o: “ q u e ro d iscu tir o d ire ito d a m u lh e r ta m b é m te r q u a tro m a rid os; a p rim e i-ra ve z q u e coloq u e i isso e n tre os b i-ra sile iros, a ca b ou a re u n iã o, d e p ois fo-ra m se a costu m a n d o. N o a n o p a ssa d o, n o con g re sso d os M u çu lm a n os d a Am é rica La tin a , fu i lá n a fre n te e d e fe n d i e ssa te se . Foi u m b a te r d e sa ia s e sa p a tos” (Re p ú b lica 1997:53).

(9)

a q u e stã o d o p a p e l d a m u lh e r n o Islã13, cla ssifica n d o os p a íse s islâ m icos e m lib e ra is e tra d icion a lista s, con form e a p ostu ra a ssu m id a e m re la çã o à m u lh e r e se u s d ire itos. O m u n d o “ tra d icion a l” é ca ra cte riza d o com o rig o-rosa m e n te re sp e itoso à s le is corâ n ica s, q u e , p e r se , e sta b e le ce ria m u m a e sp é cie d e lu g a r su b ord in a d o p a ra a m u lh e r. O ou tro m u n d o, d e scrito co-m o lib e ral, se ria re p re se n ta d o p or a q u e le s p a íse s q u e con sid e ra co-m q u e a s le is q u e “ e sta va m ce rta s n o sé cu lo 6 p od e m vira r e rra d a s n o sé cu lo 20” . Esse m u n d o lib e ra l é re tra ta d o com o m a is d isp osto a re ve r o p a p e l d o Islã e a con ce b e r a s m u lh e re s com os m e sm os d ire itos q u e os h om e n s.

De sse m od o, a q u e stã o ce n tra l d o a rtig o é re sp on d e r à p e rg u n ta se n o Islã a s m u lh e re s sã o e fe tiva m e n te ig u a is a os h om e n s. A re sp osta a e sta in te rrog a çã o é , e vid e n te m e n te , n e g a tiva : “ o Alcorã o d iz q u e o h om e m e a m u lh e r sã o ig u a is, m a s o h om e m a u ltra p a ssa d e u m d e g ra u . Q u a l é a e x-te n sã o d e sse d e g ra u ? O p róp rio x-te xto sa g ra d o d e x-te rm in a q u e a m u lh e r h e r-d a a m e ta r-d e r-d o q u e h e rr-d a u m h om e m e q u e , n os trib u n a is, o te ste m u n h o d e u m h om e m va le o d e d u a s m u lh e re s” (Jorn al d o Brasil, 25/ 2/ 98, p . 9).

Pa ra ilu stra r com e xe m p los e sse a rg u m e n to, o jorn a lista re ssa lta q u e n os ch a m a d os p a íse s tra d icion a lista s o cin e m a , a m ú sica , o con su m o d e á lcool, os jog os, a s d ive rsõe s m ista s e tc. sã o e x p re ssam e n te p roib id os às m u -lh e re s14. A id é ia ce n tra l d o a rtig o é p re d ize r q u e , se a q u e le m u n d o trad i-cion al triu n fa r, o Islã se rá u m a re a lid a d e re strita a se u s te rritórios h a b itu a is, m a s se o Islã lib e ral p re p on d e ra r, “ O Islã se torn a rá u m a força m u n d ia l a com p e tir e m p é d e ig u a ld a d e com o cristia n ism o, o ju d a ísm o e a s re li-g iõe s orie n ta is n a d om in a çã o d o m u n d o” (Jorn al d o Brasil, 25/ 2/ 98, p . 9).

A já m e n cion a d a “ Islã Trop ica l” , d a re vista Isto É, re fe re -se à q u e stã o d o ve stu á rio d a m u lh e r m e d ia n te a a p re se n ta çã o d e u m a jove m se cre -tá ria , d e 22 a n os, re ce n te m e n te con ve rtid a , q u e “ n ã o se in com od a m a is d e se r ch a m a d a d e m u lh e r d e Sa d d a m H u sse in p e la s ru a s” (Isto É, 29/ 4/ 98, p . 68). O ca rá te r e xtra ord in á rio d a n ova situ a çã o e d o ve stu á rio e scolh id o p e la jove m é re a firm a d o p e la s d e cla ra çõe s d e su a m e lh or a m ig a , q u e , re -sig n ad a, le m b ra q u a n d o ia m ju n ta s à p ra ia , d e b iq u in i. N ã o é p or a ca so q u e a n ota q u e se g u e se ja d e n om in a d a : O v é u d a v e rg on h a, e tra te d o g ru p o Ta lib ã n o Afe g a n istã o e d os d ire itos fe m in in os.

(10)

e m e sta tística s m u n d ia is, a o fa to d e o Islã se r a re lig iã o q u e m a is cre sce n o m u n d o, “ já su p e ra n d o o ca tolicism o, torn a n d o-se u m a força m u n d ia l” . Ta lve z p ossa m os p e n sa r q u e e ssa id é ia d e q u e e xiste u m cre scim e n to loca l d o Islã te m a ve r com u m a e sp é cie d e con clu sã o p re cip ita d a : se o Islã é a re lig iã o q u e m a is cre sce n o m u n d o, ta m b é m d e ve cre sce r a q u i. Si-m u lta n e a Si-m e n te , os te xtos re ssa lta Si-m o in côSi-m od o q u e p od e re su lta r d e se r m u çu lm a n o n o Bra sil, fa ze n d oo p or m e io d a s d e cla ra çõe s d a q u e le s con -ve rtid os q u e se se n te m e x trate rre stre s ou sã o ch a m a d os d e m u lh e r d e S ad d am H u sse in , ou vistos com o p are n te s d e A li Bab á p ron tos a sair v oan d o n u m tap e te .

J u n to com e ssa id é ia “ con tra b a n d e a d a ” d o cre scim e n to, e n con tra -m os re ite ra d a s ve ze s n a i-m p re n sa a e xp licita çã o d a ch a -m a d a “ fa ce a ssu s-ta d ora ” , o la d o ob scu ro d o Islã : o fu n d a m e n s-ta lism o, o ra d ica lism o e o te r-rorism o. É n e sse p on to q u e os te xtos fa ze m e co à p rob le m á tica d o Islã n o p la n o in te rn a cion a l. As p ote n cia lid a d e s d e con flito a p a re ce m a ssocia d a s a q u e stõe s vista s com o in trín se ca s a e sse siste m a d e cre n ça s — a ju n çã o e n tre re lig iã o e p olítica , a va loriza çã o d o lu g a r d a m u lh e r e su a e xce ssiva rig id e z —, q u e o con ve rte m e m u m a fé d ifícil d e se r se g u id a n o Bra sil.

Afirm e i, n o in ício, q u e a com u n id a d e m u çu lm a n a d o Rio re ce b e u e ssa s e ou tra s n ota s jorn a lística s com o u m a ta q u e à su a fé , e q u e e la te n tou con tra b a la n ça r e ssa im a g e m d e n u n cia n d o, e m se u se io, q u e ta m b é m a q u i “ o Islã é d e m on iza d o” . N ã o p od e m os d e ixa r d e le va r e m con ta com o se a rticu la e ssa m e sm a re la çã o n o p la n o g lob a l.

