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Processos de criação em debate

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Academic year: 2021

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PROCESSOS DE

CRIAÇÃO EM DEBATE

Cecilia Almeida Salles

Sílvia Maria Guerra Anastácio

(Organizadoras)

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PROCESSOS DE CRIAÇÃO EM DEBATE

Cecilia Almeida Salles

Sílvia Maria Guerra Anastácio

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PROCESSOS DE CRIAÇÃO EM DEBATE

Salvador UFBA

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Ficha Técnica Organização

Cecilia Almeida Salles

Sílvia Maria Guerra Anastácio Edição e Revisão

Sílvia Maria Guerra Anastácio Flávio Azevêdo Ferrari

Marieli de Jesus Pereira Raquel Borges Dias

Sandra Cristina Souza Corrêa Shirlei Tiara de Souza Moreira Sirlene Ribeiro Góes

Apoio CNPq

Sistema de Bibliotecas – SIBI/UFBA  

     

       

Processos de criação em debate / Cecilia Almeida Salles, Sílvia Maria Guerra Anastácio, organizadoras.- Salvador: UFBA, 2018. 400 p.

ISBN: 978-85-8292-165-4

1. Semiótica e literatura. 2. Criação (Literária, artística, etc.) 3. Crítica textual. I. Salles, Cecilia Almeida. II. Anastácio, Sílvia Maria Guerra.

CDU – 801.73 CDD - 801.95

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 7

GÊNESE E CENSURA: POR UM ESTUDO CRÍTICO E GENÉTICO DA PRODUÇÃO DRAMATÚRGICA DO AMADOR AMADEU

Carla Cecí Rocha Fagundes e Rosa Borges

9

NEWSGAME: O PROCESSO DE CRIAÇÃO DE UM JOGO JORNALÍSTICO

Carla Miranda B. de Freitas e Cecilia Almeida Salles

23

ESTUDO CRÍTICO E GENÉTICO DE HISTÓRIA DA PAIXÃO DO SENHOR

Dâmaris Carneiro dos Santos e Rosa Borges 37

DE LA VOZ A LA ESCRITA: (AUTO) TRADUCCION Y (RE) CREACION EN LA POESIA BILINGÜE (CHAIMA-ESPAÑOL) DE DOMINGO ROGELIO LEON

Digmar Jiménez Agreda

47

UNIVERSOS PLURAIS, DIVERSAS MÍDIAS E AS POÉTICAS INTERMÍDIAS NA EXPERIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA

Eliane Cristina Testa

61

APONTAMENTOS SOBRE O MANUSCRITO MODERNO E SUA REMEDIAÇÃO PARA OUTRAS MÍDIAS

Elisabete da Silva Barbosa

73

A NAU DOS INOCENTES DE JOSUÉ GUIMARÃES: O SILÊNCIO E O DIÁLOGO

Elisângela de Britto Palagen e Miguel Rettenmaier

81

UMA ÉPOCA, UMA VIDA, NA BAHIA – 1928/1962: ESTUDO GENÉTICO DE DATILOSCRITO DE MANOEL PINTO DE AGUIAR

Elizete Leal Candeias Freitas e Arivaldo Sacramento de Souza

91

MONTEIRO LOBATO EDITOR: JARDIM SECRETO DE FRANCISCA DE BASTO CORDEIRO (1875-1969)

Emerson Tin

105

ELEMENTOS FÍLMICOS NÃO ESPECÍFICOS: MULTIPLICIDADE DE DIÁLOGOS

Eva Cristina Francisco e Edina Regina Pugas Panichi

113

RECRIANDO A GUERRA DOS MUNDOS, DE H. G. WELLS: A DINÂMICA CRIADORA DE AUDIOLIVROS BRASILEIROS A PARTIR DE ROMANCES E CONTOS DE LÍNGUA INGLESA

Flávio Azevêdo Ferrari

(7)

A POTÊNCIA ARQUIVÍSTICA DA ESCRITA DE JUDITH GROSSMAN Henrique Julio Vieira e Evelina Hoisel

137 ABORDAGEM PROCESSUAL NA PRODUÇÃO JORNALÍSTICA

Janaína Sarah Pedrotti

151 O MOVIMENTO CRIATIVO EM QUEM CONTA UM CONTO, AUMENTA UM PONTO DE LISETE NAPOLEÃO MEDEIROS

Jaqueline Lima da Silva e Márcia Edlene Mauriz Lima

163

POEMAS DO GRANDE SERTÃO: DISCUTINDO A “ABSOLUTA FIDELIDADE” DE RENATO CASTELO BRANCO

Lia Raquel Rodrigues de Sousa e Márcia Ivana de Lima e Silva

173

"A ESCULTURA DE PALAVRAS TAMBÉM TEM SUAS BELEZAS": MÁRIO DE ANDRADE LEITOR DOS PARNASIANOS

Ligia Rivello Baranda Kimori

185

ENTRELAÇANDO DOCUMENTOS: MOSTEIRO DE SÃO BENTO DA BAHIA NA REDE

Lívia Borges Souza Magalhães e Alícia Duhá Lose

197

GÊNESE, SÍMBOLOS E CORES: UM ESTUDO SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO DA CAPA DO LIVRO PAREMIOLOGIA NORDESTINA, DE FONTES IBIAPINA

Lueldo Teixeira Bezerra e Márcia Edlene Mauriz Lima

209

O ARQUIVO PESSOAL DE ARIOVALDO MATOS NO HORIZONTE CONTEMPORÂNEO DA CRÍTICA TEXTUAL

Mabel Meira Mota

221

A ESCOLHA OU O DESEMBESTADO: A CONSTRUÇÃO DE UMA TEATRALIDADE

Mabel Meira Mota e Rosa Borges

235

O SHOW DO EU: A CONSTRUÇÃO FICCIONAL NA

CORRESPONDÊNCIA DE CAIO FERNANDO ABREU Mara Lúcia Barbosa da Silva

249

CONEXÕES E INTERAÇÕES DO PROCESSO DE CRIAÇÃO NO ENSINO DE DESIGN DO PRODUTO: MODOS DE DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO

Marcelo José Oliveira de Farias

261

SOM E FÚRIA: O PROCESSO CRIATIVO DE UMA MÍDIA TELEVISIVA A PARTIR DA LINGUAGEM TEATRAL

Marieli de Jesus Pereira

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CARTAS DE UM EREMITA EM PARIS: ANOTAÇÕES À MARGEM DO EPISTOLÁRIO DE ITALO CALVINO (1940-1985)

Maurício Santana Dias

281

TROCANDO O PALCO PELO MICROFONE: DIRIGINDO A PEÇA RADIOFÔNICA A MÁQUINA DO TEMPO

Mirela Dornelles Gonzalez Paz e Sílvia Maria Guerra Anastácio

291

A INFLUÊNCIA DA REDE SOCIAL FACEBOOK NA PRODUÇÃO DE CORDÉIS

Nilson Oliveira Moura e Aparecido José Cirillo

303

A ORGANIZAÇÃO DO MATERIAL FOTOGRÁFICO DE OTTO STUPAKOFF: O OLHAR DO FOTÓGRAFO SOBRE A SUA PRODUÇÃO Patricia Kiss Spineli e Edson do Prado Pfützenreuter

317

DA COSTA E SILVA: CARTA/POEMA À AMADA

Raimunda Celestina Mendes da Silva e Marcos Antonio de Moraes

331 CRÍTICA GENÉTICA E HUMANIDADES DIGITAIS: UMA INTERFACE POSSÍVEL

Sandro Rogério Silva de Carvalho e Sergio Romanelli

345

GILBERTO FREYRE EM DIÁLOGOS EPISTOLARES DO

MODERNISMO: FACETAS DA CORRESPONDÊNCIA COM ALFREDO FREYRE, GUSTAVO CAPANEMA, MANUEL BANDEIRA E OLIVEIRA LIMA

Silvana Moreli Vicente Dias

359

A DESCRIÇÃO DOCUMENTAL DOS CADERNOS DE ANOTAÇÕES PESSOAIS DO JORNALISTA PIAUIENSE JOEL DE OLIVEIRA

Solange Hiller Herthz Santos

373

ENTRE DORES E AMORES: O CROCHÊ COMO LINGUAGEM NO CADERNO DIÁRIO DE REGINA RODRIGUES

Tatiana Campagnaro e Aparecido José Cirillo

387

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APRESENTAÇÃO

A Coletânea online Diversidade dos estudos de processo do século XXI nos levou a observar, primeiramente, a ampliação crescente do número de pesquisadores dedicados à análise de processos de criação com uma ampla variedade de metodologias e objetivos. Essa expansão se concretiza em um grande número de grupos de estudos de processo espalhados pelo país, que têm gerado tantas pesquisas de iniciação científica, dissertações de mestrado e teses de doutorado.

