• Nenhum resultado encontrado

O circo na formação inicial em educação física : inovações docentes, potencialidades circenses

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O circo na formação inicial em educação física : inovações docentes, potencialidades circenses"

Copied!
223
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Faculdade de Educação Física

BRUNO BARTH PINTO TUCUNDUVA

O CIRCO NA FORMAÇÃO INICIAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA: INOVAÇÕES DOCENTES, POTENCIALIDADES CIRCENSES

CAMPINAS 2015

(2)

BRUNO BARTH PINTO TUCUNDUVA

O CIRCO NA FORMAÇÃO INICIAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA: INOVAÇÕES DOCENTES, POTENCIALIDADES CIRCENSES

Tese apresentada à Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em Educação Física, na área de Educação Física e Sociedade.

Supervisor/Orientador: Marco Antonio Coelho Bortoleto

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO BRUNO BARTH PINTO TUCUNDUVA E ORIENTADA PELO PROF. DR. MARCO ANTONIO COELHO BORTOLETO.

CAMPINAS 2015

(3)
(4)

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Dr. Marco Antonio Coelho Bortoleto Orientador

Profa. Dra. Ermínia Silva Membro titular

Profa. Dra. Ieda Parra Barbosa Rinaldi Membro titular

Profa. Dra. Eliana Ayoub Membro titular

Profa. Dra. Elaine Prodócimo Membro titular

Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

(5)

AGRADECIMENTOS

Completo agora um ciclo que me conduziu por um percurso de imenso crescimento, e devo isso a cada uma das pessoas que fizeram parte desse caminho e compartilharam comigo um pouco de seu conhecimento.

Agradeço a oportunidade que conquistei no programa de pós-graduação da Faculdade de Educação Física, da Universidade Estadual de Campinas, e ao meu orientador, Prof. Dr. Marco A. C. Bortoleto, que sabiamente conduziu minha formação como pesquisador.

Aos membros da banca de qualificação e defesa, às professoras doutoras Ermínia Silva; Ieda Parra Barbosa-Rinaldi; Elaine Prodócimo; Eliana Ayoub, muito obrigado pelas valiosas contribuições.

Agradeço de modo especial aos docentes universitários que se dispuseram a colaborar com essa pesquisa e que foram tratados como: o Trapezista, o Malabarista, a Tecidista, a Contorcionista e o Palhaço. Agradecemos ainda os demais 25 docentes que colaboraram em outras fases da pesquisa.

Agradeço aos meus colegas do grupo de pesquisa CIRCUS, que enriqueceram muito a minha experiência, mas, em especial, à minha colega Teresa Ontañón Barragán, a quem devo o imenso prazer de poder compartilhar cada passo dessa fantástica jornada de doutoramento. Muito obrigado!

Agradeço profundamente à minha família circense, o Circocan, não somente pelo fundamental apoio a minhas “acrobacias docentes”, mas acima de tudo por compartilhar um intenso desejo de proporcionar ao próximo aquilo que sempre nos cativa na prática do Circo, uma experiência única de corpo, movimento, criação e entrega.

(6)

Agradeço à minha querida mãe, Silvia, que sempre me inspirou a seguir os meus sonhos e pôs em perspectiva até os maiores desafios. Sou o que sou devido ao seu amor e carinho incondicionais. Muito obrigado à minha família por todo apoio e carinho.

Agradeço especialmente à minha esposa, Caroline, que esteve sempre ao meu lado, desde a minha monografia de graduação, e a quem devo um profundo aprendizado sobre a vida, o amor, e a ação. Muito obrigado Preciosa, nunca teria conseguido sem você.

Acima de tudo agradeço com muito amor e devoção ao Senhor Krishna, a Suprema Personalidade de Deus, que é o melhor amigo, o mais sábio, o mais belo, o todo atrativo Pai do universo, e a fonte inesgotável de prazer transcendental, bem aventurança e conhecimento. Que agora e sempre eu possa Lhe servir. Cantando os Santos Nomes do Senhor se alcança o néctar da devoção e da felicidade:

Hare Krishna Hare Krishna Krishna Krishna Hare Hare Hare Rama Hare Rama Rama Rama Hare Hare

“Pense sempre em Mim, converta-se em Meu devoto, adore-Me e

ofereça-Me suas homenagens. Assim, você virá a Mim

impreterivelmente. Eu lhe prometo isto porque você é Meu amigo muito querido.” (Bhagavad-Gita, Capítulo 18, verso 65.)

(7)

RESUMO

O Circo é uma arte que vem sendo desenvolvida e abordada em distintos espaços de atuação do profissional de Educação Física, como revelam recentes produções acadêmicas. A partir dessa prerrogativa, analisamos a introdução do Circo na formação inicial em Educação Física em instituições de ensino superior brasileiras, por meio do discurso de docentes especialistas na temática. Realizamos um estudo de natureza qualitativa, visando descrever distintas propostas acadêmicas que tratam o Circo em atividades de ensino, pesquisa e extensão. Trinta docentes participaram da primeira fase do estudo, sendo consultados por meio de um questionário semiestruturado. Em seguida, cinco docentes com atividade acadêmica mais consolidada na temática, com iniciativas contundentes e aprofundadas no âmbito do ensino, pesquisa e/ou extensão, foram consultados por meio de entrevistas em profundidade. Dentre os principais resultados, observamos que o Circo vem progressivamente conquistando espaço entre os conteúdos que compõem a formação inicial, sendo indicado como uma forma de ampliar o trato com a arte na pedagogia da Educação Física e superar a escassa presença de práticas artísticas e expressivas nesse contexto. As iniciativas analisadas são pioneiras, no sentido de que ainda são raras as publicações que se dedicam a organizar o ensino do Circo na formação inicial em Educação Física, apresentando uma pluralidade de valores educacionais que podem ser abordados por meio da técnica, estética, e cultura desse universo. Por fim, o Circo na formação inicial em Educação Física é uma temática que oferece uma oportunidade para a universidade ampliar e legitimar o diálogo com a arte, promovendo nesse processo novas propostas de difusão dos saberes circenses na sociedade por meio da prática corporal.

Palavras-chave: Circo, atividades circenses, Educação Física, formação inicial do professor; formação profissional.

(8)

ABSTRACT

Circus is an art addressed in different professional fields of physical education, as shown by recent academic productions. From this prerogative, this research analyzes the introduction of circus in physical education initial training in Brazilian higher education institutions, through the discourse of expert professors in the subject. We conducted a qualitative study in order to describe different academic proposals that address circus in teaching, research and extension. Thirty professors participated in the first phase of the study, consulted through a semi-structured questionnaire. Afterwards, five professors with more consolidated academic activity in the subject were consulted through an in-depth interview. Among the main results, we found that the circus is gradually gaining ground among the contents of initial training and it is indicated as a way to extend the approach to art in physical education pedagogy, overcoming the lack of artistic and expressive practices in that context. The analyzed initiatives are pioneering, since there are still few publications dedicated to organizing the teaching of circus in physical education initial training, showing the plurality of educational values that can be addressed through technic, aesthetic, and culture of this artistic language. Finally, circus in physical education initial training is a theme that provides an opportunity for the university to expand and legitimize the dialogue with art, in the process of promoting new proposals for diffusion of circus knowledge in society through its body practice.

Keywords: circus, circus activities, physical education, teacher initial training, professional training.