O olhar jornalíst ico do Islã como cont rovérsia int ernacional

Um a p e sq u isa n a s p u b lica çõe s in te rn a cion a is e n os site s d a Um m ah g lo-b a l im e d ia ta m e n te re ve la q u ã o d e lica d a é a re la çã o e n tre a m íd ia e o Islã . As p u b lica çõe s d a M u slin W orld Lig u e , re vista e d ita d a n a Ará b ia Sa u d ita , m a s d istrib u íd a n a s com u n id a d e s su n ita s d e tod o o m u n d o, n ã o d e ixa d e re fle tir u m a p re ocu p a çã o com o tra ta m e n to q u e é d a d o a o Islã p e los m e ios d e com u n ica çã o in te rn a cion a is. Ta m b é m re vista s in te rn a cion a is d a ve rte n -te xiita , com o a Kau sar, e d ita d a n o Irã , m a s tra d u zid a p a ra vá ria s lín g u a s e d istrib u íd a e m n u m e rosos p a íse s, costu m a m tra ta r d e ssa p rob le m á tica .

(11)

-se re g u la rm e n te e m p rom ove r d e b a te s e n tre a ca d ê m icos “ isla m ólog os” e fig u ra s p roe m in e n te s d o m u n d o m u çu lm a n o. Ali se m p re a p a re ce o te m a d a d e lica d a te n sã o e n tre o Islã e a m íd ia .

Ta lve z q u e m m a is te n h a ch a m a d o a a te n çã o p a ra e sse a sp e cto se ja Ed w a rd Sa id , p rin cip a lm e n te e m se u livro Cov e rin g Islam (1997), cu jo su b títu lo su g e stivo é , ju sta m e n te , “ C om o a M íd ia e os Exp e rts De te rm in a m com o Ve m os o Re sto d o M u in d o” . N a ve rd a d e , e ste livro se torin ou re -fe rê n cia re corre n te n a s d iscu ssõe s sob re e ssa re la çã o e su a circu la çã o e n tre a s a u torid a d e s d a SBM RJ o con firm a .

Va le a p e n a n os d e te rm os n os p ostu la d os d e sse livro. N e le e stã o d e scritos a g ê n e se e os ru m os d a re la çã o con flitiva e n tre os m e ios d e com u n ica çã o n orte a m e rica n os e o Islã , com su a s con se q ü ê n cia s sob re o tra ta -m e n to d o Islã n o re sto d o -m u n d o. N ote -se , d e sa íd a , u -m p on to d e coin ci-d ê n cia e n tre a p e rsp e ctiva ci-d o a u tor ci-d e sse te xto e a form a p e la q u a l a q u e stã o d a re la çã o m íd ia / Islã é con sid e ra d a n a s p u b lica çõe s in te rn a cio-n a is d o m u cio-n d o m u çu lm a cio-n o. Em a m b os os ca sos, e ssa te m á tica é tra ta d a com o fa ze n d o p a rte d e u m a p rob le m á tica m a is a m p la : a re la çã o e n tre O cid e n te e Islã .

Cov e rin g Islam re m e te a o livro O O rie n talism o15. Porq u e é e sse orie n ta lism o, re n ova d o e m u m a e sp é cie d e “ n e o-orie n ta lism o” jorn a lísti-co, q u e , p a ra Sa id , p e rm e ia a visã o d o Islã p rop a g a d a p e la m íd ia n os p a í-se s ce n tra is16. Tra ta r-se -ia d a p rod u çã o d e u m con h e cim e n to p or d e fin içã o e sse n cia liza n te d a re a lid a d e q u e p re te n d e a p re e n d e r, e m u m e xe rcício q u e a ca b a p or torn á la op a ca a o re d u zila a u m a e sp é cie d e e ssê n cia im u tá ve l. N u trin d ose d e u m a visã o d icotôm ica d o m u n d o, e sse con h e cim e n to orie n ta lista , q u e Sa id ve rá re fle tid o n a m íd ia , é u m con h e cim e n to cria -d o e re cria -d o à lu z -d e u m con se n so b a se a -d o e m op osiçõe s -d o tip o e le s/ n ós, Islã / O cid e n te , a ta vism o/ m od e rn id a d e , a u torita rism o/ d e m ocra cia .

(12)

Ao m e sm o te m p o, e n tre ou tros a u tore s, h á ce rto con se n so n o q u e d iz re sp e ito à crítica d a cria çã o orie n ta lista d e u m h om o islam icu s com o op os-to à n oçã o d e in d ivíd u o ocid e n ta l e à in flu ê n cia d e ssa id é ia n a p e rce p çã o ocid e n ta l d o m u n d o islâ m ico (AlAzm e h 1993a :24). N a ve rd a d e , re ce n te -m e n te , vá rios d e le s se ocu p a ra -m e -m b u sca r a s ra zõe s p a ra ta l e ste re ótip o, u m a ve z q u e su a e xistê n cia se torn ou p on to d e p a rtid a d a s a n á lise s m a is sofistica d a s sob re o Islã . N e ssa p e rsp e ctiva , ta m b é m Wa lle rste in (1999: 120) se p e rg u n ta p or q u e o m u n d o ocid e n ta l e scolh e u o Islã com o se u d e -m ôn io -m a is a tu a l e p or q u e se p rod u z u -m a a ssocia çã o in sta n tâ n e a e n tre os te rm os isla m ism o e te rrorism o17.

Se a s con stru çõe s id e n titá ria s sã o se m p re m u tá ve is, se va le m d e re ta -lh os, d e e stra té g ia s, m a s, sob re tu d o, e sp e -lh a m o m od o com o sã o p e rce b id a s p e los ou tros, a “ re a tiviid a id e ” id a s org a n iza çõe s m u çu lm a n a s in te rn a -cion a is, a o se ve re m p e rce b id a s d e u m a form a tã o d e fin id a , se e la b ora n o e ixo d e sse con tra p on to.

C a b e con sid e ra r, e n tã o, q u e e xiste m d ife re n te s p la n os, ou e sfe ra s, e m q u e a con trové rsia m íd ia / Islã se m a n ife sta . C e rta m e n te , p od e m os d istin g u ir com o, n o p la n o in te rn a cion a l, os m e ios d e com u n ica çã o d e se m p e -n h a m p a p e l fu -n d a m e -n ta l -n a d ifu sã o d e u m a ce rta visã o sob re o Islã e os m u çu lm a n os, a ssim com o, n o m e sm o p la n o ce rtos p orta voze s d a s com u -n id a d e s m u çu lm a -n a s co-n te sta m e ssa visã o.

N o q u e se g u e , q u a n d o e u m e re fe rir a o d iscu rso re a tivo d os m u çu l-m a n os d o Rio, te re i op ortu n id a d e d e ob se rva r e sse a sp e cto d e con fron to e n tre a s d u a s visõe s. N a con stru çã o d e sse con tra d iscu rso, o g ru p o d e in te -le ctu a is d a SBM RJ d e se m p e n h a u m p a p e l ce n tra l, con trib u in d o p a ra q u e a com u n id a d e m u çu lm a n a d o Rio d e J a n e iro a b ra su a s fron te ira s p a ra p a rticip a r e se im b u ir d a s g ra n d e s d iscu ssõe s q u e a tra ve ssa m o Islã com o u m tod o.

C a b e ria , e n tã o, tra ça r u m a g e n e a log ia d a s re fe rê n cia s in te rn a cio-n a is d a icio-n te le ctu a lid a d e loca l, u m a ve z q u e se cio-n ã o com p re e cio-n d e rm os a in te r-re la çã o d e sse s n íve is e a e xistê n cia d e ce rtos e ixos te m á ticos ca ros a o Islã con te m p orâ n e o, h á o p e rig o d e d e scon te xtu a liza rm os o e sforço d o g ru p o p a ra con stru ir u m a tra d içã o p a ra o Islã loca l à lu z d e ce rta s te n -d ê n cia s, corre n te s -d e p e n sa m e n to e a lin h a m e n tos p olíticos g lob a is.