Ao pensar no modo de apresentação dos textos da presente coletânea, cogitamos em títulos que dessem conta de possíveis agrupamentos temáticos ou das linguagens discutidas nos artigos. Como todas as tentativas, contudo, pareceram ineficientes, decidimos optar pela ordem alfabética que, talvez, seja mais fiel à riqueza das relações estabelecidas em muitos textos e, especialmente, à ausência de fronteiras nítidas entre humanidades digitais, palavra e imagem, entre literatura e tradução, artesanato e design, palavra do escritor e testemunho de seu acervo ou arquivo, filologia e crítica genética, processo de criação, ensino e inclusão social, autorias colaborativas de processos disseminados pelas redes sociais, mídias audiovisuais e artes plásticas, bem como tantas outras formas de criar que, hoje, somos capazes de registrar.

O fato é que todas essas questões e tais estudos de caso nos levam à constatação de um campo de experimentação de pesquisas em efervescência, cujos processos guardam narrativas genéticas inusitadas. De modo que os desafios desses estudos genéticos se tornam cada vez mais complexos e acolhem um leque imenso de registros em suportes jamais pensados pelos estudos de crítica genética tradicionais.

Propomos, então, um breve passeio por esse universo genético que nos apresenta questionamentos e considerações múltiplas, sempre apostando em novos campos de estudo e de pesquisa. Não há dúvida de que a era digital ainda nos guarda muitas surpresas e inquietações no campo das pesquisas de processo em que o quadro conceitual dos estudos genéticos se encontra ainda em franco desenvolvimento.

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GÊNESE E CENSURA: POR UM ESTUDO CRÍTICO E GENÉTICO DA PRODUÇÃO DRAMATÚRGICA DO AMADOR AMADEU

Carla Cecí Rocha Fagundes1 Rosa Borges2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Brasil, entre 1964 e 1985, viveu sob Regime Militar, com cerceamento à liberdade de expressão. Os setores artísticos, de modo geral, sofreram restrições; no teatro houve cortes e vetos às produções dramatúrgicas. Nesse contexto de censura, surgiu o grupo Amador Amadeu, atuante na Bahia, de 1975 a 1978.

Entre os textos dramatúrgicos do grupo, destacam-se Gran Circo Raito de Sol ou Gran

Circo Latino Americano, escrito em 1976, e O Cabaret O Segredo de Laura apresenta: Xô, galinha show, produzido e encenado em 1978. Tais textos se relacionam no tocante aos seus

processos de criação. Face a isso, nos lugares da Filologia e da Crítica Genética, através de um estudo desses textos, pretende-se analisar o processo criativo do grupo Amador Amadeu durante a ditadura na Bahia.

FILOLOGIA E CRÍTICA GENÉTICA: POR UM ESTUDO CRÍTICO

A Filologia é uma disciplina que apresenta dificuldades para os que queiram defini-la de modo preciso e simplista. Conforme Borges e Souza (2012), entre as possíveis razões para tal destacam-se aspectos como: a senilidade da Filologia e a pluralidade de atividades classificadas como “filológicas”. Isso fica comprovado quando se faz remissão a uma definição proposta por um dos filólogos mais renomados, Erich Auerbach, que conceituou a Filologia como um:

[...] conjunto das atividades que se ocupam metodicamente da linguagem do Homem e das obras de arte escritas nessa linguagem. Como se trata de uma ciência muito antiga, e como é possível ocupar-se da linguagem de muitas e diferentes maneiras, o termo filologia tem um significado muito amplo e abrange atividades assaz diversas [...] (AUERBACH, 1972, p. 11).

                                                                                                                         

1 Doutoranda na Universidade Federal da Bahia. 2 Professora Doutora na Universidade Federal da Bahia.

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Diante dessa diversidade de atividades, pode-se eleger a principal delas, a edição de textos, através da qual a filologia busca evidenciar uma cultura apresentada a partir da materialidade dos textos que atualiza. Contudo, sabe-se que o trabalho filológico vai muito além da edição, dado o seu caráter interpretativo, no que tange a aspectos tanto culturais quanto literários, todos considerados a partir do texto. Nessa direção, conforme Santos (2012, p. 19), “[...] a filologia tem por objeto o texto, manuscrito, datiloscrito, digitoscrito ou impresso, oral ou escrito, tomado para investigação histórica, filológica, literária, e tantas sejam as atividades que envolvam o estudo de um texto [...]”.

Dessa conceituação, destacam-se, portanto, duas características da Filologia, o fato de ser uma disciplina “antiga” e a abrangência de suas atividades; esses dois vieses permitem-lhe o estabelecimento de relações com outros campos e disciplinas, entre os quais se destaca aqui a Crítica Genética.

A fim de compreender como a Filologia se relaciona com a Crítica Genética convém traçar o percurso cronológico de constituição da última. Na década de 1960, uma equipe de pesquisadores foi formada pelo CNRS, com o intuito de organizar os manuscritos de Heinrich Heine, adquiridos pela Biblioteca Nacional. Após formar essa primeira equipe de trabalho com a finalidade de estudar manuscritos literários, a Crítica Genética foi se desenvolvendo, estabelecendo relações com outras áreas, como a Filologia.

De acordo com Grésillon (1991), o termo crítica genética foi utilizado pela primeira vez em 1979, quando constou como título de uma coletânea publicada por Louis Hay, intitulada os Essais de Critique Génetique. O termo seria devido a Gustave Rudler e herdeiro de uma longa tradição filológica. Historicamente, consoante Grésillon (1991), a Crítica Genética teve um primeiro momento, denominado germânico-ascético (1968-1975); nesse período, nota-se que havia uma lacuna no trabalho genético, visto que,

[a]té 1974, os pesquisadores eram todos de fato germanistas de formação, e alguns mesmo de origem alemã. Os melhores dentre eles eram especialistas em Heine, mas nenhum tinha em sua bagagem nem uma teoria da escritura literária nem uma experiência prática do manuscrito. O que os reunia, era um desejo de aprender na prática para responder ao apelo, e apreender a materialidade dos rascunhos para classificar, datar, transcrever e editar a coleção de Heine. É nesse campo que a tradição germânica se fez sentir: cada um conhecia de perto ou de longe o saber-fazer da filologia alemã e seus feitos na edição crítica; cada um se inspirava neles quando tentava transcrever manuscritos ou representar uma sucessão de variantes. As aberturas para o exterior, pouco numerosas na época, trazem a marca dessa herança germânica, filológica e não-teórica (GRÉSILLON, 1991, p. 14).

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Nesse sentido, pode-se afirmar que a Crítica Genética se relaciona com a Filologia na medida em que, durante o seu desenvolvimento, a exemplo de outras áreas, respaldou-se no método filológico para desenvolver seus estudos visando interpretar o processo de escritura dos manuscritos3 literários.

Portanto, pode-se considerar que a relação entre a Filologia e a Crítica Genética é profícua, isso fica comprovado quando se analisa a história de constituição da área genética e também quando se observam os benefícios que o rigor do trabalho filológico pode trazer para os estudos do manuscrito literário, evidenciados no momento de constituição do prototexto4 e

da análise do processo de criação, principalmente.

[...] atualmente mostra-se evidente que o saber filológico participa da reconstrução genética: não como um fim em si mesmo, mas como uma ferramenta metodológica útil na coleta, descrição, classificação e transcrição dos manuscritos [...] (GRÉSILLON, 2009, p. 42-43).

Nota-se que, para o estudo do texto literário, o diálogo entre a Crítica Genética e a Filologia faz-se necessário. E o pesquisador que transita entre as duas áreas, aliando-as, deve estar atento para as responsabilidades do labor editorial, refletindo sobre sua prática, haja vista a responsabilidade que possui ao estudar, editar e apresentar ao público edições das quais se espera confiabilidade.

A partir dessas reflexões, no âmbito dos estudos genéticos e filológicos, pretende-se analisar o processo de criação dois dos textos teatrais produzidos pelo grupo Amador Amadeu, Gran Circo Raito de Sol ou Gran Circo Latino Americano e O Cabaret O Segredo

de Laura apresenta: Xô, galinha show, tendo em vista as suas condições adversas de

produção, transmissão, circulação e recepção. Destarte, buscaremos “[...] encontrar, ou melhor, entender o funcionamento desse mecanismo que é o ato criativo [...]” (SALLES, 1991, p. 102).