(9)

RÉSUMÉ

Le cirque est un art abordé dans différents domaines professionnels de l'éducation physique, comme indiqué par les productions universitaires récents. Dans cette prérogative, nous étudions l'introduction du cirque dans la formation initiale d'éducation physique des institutions d'enseignement supérieur brésiliens, à travers de le discours des professeurs experts dans cette matière. Nous avons conduit une étude qualitative pour décrire différentes propositions académiques qui traitent du cirque dans l'enseignement, la recherche et la extension. Trente professeurs ont participé à la première phase de l'étude, consulté par le biais d'un questionnaire semi-structuré. Ensuite, cinq professeurs ayant une activité académique plus consolidée dans cette sujet ont été consultés par le biais d'une interview en profondeur. Parmi les principaux résultats, nous avons constaté que le cirque est en gagnant progressivement du terrain parmi les contenus de la formation initiale et il est indiquée comme un moyen d'étendre l'approche de l'art dans la pédagogie de l'éducation physique, en surmontant l'absence de pratiques artistiques et expressives dans ce contexte. Les initiatives analysées sont pionnières, car il ya encore peu de publications dédiées à l'organisation de l'enseignement de cirque dans la formation initiale d'éducation physique, en montrant la pluralité de valeurs éducatives qui peuvent être résolus par le biais technique, esthétique, et culturel de ce langage artistique. Enfin, le cirque dans la formation initiale d’éducation physique est un thème qui donne l'occasion à l'université d'élargir et de légitimer le dialogue avec l'art, dans le processus de promotion de nouvelles propositions pour la diffusion de la connaissance de cirque dans la société à travers de sa pratique corporel.

Mot-clés: cirque, activités circassiennes, éducation physique, formation initiale du enseignante, formation profissionnelle.

(10)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Perfil profissional dos sujeitos qualificados para a entrevista. ... 57 Tabela 2. Fontes de formação, pesquisa e conhecimento sobre Circo segundo os participantes da pesquisa. ... 101

(11)

LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Quadro esquemático do processo de análise de conteúdo. ... 52 Quadro 2. Perfil dos participantes da pesquisa e suas produções sobre Circo no ensino, pesquisa e extensão universitários. ... 54 Quadro 3. Instituições de ensino superior em que os docentes participantes da pesquisa atuam. ... 64 Quadro 4. Argumentos e motivos para desenvolver o Circo como saber na formação inicial em Educação Física segundo os sujeitos da pesquisa. ... 69 Quadro 5. O trato com o Circo como saber na Educação Física segundo exemplos na literatura nacional. ... 71 Quadro 6. Classificação das atividades circenses de acordo com as ações motoras gerais (DUPRAT, BORTOLETO, 2007, p. 178) ... 78 Quadro 7. Disciplinas sobre outros temas em que os sujeitos da pesquisa incluem o Circo como parte dos conteúdos. ... 92 Quadro 8. Principais referências sobre Circo utilizadas pelos sujeitos de pesquisa. ... 102 Quadro 9. Exemplos de manuais técnicos sobre a pedagogia do Circo em língua portuguesa ... 102

(12)

SUMÁRIO

1. A MULTIPLICIDADE CIRCENSE NA EDUCAÇÃO FÍSICA ... 14

1.1 Os saberes circenses na universidade: experiências que nos inspiram ... 19

2. O CIRCO COMO SABER NA EDUCAÇÃO FÍSICA: A FORMAÇÃO INICIAL EM QUESTÃO ... 29

2.1 Iniciando o debate ... 29

2.2 A formação inicial em Educação Física no Brasil ... 30

2.3 Circo na formação inicial em Educação Física ... 36

3. INOVAÇÕES DOCENTES NA FORMAÇÃO INICIAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA: NOTAS METODOLÓGICAS ... 46

3.1 Aspectos éticos da pesquisa ... 46

3.2 Estudo de campo: inovações docentes na formação inicial ... 46

3.2.1 Levantamento dos sujeitos de pesquisa ... 47

3.2.2 Questionário ... 48

3.2.3 Entrevista em profundidade ... 49

3.2.4 Procedimento de análise das contribuições dos sujeitos 50 3.3 Participantes da pesquisa ... 53

3.3.1 Seleção dos entrevistados ... 55

3.3.2 Apresentação dos entrevistados ... 57

4. AS POTENCIALIDADES DO CIRCO NA FORMAÇÃO INICIAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA ... 63

4.1 Pesquisa: o Circo como objeto de estudo e pesquisa na Educação Física . 69 4.1.1 Aspectos socioculturais e históricos do Circo ... 73

4.1.2 As práticas corporais do Circo na Educação Física ... 77

4.1.3 Aspectos artísticos do Circo ... 79

4.1.4 Aspectos educacionais e formativos do Circo ... 84

4.2 Ensino: o Circo como saber na atuação profissional em Educação Física .. 88

4.2.1 Metodologia de ensino e propostas pedagógicas ... 94

(13)

4.3 Extensão: explorando a multiplicidade circense na formação inicial em

Educação Física ... 105

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 109

REFERÊNCIAS ... 114

APÊNDICES ... 127

Apêndice A. Parecer consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisas ... 127

Apêndice B. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ... 131

Apêndice C. Questionário ... 134

Apêndice D. Roteiro da entrevista ... 136

Apêndice E. Planificação da análise de conteúdo das perguntas 3.2 e 3.3 ... 137

Apêndice F. Respostas das perguntas 3.2 e 3.3 do questionário ... 138

(14)

1. A MULTIPLICIDADE CIRCENSE NA EDUCAÇÃO FÍSICA

“‘This Company/Office/Parliament is becoming a Circus’. Imagine if it did - with act following act with perfect timing: with each ‘performer’ earning a round of applause for truly seeming to be the ‘world's greatest’; with each member specializing in what they are good at, and not interfering with the others’ virtuosity; an operating mode based on cooperation rather than antagonism; with comic interludes to keep everyone alert, and to help demonstrate by contrast the status of the serious issues. Imagine if the business/enterprise/organization outsourced none of its functions, but the multi-skilled workforce managed its own marketing, transport, erection of premises and catering. Imagine generating and satisfying a whole new clientele in just two weeks, leaving them calling out for more ‘product’, and that this product is known by name, and understood by every age group, every demographic group in every culture. Furthermore, imagine that this is all achieved - venue, marketing, product, customer satisfaction, as well as human resource management, financing and budgeting, insurance, research and development, training, forward planning - all the myriad functions of any business, all achieved with no visible evidence of an administrative centre, save a mobile phone and a small caravan.” (BOLTON, 2004, p.49)1

O Circo, compreendido como um saber secular e linguagem artística, congrega uma multiplicidade de expressões culturais, sociais, técnicas, estéticas e expressivas, fazendo-se presente do Oriente ao Ocidente, de Sul a Norte, levando seus espetáculos das grandes urbanizações aos mais pequenos vilarejos. Essa é uma arte versátil, que ocupa diversos espaços e produz constantes diálogos entre distintos modos de produção, apresentando um amplo repertório criativo.

Nesse contexto, o surgimento de diferentes espaços dedicados ao ensino do Circo, bem representados pelas escolas de Circo criadas nas últimas décadas do século XX (SILVA, 2008), é um dos principais elementos que favoreceu uma expansão

1 “Essa companhia/escritório/parlamento está virando um Circo”. Imagine se virasse – com ato seguindo ato em tempo perfeito; com cada “artista” ganhando uma rodada de aplausos por realmente parecer ser o “melhor do mundo”; com cada membro se especializando naquilo em que ele é bom, e não interferindo com a virtuosidade dos outros; um modo de operação baseado na cooperação ao invés do antagonismo; com interlúdios cômicos para manter todos alerta, e para ajudar a demonstrar pelo contraste o estado dos assuntos sérios. Imagine se o negócio/empresa/organização não terceirizasse nenhuma de suas funções, mas a força de trabalho multi-habilidosa gerenciasse seu próprio marketing, transporte, a construção de estruturas e provisões. Imagine gerar e satisfazer uma clientela inteiramente nova em apenas duas semanas, deixando-os clamando por mais “produto”, e que esse produto é reconhecido por nome, e compreendido por toda faixa etária, todo grupo demográfico em toda cultura. Ademais, imagine que tudo isso é conquistado – espaço, marketing, produto, satisfação do consumidor, bem como gerenciamento de recursos humanos, financiamento e orçamento, seguro, pesquisa e desenvolvimento, treinamento e planejamento futuro – todas as miríades funções de qualquer negócio, todas alcançadas sem nenhuma evidência de um centro administrativo, salvo um telefone celular e uma pequena caravana (BOLTON, 2004, p.49, tradução nossa).