Os int elect uais e a idéia da islamização do conheciment o

(13)

se io d a com u n id a d e u m g ru p o d e id e ólog os, e q u e e ste fosse con tra sta d o com os m e m b ros com u n s e m q u a lid a d e d ife re n te . Isto ocorre , p rin cip a l-m e n te , e l-m con se q ü ê n cia d a n e g a çã o d e q u a lq u e r h ie ra rq u ia in te rn a com o tra ço d o su n ism o, e m n ítid a d ife re n cia çã o com os g ru p os xiita s, e m q u e a se p a ra çã o e n tre Im an s e fié is é m a rca d a (Da b a sh i 1995; Da fta ry 1996). Ap e sa r d isso, d o p on to d e vista a n a lítico, é p ossíve l fa ze rm os re fe -rê n cia a o fa to d e q u e d e n tro d a m e sq u ita e xiste u m g ru p o q u e se con sti-tu i com o e sp e cia lista , op ta n d o p or d e te rm in a d a s te n d ê n cia s, re je ita n d o ou tra s, e m u m e xe rcício in te le ctu a l p e rm a n e n te q u e u tiliza fon te s d e re fe -rê n cia cla ra s, q u e tra n sform a su a s id é ia s e m livros, se le cion a te xtos a se re m tra d u zid os, org a n iza con fe rê n cia s e tc. Esta m os n os re fe rin d o a u m p e q u e n o g ru p o, cu jo tra b a lh o e form a çã o d ife re d o d os d e m a is m e m b ros. Em con ju n to, e le s m a n tê m re la çõe s com d irig e n te s d e ou tra s com u n id a d e s d o Bra sil e d o m u n d o, via ja m p a ra p a rticip a r d e con g re ssos, p a ra se a tu a -liza re m , a lé m d e com p a rtilh a re m a fu n çã o d e g u ia r a op in iã o d os fié is e m a rca r a s te n d ê n cia s18.

N o p la n o in te rn a cion a l, o sé cu lo XX re con h e ce a lg u n s p e n sa d ore s m u çu lm a n os q u e p od e m se r e n q u a d ra d os n a ch a m a d a corre n te d o “ Re ssu rg im e n to Islâ m ico” (M u ta lib 1996:88). Tra ta se , sob re tu d o, d e u m con ju n to d e id e ólog os q u e m a rcou p rofu n d a m e n te o p e n sa m e n to m u çu lm a -n o su -n ita co-n te m p orâ -n e o -n o p la -n o i-n te r-n a cio-n a l. Um a d a s ca ra cte rística s com u n s a e sse s p e n sa d ore s foi tra n sita r e n tre o m u n d o ocid e n ta l e su a s re sp e ctiva s socie d a d e s. Exila d os d e se u s p a íse s d e orig e m , e m su a m a io-ria e stu d a ra m e m u n ive rsid a d e s d o O cid e n te , p rin cip a lm e n te n a In g la te rra , Frra n ça e Esta d os Un id os. Um a ve z d e volta à su a te rrra , d e se m p e n h a -ra m p a p e l fu n d a m e n ta l e m d ive rsa s org a n iza çõe s p olítica s19.

(14)

N os p rog ra m a s d a s org a n iza çõe s in sp ira d a s n o Re ssu rg im e n to, a ssim com o n a p rod u çã o e scrita d e se u s líd e re s, n ota se q u e a a n á lise d a s socie d a d e s m u çu lm a n a s e ra e m p re e n d id a a p a rtir d e u m d ia g n óstico q u a se fa -ta l, u m a ve z q u e e s-ta s te ria m re troce d id o à e ra d a Jah ily y a (te rm o q u e se re fe re à é p oca p ré islâ m ica d a p e n ín su la a rá b ica , e q u e n o sé cu lo XX op e -ra va com o m e tá fo-ra d os fa cciosism os, trib a lism os, n a cion a lism os, e tu d o a q u ilo q u e se a n te p u n h a a u m a visã o islâ m ica d a socie d a d e ). Por d ife re n te s ca m in h os, e sse s p e n sa d ore s ch e g a ra m à id é ia d a n e ce ssid a d e d e im -p la n ta çã o d o Esta d o islâ m ico, im a g in a n d o q u e isto a ca b a ria com o d e s-p otism o e a s tira n ia s q u e con sid e ra va m re g e r tod os os p a íse s d e m a ioria m u -çu lm a n a (M u ta lib 1996:91).

N e ssa m a triz d e p e n sa m e n to, d e ve -se p re sta r a te n çã o e sp e cia l a o p a r d e op osiçõe s form a d o p e los te rm os d e sisla m iza çã o/ isla m iza çã o. C om o ve re m os, foi a id é ia d e isla m iza çã o q u e im p re g n ou o d iscu rso d e ce rtos in te le ctu a is d o Islã .

Essa s “ voze s n a tiva s” se re fe re m ta m b é m à n e ce ssid a d e d e re e scre -ve r a h istória d o Islã , d e sta -ve z a p a rtir d e se u in te rior, d a d o q u e se q u e s-tion a o con h e cim e n to d isp on íve l cria d o sob re o Islã p e lo O cid e n te . Pa ra ta n to, se ria n e ce ssá rio “ isla m iza r” o con h e cim e n to sob re o Islã e m se u s d i-fe re n te s ra m os (Al-Fa ru q i 1982).

Cont radiscursos: o olhar próprio, um modelo de aut o-apresent ação

Pe rg u n te i-m e com o fu n cion a , n a s com u n id a d e s m u çu lm a n a s e sp e cífica s, e ssa e sp é cie d e con tra -ofe n siva à q u ilo q u e é ve icu la d o p e los m e ios d e com u n ica çã o. Pod e m os p a rtir d a con sta ta çã o d e q u e a s p u b lica çõe s d o Islã loca l, e n tre a s q u a is se d e sta ca a in flu e n te re vista A l Uru b at, d a Socie d a -d e M u çu lm a n a -d e Sã o Pa u lo, n ã o -d e ixa m -d e a -d ve rtir con tra a e xistê n cia d e u m a “ d e m on iza çã o d o Islã ” . N o q u e se re fe re à com u n id a d e m u çu l-m a n a d o Rio d e J a n e iro, col-m o já a ssin a le i, é visíve l o l-m a l-e sta r e a te n sã o e n tre o q u e a p a re ce p u b lica d o n os m e ios d e com u n ica çã o e a a u toa p re -se n ta çã o con stru íd a p or e ssa com u n id a d e . Pa la vra s com o “ d istorçã o” , “ d e tu rp a çã o” , “ m á in te rp re ta çã o” , “ d e scon h e cim e n to” , “ a g re ssã o” e “ d e m on iza çã o” e stru tu ra m u m d iscu rso e m q u e é e xp licita d a a n e ce ssi-d a ssi-d e ssi-d e a lg u m tip o ssi-d e re a çã o. Tu ssi-d o le va va a cre r q u e a lg u m a m e ssi-d issi-d a d e via se r tom a d a p e la com u n id a d e .