                                                                                                                         

3  Manuscrito: feito à/da mão do autor. Incluem-se documentos datilografados e digitados pela mão do próprio

autor/escritor. Incluem-se documentos datilografados e digitados pela mão do próprio autor/escritor, bem como impressos e provas tipográficas por ele emendados ou modificados, por meio de anotações. Nele, expõe-se o trabalho de escrit(a)tura de um autor (BORGES; SOUZA, 2012, p. 33).

4 Prototexto: Conjunto de documentos que precedem o texto, composto por documentos de diversas naturezas,

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A DRAMATURGIA DO AMADOR AMADEU: ESTUDO CRÍTICO E GENÉTICODE UM PROCESSO DE PRODUÇÃO

Durante o Regime Militar, nota-se que, mesmo diante de uma situação conturbada, o teatro amador na Bahia teve uma atividade muito produtiva e marcante. E foi neste contexto que surgiu o grupo Amador Amadeu.

O Amador Amadeu se destacou como um dos grupos mais incentivados pela imprensa da época, por ser considerado uma promessa de mudança da cena teatral, que, naquele momento, possuía mais grupos profissionais e preocupados com ganhos financeiros.

A formatação promissora que marcava o nascimento daquele grupo amador não advinha apenas do desejo que a crítica teatral da década de 1970 tinha de que o teatro se modificasse, posto que o Amador Amadeu também trouxesse em seu discurso fundador tais intentos. O depoimento de Rogério Menezes, líder do grupo, em entrevista ao jornal Tribuna da Bahia, em 10 de outubro de 1975, confirma seus objetivos:

Nessa situação de aleijão involuntário em que vive o teatro brasileiro é que a gente [Grupo Amador Amadeu] surge tentando, na medida do possível, ajudar a modificar essa situação, a colocar braços e pernas nesse corpo mutilado. Nesse quadro meio triste a gente se propõe a fazer um teatro para a população: para a dona de casa, o comerciante, o secundarista, o universitário, o peão, o bancário, para toda gente. Queremos fazer um trabalho em que o único compromisso seja com o homem, suas dores, suas alegrias. Um teatro popular tanto no tema de nossos trabalhos como nos preços de nossos ingressos.

Em resposta a esses desejos e expectativas, em 1975, Rogério Menezes, com o auxílio de Fernando Fulco, fundou o Amador Amadeu. O grupo fez muito sucesso, repercutiu na imprensa, apresentava-se em bairros da periferia e em cidades do interior, com plateias lotadas, conquistando a adesão e a empatia imediata do público. O Amador Amadeu chegou a ter, segundo relatos de Fernando Fulco (2013) e Rogério Menezes (2013), mais de quarenta integrantes. Entre os quais destacam-se: Zezé Rocha, Paulo Bittencourt, Walter Seixas, Lúcia Bastos, Rosa Bastos, Aydil Goret, Tina Melo e Jota (FRANCO, 1994).

O Amador Amadeu produziu quatro espetáculos, foram eles: Pau e Osso S/A (1975);

Gran Circo Raito de Sol ou Gran Circo Latino Americano (1976); Sr. Puntilla e seu criado Matti, de Betold Brecht (1977) e O Cabaret O Segredo de Laura apresenta: Xô, galinha show

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Nesse trabalho analisaremos duas dessas produções, já mencionadas, os textos Gran

Circo Raito de Sol ou Gran Circo Latino Americano e O Cabaret O Segredo de Laura apresenta: Xô, galinha show.

O estudo aqui proposto buscará analisar como se relacionam os referidos textos teatrais no que tange aos seus processos de criação. Por isso, nesse momento importa ressaltar, consoante Salles (2009, p. 21), que o pesquisador não tem “[...] o processo de criação em mãos, mas apenas alguns índices desse processo. São vestígios vistos como testemunho material de uma criação em processo [...]”.

E, nessa direção, o trabalho com textos teatrais, guarda ainda uma particularidade, pois possui elementos cênicos que não podem ser ignorados e que, de acordo com Grésillon (1995), são partes integrantes do processo desde as primeiras fases da escrita. Nesse contexto, considera-se o texto teatral como “[...] testemunho material de uma criação em processo [...]” (SALLES, 2009, p. 19).

Estudo crítico e genético dos textos

Em 1976, o Amador Amadeu produziu o texto Gran Circo Raito de Sol ou Gran Circo

Latino Americano. No que se refere à materialidade, o texto Gran Circo possui um

testemunho, em forma de datiloscrito, com cópia mimeografada, depositada no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia. Contém 46 folhas, apresentando grifos em tinta verde e amarela ao longo de todo o texto. Na capa, traz marcas de grampo na margem superior e à direita, no centro da folha, nessa consta ainda anotação manuscrita, em tinta preta, com a seguinte inscrição: Para Cid Seixas do Amador Amadeu.

A partir de um cenário, circunscrito a um local específico, houve a narração de situações sociais. O cenário escolhido foi um circo, no qual eram abordados momentos de dificuldade pelos quais passava o povo pobre brasileiro.

As situações retratavam desde a dificuldade em utilizar o transporte público da época até o sofrimento enfrentado pela população nas filas dos hospitais. Instituições como o Corpo de Bombeiros e a Previdência Social também foram alvos na representação, em circunstâncias nas quais se podia notar a promoção de uma reflexão de ordem política e social.

No contexto circense, os trapezistas poderiam ser relacionados aos homens que trabalhavam nos edifícios, o globo da morte era representado pelo ônibus do bairro da Liberdade. “Gran Circo Rayto de Sol [...] foi escrito a partir de situações do cotidiano que eu

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sugeria e que os atores improvisavam a partir dessa sugestão, e íamos transformando o texto falado-improvisado em dramaturgia escrita [...]” (MENEZES, 2013).

Porém, o grupo não obteve sucesso, visto que o texto teatral Gran Circo não pôde ser encenado; após passar mais de cinquenta dias em avaliação pelos órgãos censórios, foi completamente vetado. Segue parecer de censura do espetáculo, no qual são citadas as referidas causas do veto.

Figura 1 – Parecer de censura de Gran Circo Raito de Sol ou Gran Circo Latino Americano

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Portanto, Gran Circo foi considerado muito realista, pois investia, através de analogias, contra o poder vigente, de forma engajada politicamente. Em 1978, o Amador Amadeu produziria outro texto teatral, com o título de: O Cabaret O Segredo de Laura

apresenta: Xô, galinha show. O texto possui um testemunho, com 15 folhas, datiloscritas em

papel mimeografado, depositado no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia. Há marcas de grampo no centro da margem esquerda da folha. Não consta a presença de carimbos ao longo do texto.

A encenação de Xô, Galinha Show foi autorizada pelos órgãos censórios, porém com restrições, sendo liberada apenas para maiores de 18 anos. O texto foi exibido em outubro de 1978, no teatro Gregório de Mattos.

Esse foi o último texto produzido e encenado pelo Amador Amadeu, em um momento em que seus integrantes, principalmente o diretor do grupo Rogério Menezes, passavam por uma desilusão quanto aos seus objetivos e as possibilidades de mudar a cena teatral vigente. “Eu já havia caído fora do PCdoB, e tinha uma visão absolutamente crítica e raivosa e irada a respeito dos comunistas em geral [...]” (MENEZES, 2013).

Assim, se a anarquia já marcava as produções anteriores do grupo, no espetáculo Xô,

galinha show houve um maior radicalismo. De acordo com entrevista de Menezes (2013):

“Todo mundo dirigia, todo mundo atuava [...] cada um criava sua própria dramaturgia. Eu apenas tentava costurar isso tudo, mas, de propósito, deixando tudo muito mal costurado. Resultado: foi um fiasco [...]”.

De acordo com Rogério Menezes: “Propositadamente, quis encenar Xô Galinha Show como se fosse (e foi) um atestado de óbito do Amador Amadeu. Já não acreditava mais que, nós, aquele bando de porra-loucas poderíamos mudar o mundo [...]” (MENEZES, 2013, grifo do autor).

Desse modo, pode-se notar que os dois textos marcaram de forma significativa a trajetória do Amador Amadeu. Enquanto a peça Gran Circo foi, em 1976, completamente vetada pelos órgãos censórios, em 1978, Xô, galinha show pôde ser apresentada, sem cortes, para maiores de 18 anos.