(15)

dos conhecimentos circenses para “fora da lona”, ampliando o modo de transmissão desses saberes para além do processo oral-familiar, hegemônico até então. Esse fenômeno tem gerado uma modificação no processo de iniciação artística, na formação do profissional circense e também, em nosso caso, no diálogo do Circo com a Educação Física, seja abordando seus saberes no âmbito do lazer, da saúde ou, principalmente, na educação por meio dos elementos artísticos e expressivos de suas práticas e especialidades (ONTAÑÓN, BORTOLETO, SILVA, 2013).

Aproveitando o estímulo desse movimento, muitos profissionais da Educação Física também vêm se tornando mediadores dos saberes circenses em diferentes segmentos da sociedade, diversificando o público que acessa essa linguagem e, sobretudo, ampliando o contingente de pessoas que passam a experimentar as suas práticas corporais (termo compreendido segundo o entendimento de SILVA, DAMIANI, 2005). O Circo vem sendo reconhecido e popularizado na Educação Física como um poderoso e potencial recurso pedagógico no campo da motricidade, da estética, da expressividade e dos valores humanos (INVERNÓ, 2003; WALLON, 2008). O debate sobre a relação entre essas áreas remonta ao início do século XVIII (ABREU, SILVA, 2009), contudo, discussões recentes retomaram o Circo como um objeto de estudo da Educação Física, conforme destacam Invernó (2003), Fouchet (2004), Coasne-Vitoux (2013), Ontañón, Bortoleto, Silva (2013), entre outros.

No âmbito educacional, a diversidade encontrada no universo circense, as características lúdicas de algumas de suas especialidades e atividades, e o potencial estético e artístico de sua linguagem são elementos que favorecem de modo singular a criatividade e a expressividade do educando, aspectos importantes para a formação humana integral (ONTAÑÓN; BORTOLETO, 2014). A Educação Física já vem apresentando nesse campo de atuação um maior espaço para experiências com esses saberes, como as diretrizes curriculares da educação básica da Secretaria do Estado da Educação do Paraná (2008), que situa a “ginástica circense” como parte do conteúdo básico no ensino fundamental e médio (GONÇALVES, 2006, p. 93). Notamos também a presença dos saberes circenses em outras propostas estaduais, como as “práticas circenses” nos conteúdos de ginástica em Goiás (SEED, 2009b); os “jogos” e a “ginástica” circenses como parte do conteúdo “Jogo, ludicidade e desenvolvimento humano” e “Ginástica, saúde e estética”, respectivamente, na Bahia

(16)

(SEED, 2013); e as “acrobacias circenses” como parte do conteúdo “Acrobacias” no Rio Grande do Sul (SEED, 2009a). Em outros países, como França, Canadá e Espanha, também identificamos a inclusão do Circo como um dos componentes curriculares, conforme indicam Bortoleto e Machado (2003) e Fouchet (2004).

No âmbito social, encontramos profissionais de Educação Física, entre outros, incluindo o Circo como mais uma possibilidade dentre programas de arte-educação e de transformação social. Nessa área, as práticas que emergem dos saberes circenses contribuem para favorecer o desenvolvimento pessoal, a sociabilização e a autoestima, principalmente, devido aos desafios inerentes à sua natureza (MCCUTCHEON, 2003; GALLO, 2009; LOBO; CASSOLI, 2006).

Na área da promoção da saúde, algumas práticas corporais circenses vêm se popularizando como opção de atividade física para diferentes públicos, dando ênfase ao condicionamento corporal desenvolvido com sua prática (IHRSA, 2007). Nessa abordagem, o principal atrativo é o desafio de realizar acrobacias e experimentar atividades inovadoras e pouco conhecidas, contribuindo para o desenvolvimento de aptidão física em paralelo com uma vivência estética e artística (SANTOS et al., 2012; MOREIRA, DA MOTA, LOPES, 2012; SOARES, BORTOLETO, 2012).

Na área do lazer, desenvolvem-se diversas atividades inspiradas no universo circense, empregadas como um conjunto de experiências voltado para o prazer de brincar e criar formas de se movimentar (BORTOLETO; PINHEIRO; PRODOCIMO, 2011). Nesse âmbito, os jogos circenses (adaptações lúdicas inspiradas nos saberes circenses) vêm sendo explorados como uma proposta pedagógica com excelente aceitação entre crianças e jovens, que aprendem de modo lúdico valores formativos (disciplina; controle do risco; cooperação; etc.) presentes no Circo (DUPRAT; GALLARDO, 2010). Encontramos esse saber sendo incorporado em propostas de colônias de férias, em programas públicos de lazer (ex.: oficinas de Circo para crianças em praças públicas), ou ainda em encontros abertos de sociabilização desses saberes (ex.: convenções de malabarismo), conforme apresentaram Ribeiro, Bortoleto e Montanini (2014).

Essas são algumas das expressões mais evidentes do Circo na Educação Física, mas outras diversas formas de apropriação desses saberes também são possíveis. Podemos exemplificar com o trabalho de Kronbauer, Scorsin e Trevisan

(17)

(2013) no Projeto de Extensão “O Circo em contextos”, que registra uma renovação do sentido de capacidade e integração social em idosos por meio da prática circense; ou ainda em Cardoso, Nunes e Andrade (2002), que relatam a efetividade do trabalho com o palhaço no desenvolvimento da expressividade, ludicidade e interação social de portadores de necessidades especiais na educação básica, posicionamento corroborado por De Miranda e Lara (2015).

Considerando que a pedagogia do Circo é de especial interesse para a Educação Física, ao analisarmos a literatura2, a partir de buscas em diversas bases de dados de teses e dissertações, encontramos uma crescente produção sobre esse tema no âmbito da pós-graduação, com 33 trabalhos acadêmicos (21 dissertações e 12 teses) que versam especificamente sobre as possibilidades educativas dessa arte. É importante mencionar que 19 desses trabalhos foram produzidos no Brasil, reforçando nossa tese sobre o crescente interesse de pesquisadores brasileiros, e um aumento da sensibilidade da universidade em relação a esse assunto. Outras 13 pesquisas analisaram experiências produzidas no âmbito da Educação Física, discutindo principalmente as implicações pedagógicas próprias do ensino do Circo, corroborando com o que Ontañón, Duprat e Bortoleto (2012) relataram ao analisar publicações sobre a temática.

Identificamos também muitos trabalhos apresentados em eventos acadêmico-científicos no âmbito nacional. Existe maior evidência para os relatos de experiência com o Circo no campo de atuação em Educação Física, seguido de revisões de literatura que estipulam um debate sobre as possibilidades dessa linguagem artística. Reafirmando a característica desse tipo de evento em divulgar iniciativas e de compartilhar possibilidades de trabalho (networking), a crescente evidência dessas publicações auxilia a difundir o Circo como possibilidade em nossa área.

Essas evidências sugerem que a temática já acumula importante conjunto de referências, indicando uma demanda pela organização de propostas pedagógicas e metodológicas que instruam a atuação profissional com maior aprofundamento. Nesse sentido, a Educação Física tem conquistado espaço no debate do Circo na

2 O “Circonteúdo – Portal da diversidade circense” foi uma das bases de dados visitadas e foi fundamental na revisão de literatura, devido à sua especialidade na temática. Disponível em

(18)

contemporaneidade e, mesmo ainda “espiando pelo vão da lona”, vem se legitimando como campo para o debate e produção do conhecimento nessa área.

No entanto, ainda notamos que muitas intervenções produzidas no campo da Educação Física se orientam por experiências superficiais (BORTOLETO, 2011) e com escassas articulações com saberes circenses, havendo poucas referências à história, cultura, valores sociais e organizacionais, fundamentos e princípios estéticos e técnicos. Considerando que essas iniciativas, mesmo com as limitações identificadas, refletem um processo de renovação da atuação profissional, indagamos qual é o papel da formação inicial e quais percursos vêm sendo trilhados pelos sujeitos que se envolvem nesse processo. Assim, investigamos se existem docentes atuando na formação inicial em Educação Física brasileira que abordam os saberes circenses no âmbito do ensino, da pesquisa ou da extensão, almejando ouvir o relato desses sujeitos sobre suas iniciativas.

