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UM OLHAR ENTRE OS NÓS DA REDE NO PROCESSO JORNALÍSTICO Produção não-linear

No documento Processos de criação em debate (páginas 158-165)

Ainda que a dinâmica de cobertura da imprensa seja fixada por etapas sequências de produção (pauta, apuração, edição e revisão) e que até podem remeter a uma cadência linear, a ação dos profissionais da área dá-se em conexões, fluxos e contra fluxos descontínuos. Desse modo, do conceito linear de início, meio e fim de um trabalho, alçamos à dinâmica das inter-relações. A etapa final de uma edição pode, por exemplo, alterar o início de uma reportagem, em uma dinâmica fragmentada.

Podemos ponderar sobre a tendência não-linear por uma análise em torno da notícia, não em sua acepção conceitual, mas centrada em sua dinâmica de produção. Erbolato (2008, p.56) aponta a notícia como elemento mais importante da prática jornalista. Da identificação do acontecimento - entendido como fenômeno de percepção do sistema - para a geração do sistema e consequente produção (ALSINA, 2009) perpassam camadas acionadas em uma ordem multidirecional a que propomos refletir.

Mouillaud (2012) desenvolve esse pensamento sobre a não linearidade do fazer jornalístico pela analogia a um jogo de futebol. Nenhum espectador viu “uma” partida considerando que ninguém seria de fato capaz de captar a ‘totalidade’ de um jogo da cadeira de espectador no estádio, do sofá do telespectador, do posto do comentarista ou mesmo do banco de reserva. Uma vez que para a disputa ser captada, seria necessário fisgar, de uma só vez, “uma grande quantidade de relações fugindo de uma multiplicidade de focos” (MOUILLAUD, 2012, p.62). Assim, o que se tem, são perspectivas fragmentadas, alçadas ao patamar de notícia.

Ao ter seus fragmentos reunidos “em uma dada ordem, ganha sentido. Que seria outro, se a ordenação dos fragmentos fosse diferente” (PEREIRA JÚNIOR, 2010, p. 25). A disposição desses fragmentos, ou seja, a seleção dos dados a serem processados, não é apreendida por sua sequência linear, mas por um percurso sem hierarquias, que varia de acordo com as interconexões intuídas no processo de elaboração.

Pereira Júnior (2010) observa que o acontecimento jornalístico por excelência é uma versão do que se tornou padrão. Na medida em que aquilo que se considera como o real, começa a virar “fato” ao ser “enquadrado” por certas convenções e procedimentos. O que nos interessa é refletir sobre as implicações resultantes das diferentes dimensões do acontecimento

jornalístico. Para Costa Pereira, o mais significativo incide na imagem de que o ato de noticiar é uma forma de propor um mundo entre aspas:

Entre o acontecimento e o público muitas camadas se intrometem. Os sentidos, o repertório do sujeito e sua vivência atuam no ato de captação das informações, que não é feito no vazio. Há também um saber prático, acumulado pela comunidade profissional. (PEREIRA JÚNIOR, 2010, p. 27).

Ele aponta para os efeitos da fragmentação informativa, característica também identificada por Alsina (2009). Já que a totalidade do fenômeno só é possível através de cenas parciais ou pelo sistemático isolamento de outros enquadramentos “[...] a fragmentação informativa promove a descontinuidade da percepção e, com ela, a necessidade de novas conexões entre os eventos” (PEREIRA JÚNIOR, 2006, p. 28).

Salles (2006) identifica essa característica não-linear como índice de um processo constitutivo da criação, ao dialogar sobre diferentes meios, pela perspectiva da ambiência das redes como criação. “Ao mesmo tempo, as permanentes referências a temas ou exemplos anteriores ou futuros evidenciam a não linearidade dos eventos constitutivos da criação. São índices da trama da criação”, (SALLES, 2006, p.171).

Ao adentrar sobre a dinâmica de cobertura da imprensa, temos evidenciada a não linearidade como um princípio direcionador do processo jornalístico. Uma vez que esta potencialidade vigora por todo o percurso da rede formada em sua produção.

Criação conexa ao coletivo

Outro direcionador que influi na dinâmica de produção do jornalismo é sua articulação pelo fazer coletivo e processual, em consonância à discussão já exposta neste estudo. Uma vez que a produção, mesmo quando realizada em escala individual, acontece como uma trama tecida e estruturada nas relações, ela baseia-se no conceito de criação colaborativa.