Ademais, ao analisar as duas materialidades textuais das peças em questão, nota-se que ambas se relacionam de modo ainda mais preponderante, posto que haja na produção de 1978 fragmentos textuais daquela vetada em 1976. A respeito disso, um dos integrantes do grupo Amador Amadeu, Fernando Fulco, aborda o fato em entrevista. De acordo com o ator, teriam sido utilizados, no momento de escrita da peça Xô, Galinha Show, excertos do texto

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Nós aproveitamos muito do Gran Circo Raito de Sol pra montagem de Xô Galinha Show. [...] quando a gente resolveu montar esse último espetáculo é que veio Xô Galinha Show. Foi uma despedida assim muito bacana. [...] essa cena de Sílvio Cavalcanti mesmo é de Gran Circo. [...] A gente chupou Gran Circo todo nisso aqui e os inteligentes da polícia federal não entenderam (grifo nosso).

Desse modo, percebe-se que o processo criativo do grupo, no que se refere aos dois referidos textos, possui uma relação intrínseca.

Dividido em 21 cenas e alguns quadros, Xô, galinha show não segue um roteiro linear, apresentando situações como: a encenação de piadas, a representação de um show de calouros, uma luta livre e um concurso de misses. As cenas tratavam de diferentes temas e com extensão variável, posto que, enquanto umas possuíam apenas duas linhas, outras eram compostas de até três folhas. Toma-se como exemplo um fragmento do texto:

Figura 2 – Excerto do texto O Cabaret o segredo de Laura apresenta: Xô, galinha, show

Fonte: Amador Amadeu (1978, f. 8)

Com a leitura de Xô, Galinha Show nota-se que há paráfrase ou repetição de trechos do texto Gran Circo. A primeira ocorrência se dá na cena seis de Xô, Galinha Show, que possui 125 linhas e se localiza nas folhas: 3, 4, 5 e 6; correspondendo à parte do primeiro ato de Gran Circo, constante nas suas folhas 4, 5, 6 e 7. Nessa cena, em linhas gerais, representa-se um programa de televisão no qual são trazidas críticas, em tom representa-sensacionalista, ao Corpo de Bombeiros e à situação agrária do país.

A outra ocorrência é notada na cena quinze de Xô, Galinha Show, que possui 156 linhas e ocupa as linhas 9, 10, 11, 12, 13 e 14. Esse trecho corresponde em Gran Circo às folhas 13, 14, 15, 16, 17 e 18. Nessa passagem, em linhas gerais, ocorre a crítica ao sistema público de saúde no tocante à precariedade do atendimento e à corrupção na distribuição de medicamentos.

Destarte, percebe-se que o texto de 1978 tem seu processo criativo bastante afetado pela produção anterior, de 1976, pois, ainda que a repetição de trechos se prenda a apenas

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duas cenas de Xô, Galinha Show, salienta-se que tais passagens dizem respeito a mais de 60% do texto, pois são as cenas de maior extensão, ocupando 10 das 15 folhas da produção teatral, 281 das 508 linhas. A seguir, apresentar-se-ão fragmentos das citadas cenas, a fim de ilustrar as interpretações tecidas.

O estudo, apresentado a seguir, será feito a partir do confronto de excertos das referidas produções teatrais, acompanhados de transcrições e análises. As modificações serão apresentadas através do destaque em negrito nos fragmentos constantes em Xô, Galinha

Show. Tal encaminhamento se baseia no exemplo observado no trabalho de Isabel Novais

(2004), em seu estudo crítico-genético da peça Jacob e o Anjo. Seguem as comparações de fragmentos das cenas:

Quadro 1 – Confronto entre fragmentos dos textos teatrais Gran Circo ou Gran Circo Latino Americano folha 5 e O Cabaret o segredo de Laura apresenta: Xô, galinha show folha 4

Cavalcanti – Mister Bombeiro, Há anos que apresento este programa e nunca me senti tão emocionado como agora. Estou chorando, senhores telespectadores. Chorando de emoção. Chorem também colegas de trabalho. Chorem também, senhores telespectadores. Esse homem é um herói. Chorem e façam como / eu. Limpem o rosto com lenços no papel “NO”. Depois do / choro o melhor papel é “NO” (AMADOR AMADEU, 1976, f. 5).

Cavalcanti – Mister Bombeiro, Há anos que apresento este programa e nunca me senti tão emocionado como agora. Estou chorando

telespectadores. Chorando de emoção. Chorem também, senhores telespectadores e façam como eu: Limpem o rosto com lenços de papel “NÓ”.

Depois do choro o melhor papel é “NÓ”.

Desculpem telespectadores mas é que sou muito emotivo. Mister bombeiro queira aguardar os resultados nos bastidores (AMADOR AMADEU,

1978, f. 4).

Fonte: Quadro preparado pela pesquisadora Carla Ceci Rocha Fagundes.

Nota-se que Xô, galinha show (1978) possui uma redução da fala do bombeiro, em relação ao apresentado em Gran Circo (1976), com algumas diferenças como o uso da forma

mulé no texto de 1976 e de mulher em 1978. A fala do apresentador Silvio Cavalcanti exibe,

nos dois fragmentos, informações bastante semelhantes, com a apresentação da personagem incitando a emoção do público e a propaganda em prol do uso de lenços de papel, retratados sob a marca “NO” em Gran Circo e como “NÓ” em Xô, galinha show.

Com a análise desse fragmento, o veto ao texto de 1976 pode ser justificado, entre outras razões, pela apresentação da personagem Silvio Cavalcanti, que pode ser interpretada como uma referência a Flávio Cavalcanti, apresentador que comandava um programa de sucesso na rede Tupi de televisão, e que foi punido pela ditadura em 1973, com a suspensão da atração televisiva por 60 dias.

De acordo com os órgãos censórios isso se deu por conta da exibição do caso de um homem inválido que emprestou a mulher ao vizinho. Porém, acredita-se que isso tenha sido

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apenas o estopim, pois outras atitudes do apresentador já vinham desagradando o governo militar, a principal delas seria a proteção concedida à atriz Leila Diniz, que foi perseguida pela ditadura até sua morte, em 1972.

Quadro 2 – Confronto entre fragmentos dos textos teatrais Gran Circo Raito de Sol ou Gran Circo Latino Americano folha 7 e O Cabaret o segredo de Laura apresenta: Xô, galinha show folha 5

Zenóbio – Pois a minha terra foi roubada... Cavalcanti – A terra do senhor foi roubada?

Zenóbio – Uma terra que com muito sacrifício eu consegui. Eu trabalhava perto de sua fazenda prum bandido de um patrão... (AMADOR AMADEU, 1976, f. 7).

Zenóbio – Pois a minha terra foi roubada. Uma terra

que com muito sacrifício eu consegui.

Cavalcanti – Roubada!

Zenóbio – O Senhor quer prestar atenção à minha

história? Pois eu tou aqui desde manhã nesse negócio de ensaio, de falar isso, não falar aquilo. Vou é falar tudo. Mas Cuma tava dizendo, eu tinha um lotim de terra e trabalhava prum safado de um patrão. Tenho as mão calejada, olha aqui...

(AMADOR AMADEU, 1978, f. 5). Fonte: Quadro preparado pela pesquisadora Carla Ceci Rocha Fagundes.

Do confronto desses fragmentos, pode-se notar mais uma vez como o processo de criação de Xô, galinha show é influenciado pelo texto vetado em 1976, posto que haja a repetição de mais uma cena, com somente alguns acréscimos e supressões. Nesse caso, ainda se valendo da citação ao programa de Cavalcanti, o grupo faz menção à questão agrária, uma discussão que ganhou fôlego maior ao longo das décadas de 1970 e 1980, principalmente pela criação de movimentos de reivindicação social, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, entre outros.

Quadro 3 – Confronto entre fragmentos dos textos teatrais Gran Circo Raito de Sol ou Gran Circo Latino Americano folha 14 e O Cabaret o segredo de Laura apresenta: Xô, galinha show folha 11

Epaminondas – Sente-se meu filho...

Rosalvo – Eu sei que não devia vir ao psiquiatra. Meu problema é outro. Eu sou fraco do pulmão, mas como o senhor é o único médico disponível aqui. Epaminondas – Realmente eu não sou especialista em doenças do pulmão...

Rosalvo – Eu tenho a impressão que o senhor não é especialista em doença nenhuma.

Epaminondas – Eu sou especialista geral. Porque todas as doenças partem da cabeça.

Rosalvo – Então o sr. corta minha cabeça e acabou o problema?

Epaminondas – O problema que o sr. tem no pulmão deve ter sido causado por alguma pancada que o sr, tomou na cabeça quando era / criança. Então é só fazer um tratamento mais profundo: eletroencefalograma e choque elétrico de 220 watts. Inclusive agora mesmo temos uma máquina de eletroencefalograma que agrada a todos pois ela comprova que todo mundo tem problemas de cabeça.