Organizamos essa investigação a partir de quatro categorias, advindas da análise das informações obtidas com os sujeitos de pesquisa e da literatura, combinando-as com os três eixos da formação universitária – ensino, pesquisa e extensão:

 Aspectos socioculturais e históricos do Circo;

 As práticas corporais do Circo;

 Aspectos artísticos do Circo;

 Aspectos educacionais e formativos do Circo;

Para esclarecer essas questões, primeiramente delineamos o cenário no qual essa discussão se insere, debatendo junto à literatura as implicações da presença e da ausência do Circo na formação inicial em Educação Física, em especial a sua relação com os saberes artísticos e expressivos, tema do capítulo 2 “O Circo como saber na Educação Física: a formação inicial em questão”. Em seguida, partimos em busca dos docentes do ensino superior que abordam essa temática em sua atuação na formação inicial em Educação Física, convidando-os para participar da pesquisa, procedimento descrito no capítulo 3 “Inovações docentes na formação inicial em educação física: notas metodológicas”. A partir das contribuições dos sujeitos participantes, pudemos analisar as suas iniciativas e compreender as ricas possibilidades de investigação do Circo no âmbito universitário, seja no ensino, na

(19)

pesquisa ou na extensão, discussão apresentada no capítulo 4 “As potencialidades do Circo na formação inicial em Educação Física”, no qual buscamos identificar as características e fragilidades das iniciativas docentes e debater as suas relações com os fundamentos e produções contemporâneas do Circo, sua pedagogia e seu potencial como saber e linguagem artística na Educação Física.

Enfim, a partir dessa investigação e das valiosas contribuições dos sujeitos participantes, entendemos que o Circo na formação inicial em Educação Física deve ser abordado enquanto linguagem artística, avançando e aprofundando os debates que identificamos atualmente nesse âmbito, que veiculam discussões sobre sua esfera técnico-instrumental e sociocultural, deixando à margem do discurso a investigação sobre o processo de iniciação artística, expressão de si e criatividade inerentes ao Circo, algo que vemos como um pilar primordial para ampliar a relação da Educação Física com esses saberes. Ao longo dos capítulos dessa pesquisa pontuamos as evidências que nos levaram a essa consideração e, ao final, no capítulo 5 “Considerações finais”, buscamos sintetizar essa reflexão e outros questionamentos acerca das implicações, lacunas e fragilidades da abordagem às práticas artísticas e expressivas na formação inicial em Educação Física.

1.1 Os saberes circenses na universidade: experiências que nos inspiram

Em meio a esse cenário, existe uma iniciativa em particular que vem desenvolvendo um trabalho pioneiro no território brasileiro, promovendo investigações aprofundadas e consistentes sobre o Circo na Educação Física, a partir de iniciativas no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão universitária. A Faculdade de Educação Física (FEF), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Campinas, São Paulo, destaca-se nesse cenário com o Grupo de Estudo e Pesquisa das Artes Circenses (CIRCUS), desde 2006 certificado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Destacamos esse coletivo em nossa pesquisa por três motivos: primeiro, devido ao destaque que as produções do CIRCUS possuem no território nacional; segundo, pelo fato de fazermos parte do grupo e conhecermos em profundidade os seus processos de investigação, sendo essa pesquisa parte de uma das frentes de pesquisa; e terceiro, como veremos no capítulo seguinte, por não existirem outros grupos de pesquisa que tenham

(20)

regularidade e similar aprofundamento na publicação sobre Circo na Educação Física no Brasil. Assim, analisaremos as iniciativas desse grupo com o intuito de conhecer uma experiência bem-sucedida no desenvolvimento do Circo como objeto de estudo na formação inicial em Educação Física.

A proposta implementada pelo grupo de pesquisa valoriza diferentes pontos de vista sobre o seu objeto de estudo, sendo composto por profissionais de Educação Física, pedagogos, historiadores, artistas circenses, entre outros. Essa é uma interessante configuração, pois assim se estabelece um diálogo equânime e respeitoso entre a produção científica e os saberes empíricos dos sujeitos circenses, transmitidos historicamente nesse âmbito sociocultural. Em outras palavras, a produção do CIRCUS está imersa na realidade de transmissão tradicional do conhecimento circense, oral e familiar, ao mesmo tempo em que promove pesquisas calcadas no método científico, e assim é capaz de veicular as suas produções no âmbito acadêmico universitário, no âmbito científico, e no âmbito artístico circense. Desse modo, sua atuação ocorre por meio de diversos projetos de extensão universitária; eventos artísticos, acadêmicos e científicos; componentes curriculares, como disciplinas eletivas; e pesquisas de iniciação científica, mestrado e doutorado, além de fomentar um diálogo proveitoso entre o setor público e privado por meio de parcerias e projetos conjuntos.

O grupo é responsável por conduzir uma disciplina eletiva para os cursos de licenciatura e bacharelado em Educação Física, também aberta para estudantes de outros cursos da Unicamp (contando com participantes da Música, Dança, Pedagogia, e Arquitetura). Essa proposta se fundamenta no papel histórico, social, cultural e técnico do Circo na atuação em Educação Física, bem como na busca por oferecer conteúdos ligados à arte, à estética e à expressão corporal para ampliar a qualidade da formação profissional. O objetivo da disciplina é introduzir os estudantes aos debates contemporâneos do campo artístico circense, ressaltando os aspectos pedagógicos do trabalho com os saberes circenses nos diferentes campos de atuação em Educação Física. A duração da disciplina é de 40 horas em um semestre, sendo ofertada anualmente.

Reiterando a diversidade do grupo de pesquisa, os seus participantes são convidados para ministrar aulas práticas e teóricas sobre os saberes circenses, mediadas pelo docente da casa que estimula a reflexão dos estudantes sobre as

(21)

implicações dessas propostas com a pedagogia da Educação Física. Assim, adentram o espaço acadêmico artistas e companhias circenses, que debatem os seus processos criativos e técnicos; apresentações e espetáculos, seguidos de conversas com diretores e coreógrafos; projeção de vídeos e filmes temáticos; e palestras e rodas de conversa com sujeitos históricos circenses. Essa metodologia de ensino fomenta um interessante espaço de diálogo entre a produção acadêmica sobre Circo na Educação Física e as produções circenses que ocorrem fora dos muros da universidade.

O processo avaliativo incentiva a criatividade e a produção de conhecimento decorrente da experiência dos estudantes com as aulas, que podem ser avaliados por meio da produção de números artísticos, análises bibliográficas, estudos de caso, e criações multimídia (como vídeos e imagens). A proposta visa ampliar o intercâmbio de conhecimento do profissional em Educação Física em formação com as diversas fontes artísticas circenses.

A proposta dessa disciplina em seu caráter eletivo, mostra-nos que o CIRCUS foi capaz de legitimar o espaço para o estudo do Circo na formação inicial. Isso desperta alguns questionamentos sobre como desenvolver essa linguagem artística no ensino universitário: qual será a forma mais interessante de abordar o Circo na formação inicial em Educação Física dentre as possibilidades de disciplinas eletivas ou obrigatórias? Certamente, a resposta a essa pergunta depende do projeto pedagógico do curso de graduação em questão, orientados pelos objetivos de formação profissional.

No caso de uma disciplina eletiva, os estudantes têm autonomia para direcionar a sua formação, já em uma disciplina obrigatória, na qual o Circo pode ser o objeto central dos estudos ou compor parte dos saberes abordados na disciplina, possibilita que todos os estudantes do curso entrem em contato com essa linguagem artística. Em termos políticos, uma disciplina eletiva representa o início de um trabalho inovador que pode ganhar força ao apresentar a demanda do público interessado. Pode ainda ser uma forma de ampliar o aprofundamento em determinados saberes, e, como vimos no exemplo da FEF, favorecer o engajamento de grupos de pesquisa às atividades de ensino. Já a inserção do Circo como parte do conteúdo de uma disciplina obrigatória pode ser uma forma de gerar uma demanda, ou melhor, pode ser uma alternativa para fomentar a reflexão sobre o papel da arte na Educação Física.