(15)

a b e rta s a os órg ã os d e im p re n sa . Ta l p ostu ra se ju stifica va com b a se n a a firm a çã o d e q u e a com u n id a d e se m p re a ce ita va re sp on d e r à s p e rg u n ta s d e sse s órg ã os, e q u e , a ssim m e sm o, a s n ota s a ca b a va m a p a re ce n d o se m n e n h u m a a lu sã o à s p a la vra s d o e n tre vista d o, ou se m se q u e r e xp licita r “ com o é n a re a lid a d e ” a com u n id a d e m u çu lm a n a d o Rio. A p a rtir d a q u e le m om e n to, a s e n tre vista s se ria m re sp on d id a s som e n te p or e scrito, e se -ria e xig id o a o órg ã o d e im p re n sa e m q u e stã o u m a ca rta d e solicita çã o p or fa x, à q u a l d e ve ria m se r a n e xa d a s a s p e rg u n ta s cu ja s re sp osta s se re strin -g iria m a p e n a s a os tóp icos a p re se n ta d os, ta m b é m se n d o re sp on d id a s p or e scrito. Esta n ova m od a lid a d e te n d ia a “ p re se rva r a com u n id a d e d a s p os-síve is d istorçõe s e m p re e n d id a s p e la im p re n sa ” . Ta l m e d id a ta m b é m p e r-m itiria r-m a n te r u r-m a p a sta cor-m tod a s a s solicita çõe s q u e , a ssir-m , fica ria r-m d ocu m e n ta d a s, se rvin d o com o p rova s d ia n te d e p ossíve is e q u ívocos.

A id é ia d e q u e u m a re sp osta m a is e n é rg ica d e ve ria se r con sid e ra d a fe z com q u e os líd e re s d a com u n id a d e , e se u s m e m b ros m a is e n volvid os com o fu n cion a m e n to d a SBM RJ , d e cid isse m con se n su a lm e n te e la b ora r u m te xto q u e a lu d isse a os “ e q u ívocos fre q ü e n te s a re sp e ito d os m u çu l-m a n os e d o Islã ” . Pa ra d ifu n d i-lo, a o l-m e n os e n tre os p róp rios l-m u çu ll-m a n os, o site q u e a SBM RJ p ossu i n a in te rn e t p a re ce u se r o m e io m a is a d e q u a d o. O te xto e la b ora d o a ca b ou se n d o b a sta n te “ sa id ia n o” . C om e fe ito, foi p e n sa d o e m torn o d a d icotom ia O cid e n te / Islã e e m old u ra d o com o re s-p osta a os s-p ros-p ósitos d e “ d e m on iza çã o ocid e n ta l” , a os q u a is a im s-p re n sa loca l fa ria e co.

N a con fe cçã o d o te xto fora m e scolh id os, p rim e iro, os e q u ívocos con -sid e ra d os m a is ofe n sivos p a ra os m u çu lm a n os; e m se g u id a , fora m in clu íd os ou tros m e n os g ra ve s, m a s ta m b é m vistos com o ce n tra is p a ra a p e rp e -tu a çã o d a “ d e -tu rp a çã o d o Islã ” .

(16)

p osiçã o d a SBM RJ e m re la çã o a os Esta d os islâ m icos, re a p a re ce n d o a ssim u m a id é ia se m p re re p e tid a n o se io d a com u n id a d e : a p olítica n os ch a m a -d os Esta -d os islâ m icos m u ita s ve ze s te m p ou co a ve r com os fu n -d a m e n tos d o Alcorã o, já q u e m u itos d ita d ore s e p olíticos u sa m o n om e d o Islã com ou tros in te re sse s20.

O u tro a sp e cto q u e se m p re in com od ou os m u çu lm a n os, e cu ja crítica é re corre n te n os d iscu rsos d e a lg u n s d e le s, é o u so q u e os m e ios d e com u n i-ca çã o fa ze m d a n oçã o d e Jih ad , te rm o g e ra lm e n te tra d u zid o com o “ g u e rra sa n ta ” . C on sid e rra se q u e a id é ia d e “ g u e rrra sa n ta ” é u m a m e rra in ve n -çã o d o O cid e n te , a ssu m id a p or a lg u m a s com u n id a d e s m u çu lm a n a s. Por-q u a n to, à id é ia d e Jih ad d e ve se r d e volvid o se u ve rd a d e iro sig n ifica d o d e e sforço, lu ta, e m p e n h o, u m a e sp é cie d e lu ta in te rior d e ca d a p e ssoa con -tra se u s p róp rios e g oísm os, u m a lu ta cu jo fim é a lca n ça r a p a z in te rn a . Porta n to, a n oçã o d e Jih ad com o g u e rra sa n ta ofe n d e a e ssa com u n id a -d e , q u e a -d ota a ou tra a ce p çã o -d o te rm o. En fim , com a e la b ora çã o -d e ste p rim e iro p on to te n ta va -se re sp on d e r à a ssocia çã o fre q ü e n te n os m e ios d e com u n ica çã o e n tre Islã , fu n d a m e n ta lism o e te rrorism o.

O se g u n d o e q u ívoco foi in titu la d o “ O Islã op rim e as m u lh e re s” . Re s-sa lta -se a q u i a re corrê n cia d a im a g e m e ste re otip a d a d a m u lh e r m u çu l-m a n a col-m o in te ira l-m e n te cob e rta . A e xp licita çã o d a p osiçã o d a SBM RJ a re sp e ito d os Esta d os islâ m icos volta rá a a p a re ce r n e ste tóp ico. N a com u -n id a d e m u çu lm a -n a d o Rio d e J a -n e iro a d m ite -se q u e e m a lg u -n s p a íse s m u çu lm a n os a s le is op rim e m a s m u lh e re s. C om o e xp lica çã o p a ra e sse p a ra d oxo, n ova m e n te op e ra a q u i o p rin cíp io d e se p a ra çã o e n tre o “ ve r-d a r-d e iro Islã ” e su a “ a p lica çã o e rrôn e a ” . Tra ta -se , n o fu n r-d o, r-d e r-d e svin cu la r a id é ia d a op re ssã o d a m u lh e r d a s ca ra cte rística s d o Islã ou d a le i corâ n ica . Por isso, a firm a -se q u e q u a n d o e xiste a lg u m g ra u d e op re ssã o, d e ve -se a o fa to d e q u e , n a m a ioria d a s ve ze s, os p a íse s a ca b a m a p lica n d o se u s p ró-p rios ró-p on tos d e vista cu ltu ra is se m le va r e m con ta a le tra d a le i corâ n ica , a q u a l, e m si m e sm a , p ostu la ria a “ e q ü id a d e e n tre h om e n s e m u lh e re s” .

(17)

so-m e n te a “ so-m od é stia n o ve stir” , ta n to p a ra o h oso-m e so-m q u a n to p a ra a so-m u lh e r. O ch a d or e o le n ço n a ca b e ça sã o a con se lh a d os e u sa d os e n tre a s m u çu l-m a n a s d o Rio a p e n a s d u ra n te a s ora çõe s, se n d o p ou q u íssil-m os os ca sos d e m u lh e re s q u e a ssiste m a ou tra s a tivid a d e s ou p e rm a n e ce m com e ssa s rou -p a s fora d os h orá rios d e ora çã o.

A p ostu ra a ssu m id a p e la Socie d a d e fa z com q u e a q u e stã o d a m u lh e r se ja u m te m a p ou co p rob le m á tico n a d in â m ica d a vid a in stitu cion a l d a com u n id a d e m u çu lm a n a d o Rio. N e sse se n tid o, é in te re ssa n te re ssa lta r q u e , n os ú ltim os a n os, o n ú m e ro d e m u lh e re s con ve rtid a s e m fu n çã o d a p a rticip a çã o n os cu rsos d e á ra b e e d e isla m ism o te m sid o q u a se ig u a l a o d os h om e n s. De tod o m od o, e sse s d e ta lh e s d e ve m se r con sid e ra d os a o se a n a lisa r p or q u e a com u n id a d e d o Rio re a g e con tra o q u e ch a m a d e “ e q u ívoco” sob re o lu g a r d a m u lh e r n o Islã , a trib u in d o-o a os m e ios d e com u n ica çã o. Esse s e ste re ótip os d e op re ssã o sã o re ce b id os d e form a n e -g a tiva , já q u e a te n ta m con tra o e sforço q u e e ssa com u n id a d e re a liza com o ob je tivo d e cria r u m a im a g e m d e ig u a lita rism o n o q u e se re fe re a o p a p e l d os g ê n e ros m a scu lin o e fe m in in o.