Epaminondas – Sente-se meu filho...

Rosalvo – Eu sei que não devia vir ao psiquiatra. Meu problema é outro. Eu sou fraco do pulmão, mas como o senhor é o único médico disponível aqui. Epaminondas – Realmente eu não sou especialista em doenças do pulmão...

Rosalvo – Eu tenho a impressão que o senhor não é especialista em doença nenhuma.

Epaminondas – Eu sou especialista geral, porque todas as doenças partem da cabeça.

Rosalvo – Então o sr. corta minha cabeça e acabou o problema?

Epaminondas – O problema que o sr. tem no pulmão deve ter sido causado por alguma pancada que o sr., tomou na cabeça quando era criança. Então é só fazer um tratamento mais profundo: eletroencefalograma e choque elétrico de 220 watts. Inclusive agora mesmo temos uma máquina de eletroencefalograma que agrada a todos pois ela comprova que todo mundo tem problemas de cabeça.

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(Um cliente que passa na porta do consultório chega na porta e grita:

Cliente – Eu tava passando e ouvi o senhor receitar choque elétrico prá tuberculose do rapaz. Isso é um absurdo, isso é / um crime. Meu filho você tem que tomar mastruz com leite/ que vai ficar logo bom... Epaminondas – (Irritado) Não é possível... Como é que o sr. entrou aqui? Saia imediatamente. Retire-se. O senhor também está consultado e vai receber choque elétrico. O próximo...

Rosalvo – Mas doutor? Epaminondas – O próximo... (AMADOR AMADEU, 1976, f. 14).

Está aqui o seu pedido de exame.

Luz apaga, em seguida focaliza o consultório de Dr. Rochinha (AMADOR AMADEU, 1978, f. 11).

Fonte: Quadro preparado pela pesquisadora Carla Ceci Rocha Fagundes

No último confronto, nota-se a repetição de mais uma cena, dessa vez com uma redução ao final, trecho em que a crítica ao médico, sem a especialização necessária para o atendimento, ficaria mais contundente. Nesse caso, observa-se uma crítica ao sistema de saúde, pelo atendimento ineficiente e negligente.

A partir da comparação entre fragmentos, nota-se que as mudanças dizem respeito a substituição de alguns sinais de pontuação ou palavras e aumento/diminuição da extensão de alguns diálogos. Assim, interpreta-se que persistiu o objetivo do grupo em abordar temáticas políticas e ideológicas relacionadas a instituições públicas, situação agrária e mídia televisiva, mesmo após o veto do texto de 1976, haja vista a repetição de trechos com esse teor na produção de 1978.

Nessa direção, acredita-se que Xô, galinha show provavelmente tenha sido liberada para maiores de 18 anos, sem cortes ou veto, por apresentar as cenas de forma dispersa, se valendo da utilização da técnica do happening, com a quebra da linearidade da narrativa e a sobreposição de cenas curtas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da análise comparativa dos excertos dos textos Gran Circo Raito de Sol ou

Gran Circo Latino Americano e O Cabaret O Segredo de Laura Apresenta: Xô galinha Show,

pode-se notar a repetição de diversos trechos de um texto em outro, bem como o movimento realizado pelo grupo Amador Amadeu, no que se refere ao aproveitamento das ideias abordadas em um texto teatral, completamente vetado, em outro texto, que, ainda que tenha tido a sua apresentação liberada apenas para maiores de 18 anos, pôde ser encenado.

Desse modo, através da análise do processo de criação do grupo Amador Amadeu, percebe-se que sua produção era tida como contestadora, por explorar temáticas

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político-ideológicas contrárias ao governo, consideradas, consequentemente, perigosas para o regime militar, por incitar a revolta da população frente a instituições políticas e sociais. Contudo, mesmo diante dos entraves da censura, há que se destacar que o Amador Amadeu, a exemplo de outros grupos amadores, continuou tentando promover a reflexão por parte da população brasileira, imbuindo o seu fazer teatral de uma potência transformadora.

REFERÊNCIAS

AMADOR AMADEU. Cabaret o segredo de Laura: Xô galinha show. Salvador. 1978. 15 f. Acervo do Espaço Xisto Bahia.

__________________. Gran Circo Raito de Sol ou Gran Circo Latino Americano. Salvador. 1976. 44 f. Acervo do Espaço Xisto Bahia.

AUERBACH, Erich. Introdução aos estudos literários. Tradução José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1972.

BIASI, Pierre-Marc de. As edições genéticas. In: BIASI, Pierre-Marc de. A genética dos textos. Tradução de Marie-Hélène Paret Passos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010.

BORGES, Rosa; SOUZA, Arivaldo Sacramento de. Filologia e Filologia como Crítica

Textual. In: BORGES, Rosa et. al. Edição de Texto e Crítica Filológica. Salvador: Quarteto, 2012.

FERNANDO FULCO. Depoimento [jul. 2013]. Entrevistador: Carla Fagundes. Salvador, 2013. 1 CD.

FRANCO, Aninha. O teatro na Bahia através da imprensa: século XX. Salvador: FCJA; COFIC; FCEBA, 1994.

GRÉSILLON, Almuth. Alguns pontos sobre a história da Crítica Genética. Estudos Avançados, v. 11, n. 5, p. 7-18, 1991.

__________________. Nos limites da gênese: da escritura do texto de teatro à encenação. Tradução Jean Briant. Estudos Avançados, São Paulo, v. 9, n. 23, p. 269-285, abr. 1995. Disponível em: <http://scielo.br/scielo.php>. Acesso em: 16 jul. 2015.

____________________. Crítica genética, prototexto, edição. Tradução de Adriana Camargo. In: GRANDO, Ângela; CIRILLO, José (Orgs.). Arqueologias da criação: ensaios sobre o processo de criação. Belo Horizonte: C/Arte, p. 41-51. 2009.

GRUPO Amador Amadeu estréia hoje com ‘Pau e Osso S/A”. Tribuna da Bahia, Salvador, 10 out. 1975.

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MENEZES, Rogério. Publicação eletrônica. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <carlacecirf@yahoo.com.br> em 8 ago. 2013.

PARECER 5891/76. Brasília, 19 out. 1976. 1f.

SALLES, Cecília Almeida. O conceito de criação na teoria peirceana. Manuscrítica, Revista de Crítica Genética, São Paulo, n. 2, p. 99-106, 1991.

______. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Annablume, 2009. SANTOS, Rosa Borges dos. Filologia e literatura: lugares afins para estudo do texto teatral censurado. In: SANTOS, Rosa Borges dos (Org.). Edição e estudo de textos teatrais censurados na Bahia: a Filologia em diálogo com a literatura, história e o teatro. Salvador: Edufba, v. 1, p. 19-65, 2012.

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NEWSGAME: O PROCESSO DE CRIAÇÃO DE UM JOGO JORNALÍSTICO Carla Miranda B. de Freitas

Cecilia Almeida Salles Um nadador iniciante. Pouco mais que uma criança, mas já visto como promessa. O sinal de largada é dado, e ele cai na piscina para a prova dos 200 m livre, defendendo o nome de sua escola de natação. Está na frente de todos, faz a primeira virada, tem boas chances de chegar em primeiro. Desempenho fruto de talento natural, claro. Mas também de muito treino. Rotina para acordar e dormir. Cinco mil metros diários cumpridos na piscina, musculação com foco em melhorar os movimentos e exercícios de equilíbrio. Alimentação controlada nos detalhes. E isso porque o atleta ainda é tão somente uma promessa.

O caminho para uma olimpíada é longo e inclui de treinamentos específicos a escolha de competições a participar, passando por eventuais dificuldades de patrocínio. Cada um desses itens guarda uma quantidade de detalhes e variáveis. Como, então, contar jornalisticamente essa história? Qual a melhor forma de conectar o leitor a esse conteúdo, fundamental para que se entenda os desafios que levam a um pódio olímpico?

Tais questionamentos levaram à produção do jogo jornalístico Desafio Aquático, publicado no site do jornal O Estado de São Paulo em dezembro de 2014, como parte de um

especial multimídia sobre as olimpíadas de 2016, no Rio

(http://brasil.estadao.com.br/blogs/em-foca/jogoestadao/). Os jogos jornalísticos, ou newsgames, foram batizados por Gonzalo Frasca, o primeiro a produzir neste formato, em 2003, um fruto claro da convergência de mídias (BOLTER; GRUSIN, 1999). Mas o conceito ampliado, proposto por Bogost, Ferrari e Schweizer (2010), é o mais adotado atualmente, entendendo que o termo se refere a todos os tipos de interação entre o jornalismo e o universo dos videogames.