(22)

Uma terceira possibilidade é uma disciplina obrigatória específica sobre Circo, que deve ser cautelosamente analisada, pois é possível incorrer na mesma lógica dos esportes coletivos ou da dança no currículo da formação inicial, dedicando um precioso tempo/espaço para o debate de uma única modalidade ou prática corporal. Enfim, todos esses argumentos dependem da proposta de formação profissional do curso e são inúmeras as possibilidades de configuração curricular.

O CIRCUS promove um projeto de extensão voltado para a prática do Circo, dividido em turmas temáticas sobre tecido acrobático, trapézio fixo, lira, atividades circenses para crianças, e atividades circenses para adultos, dispondo de um total de 150 vagas por semestre. Além dessas turmas regulares, o CIRCUS promove encontros abertos de Circo, voltados para a prática livre e o intercâmbio de conhecimentos entre os praticantes. O objetivo desses projetos de extensão é oferecer acesso à prática corporal circense para estudantes e para a comunidade, além de representar uma ação política para abrir frentes de debates que valorizem a arte na universidade.

A extensão é um setor muito valorizado pela FEF-UNICAMP devido à sua contribuição para a formação profissional, na qual o estudante da casa ocupa um papel ativo na produção do conhecimento junto aos sujeitos da comunidade, concretizando uma das funções sociais da universidade. É também uma oportunidade para estabelecer um diálogo com a sociedade, na escuta de suas demandas e na promoção de laboratórios piloto para novas ideias. A FEF conta com aproximadamente 1.600 participantes semanalmente em distintos projetos de extensão, voltados para práticas de condicionamento físico, dança, ginástica, esportes coletivos, esportes aquáticos, lutas e atividades de aventura.

Outra iniciativa, agora para fora do território universitário, é o projeto “Circo na escola”, ativo desde 2006, que leva a diferentes instituições de ensino fundamental e médio espetáculos, oficinas, vivências e outras propostas com o Circo, tanto para a formação dos estudantes, quanto para a capacitação de profissionais (professores, pedagogos, educadores, etc.). Esse projeto é considerado um importante veículo para a difusão do Circo na sociedade, reforçando o seu espaço como objeto de estudo da Educação Física.

Somam-se a essas ações os numerosos eventos, festivais e espetáculos promovidos pelo CIRCUS, em que se destacam a X Convenção Brasileira de

(23)

Malabares e Circo (2008), o Seminário Internacional de Atividades Circenses e Educação Física (2014), e o Seminário Internacional de Circo Social (2015). O CIRCUS também promove e participa de cursos de formação continuada em várias regiões do Brasil, além de países como a Argentina, Chile, Colômbia, Peru, Espanha, e Portugal.

A atuação do CIRCUS no âmbito da extensão é uma forma do grupo ampliar a visibilidade de suas iniciativas, bem como compartilhar com um número maior de pessoas as produções do grupo. Em termos políticos, isso é um dos argumentos que favorece a aquisição de equipamentos, o desenvolvimento de livros e materiais técnico-didáticos, e, sobretudo, a criação de parcerias interinstitucionais com grandes representantes do Circo no Brasil e no mundo, como a Escola Nacional de Circo (RJ), a Rede Circo do Mundo Brasil, a Federación Iberoamericana de Escuelas de Circo e a École Nationale de Cirque de Montréal (CA).

No âmbito da pesquisa, as iniciativas do CIRCUS partem da busca pela compreensão sobre os fundamentos do Circo como ele é, por si mesmo, como uma linguagem artística com mais de 200 anos de história na modernidade e múltiplas manifestações em diferentes culturas no mundo. Com base nessa fundamentação, o grupo desenvolve diálogos entre o Circo e os métodos de pesquisa da Educação Física, enriquecendo suas produções por meio da interdisciplinaridade.

As linhas de investigação do CIRCUS são as seguintes: história e cultura circenses; pedagogia das atividades circenses; relações entre o Circo e a Educação Física; segurança no Circo; e equipamentos e tecnologia circenses. Dentre suas produções, o grupo já criou um dispositivo mecânico para o treinamento de mão-a-mão (Kimartop); trabalhos de pós-graduação stricto sensu; participação no “Circus Work Group”, projeto de pesquisa desenvolvido pela Universidade de Concórdia (Canadá); diversos trabalhos de iniciação científica e conclusão de curso de graduação; além de artigos, livros e documentários.

A pesquisa é o campo universitário que gesta a inovação e o avanço no conhecimento de um objeto de estudo. Ao investigar o Circo na Educação Física, acreditamos que o caminho trilhado pelo CIRCUS é muito profícuo, pois se valoriza a produção já existente, reconhecendo-se que o intercâmbio de saberes e a interdisciplinaridade são elementos valiosos para qualificar as produções realizadas. Superar os paradigmas que distanciam o método científico (e por vezes desmerecem

(24)

e subestimam) dos saberes populares, culturais e sociais é uma prerrogativa importantíssima para a pesquisa universitária. No caso do Circo, o modo de transmissão desses saberes passou a ser institucionalizado a partir da criação das primeiras escolas de Circo (SILVA, 2008; SALAMERO, 2009), que datam de cerca de 30 anos atrás, e assim, as produções científicas, sobretudo na área da Educação Física, devem buscar nos sujeitos históricos circenses uma vívida fonte para suas pesquisas.

A partir do estudo de caso do CIRCUS e a sua atuação na FEF-Unicamp, concluímos que o desenvolvimento do Circo na formação inicial em Educação Física tem amplo potencial para ser uma iniciativa construtiva e impactante no desenvolvimento da área. Notamos que o CIRCUS possui um trabalho sistemático, continuado e multifacetado, contando com uma equipe multidisciplinar e articulação com instituições nacionais e internacionais de referência nessa arte. Por mais que a criação desse grupo de pesquisa esteja vinculada ao esforço e à iniciativa particular de pesquisadores e docentes da casa, o ambiente da FEF se configura de modo singular, assim como em qualquer outra instituição de ensino superior, correspondendo ao contexto social em que se insere, e influenciando diretamente o sucesso do CIRCUS.

Por se tratar de um saber que ainda dá seus primeiros passos na Educação Física brasileira, é importante investigar outras iniciativas em instituições de ensino superior com diferentes configurações. Ao buscarmos na internet evidências da presença do Circo na formação inicial em Educação Física, encontramos indícios no Brasil e em outros países de disciplinas específicas sobre Circo e disciplinas que abordam o Circo como parte de seus conteúdos (Quadro 1):

Quadro 1. Evidências do Circo na formação inicial em Educação Física no Brasil e em outros países:

Brasil

Instituição Disciplina Estado

Faculdade Mário Schenberg Atividades Circenses São Paulo Universidade Federal do Paraná Esportes Ginásticos (“Circo novo”) Paraná Universidade Estadual de Maringá Atividades Circenses Paraná

Uniesp Atividades Circenses São Paulo

Universidade Federal Fluminense Acrobacia e Malabarismo Rio de Janeiro Universidade Camilo Castelo Branco Manifestações Culturais (“Técnicas

Circenses”) São Paulo Universidade Estadual de Goiás Atividades circenses e artísticas

aplicadas a Educação Física

Goiás

Outros países

Instituição Disciplina País

State University of New York Artes Circenses* EUA Universitat de Léon Atividades Acrobáticas* Espanha

Universitat de Lleida Estratégias para ensinar técnicas circenses na escola*

Espanha

Université de Sherbrooke Esportes ginásticos e artes do Circo* Canadá *Tradução nossa.