Em sín te se , d a s p orta s p a ra d e n tro o p a p e l d a m u lh e r n ã o a p a re ce com o p rob le m a , a in d a q u e se ja con sid e ra d o u m d os tóp icos m a is m a rca n -te s d a d e m on iza çã o d o Islã . Esta visã o, tid a com o e x-te rn a , a ca b a p or cria r d e n tro d a com u n id a d e , e m e sp e cia l n a s a u la s d e re lig iã o e n a s p u b lica çõe s, a n e ce ssid a d e d e a b ord a r o te m a , d e e xp licita r o p on to d e vista corâ n ico, se m p re n u m e sforço d irig id o à q u ilo q u e e le s re p u ta m u m “ e scla re -cim e n to d e e q u ívocos” .

Le va n d o-se e m con ta q u e a m a ioria d a s n ota s jorn a lística s sob re o Islã a b ord a d e a lg u m a form a o te m a d a p olig a m ia , o te xto sob re os “ e q u ívocos fre q ü e n te s” a ca b ou se ocu p a n d o ta m b é m d e ste a sp e cto. A d ou trin a islâ -m ica p re scre ve q u e o h o-m e -m p od e te r n o -m á xi-m o q u a tro e sp osa s, d e sd e q u e g u ie su a con d u ta e m re la çã o a e la s d e a cord o com d ive rsa s n orm a s, re fe rid a s b a sica m e n te a q u e stõe s e con ôm ica s. Assin a la -se q u e o Alcorã o n ã o re com e n d a a p olig a m ia , a p e n a s a a ce ita ou p e rm ite , o q u e torn a su a p rá tica u m a q u e stã o d e a cord o m ú tu o e n tre a s p e ssoa s. N o ca so d o h om e m , é tid a com o u m a op çã o p e ssoa l; n o q u e se re fe re à m u lh e r, se n d o a p rim e i-ra , p od e rá re cu sá -la , in clu in d o ta l re cu sa e m se u con ti-ra to m a trim on ia l21.

(18)

a se r vista com o e xce çã o. Ta lve z p or e ssa ra zã o a p a re ça vive n cia d a com o u m a p rob le m á tica e xte rn a , ju n ta m e n te com a q u e stã o d a m u lh e r.

O te rce iro e q u ívoco fa z a lu sã o b a sica m e n te à e xistê n cia , n o Bra sil, d e u m su p osto “Islã n e g ro”. Vim os q u e e m a lg u m a s d a s p u b lica çõe s jorn a -lística s m e n cion a d a s h a via re fe rê n cia s a u m a fra çã o d o Islã vin cu la d a a m ovim e n tos n e g ros. N o Bra sil, e sse su b g ru p o a p a re ce ria te n d o com o “ p orta -voz” Wilm a , u m a e x-m ilita n te fe m in ista , m u çu lm a n a , vin cu la d a a o m ovim e n to n e g ro, cu ja s d e cla ra çõe s a n a lise i a n te riorm e n te . A p osiçã o q u e e la e sg rim e , ta n to e m d e cla ra çõe s a os m e ios jorn a lísticos q u a n to e m su a p a rticip a çã o e m con g re ssos d o Islã , é con sid e ra d a n ã o islâ m ica p e la SBM RJ .

Vá ria s ve ze s m e p e rg u n te i p or q u e p a re ce se r im p ossíve l a ce ita r u m “ Islã n e g ro” , com o costu m a se r cla ssifica d a e ssa fra çã o. H á vá rios a sp e ctos a se le va r e m con ta . Prim e iro, a d m itir u m Islã n e g ro a te n ta ria con tra o p rin -cíp io d e u n icid a d e , isto é , n ã o se p od e fa la r e m te rm os d e Islã os, m a s d e u m ú n ico Islã . Essa te n sã o e n tre o u n ive rsa lism o d o Islã e su a s m a n ife sta -çõe s cu ltu ra is e n con tra , n e ste ca so, u m a d e su a s e xp re ssõe s m a is visíve is. Assim , n a com u n id a d e d o Rio se m p re se re p e te q u e n ã o e xiste ta l “ Islã n e g ro” , e ta m p ou co u m “ Islã b ra n co” , m a s a p e n a s u m “ Islã ú n ico” . N ã o d e ve m os p e n sa r se r e sta u m a te n d ê n cia g e ra l d e tod a com u n id a d e m u -çu lm a n a e sp e cífica . Em tod o ca so, o q u e e n con tra m os a q u i é u m d iá log o im p lícito com ce rta s ve rsõe s d o Islã in te rn a cion a l con te sta d a s p e la SBM RJ . C om p re e n d e r e sse s a sp e ctos su p õe volta rm os a d iá log os m a is g lob a is q u e in te rvê m im p licita m e n te n e ssa tom a d a d e p osiçã o. Aq u i se e n -tre la ça m , p orta n to, re p e rtórios te m á ticos m a is a m p los q u e a tra ve ssa m o Islã com o u m tod o. O m od e lo q u e m a is te ria in flu e n cia d o g ru p os com o o d e Wilm a e su a “ ve rsã o n e g ra d o Islã ” é con fig u ra d o a p a rtir d a s fig u ra s d o Islã n orte -a m e rica n o q u e lu ta ra m p e los d ire itos civis d os n e g ros, com o M a lcom X e , a tu a lm e n te , Lou is Fa rra k h a n . O corre q u e o g ru p o con h e ci-d o com o “ N a çã o ci-d o Islã ” , lici-d e ra ci-d o p or e ste ú ltim o, é g ra n ci-d e m e n te con te s-ta d o p or a lg u m a s ve rte n te s d o Islã in te rn a cion a l. Su a h istória é com p le xa e se u s con ta tos e e n te n d im e n tos com os p a íse s islâ m icos tê m va ria d o a o lon g o d o te m p o (Ke p e l 1997).

(19)

C on sid e ra n d o q u e n o Bra sil a h ip óte se d a e xp a n sã o d e u m Islã n e g ro é a p re se n ta d a com o re a l n a s n ota s jorn a lística s, a n e ce ssid a d e d e d e n u n cia r e sse “ p se u d oIslã ” a p a re ce p a ra a SBM RJ com o m e d id a p a ra con tra b a la n ça r su a vin cu la çã o a o isla m ism o. N a SBM RJ , e ssa corre n te é ch a -m a d a d e fa rra k h a n is-m o e -m a lu sã o a se u líd e r, Lou is Fa rra k h a n , e a se u s a d e p tos. Assim , n o te xto sob re os “ e q u ívocos fre q ü e n te s” foi d e cid id o q u e e sse a sp e cto d e ve ria se r in clu íd o p a ra e sta b e le ce r u m a cla ra d istin çã o e n tre o “ fa rra k h a n ism o” e o Islã . Este e q u ívoco a p a re ce u d e n om in a d o com o “ A N ação d o Islã é u m g ru p o m u çu lm an o” .

Pod e m os re con h e ce r, n e ste ca so, q u e d o p on to d e vista n a tivo a te n sã o e n tre ortod oxia e h e re sia d e se m p e n h a u m p a p e l fu n d a m e n ta l. A “ h e -re sia ” d a N a çã o d o Islã con sistiria ju sta m e n te e m p a rticu la riza r o Islã a p on to d e torn á lo n e g ro, p osiçã o in su ste n tá ve l p a ra a SBM RJ , q u e p re -te n d e e n fa tiza r u m e th os u n ive rsa lista , a q u e le q u e os “ p e n sa d ore s d o re ssu rg im e n to” re ivin d ica va m .