Embora não se possa dizer que a produção desses newsgames seja considerável em volume, tanto na imprensa internacional quanto na nacional, sua emergência como formato possível de narrativa tem relevância na busca das empresas jornalísticas por transmitir conteúdo informativo de modo mais adequado às possibilidades digitais. E é mais um sinal do processo contínuo de convergência pelo qual a imprensa vem passando desde o início de suas operações online.

Segundo Salaverría, García Avilés e Masip (2010), a convergência jornalística seria um processo multidimensional capaz de afetar o âmbito tecnológico, empresarial, profissional

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e editorial dos meios de comunicação, ao integrar ferramentas, espaços, métodos de trabalho e linguagens anteriormente separadas. Desta forma, ainda de acordo com os autores, os jornalistas são capazes de elaborar conteúdos para distribuição em múltiplas plataformas, utilizando a linguagem própria de cada uma.

Os newsgames se enquadram no que os pesquisadores espanhóis chamam de “integração de linguagens”, ao trabalharem com recursos e características tanto do jornalismo quanto dos games. Em uma perspectiva mais ampla, Henry Jenkins (2008) aponta que a cultura contemporânea é a própria cultura da convergência, promovendo a reconfiguração dos meios.

Seguindo a teoria de processo de criação, conforme foi descrita por Cecília Almeida Salles (2008), o newsgame Desafio Aquático poderia ser analisado tanto por ser um dos pontos da rede, no decorrer das modificações e interações entre as mídias, quanto em si mesmo, nos detalhes de sua produção. A escolha aqui foi pela segunda opção, por mostrar e documentar o processo de criação jornalística desse jogo específico. Mas isso não significa desconsiderar o movimento maior, presente na primeira opção.

Tal escolha levou em conta a quantidade bastante razoável de estudos sobre o processo de convergência de mídia em jornalismo, ao mesmo tempo em que são poucos os estudos com abordagem processual em produtos específicos. Um dos principais motivos para esse descompasso é a própria natureza do trabalho jornalístico, em que a documentação do processo é, na maioria das vezes, dificultada pelo pouco tempo entre o início e o fim de uma reportagem. Os registros ficam escondidos em blocos de anotação, que acabam e são substituídos pelo repórter muito rapidamente, sendo poucas vezes vistos como algo importante de se guardar.

Por se tratar de um projeto de desenvolvimento mais longo, a produção do newsgame facilita essa documentação, assim como a necessidade de se trabalhar em equipe e compartilhar informações. No caso do Desafio Aquático, o grupo de repórteres e editores definiu desde o primeiro momento o uso de um documento do Google Drive para facilitar o contato permanente e a troca de dados entre os jornalistas.

A proposta do grupo era apresentar em formato de newsgame, ou jogo jornalístico, uma modalidade esportiva olímpica. O formato foi considerado o mais adequado por suas características, conforme descrição de Bogost, Ferrari e Schweizer:

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Os jogos mostram texto, imagens, sons e vídeo, mas eles fazem muito mais: os jogos simulam como as coisas funcionam ao construir modelos com as quais as pessoas podem interagir, capacidade que Bogost deu o nome de retórica de procedimento. Essa é uma experiência irreductible para nenhum outro meio anterior” (BOGOST; FERRARI; SCHWEIZER, 2010, p. 6).

A ideia era trazer detalhes de rotina, de treinamento e outras especificidades, apresentando-as de modo interativo e interessante para o leitor, levando em conta todos os parâmetros jornalísticos de uma boa reportagem, como precisão, variedade de fontes e possíveis fatores facilitadores, entre outros. A equipe de seis repórteres (Bibiana Guaraldi, Caio Hornstein, Gabriela Korman, Marília Marasciulo, Raquel Brandão e Thiago Sawada) e uma editora teria 40 dias para a realização do projeto e contariam com o auxílio de um ilustrador/programador.

Vale ressaltar que, neste artigo, será dado enfoque para a parte jornalística do processo. O trabalho de programação e ilustração só será mencionado colateralmente, na interação dos respectivos profissionais com os jornalistas.

Logo na primeira reunião da equipe editorial foram tomadas decisões cruciais, levando-se em conta principalmente a história a ser apresentada e o prazo de execução. A questão que se mostrou central foi a definição da modalidade a ser abordada. A relevância do esporte para a história olímpica brasileira, traduzida tanto em número de medalhas quanto em interesse de público se sobressaiu como critério, reduzindo as possibilidades para não mais que cinco modalidades, sendo elas futebol, vôlei, natação, vela e judô.

A complexidade de ilustração e de informações a serem levantadas, dada a multiplicidade de atletas/atores, provocou a eliminação dos esportes coletivos até então candidatos – futebol e vôlei. O jogo teria, então, um atleta como centro. À medida que a reflexão do grupo avançou, decidiu-se pela eliminação também do judô. O motivo para isso foi a existência de uma infinidade de jogos não-jornalísticos de luta elaborados e conhecidos demais, que poderiam estar muito presentes no imaginário do leitor. Como consequência, o leitor poderia ficar tentado a buscar correlações entre o jogo não-jornalístico (game) e o jornalístico (newsgame). E isso poderia provocar dificuldade na absorção do conteúdo jornalístico do newsgame, além do fato de que qualquer jogo jornalístico, por mais interessante e bem cuidado que fosse, teria dificuldade de competir com o que o senso comum espera de um jogo de luta. Entre vela e natação, a escolha foi pela última, dado o apelo mais popular do esporte e pelo fato de as regras da modalidade serem mais simples e de domínio da maioria dos jogadores.

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O passo seguinte foi a escolha da pauta, ou tema, da reportagem propriamente dita. A convergência de opinião, neste momento, foi total. O grupo se encarregaria de mostrar na reportagem aspectos comuns da trajetória de um nadador. O atleta começaria como uma jovem promessa da modalidade, ainda na categoria de base, e deveria chegar ao fim do jogo como nadador experiente, com chance de medalha nas olimpíadas do Rio, em 2016.

Para isso, o grupo enfocaria a rotina de treinamento, o trabalho dos treinadores, as competições que os atletas geralmente participam, a alimentação e os cuidados com o corpo. Como se buscava retratar uma trajetória possível, o jogo deveria também levar em conta fatores específicos, como obtenção de Bolsa Atleta e Bolsa Pódio, dois programas governamentais de fomento a atletas considerados de ponta, que garantem recursos financeiros para contratação de técnicos e equipes de apoio (nutricionistas, fisiologistas, etc.) e para participação em competições importantes, além de garantir que os esportistas se dediquem exclusivamente às modalidades.

A equipe editorial notou rapidamente que o volume de informações que precisaria coletar para montar o jogo era bem grande, abrangendo fontes variadas – de atletas e treinadores a órgãos governamentais, como o Ministério do Esporte,federações e confederações esportivas. Como o prazo de execução era curto, o grupo decidiu se dividir imediatamente para ouvir as fontes. Foram elas, a saber: Henrique Rodrigues (nadador do Clube Pinheiros); Matheus Sant’Ana (nadador da Unisanta); André Luiz Simões Ferreira (treinador do Clube Pinheiros); João Ricardo Cozac (psicólogo, presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia do Esporte); Andrea Zaccaro de Barros (nutricionista, presidente da Associação Brasileira de Nutrição Esportiva); Ricardo Munir Nahas (médico, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte).

Cabe aqui salientar o caráter colaborativo e horizontal do projeto, uma vez que a editora e os seis repórteres participaram da definição do foco e do propósito do newsgame. Também, foram pensadas em conjunto as fontes imprescindíveis para a realização do trabalho. As entrevistas foram distribuídas entre os repórteres, que passavam o resultado diretamente para uma pasta no Google Drive, a qual todos tinham acesso. Este documento passou a funcionar como área de trabalho da equipe.

Ali, a editora sabia exatamente quais entrevistas já haviam sido realizadas, quando foram feitas e o resultado prático obtido, permitindo uma visão clara da evolução do trabalho da equipe. Os repórteres criaram um documento bastante dinâmico, reduzindo a necessidade de reuniões de atualização a cada nova descoberta, deixando esses encontros para momentos determinantes.