(25)

Em outros países, notamos indícios da presença do Circo em diferentes cursos de Educação Física, dos quais destacamos a disciplina “Circus Skills”3 presente no currículo das 20 faculdades que compõem a State University of New York (EUA); a disciplina “Sports gymniques et arts du cirque”4 da Faculdade de Ciências da Educação da Université de Sherbrooke (CA); a disciplina “Strategies for Teaching Circus Techniques in the School”5 presente no currículo da Faculdade de Educação, Psicologia e Serviço Social da Universitat de Lleida (ES) e as acrobacias circenses na disciplina de “Actividades Acrobáticas” na Facultad de Ciencias, Actividad Fisica y Deporte, da Universidade de Léon (ES).

Ademais, notamos indícios de discussões sobre a formação de professores para trabalhar com o Circo em âmbitos educacionais, recreativos e da saúde em outros países. Liodaki, Kasola e Karalis (2015) apresentaram os resultados da etapa grega do projeto Cirschool, que conduziu um curso de formação em pedagogia do Circo na Educação Física em quatro países europeus, indicando que os 23 profissionais participantes passaram a reconhecer e valorizar essa arte como saber significativo e interessante para a sua atuação. Mais ao oriente, Chung (2010) também analisou o aprendizado de 38 professores de Educação Física após um curso de curta duração sobre o Circo em projetos sociais e suas implicações na escola, constatando que o incentivo ao trabalho com essa arte pode estimular a inovação curricular na Educação Física.

Em nossa revisão de literatura, encontramos outros dois trabalhos que apresentam análises particularmente interessantes para a nossa pesquisa sobre o Circo na formação inicial em Educação Física: Miranda (2014) com a tese de doutorado intitulada “Do tecido à lona: as práticas circenses no “tear” da formação inicial em Educação Física”; e Abrahão (2011) com a tese de doutorado intitulada “Valoración de las actividades circenses en la formación del profesorado de educación

física: una propuesta para la transformación social en la escuela”.

Abrahão investigou as competências para atuação profissional e os saberes sobre Circo de estudantes da formação inicial em Educação Física

3 “Habilidades circenses” (Tradução nossa)

4 “Esportes gímnicos e artes do Circo” (Tradução nossa)

(26)

(Universidade Federal do Paraná), analisando também a forma como eles valorizam essa arte como recurso para atuação.

Esta investigación se centra en la práctica de las actividades circenses en la formación inicial del profesorado de educación física, con objeto de reflexionar sobre la construcción de los saberes relacionados con las actividades circenses y señalar alternativas para su aplicabilidad dentro de la escuela. La idea es buscar en la universidad nuevos recursos de enseñanza que puedan enriquecer las posibilidades de actuación del alumnado de educación física, en su futura profesión, y analizar su visión al respecto de estas actividades, cuando van dirigidas a la escuela primaria. Esta acción pretende contribuir a la transformación de la realidad social de los niños y niñas para convertir la escuela en un espacio de aprendizaje acogedor de las curiosidades y multiplicador de los descubrimientos, teniendo como marco de referencia la inclusión de cada uno de los niños y niñas, cualesquiera que sea su origen y características, la superación de las desigualdades y la persecución del éxito para todos y todas. (ABRAHÃO, 2011, p.11)

Nessa pesquisa, o autor analisou em três etapas as possibilidades de emprego do Circo na Educação Física escolar, mantendo no centro do debate a formação profissional. Para isso, o autor realizou uma série de aulas-laboratório focadas em vivências com Circo em sua instituição de ensino superior, para em seguida conduzir os alunos a intervenções em escolas, por meio de um projeto de extensão. Posteriormente analisou o conhecimento e a valorização que os estudantes de Educação Física atribuíram ao Circo como recurso no contexto de sua atuação profissional. Abrahão concluiu que esse tema possui diversos valores pedagógicos ao ser abordado na Educação Física; que essas experiências auxiliaram os alunos a perceberem essas práticas como recursos de ensino; e que os professores das escolas visitadas desconheciam as possibilidades de trabalho com essa arte. O autor ainda debateu os valores educacionais do Circo, em que descreveu a influência das experiências práticas na ampliação de experiências psicomotoras e culturais; a possibilidade de abordar valores humanos a partir de diferentes propostas pedagógicas com o universo circense, como a cooperação, o respeito à diferença, e a sensação de competência e auto confiança promovidas pela arte – bem como analisa McCutcheon (2003). Assim, Abrahão indicou a urgência de se inserir esse saber na formação inicial, e complementou dizendo que “a formação inicial é o eixo central para mudanças e transformações da realidade das aulas de Educação Física” (ABRAHÃO, 2011, p.252).

(27)

Miranda (2014) analisou o processo de implementação do Circo como saber na formação inicial em Educação Física de duas instituições no estado de São Paulo, investigando junto aos docentes, gestores e estudantes envolvidos o impacto dessas iniciativas. A autora apresenta como síntese de sua pesquisa uma proposta de programa de disciplina de Circo na Educação Física, em que destaca como foco central da ementa o acesso ao universo histórico-cultural da linguagem circense e suas relações com a atuação profissional na área. Notamos que a proposta compreende o Circo em sua polissemia, dando espaço para a discussão sobre a sua linguagem artística, a sua produção histórica, e o seu simbolismo cultural e social, elementos esses que sustentam uma compreensão alargada da função de uma modalidade artística no contexto da Educação Física.

Objetivo geral [da disciplina de Circo na Educação Física]: integrar o aluno ao universo da linguagem circense, fundamentando o trabalho pedagógico com conhecimentos históricos, sociais, filosóficos, artísticos, técnicos, metodológicos, desenvolvendo as práticas circenses de forma contextualizada numa perspectiva de diálogo com o campo da educação física. (MIRANDA, 2014, p.107)

Em ambas as pesquisas notamos o esforço dos pesquisadores em delinear com maior precisão as possibilidades do Circo na atuação em Educação Física, investigando a formação inicial como eixo norteador de mudanças e avanços no campo de trabalho. Essas propostas fundamentam a relação da arte com a Educação Física a partir de um olhar para uma lacuna que nós também identificamos: a necessidade de legitimar e ampliar o espaço/tempo de discussão e formação do estudante para atuar com os aspectos simbólicos, subjetivos, sensíveis e estéticos da prática corporal, especialmente evidentes nas artes. Nesse sentido, ambos pesquisadores identificam nas características sociais e culturais do Circo elementos que podem nutrir distintos valores pedagógicos do movimento.

Corroborando a esses dois autores, outros dois trabalhos apresentam discussões interessantes sobre o Circo na formação profissional em Educação Física. Tiaen (2013) desenvolveu sua pesquisa sobre a formação continuada em Educação Física, em que conduziu um curso sobre atividades circenses na Educação Física escolar para profissionais da área; já Caramês (2014) conduziu encontros temáticos sobre atividades circenses com estudantes da formação inicial em Educação Física, visando capacitá-los para desenvolver esse saber nas atividades da disciplina de

(28)

estágio curricular. Ambos analisaram as perspectivas, dificuldades e interesse dos sujeitos, concluindo, de modo geral, que o Circo é um saber pertinente para a atuação profissional.

Desse modo, percebemos um interesse de distintos pesquisadores em lançar luz a outra questão inerente à nossa discussão – a necessidade de se desenvolverem propostas que orientem especificamente a pedagogia do Circo na Educação Física. O nosso papel nesse cenário é ampliar a abrangência dessa discussão para o âmbito nacional, verificando a evidência e emergência dessa arte na formação inicial. Considerando que as experiências acima analisadas vêm registrando resultados favoráveis, tanto nos saberes pedagógicos desenvolvidos, como no interesse dos sujeitos participantes, e também no desenvolvimento desse conhecimento nas demandas, carências e lacunas do campo da Educação Física, pretendemos identificar e analisar se esses bons exemplos de inovação se manifestam também em outras regiões e contexto e, mais precisamente, se de fato existem outros docentes do ensino superior interessados na temática e de que maneira esses sujeitos compreendem as questões levantadas até aqui.