Se coloca m os e m re la çã o a re je içã o d o Islã n e g ro com o e th os u n ive r-sa lista q u e a SBM RJ e n fa tiza e m su a con stru çã o id e n titá ria , fica m os ob rig a d os a p re sta r a te n çã o e m ou tro p on to: o d a im p ortâ n cia d a “ d e sa ra b iza -çã o” , p ois con sid e ra m os q u e é p ossíve l e sta b e le ce r u m a a n a log ia e n tre a s visõe s d o a ra b ism o e d o Islã n e g ro.

A “ d e sa ra b iza çã o” d a com u n id a d e d o Rio é p rod u zid a e m virtu d e d o m e sm o p rin cíp io q u e n e g a a p ossib ilid a d e d e e xistê n cia d o Islã n e g ro. Em ou tra s p a la vra s, n ã o é p ossíve l fa la r d e u m Islã n e g ro, p orq u e n ã o se con -ce b e a ju sta p osiçã o d o Islã a q u a lq u e r id e n tid a d e é tn ica . Ta l ju sta p osiçã o, q u e n e ste ca so con sistiria e m a m a lg a m a r os te rm os “ Islã ” e “ n e g ritu d e ” , ta m b é m n ã o é con ce b íve l se os te rm os ju sta p ostos sã o “ a ra b ism o” e “ Is-lã ” . Assim , n e ssa com u n id a d e e sp e cífica , a p ossib ilid a d e d e e xistê n cia d e u m Islã n e g ro é tã o in ve rossím il q u a n to a d a e xistê n cia d e u m Islã á ra b e . N ã o ob sta n te , é p ossíve l d e te cta rm os d ife re n te s n íve is d e im p ortâ n cia a trib u íd os a e ssa s d u a s p rob le m á tica s. Evid e n te m e n te , n a com u n id a -d e -d o Rio, a n e ce ssi-d a -d e -d e e xp licita r a -d e svin cu la çã o -d e u m a i-d e n ti-d a -d e á ra b e é u m tra ço m u ito m a is a ce n tu a d o q u e o p rob le m a d o Islã n e g ro. Se m d ú vid a , a m b a s a s ju sta p osiçõe s op e ra m n o se io d e ou tra s com u n id a -d e s ou g ru p os m u çu lm a n os n o Bra sil22.

(20)

Se g u n d o e ssa s e sta tística s, os m u çu lm a n os q u e vive m n o m u n d o á ra b e sã o a p e n a s 18% d o tota l m u n d ia l.

De a ra b ism o sã o “ su sp e ita s” ou tra s com u n id a d e s d o p a ís, a s q u a is e sta ria m d isp osta s ta lve z a a d m itir q u e n o Bra sil a m a ioria d os m u çu lm a n os é a o m e sm o te m p o á ra b e . N o e n ta n to, n ota se a q u i q u e a com u n id a -d e -d o Rio olh a p a ra ou tros h orizon te s n a h ora -d e tra ça r su a s lin h a g e n s, con sid e ra n d o q u e o a ra b ism o d e ixa d e fora os m u çu lm a n os n e g ros d a d iá sp ora a frica n a e os n ovos con ve rtid os. N a com u n id a d e d o Rio, o a ra -b ism o a p a re ce a te n ta n d o con tra a id é ia d e q u e o Islã re ú n e p e r se u m a e n orm e va rie d a d e d e ra ça s, n a cion a lid a d e s, lín g u a s e cu ltu ra s23.

Conclusão

A a n á lise d a re la çã o e n tre p rod u çã o d e e ste re ótip os e stig m a tiza n te s e e la b ora çã o d e a trib u tos id e n titá rios p ositivos — q u e a q u i te n te i ca p ta r n e ssa e sp é cie d e “ con ve rsa çã o” e n tre a s re p re se n ta çõe s jorn a lística s e a s im a g e n s d a id e n tid a d e islâ m ica , e xa lta d a s p e los p róp rios m u çu lm a n os — re p re se n tou , n o n osso ca so, u m a d a s via s d e a ce sso p rivile g ia d a p a ra o e stu d o d e ssa id e n tid a d e socia l. N o m a rco d e u m a re fle xã o m a is a m p la sob re o te m a , os tra b a lh os d e M ich a e l H e rzfe ld sob re a p rod u çã o oficia l d e e ste re ótip os n os Bá lcã s, a b ord a m a sp e ctos se m e lh a n te s. N o ca so d a G ré cia , a b e m -su ce d id a p olítica id e n titá ria oficia l q u e con se g u e tra n sfor-m a r su a id e olog ia e sfor-m p a rte d o isfor-m a g in á rio socia l tra n ssfor-m u d a a n oçã o a b s-tra ta d e id e n tid a d e n a cion a l e m se n so com u m . N e sse con te xto, a m e tá fora d o sa n g u e , e ixo d o d iscu rso q u e re ifica a G ré cia com o p a ís h om og ê -n e o, d ia -n te d e vizi-n h os co-n tra stiva m e -n te “ fra g m e -n ta d os” , fa z p a rte d o p roce sso d e re ifica çã o d o m od e lo id e n titá rio p rom ovid o p e lo Esta d o, o q u a l, fin a lm e n te , e stim u la a e tn og ê n e se m in oritá ria a o n e g a r d ire ito à s m in oria s d e se d e fin ire m com o ta is (H e rzfe ld 1995:43). Se ja e m con te xtos d e con stru çã o d e id e n tid a d e s n a cion a is ou d e id e n tid a d e s q u e , com o a d os m u çu lm a n os, re m e te m p a ra le a ld a d e s tra n sn a cion a is, os e fe itos d a con stru çã o d e e ste re ótip os — cria d os p e la s p olítica s d e Esta d o, com o n o ca so d os e stu d os d e H e rzfe ld , ou p e la m íd ia , com o n o m e u ca so — a ca -b a m form a n d o p a rte d o se n so com u m , se a n cora n d o n o im a g in á rio socia l e n a s “ cosm olog ia s” p op u la re s. A a n á lise d a lóg ica su b ja ce n te a e sse s p roce ssos con stitu i p a rte ce n tra l d o e stu d o d a p olítica d e con stru çã o d e id e n tid a d e s socia is.

(21)

te n ta e lu cid a r o q u e e le d e n om in a o “ m od u s v iv e n d i” q u e se e sta b e le ce e n tre a m b a s. É in te re ssa n te sa lie n ta r q u e e ssa a b ord a g e m ch a m a a a te n -çã o p a ra u m a sp e cto in e re n te à p rod u -çã o jorn a lística e q u e con trib u i p a ra a com p re e n sã o d a u n iform id a d e e h om og e n e id a d e d a s re p re se n ta çõe s cria d a s n o cov e rin g d e ce rtos g ru p os socia is. O s con stra n g im e n tos p róp rios d a róp rofissã o jorn a lística , ta is com o a e xróp lora çã o d e ce rtos te m a s (e n -tre e le s a violê n cia ), o im p e ra tivo d o in é d ito, o ritm o e sim p lifica çã o e m p rol d a “ cla re za ” , a su p osta con stru çã o d e u m a re p orta g e m “ e q u ilib ra -d a ” e a p róp ria form a çã o -d os jorn a lista s, sã o a sp e ctos im p orta n te s n a p ro-d u çã o ro-d a s su a s re p re se n ta çõe s (J a n k ow sk i 1994:106). O clich ê , à s ve ze s, tra n sform a d o e m p rism a d o olh a r jorn a lístico, p od e b e m , com o n o ca so d os m u çu lm a n os ou d os g ru p os q u e J a n k ow sk i e stu d a , con d u zir à e la b o-ra çã o d e e sto-ra té g ia s cole tiva s p a o-ra e n fre n ta r a s re la çõe s com a m íd ia .