A referência à complexidade deve-se pela interação do coletivo, entremeado à escala individual da produção. A Jornalista Aline Grego (2000, p. 41) aponta para o emaranhado de sujeitos envolvidos e identifica o que denomina como singularidade do fazer jornalístico de ser, como um “[...] um processo coletivo, o que o torna mais complexo”.

Dessa forma, a produção da notícia passa a vigorar neste contexto, em que mais interlocutores atuam na produção ou retroalimentação desse sistema. Trata-se de um movimento que estabelece interconexões e coletividade à rede e isto acontece de forma

multidirecional. Sobre essa tendência, Paulo Mussoi (2010, p. 56), diretor de interatividade e blogs de O Globo de 2002 a 2010, afirma que “[...] se torna quase imprescindível ao jornalista do século XXI aceitar que ele não é mais o único responsável por decidir o que é notícia. Esse poder está, cada vez mais, inexoravelmente, nas mãos dos leitores também”.

Um percurso onde a ação está sujeita ao outrem, às interações e às concepções de diferentes sujeitos. Estes, por sua vez, recebem influência externa; seja da linha editorial da empresa, do contexto sócio-político, dos leitores, dentre outros.

Neste contexto, a referência à rede no universo das elaborações jornalísticas é desenvolvida, neste estudo, em diálogos conceituais da crítica de processo no contexto das criações coletivas que se desenvolvem em meio ao processo jornalístico.

Interação na rede

A cobertura jornalística, quando pensada pela perspectiva processual, evidencia a dinâmica de interação em seu processo de produção. Da reunião de pauta matinal, às entrevistas em campo, ou na edição da reportagem, percursos de interação, em meio ao processo laboral contínuo dos jornalistas.

Tendência pulsante, não apenas no contato entre a equipe profissional da área, mas onipresente no processo jornalístico, seja na influência com as fontes da notícia, na relação junto ao contexto onde os fatos retratados ocorrem, na vivência individual do profissional. Não é possível limitar os momentos de interação neste percurso.

Mesmo que a tendência à interação adquira maior ênfase com a tecnologia, é um elemento constitutivo do jornalismo. Podemos esboçar essa relação inseparável da comunicação no contexto social e, consequente, mecanismo de interação, na discussão elaborada por Bordenave (1982, p. 17) onde defende que “[...] a comunicação não existe por si mesma, como algo separado da vida em sociedade. Sociedade e comunicação é uma coisa só. Não pode existir sociedade sem comunicação”.

O teórico da comunicação evidencia a inerente relação comunicação/sociedade, que assume na possibilidade de interação sua prática constitutiva. Estamos falando de um percurso singular de produção cuja variabilidade assume nesses nós de interação um de seus princípios direcionadores em meio ao processo contínuo da imprensa.

Mesmo no conceito de mensagem jornalística como informação está implícito a ideia de interação, em uma espécie de interação processada de forma global, para assim atender a necessidade da sociedade urbana que já não podia sozinha interagir com a comunidade de

forma a abranger sua totalidade. “Para o homem que se afasta do núcleo primitivo de uma sociedade tradicional e transita no espaço extenso e complexo do núcleo urbano entrelaçado com muitos outros núcleos urbanos, os problemas de informação se avolumam”, (MEDINA, 2008, p. 15).

Ainda que nossa atenção não esteja na discussão conceitual da informação jornalística, trazemos essa reflexão com intuito de apontar a ideia implícita da interação como produto da comunicação coletiva. Mas muito mais nos interessa pensar a interação no campo do fazer jornalístico e refletir sobre os direcionamentos que disso propulsam. Pois são caminhos de influências mútuas, mesmo inconscientes, mas que estabelecem conexões e retroalimentam o percurso de produção, gerando a transição de uma rede simples para uma mais complexa.

A tendência de interação, embora já inerente ao trabalho da imprensa, é potencializada com a tecnologia. Na produção noticiosa, por exemplo, há expansão dos interlocutores, na medida em que há um leitor que produz notícia. Ele tem a possibilidade de “produzir, junto com a redação formal do veículo que ele acompanha, um conteúdo mais adequado às suas necessidades” (MUSSOI, 2010, p. 57).

Outra dimensão na discussão acerca da interação como princípio direcionar, e que tem significância no jornalismo, é a imprevisibilidade. Não sendo recomendável, determinar os desdobramentos sobre determinado processo. Uma vez que os caminhos podem ser reprogramados, a partir da interação dessa rede em constituição.