(29)

2. O CIRCO COMO SABER NA EDUCAÇÃO FÍSICA: A FORMAÇÃO INICIAL EM QUESTÃO

2.1 Iniciando o debate

Para analisarmos a formação inicial em Educação Física e a forma pela qual o Circo vem se inserindo nesse contexto, precisamos primeiramente compreender o panorama e os debates pertinentes a esse nível de ensino. No Brasil, o ensino superior é regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que orienta a educação superior a contemplar os seguintes itens (BRASIL, 1996, p. 27.894):

- Estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;

- Formar diplomados, nas diferentes áreas do conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;

- Incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e, ainda, da criação e difusão da cultura e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;

- Promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;

- Suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;

- Estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; - Promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.

Essas orientações deixam evidente que a formação inicial associa a capacitação profissional à formação humana para atuação consciente e reflexiva na sociedade, considerando que a competência do sujeito em contribuir para o seu desenvolvimento, no qual a sua integração cultural e social, aliados à produção do conhecimento, são elementos fundamentais do processo.

(30)

Nas reflexões, interpretações e análises que apresentamos a seguir, veremos algumas considerações sobre a formação inicial em Educação Física, e como a arte, e em específico o Circo, podem ser mais amplamente explorados no ensino superior devido aos saberes neles presentes e suas características sui generis. Nesse sentido, em primeira instância, acreditamos que o Circo representa uma extensa herança cultural da humanidade; congrega características sociais, culturais e organizacionais com valores singulares para a formação do sujeito; além de ser uma arte composta por uma pluralidade de expressões da corporeidade do ser humano, ocupando, dessa forma, um lugar legítimo e particular dentre saberes que podem ser abordados na Educação Física, alavancando novas reflexões e percursos para o desenvolvimento da área.

Nesse ponto, é importante reconhecer que nossa posição como pesquisadores está imersa em crenças e perspectivas de compreensão de nosso objeto de estudo. Ao mesmo tempo em que consideramos fundamental essa imersão para a realização da pesquisa, reconhecemos que o seu desenvolvimento depende da nossa capacidade de equilibrar a aproximação e o distanciamento necessários com a temática para analisar com clareza diferentes perspectivas advindas do contato com os sujeitos participantes da pesquisa e com a literatura. Para isso, buscamos desenvolver esse estudo aproveitando nosso envolvimento com a temática para tornar a discussão mais robusta, arquitetando uma metodologia capaz de ampliar a interpretação e a projeção dos resultados com base em nossa relação com o campo. Outro aspecto que destacamos é que ainda que nos dediquemos a explorar as expressões do Circo na formação inicial em Educação Física, acreditamos que o debate terá grande articulação com o papel das práticas artísticas e expressivas na atuação profissional.

2.2 A formação inicial em Educação Física no Brasil

Na Educação Física, observamos que junto à regulamentação da profissão em setembro de 1998, houve um crescimento na oferta de cursos de formação inicial na área. No período de 1999 a 2007 houve um crescimento anual de 20,6%, sendo que no último ano desse período a iniciativa privada foi responsável por 89% dessa expansão (SILVA, et al., 2009). De forma geral, segundo o Sistema Nacional de

(31)

Avaliação do Ensino Superior (INEP, 2007), no início dos anos 1990 havia aproximadamente 120 cursos registrados e em 2012 (BRASIL, 2013) são mais de 1400 cursos superiores, tornando a Educação Física um dos dez cursos com o maior número de concluintes – aproximadamente 40 mil por ano.

Existem grandes diferenças entre as relações das instituições de ensino superior privadas e públicas com o mercado, o que reflete diretamente na configuração da formação inicial. A fonte de financiamento das instituições e a consequente relação que isso implica com o aluno é um elemento que influencia a gestão de suas atividades. Por um lado, a instituição pública possui maior liberdade para se posicionar perante as tendências socioeconômicas por não depender do lucro alcançado com o ingresso de alunos ou do financiamento advindo de investidores da área educacional da esfera privada, o que influencia diretamente a constituição de suas propostas. Também, sem sofrer influência direta em termos de concorrência no mercado educacional superior, em que a gratuidade da formação garante, na maioria dos casos, o influxo de alunos, a instituição pública acaba por ter maior liberdade para conduzir suas ações em busca de ideais educacionais na formação superior. Como exemplo, vemos que muitas dessas instituições oferecem cursos integrais e com carga horária total mais longa que as instituições particulares e privadas (BRASIL, 2013).

Vemos também que a Educação Física vem encarando um franco processo de expansão desde a sua regulamentação profissional, na qual as instituições privadas possuem uma grande participação. Relacionando essas considerações com a lei n° 9.696 de 1º de setembro de 1998 (BRASIL, 1998), responsável pela regulamentação da Educação Física, em específico o artigo 3º, que trata sobre as ocupações a ela correspondentes, encontramos uma questão fundamental para nossa investigação sobre a presença e expressão dos saberes circenses na formação inicial:

Compete ao Profissional de Educação Física coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir, organizar, avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bem como prestar serviços de auditoria, consultoria e assessoria, realizar treinamentos especializados, participar de equipes multidisciplinares e interdisciplinares e elaborar informes técnicos, científicos e pedagógicos, todos nas áreas de atividades físicas e do desporto. (BRASIL, 1998, artigo 3º)

(32)

Aqui, vemos que a amplitude da área de trabalho da Educação Física é muito grande, algo que deve ser proporcional às competências, habilidades profissionais e à capacidade reflexiva desenvolvidas durante a formação inicial, sendo que esses elementos nos auxiliam a identificar lacunas e problemas tanto da definição da atuação na área, quanto das abordagens aos saberes que compõem essa formação. Podemos compreender melhor essa demanda ao considerarmos a atuação do Conselho Federal de Educação Física (Confef) em suas ações para o cumprimento dessa lei, sobretudo ao que tange à garantia e à reserva de espaço no mercado de trabalho em todas as “áreas de atividades físicas e do desporto” em que o profissional de Educação Física possa atuar (BRASIL, 1998). Já nos primeiros instantes após a implementação dessa lei, houve uma intensa disputa entre as entidades de fiscalização da profissão e os representantes de distintas práticas corporais pelo direito de atuar na área (FONSECA, 2010).

Apesar de não termos como foco o debate sobre as implicações da disputa por exclusividade de atuação no mercado de trabalho, é importante destacar que essas iniciativas orquestradas principalmente pelo Confef buscam o reconhecimento da qualificação do profissional de Educação Física na sociedade por meio de medidas restritivas, desvalorizando muitas vezes os saberes e produções de sujeitos históricos vinculados a práticas corporais da cultura popular, por exemplo, desmerecendo a importante função social de “não-graduados” em Educação Física na transmissão desses saberes. Ao se combinar a redação da lei que regulamenta a profissão como uma das diretrizes para desenvolver a formação inicial, associando a isso o modus

operandi evidente nas ações do Confef, vemos a configuração de um cenário de

conflito na sociedade por falta de precisão na definição e na delimitação da atuação, bem como a falta de respeito e consideração às outras diversas formas de produção de conhecimento no âmbito das práticas corporais.

No caso do Circo, isso gera conflito com os sujeitos da classe artística, sobretudo com aqueles sujeitos de famílias circenses que desenvolvem e transmitem seus saberes sobre corpo e movimento há gerações, mas que atualmente, sob essa perspectiva invasiva de reserva de mercado, veem-se impedidos de difundir esse conhecimento em determinados espaços. Por mais que existam saberes específicos necessários para o trato com o sujeito e com o conhecimento em determinados espaços formais e informais de educação, é fundamental destacar que a produção e

(33)

transmissão dos saberes circenses, assim como os saberes de outras artes e outras práticas corporais que fazem parte da Educação Física, são compostos por uma multiplicidade de elementos que constituem uma manifestação cultural e, assim, restringir o seu ensino a uma única classe profissional é algo que advoga contra a diversidade, desrespeitando os distintos sujeitos que participam desse tipo de produção cultural, e deixando de reconhecer a sua competência pelo fato de não transitarem dentro dos muros da universidade, ainda que eles sejam responsáveis por perpetuar conhecimentos de geração a geração há séculos.