N a ve rd a d e , som e n te n e sta ú ltim a d é ca d a p rolife ra ra m tra b a lh os a n trop ológ icos q u e in corp ora m a o e stu d o d a s id e n tid a d e s socia is a a n á li-se d os m e ios d e com u n ica çã o — n a su a q u a lid a d e d e e sp a ços sin g u la re s d e tra n sm issã o d e “ e le m e n tos im a g in á rios” n a re p re se n ta çã o cu ltu ra l d e g ru p os ou p a rce la s d a socie d a d e — e o e stu d o d os p roce ssos g e ra d os p e la in te ra çã o d os g ru p os socia is com e sse s m e ios (Dick e y 1997:9). Aq u ilo q u e J a n k ow sk i (1994:101) d e n om in a “ m od u s v iv e n d i” e Dick e y (1997:7) “ n e g ocia çã o a tiva ” , isto é , o tip o d e p rá tica rotin e ira d e cria r e re ch a ça r re -p re se n ta çõe s d e si -p ró-p rios e d e ou tros, é o q u e a q u i te m os con sid e ra d o u m “ d iá log o” com p osto d e d iscu rsos e con tra d iscu rsos e n tre a s re p re se n -ta çõe s d a m íd ia e d os m u çu lm a n os.

Pa ra q u e p ossa m os ve rifica r a té q u e p on to ce rtos g ru p os socia is re cu p e ra m a s re p re se n ta çõe s e xp re ssa s n o cov e rin g d a m íd ia , p a ra se “ su b -m e te re -m ” a e la s ou p a ra re je itá -la s, e d e q u e -m od o org a n iza -m a tivid a d e s e g e ra m d iscu rsos a ce rca d isto, torn a -se n e ce ssá rio visu a liza r o con te xto d os m e ios d e com u n ica çã o q u e , p or e sta re m a rra ig a d os a siste m a s socia is, ta m b é m p rod u ze m sig n ifica d os socia lm e n te situ a d os.

(22)

n o m a rco d o “ p lu ra lism o re lig ioso b ra sile iro” on d e a tole râ n cia e o a lto trâ n sito re lig ioso sã o m otivos cu ltu ra is socia lm e n te re con h e cid os (N e g rã o 1997; Sa n ch is 1997).

Por ou tro la d o, o a d je tivo “ trop ica l” g e ra u m a re a çã o n e g a tiva e n tre os m u çu lm a n os, já q u e p a ra e le s a p a re ce com o e q u iva le n te a ou tra s a d je -tiva çõe s, ta is com o “ Islã n e g ro” ou “ Islã á ra b e ” . C om o vim os, d o p on to d e vista n a tivo, o Islã n ã o p a re ce a d m itir a d je tiva çõe s vin cu la d a s a cu ltu ra s n a cion a is ou a id e n tid a d e s é tn ica s, e ta l p e rsp e ctiva p od e se r com p re e n -d i-d a n o m a rco -d a n oçã o m u çu lm a n a -d e m in oria , q u e som e n te a -d m ite se b a se a r e m crité rios re lig iosos (Ke tta n i 1986).

A ob se rva çã o d o con tra d iscu rso q u e os m u çu lm a n os con stroe m e m re la çã o à id é ia d e q u e e ssa s com u n id a d e s con stitu iria m u m a form a d e re lig iosid a d e vin cu la d a à im ig ra çã o á ra b e se g u e id ê n tica lin h a d e a rg u -m e n ta çã o. Ain d a q u e p ossa p a re ce r p a ra d oxa l, a ê n fa se e xa ce rb a d a n a n e g a çã o d a s a d je tiva çõe s d o isla m ism o a ca b a se n d o u m a via p a ra “ loca -lizá -lo” e com b a te r a id é ia d e q u e o Islã é e stra n h o a o Bra sil. N e g a r a p ossib ilid a d e d e u m Islã á ra b e , n e g ro ou trop ica l é u m a form a d e in d ica r q u e o isla m ism o p od e se r p rofe ssa d o p or p e ssoa s d a s m a is va ria d a s ori-g e n s, a p on to d e tod o te rritório p od e r se tra n sform a r e m Dar al Islam (te r-ra d o Islã ). A “ m ir-ra d a e xte rn a ” d a m íd ia su p õe a a trib u içã o d e a d scriçõe s q u e a o se re m con te sta d a s n ã o sã o e xorciza d a s, m a s sim in te rioriza d a s n o d iscu rso id e n titá rio d o g ru p o. N o ca so d os m u çu lm a n os, e sse d iá log o ta m -b é m lh e s p e rm ite a rg u m e n ta r a ce rca d a te n sã o e n tre o ca rá te r forte m e n te u n ive rsa l d o isla m ism o e su a s e xp re ssõe s loca is.

Re ce b id o e m 3 d e n ove m b ro d e 2001 Ap rova d o e m 19 d e fe ve re iro d e 2002

(23)

Not as

* O p re se n te a rtig o é u m a ve rsã o m od ifica d a d e u m d os ca p ítu los d a m in h a te se d e d ou tora d o Dile m a s Id e n titá rios d o Islã n o Bra sil (M on te n e g ro 2000), a p re -se n ta d a e m ou tu b ro d e 2000 n o In stitu to d e Filosofia e C iê n cia s Socia is, d a UFRJ . Ag ra d e ço e sp e cia lm e n te a Fe d e rico N e ib u rg , m e m b ro d a b a n ca e xa m in a d ora , p e la su g e stã o in icia l d e tra n sform a r e sse te xto e m a rtig o.

1 N ota p u b lica d a n a Folh a d e S . Pau lo, 11/ 9/ 2001.

2 Atra vé s d o te rm o m a triz d o d iscu rso, fa ço re fe rê n cia à e xistê n cia d e u m

n ú cle o q u e g e ra a s d ife re n te s im a g e n s e re p re se n ta çõe s q u e com p õe m o d iscu rso jorn a lístico sob re o Islã . Ta l n ú cle o se con stitu i a p a rtir d e u m con ju n to lim ita d o d e su p ostos, a q u e le s q u e n o d e cu rso d o a rtig o ire i su b lin h a r.

3 C on cord o com os n u m e rosos a u tore s q u e e m p re e n d e m u m a visã o crítica

d o con ce ito d e id e n tid a d e e ou torg a m im p ortâ n cia à d im e n sã o p olítica d a s con stru çõe s id e n titá ria s. (ve r Ba ya rt 1996; Ap p ia h 1997; C a lh ou n 1994). Utilizo o con -ce ito d e “ con fig u ra çã o id e n titá ria ” p a ra sa lie n ta r q u e é p ossíve l ca p ta r os d ile m a s e a s e scolh a s d o p roje to id e n titá rio d o g ru p o e stu d a d o a p e n a s n a d im e n sã o te m -p ora l n a q u a l se situ a m in h a -p e sq u isa .