Quando adotamos o paradigma das relações, colocamos as interações do processo em centralidade, em outras palavras, a interconectividade da rede. Para Salles (2006, p. 24), em diálogo com Gilles Deleuze e Félix Guattari, os elementos de “interação são os picos ou nós da rede, ligado entre si: um conjunto instável e definido em um espaço de três dimensões”. A interação é concebida nos estudos da crítica de processo como uma propriedade da rede indispensável para “falarmos dos modos de desenvolvimento de um pensamento em criação” (SALLES, 2006, p. 26).

Trazemos essas reflexões sobre a interação no contexto do jornalismo, pelo instrumental da crítica de processo, como direcionadora no percurso de investigação do pensamento em criação.

Mediação

O jornalismo como processo atua no campo das significações. Sentidos produzidos em meio à mediação do comunicador em seu contexto de atuação, que vão compondo-se a cada

apuração. Percurso em que a atuação do profissional produz significado nesta tessitura coletiva.

A imersão na dinâmica de produção da área evidência o mecanismo da mediação como atrator do processo, no sentido de vigorar como uma espécie de campo gravitacional da atuação jornalística. Tendência identificada como um modo de ação que persiste por toda a dinâmica de trabalho da imprensa e cuja variabilidade atua como direcionadora, no sentido de reger um modo de ação na área.

Künsch (2000) aponta para a presença do jornalista–mediador ao refletir sobre a entrevista jornalística, como um diálogo interativo entre os sujeitos. Tendência que opera não apenas em uma produção da área, mas atua em todo o processo de criação do jornalista.

O alcance das significações geradas a cada reportagem é destacada por Eliane Brum (2013), onde não apenas evidência essa dimensão, como algo intrínseco à rede de sujeitos envoltos na tessitura coletiva de uma reportagem, como também a baliza como responsável por sua transformação como sujeito. “Se um dia eu voltar a mesma de uma viagem para o Amapá ou para a periferia de São Paulo, abandono a profissão”, conta Brum (2013, p. 9) ao lembrar que renasce e se recria a cada reportagem.

Ao apontar a presença do sujeito jornalista na reportagem, Brum supera a dicotômica relação escritor/escrituras, e reconhece a atuação de diferentes sujeitos e interconexões, onde ela mesma é parte envolta e partícipe da metamorfose processual.

Isso em um contexto de apuração em que a referência à mediação não é apenas concreta, em termos de contato com pessoas recorridas para obtenção de dados, mas imaterial no tocante às relações culturais, econômicas, estruturais, entre outras.

Significações e descobertas que nem sempre estão estampadas em falas aspadas ou na composição orquestrada de uma reportagem:

É preciso calar para ser capaz de escutar o silêncio. Olhar significa sentir o cheiro, tocar as diferentes texturas perceber os gestos, as hesitações, os detalhes, apreender as outras expressões do que somos. Metade (talvez menos) de uma reportagem é o dito, a outra metade o percebido. Olhar é um ato de silêncio. (BRUM, 2013, p 191).

Aqui podemos trazer a discussão de que tratamos de um conceito de criação no contexto da mediação em que temos as marcas da subjetividade, no permanente embate com a dita objetividade jornalística. Um preceito de influência positivista-funcionalista, a objetividade que embora inatingível, ainda vigora como um dilema operante na prática comunicacional e nas práticas científicas.

Há diferentes dimensões que atuam na ‘rede do processo jornalístico’. Embora as produções tenham singularidade, há um campo gravitacional comum, que denominamos como princípios direcionadores do processo. Dessa forma, olhar a cobertura jornalística também por seu processo possibilita pensá-la por sua complexidade. Percurso investigativo que vai além do produto final, resultante na matéria jornalística. Isso porque até mesmo a linguagem jornalística é constituída de forma que essas significações não sejam perceptíveis. Para refletir a complexidade em que os produtos midiáticos são elaborados, faz-se obrigatório passar pela singularidade da atividade, que também é tecida como uma rede de interconexões, firmada pelo ato coletivo o qual é transformado numa estrutura única, mas não menos complexa, formada por hesitações, acréscimos, apagamentos e até mesmo ausências que só serão descobertas por meio do estudo do processo genético.

REFERÊNCIAS

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O MOVIMENTO CRIATIVO EM QUEM CONTA UM CONTO, AUMENTA UM

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