De forma geral, a Educação Física se constitui em quatro grandes áreas de atuação: saúde, educação, treinamento e lazer. Cada uma dessas esferas possui características e necessidades específicas que devem ser orientadas pela formação inicial, configurando uma área do conhecimento multidisciplinar.

A multidisciplinaridade na Educação Física remete ao conjunto de conhecimentos que constituem a base e os fundamentos da área, atualmente orientada pelos aspectos científico, sociocultural, biológico, técnico-instrumental, e didático-pedagógico de sua atuação (parecer CNE/CP 058/2004). Essa configuração nutre diferentes perspectivas em torno de uma mesma ação – o trabalho com o corpo e o movimento, em que deve haver múltiplos olhares para efetivar a prática profissional, tendo em vista que esta lidará com a formação plena do ser humano em contextos aplicados. Dessa forma, ao mesmo tempo em que se instiga uma combinação harmoniosa de diferentes conhecimentos para efetivar a atuação na sociedade, permite-se a configuração de cursos superiores com perfis diferenciados de acordo com o discurso assumido por cada instituição de ensino superior e com a realidade na qual ela se insere.

Conforme o campo de atuação em Educação Física se desenvolve na sociedade, uma vasta gama de propostas de formação profissional se concretizam, inspiradas em diferentes perspectivas de intervenção. Observando o panorama histórico recente da profissão, a emergência do esporte como principal saber da fase tecnicista da Educação Física, nos anos 1970, previa uma atuação orientada para o condicionamento físico, baseada nas práticas esportivas e nos métodos ginásticos; posteriormente, nos anos 1980, a abordagem biomédica assume maior evidência, na qual a promoção da saúde fica em evidência na atuação; em seguida, nos anos 1990, desenvolvem-se debates acerca da função pedagógica e sociocultural da Educação

(34)

Física, renovando a metodologia de ensino e trabalho; e nos anos 2000, a busca pela renovação dos seus saberes se cristaliza em uma corrente de pensamento que busca compreender a transdisciplinaridade da Educação Física (no sentido exposto por NICOLESCU, 2000; SANTOS, 2008) e rever o papel da fundamentação técnica da atuação profissional (BRACHT, 1999; CASTELLANI FILHO, 2013).

Em nossa compreensão, a transdisciplinaridade da Educação Física é uma forma de conceber um olhar plural e polissêmico para as diversas formas de produção de conhecimento – sendo que essa é a questão que nos leva a questionar as ações do Confef, por exemplo, no sentido de que o profissional de Educação Física é mais um sujeito na sociedade a contribuir para o desenvolvimento de saberes sobre o corpo e o movimento, e não o único a deter o saber legítimo e válido sobre essa temática. Essa perspectiva também nos conduz a analisar e estudar com mais respeito os saberes de diferentes segmentos culturais, pautando as críticas necessárias a essas produções em análises aprofundadas e relacionadas ao âmbito de atuação, ao invés de simplesmente definir que uma determinada profissão ou sujeito histórico ou agente social é detentor do direito de professar sobre uma determinada prática devido à qualificação profissional. Exemplificando essa questão, notamos que existem debates desde dentro da Educação Física que observam as propostas de sujeitos circenses e as prejulgam como retrógadas ou inadequadas quando comparadas com as teorias de treinamento esportivo, enquanto que, do outro lado, vemos sujeitos circenses apontando como inadequadas as propostas de profissionais de Educação Física por esses não transitarem no seio da família circense ou não fazerem parte de suas tradições. A partir das perspectivas que defendemos e expomos até aqui, acreditamos que assumir a transdisciplinaridade da Educação Física, e de modo geral, a transdisciplinaridade necessária para realizar uma atuação sobre as práticas corporais mesmo fora da Educação Física, é uma forma de promover uma renovação e superação dos estigmas existentes na disputa por mercado de trabalho, reiterando o respeito às produções originadas em diferentes segmentos da sociedade.

Um exemplo interessante para o nosso estudo são os debates sobre a dança na Educação Física (anos 1990), que trouxeram à tona a relevância desse saber, tanto pelas características próprias dessa prática corporal, quanto para contrapor a ótica tecnicista dos esportes coletivos que predominavam nessa década (BRACHT, 1999; KUNZ, 1995; EHRENBERG, 2008). As políticas de reserva de

(35)

mercado do Confef nessa época também entraram em conflito com a área da dança, buscando exclusividade da atuação do profissional em Educação Física sobre essa prática corporal, e atualmente ambas formações compartilham a atuação em dança.

Assim, consideramos problemáticas duas situações decorrentes do processo histórico da Educação Física – o olhar para a prática corporal a partir de fundamentos restritivos aos saberes hegemônicos da Educação Física e a consequente e excessiva especialização da atuação profissional; e a falta de inovação pedagógica decorrente de uma atuação que carece de referências às demais produções sociais sobre a prática corporal. No caso do Circo na Educação Física, notamos que as produções também se nutrem desse processo histórico, em que vemos a difusão de abordagens distintas aos saberes circenses, como, por exemplo, as propostas que ensinam técnicas de tecido acrobático e os equilíbrios sobre aparelhos com a finalidade quase exclusiva de fortalecimento corporal e propriocepção. Por mais que a esfera artística do Circo fique em segundo plano, reiterando as considerações sobre a transdisciplinaridade, essas produções devem ser valorizadas em determinados âmbitos de atuação profissional. No entanto, algo que nos instiga reflexão não é o direcionamento da atuação, mas se o profissional concebe os efeitos sistêmicos da prática corporal, como demonstra Bailey (2012), ou em outra abordagem, Betti et al. (2014), algo que poderia amplificar o impacto dessas iniciativas a partir de um olhar mais criterioso sobre a experiência do sujeito com as práticas corporais do Circo. Bortoleto (2011, p.45) identifica essas questões indicando a “aventura pedagógica” do profissional de Educação Física com os saberes circenses, em que se retrata uma visão “míope” desse profissional sobre o que existe de produção sobre Circo, assumindo-se o papel de criar propostas sem ao menos adentrar o “interior da lona” e conceber a extensa produção de seus sujeitos históricos.

Isso nos conduz a repensar a produção de conhecimento na Educação Física sem se limitar a um determinado ponto de vista disciplinar, mas a termos como ponto de partida e chegada o ser humano em sua complexidade. O Circo na Educação Física, assim como outras linguagens artísticas e práticas expressivas, é uma temática que representa uma maior atenção da área para a influência do estético, do sensível e do poético na formação humana conduzida pela Educação Física, pondo em evidência uma lacuna e uma nova demanda para a atuação profissional (SOARES, MADUREIRA, 2005).As problemáticas acima citadas sobre a formação

Referências

Documentos relacionados

Após os estudos realizados, foi possível perceber que a diversificação das práticas corporais presentes na Educação Física Escolar são importantíssimas, pois favorecem aos

Formação continuada na escola: uma experiência vivenciada com professores de uma escola pública municipal de Uberlândia. Fabiana Cardoso Urzetta

Desde a introdução da educação física como componente curricular, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB no. 9.394/96) e segundo o artigo da nova LDB

Aluno(a) apresenta as três posições citadas: polegar na parte superior; indicador e dedo médio por baixo, junto a borda interna do disco; anelar e mindinho na parte de fora do

Ao analisar os estudos que compõe esta revisão identificou-se uma lacuna existente em estudos que relacionam a dança à Educação Física escolar, pois, apenas três modalidades

Esta proposta de Educação Olímpica neste mesmo contexto já aponta resultados positivos como apontam trabalhos de Araújo e Mürmann (2012) que relatam acerca de uma

Além disso, muitas vezes, a comunidade escolar não oferece respaldo para os professores trabalharem com esta proposta e os alunos são bastante resistentes a propostas que incluam

Desse modo, a partir do referencial teórico da área e das respostas obtidas pelos docentes participantes da pesquisa, elaboramos uma possível conceituação de GG, considerada por