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A transcrição da entrevista com o nadador Henrique Rodrigues exemplifica essa interação. Uma das repórteres escreveu no documento: “Até 2011 (Henrique; nota da autora) era custeado pelos clubes e tinha patrocínio dos Correios. Em 2012, fez um projeto para conseguir recursos pela Lei de Incentivo ao Esporte.” Na sequência, deixa recado para os demais integrantes, pedindo ajuda para complementar o trabalho: “ALGUÉM PODE PESQUISAR MAIS SOBRE ESSA LEI E FAZER UM RESUMINHO? TAMBÉM TALVEZ AQUI COUBESSE ALGO DE BOLSA ATLETA NO JOGO…”

O pedido não tardou a ser aceito, com a contribuição de um colega na forma de material documental, extraído do site do Ministério do Esporte, como se vê a seguir:

Lei de incentivo ao esporte: A Lei de Incentivo ao Esporte – Lei 11.438/2006 – permite que empresas e pessoas físicas invistam parte do que pagariam de Imposto de Renda em projetos esportivos aprovados pelo Ministério do Esporte. As empresas podem investir até 1% desse valor e as pessoas físicas, até 6%. (Dados do Ministério do Esporte - http://www.esporte.gov.br/index.php/institucional/secretaria-executiva/lei-de-incentivo-ao-esporte) (E o bolsa atleta?? temos estas informações?? eu não, mas tem um grupo que tá fazendo matéria sobre isso, não? podemos

pegar com eles)

http://www2.esporte.gov.br/snear/bolsaAtleta/prerequisitos.jsp;

http://www.esporte.gov.br/index.php/institucional/alto-rendimento/plano-brasil-medalhas (Dados da pesquisa, 2014).

Na observação deste documento do Google Drive, nota-se também que a equipe fazia marcações em negrito no material bruto, indicando principalmente informações que considerava imprescindíveis ao newsgame, mas também palavras-chave sobre o treino dos atletas. A marcação era feita tanto pelo próprio autor de uma determinada entrevista quanto por seus colegas, que tinham a possibilidade de interagir a todo tempo.

Para efeito de exemplificação, estão abaixo dois momentos em que isso ocorre. Vale lembrar que a marcação foi feita outras vezes, como se nota no Anexo 1:

São 3 os fatores principais na preparação de um atleta: COMER, DORMIR E TREINAR. (estávamos esquecendo do dormir!!!) *IDEAL: 8h de sono

PELO MENOS”; “Sobre antidoping (ISSO É LEGAL PRO GAME!!!):

depende da substância que o atleta usar. Se forem anabolizantes, punição é de dois anos (Dados da pesquisa, 2014).

A primeira reunião com o programador escolhido para o projeto, que ficaria responsável por montar a estrutura de códigos do newsgame, ocorreu uma semana após o início dos trabalhos. A equipe editorial já havia obtido as informações que até então considerava necessárias. A intervenção do programador Philip Mangione foi fundamental

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para traduzir a ideia do grupo e as informações textuais, transformando-as no primeiro esboço do game.

A apuração jornalística disponível trouxe os parâmetros iniciais para o jogo, sendo as mais importantes o número de fases que seriam necessárias ao newsgame: a rotina de treinamento e de vida social, a alimentação, as especificidades esportivas da modalidade natação e o papel do treinador. Sobre as fases, foram identificados quatro momentos principais na trajetória de um nadador: jovem promessa (tem entre 11 e 12 anos, nada provas médias, como 200 m, e disputa competições regionais); aposta (tem 15 anos, nada provas mais curtas, como 100 m, e disputa campeonatos nacionais); atleta pronto (tem entre 17 e 19 anos, nada provas rápidas, como 50 m, e disputa competições internacionais); atleta de alto rendimento (tem 19 anos, nada provas rápidas, como 50 m, e tem índice para disputar as Olimpíadas).

A rotina de treinamento inclui trabalhos de piscina e de musculação, com horários bem distribuídos, e 8 horas garantidas de sono por dia. Vida social muito ativa, excesso de TV e redes sociais foram identificados como fatores que atrapalham o desempenho do atleta. Conforme o nadador avança em sua carreira, mais questões entram em cena: a necessidade de apoio psicológico e nutricional profissional, as distrações trazidas pelo assédio da mídia e a troca de treinador. Pela apuração, o atleta tem no início da carreira um técnico compartilhado com outros nadadores e, na sequência, conquista um treinador que fica exclusivamente à sua disposição.

Esses parâmetros foram passados para o programador, já com o pedido de usar os técnicos como narradores/instrutores do jogador/nadador. Para preservar ao máximo o trabalho de apuração jornalística e garantir que o máximo de conteúdo informativo fosse passado ao jogador – sem que se perdesse a estrutura e as especificidades de um game –, ele sugeriu o uso de cards, cartas que os jogadores poderiam escolher.

O treinador daria dicas no início de cada fase, que ajudariam nessa escolha. Quanto mais cartas o jogador acertasse, mais bem posicionado seu nadador estaria na piscina. Pela apuração, o grupo já sabia que os melhores atletas nas eliminatórias têm direito a disputar as provas nas raias centrais, menos sujeitas à interferência da marola causada pela água batendo na borda da piscina. Erros excessivos provocariam a desqualificação do nadador.

Com base nessas informações, o programador desenhou o rascunho original do projeto. Este documento de processo, conforme definição de Cecilia Almeida Salles (2010), assim como demais registros do processo de criação foram obtidos graças à participação de uma das autoras do artigo no projeto em questão, na função de editora.

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No esboço (Figura 1) estão retratadas as fases do jogo e os dois técnicos diferentes, um para as Fases 1 e 2 e outro para as Fases 3 e 4. O programador inclui dicas de melodias para serem usadas no newsgame e o número de cartas que ficariam disponíveis para o jogador em cada fase.

Figura 1

Fonte: Dados da pesquisa, 2014.

Já o desenho seguinte (Figura 2) mostra a tentativa do programador de detalhar para a equipe editorial, com pouca experiência em roteirização de jogos, o que ele estava visualizando como estrutura.

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Figura 2

Fonte: Dados da pesquisa, 2014.

Também é possível notar, à direita da Figura 2, uma série de números rasurados. São marcas de um momento específico, em que programador e equipe editorial tentavam, juntos, decidir quantas cartas o jogador precisaria escolher do total: 3 de 5 (Fase 1); 4 de 6 (Fase 2); 4 de 7 (Fase 3); 5 de 8 (Fase 4).

Esse documento específico mostra claramente duas características do percurso criador (SALLES, 2006): a dinamicidade e a incerteza. E também nos remete à questão da rapidez de decisões que geralmente é notada no jornalismo. Entre a quantidade de cartas ser definida e readequada se passaram apenas alguns minutos.

As mudanças foram realizadas em função da pressão de prazo – mais cartas exigiria mais tempo para apurar novas variáveis – e também para adequar o nível crescente de dificuldade nas fases, que é típica dos games.

Depois dessa escolha de cartas, a ‘resposta’ seria dada de duas formas. A primeira nas próprias cartas, que seriam marcadas por X, em caso de erro, e V, se estivessem corretas. Também apareceriam nas cartas anotações como “Ideal para iniciantes” ou “Braçada ideal”, por exemplo. Na piscina, abaixo das cartas, o atleta nadaria em linha reta, nas raias centrais, se o jogador tivesse determinado número de acertos, a depender da fase em que estivesse. Em caso de alguns erros, a trajetória desceria ou subiria, em direção às bordas da piscina, onde estão as piores raias. Erro excessivo ou total determinaria o fim do jogo.

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A partir dessas diretrizes, a equipe editorial precisaria trabalhar, dividindo a apuração em cartas possíveis e atribuindo a elas tanto a noção de certo e errado quanto graus de certo ou errado, marcados como + ou -. Para isso, os repórteres precisariam voltar à fase de apuração e entrevistas, complementando o material informativo existente até ali.

O programador fez para si esquema de cenários e personagens que precisaria para ilustrar o newsgame, como mostra a Figura 3:

Figura 3

Fonte: Dados da pesquisa, 2014.

O gabarito do jogo, com base no roteiro definido, foi entregue pela equipe editorial ao programador. Inúmeros ajustes precisaram ser feitos, como pode ser visto no esquema abaixo. Para efeito de simplificação, destacamos o trabalho de ajuste editorial feito na Fase 1. O que se lê é o texto original e o que está marcado, o que foi publicado no newsgame.