4 Se g u n d o o le va n ta m e n to re a liza d o p a ra e sta p e sq u isa , e xiste m n o Esta d o

d e Sã o Pa u lo 27 in stitu içõe s islâ m ica s; n o Pa ra n á , 10; M in a s G e ra is, 1; Rio d e J a n e iro, 2; M a to G rosso, 1; M a to G rosso d o Su l, 2; Sa n ta C a ta rin a , 4; Bra sília , 2; Ba h ia , 1; G oiâ n ia , 3; Rio G ra n d e d o Su l, 3; Am a zon a s, 1 e Pe rn a m b u co, 1. In clu e m -se a q u i m e sq u ita s, ce n tros cu ltu ra is, socie d a d e s b e n e fice n te s e ou tra s form a s d e a ssocia çã o re lig iosa .

5 Pa ra a n á lise s d o “ Islã n e g ro” n a é p oca d o trá fico n e g re iro e a s h ip óte se s

sob re su a “ e xtin çã o” te m os q u e con sid e ra r, e n tre ou tros, os tra b a lh os d e Rod rig u e s (1988), Ra m os (1937) e Q u e rin o (1988). Pa ra ve rifica rm os a re la çã o e n tre isla -m is-m o e a i-m ig ra çã o á ra b e n o Bra sil, con su lta r Sa fa d y (1972) e O s-m a n (1997). Pa ra con h e ce r o p on to d e vista n a tivo sob re a orig e m d o Islã n o Bra sil, ve r H a m i-d u lla h (1985) e a sé rie “ Pre se n ça M u çu lm a n a n a s Am é rica s” n o site i-d a SBM RJ (w w w.sb m rj.org .b r).

6 N o q u e se re fe re à visib ilid a d e d os g ru p os, d u ra n te d é ca d a s a s m a n ife sta

(24)

7 Assim com o M a x We b e r (1967:338) d e m on strou , n o ca so d o ju d a ísm o a n

ti-g o, q u e a a ssocia çã o d a re liti-g iã o e o p e rte n cim e n to “ é tn ico” a p a re ce u com o re su l-ta d o d e u m p roce sso h istórico (a tra vé s d a tra n sfe rê n cia d a sa n tid a d e d e J e ová p a ra u m te rritório p olítico, a “ te rra sa n ta ” d e Isra e l, e p a ra u m p ovo, “ o p ovo e s-colh id o” ), p od e r-se -ia d ize r q u e , n o ca so d o isla m ism o, a se p a ra çã o d os te rm os “ á ra b e ” e “ islâ m ico” foi se torn a n d o ca d a ve z m a is visíve l. Evid e n te m e n te , isto ta m b é m a con te ce u p ari p assu à e xp a n sã o te rritoria l d o isla m ism o n a África , Ásia e ou tra s re g iõe s com p le ta m e n te a lh e ia s à “ cu ltu ra á ra b e ” . A a ssocia çã o ou se p a ra çã o fa z p a rte d e u m a a n tig a , p oré m re n ova d a , d iscu ssã o q u e re m e te p a ra com -p le xa s te n sõe s e n tre a ra b ista s e isla m iza n te s.

8 O p e rfil sociológ ico d os m e m b ros d a com u n id a d e m u çu lm a n a loca l é irre

-d u tíve l a u m a va riá ve l ú n ica -d e cla sse socia l, se xo, e -d u ca çã o e tc. De u m la -d o, e stã o a q u e le s m u çu lm a n os d e a sce n d ê n cia á ra b e , e m b ora p re p on d e ra n te m e n te n a scid os n o Bra sil. Se u s p a is ou a vós sã o oriu n d os d a Síria , Líb a n o ou Pa le stin a , e form a m o con ju n to d e m e m b ros q u e “ n a sce ra m m u çu lm a n os” , h e rd a ra m a re li-g iã o e com p õe m , com o u m tod o, ce rca d e 40% d a com u n id a d e . O u tro con ju n to d e m u çu lm a n os é form a d o p e lo q u e p od e ría m os d e n om in a r d iá sp ora d o Islã . Tra ta -se d e e stra n g e iros d e orig e n s d ive rsa s q u e p rofe ssa va m a re lig iã o e m su a te rra n a ta l, e q u e h oje vive m n o Bra sil p or d ife re n te s circu n stâ n cia s. N e ste g ru p o, a m a io-ria é d e m u çu lm a n os a frica n os (Su d ã o, M oça m b iq u e , Za ire , Se n e g a l, África d o Su l e tc.). Por ú ltim o, te m os u m g ru p o im p orta n te d e con ve rtid os b ra sile iros q u e tê m se a p roxim a d o d o isla m ism o p or m otiva çõe s d ive rsa s.

9 Fu tu ra m e n te , d e ve rá fu n cion a r n a cid a d e d o Rio d e J a n e iro u m a te rce ira

in stitu içã o m u çu lm a n a , re p re se n ta n d o ou tro g ru p o d ife re n te d a q u e le d a SBM RJ . Tra ta se d a re a tiva çã o d a m e sq u ita d e J a ca re p a g u á . C on stru íd a n o e stilo a rq u ite -tôn ico clá ssico d a s m e sq u ita s, e d e sa tiva d a e m 1987 p or p rob le m a s im ob iliá rios, e stá se n d o re sg a ta d a com a a ju d a d o m u n icíp io d a cid a d e .

10O s m e ios d e com u n ica çã o loca l d e sta ca va m o su p osto cre scim e n to d o Islã

n o Bra sil, m a s p od e m os con sid e ra r q u e o fa zia m m u ito m a is p e la via d o cre sci-m e n to in te rn a cion a l q u e e ste te ria d o q u e cosci-m o con sta ta çã o d e u sci-m a re a lid a d e loca l. Prova d isso é a g ra n d e d isp a rid a d e e n tre e le s n o q u e se re fe re a o n ú m e ro d e m u çu lm a n os n o Bra sil. Por e xe m p lo, a m a té ria “ Islã Trop ica l” , d a re vista Isto É, a firm a : “ os se g u id ore s d e M a om é n o Bra sil som a m 500 m il e fre q ü e n ta m 50 m e s-q u ita s” (29/ 4/ 98, p .67), já a Folh a d e S . Pau lo, e m Folh a M u n d o, d e 14/ 10/ 01, n a n ota “ Bra sil Esp ion a C om u n id a d e Islâ m ica ” , a ssin a la : “ os cid a d ã os islâ m icos so-m a so-m 1,5 so-m ilh ã o e so-m tod o o p a ís” .

11Re vista Isto É, no1.491, 29/ 4/ 98, p p . 65-71.

12C a d e rn o Folh a M u n d o, 18/ 7/ 99, p p .17-19, “ Fu n d a m e n ta lism o e m Xe q u e

n o Islã ” .

13M a n su r C h a lita é e scritor, jorn a lista e p re sid e n te d a Associa çã o C u ltu

Referências

Documentos relacionados

Em alguns casos, tais características – acumulação iluvial de carbono orgânico e de formas não cristalinas de Fe e Al – ainda que apresentem valores

Princeton: Princeton University

Abre-se aqui o estudo das modalidades das transações como fenômeno ao mesmo tempo cultural, social e econômico: a questão desemboca em uma etnografia das práticas comerciais,

Against Race — Imagining Political Culture beyond the Color Line.. Cambridge: Harvard University

Este texto foi apresentado no simpósio “Anthropology in Print, the Transformation of Scholarly Publications” realizado na 100 a Reunião da American Anthropological Asso-

de Pós-Graduação em Ant ropologia Social do M useu Nacional e dos projet os de pesquisa pioneiros ali desenvolvidos na década de 60, a saber, o Projet o Áreas de Fricção Int

Da pesquisa junt o aos Krahó, da qual result aram os livros Índios e Criadores, O M essianismo Krahó e Rit os de uma Tribo Timbira, ao est udo com os M arubo, o t rabalho de M elat

Vicios Públicos, Virt udes Privadas: La Cor- rupción en M éxico... Lisboa: Edições Univer-