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FASE 1 – atleta tem entre 11 e 12 anos, nada 200 m: 5 itens, escolhe 3 TREINO

Nadar 7 mil metros na piscina (-2)

O treino em excesso é prejudicial ao atleta. O ideal é nadar diariamente 5 mil metros na piscina. Treino pesado

Musculação com carga (-1)

No início da adolescência, exercícios de hipertrofia podem comprometer o desenvolvimento físico. Atletas de nível avançado

Musculação com foco em movimentos (+1)

Para desenvolver as habilidades do atleta iniciante, os exercícios focam principalmente em movimento e equilíbrio. Ideal para iniciantes

Nadar 5 mil metros na piscina (+2)

É importante treinar a técnica na piscina todos os dias, mas sem exagerar. O recomendado é de 5 a 6 mil metros diários. Treino equilibrado

Equilíbrio (+1)

Os exercícios de atletas iniciantes devem focar principalmente em movimentos e equilíbrio. Ideal para iniciantes

ALIMENTAÇÃO Pão com salame (-2)

Atletas devem evitar o consumo de embutidos, pois possuem alto teor de gordura. Suco de laranja natural (-1)

Sucos naturais são ricos em fibras, cujo consumo deve ser limitado. Omelete com batatas (+1)

Esta é uma boa refeição para atletas, pois ovos têm proteínas e batatas, carboidratos. Proteína com carboidrato

Sanduíche de atum (+2)

Combo carboidrato e proteína. Proteína com carboidrato Um copo de leite (+1)

Rico em cálcio. COMPETIÇÃO

Frequência de braçadas alta (-2)

Em modalidades de longa distância, ideal é frequência de braçadas menor e mais alongadas. Modalidade de curta distância

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Duas pernadas para cada ciclo de braçadas (-1) Duas pernadas a cada braçada

Ideal são seis pernadas para cada ciclo de braçadas, em todas as modalidades. Frequência baixa

Braçada alongada (+2)

Em modalidades de longa distância, a braçada alongada é muito eficiente. Respiração dois por um (+1) Respirar uma vez a cada duas braçadas Quanto mais longa for a prova, mais vezes o atleta deve respirar. Prova longa

Ondulação submersa nos primeiros 10 m (+1) Mergulhar nos primeiros 10 metros Dentro do limite máximo (15m) permitido.

O que se pode notar é que a edição foi feita na maior parte das vezes para adequar o texto à quantidade de toques que poderiam ser colocados na carta, mas também ocorreram duas mudanças voltadas a aumentar a compreensão do jogador/leitor. A equipe editorial considerou que não se poderia exigir do jogador conhecimento prévio de algumas terminologias utilizadas na natação. É o caso de “Respiração dois por um”. A versão sem jargões técnicos foi mais explicativa e mais clara para leigos: “Respirar uma vez a cada duas braçadas”. Fenômeno semelhante ocorreu em “Ondulação submersa nos primeiros 10 m”, alterado para “Mergulhar nos primeiros metros”.

Conhecer esses índices de inacabamento só foi possível pelo acesso direto ao arquivo do Google Drive a partir do qual a equipe trabalhou. As informações originais foram depois confrontadas com o que se publicou no newsgame.

A exposição dos documentos de processo é algo ainda raro no jornalismo, embora algumas experiências nesse sentido tenham sido feitas. A que se considera mais completa –

por ter sido totalmente voltada para explicitar as fases de produção – foi feita pela revista Wired em 2008 (FREITAS, 2010). A intenção do autor da reportagem The Kaufman Paradox, Jason Tanz, era registrar seu processo de criação em um blog (www.spd.org). Na sugestão para editores, escreveu: “Vamos colocar tudo online. Digo tudo mesmo - o resumo, minhas anotações, nossos e-mails, marcas de edição, entrevistas em áudio, etc. [...] uma visão atrás da cena, mostrando como uma reportagem, esta reportagem, foi concebida, escrita e editada”.

Os leitores puderam interagir com o projeto e fazer sugestões. Uma linha de colaboração utilizada também por outra experiência de explicitar processos jornalísticos, desta vez realizada pelo jornal inglês The Guardian, entre 2010 e 2011. Em seu site, o Guardian passou a publicar uma lista com várias das reportagens que desenvolveria naquele dia – e os leitores poderiam contribuir com essas histórias por meio de sugestões no Twitter.

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No caso de Desafio Aquático, a equipe considerou relevante fazer um post no blog Em Foca, mantido pelo Estadão, no qual narrou as dificuldades para a idealização e a apuração de um newsgame. Os jornalistas explicam a escolha do formato de jogo para mostrar a preparação de um atleta e também tornam públicos os percalços: da falta de tempo e experiência ao volume de informações necessárias à montagem do jogo.

Em um dos trechos, os jornalistas escrevem: “O newsgame que você viu acima, aparentemente tão simples, esconde uma quantidade incrível de apuração, além de trabalho de roteiro e edição. Algo que ninguém da equipe nunca tinha feito antes.” Em outro momento, comentam:

Detalhes, detalhes, detalhes. Tivemos de conversar com atletas, técnicos, nutricionistas, psicólogos, médicos. O volume de apuração, muito provavelmente, foi maior que o necessário para construir uma reportagem tradicional. Quando achávamos que tínhamos acabado a fase de entrevistas, lá vinha uma nova dúvida. E foi assim até quase o fim do processo (BLOG EM FOCA, 2014).

Difícil não notar o uso da palavra processo no discurso. Os repórteres, todos jovens profissionais, ou focas, no jargão jornalístico, se dispuseram ainda a comentar alguns erros específicos: “Mesmo quando o game ficou pronto, ele não estava pronto. Opa, a piscina está escondendo o cenário, apareceu um “a” no final de Maria Lenk, o vencedor virou Deus e está andando sobre a água…” A disponibilidade de fazer o making of do jogo, neste caso, estava muito ligada ao caráter educacional da produção: os repórteres eram trainees do jornal e queriam compartilhar o aprendizado jornalístico que tiveram.

Conforme mencionado anteriormente, ainda é precária a documentação do processo de criação em jornalismo. Mas a análise desse material se mostra rica e desafiadora para pesquisadores. Nota-se que uma maior abertura em relação a esse processo poderia ser benéfica tanto para os leitores quanto para os veículos de mídia, que poderiam passar a contar com a colaboração destes.

O jornalista Dan Roberts, editor do The Guardian que ficou responsável por divulgar no site do jornal antecipadamente as notícias que seriam produzidas a cada dia, escreveu um texto sobre as lições tiradas da experiência. Segundo ele, qualquer vantagem competitiva que o jornal possa ter perdido – ao deixar os temas abertos a todos, inclusive aos concorrentes –

foi mais do que recompensada pelo volume de ideias e dicas dadas pelos leitores. Roberts fez questão de reproduzir parte do texto do blog Gigaom, especializado em tecnologia, ciência e mídia. “Em um passado não tão distante, a maioria dos jornais guardava mais segredos que

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um departamento de governo; o processo de produzir jornalismo diariamente era algo só revelado a membros da irmandade.”

Espera-se que este artigo seja uma contribuição e um incentivo para tornar mais explícitos os métodos de produção jornalística, mesmo que partindo de um caso específico, de um projeto com mais prazo e em um formato de newsgame, menos frequente nos veículos de comunicação.

REFERÊNCIAS

BOGOST, Ian; FERRARI, Simon; SCHWEIZER, Bobby. Newsgames: journalism at play. Massachusetts: MIT Press, 2010.

BOLTER, Jay; GRUSIN, Richard. Remediation: understanding new media. Cambridge: Routledge, 1999.

FREITAS, Carla. Do impresso ao digital: o texto jornalístico em mutação. Dissertação (Mestrado) - PUC/SP, São Paulo, 2010.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.

MAZOTTE, Natália. Na fronteira entre jornalismo e entretenimento, newsgame ganha espaço no Brasil. Blog Jornalismo nas Américas, Estados Unidos, ago. 2013. Disponível em: <https://knightcenter.utexas.edu/pt-br/blog/00-14237-na-fronteira-entre- jornalismo-e-entretenimento-newsgame-ganha-espaco-no-brasil>. Acesso em: ago. 2015.

ROBERTS, Dan. Lessons from our open news trial. Disponível em:

<http://www.theguardian.com/help/insideguardian/2011/oct/17/guardian-newslist>. Acesso em set. 2011.

SALLES, Cecilia Almeida. Redes da Criação: Construção da Obra de Arte. Vinhedo: Horizonte, 2006.

__________. Gesto Inacabado: o Processo de Criação Artística. 3 ed. São Paulo: Annablume, 2007.

SALAVERRÍA R.; GARCÍA AVILÉS. J.A.; MASIP P.M. Concepto de Convergencia Periodística. In: LÓPEZ GARCÍA, X.; PEREIRA FARIÑA, X. Convergencia Digital. Reconfiguração de los Medios de Comunicación en España. Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela, 2010.

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