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POEMAS DO GRANDE SERTÃO: DISCUTINDO A “ABSOLUTA FIDELIDADE” DE RENATO CASTELO BRANCO

No documento Processos de criação em debate (páginas 175-178)

Lia Raquel Rodrigues de Sousa54 Márcia Ivana de Lima e Silva55 Nada é mais empolgante do que ver-se,

transmudado em segundos.

Renato Castelo Branco

INTRODUÇÃO

A escrita, o exercício de transpor para o papel algo que é resultado de processos de consciência transformados em palavra, levou a iniciar a discussão em torno da “absoluta fidelidade”, que Renato Castelo Branco, na sua obra Poemas do grande sertão (1993), diz manter aos clássicos nacionais que lhe serviram de inspiração.

A obra Poemas do grande sertão (1993) está dividida em dois momentos e cada um deles foi inspirado em um clássico da literatura brasileira. O primeiro, em GrandesSertão:

veredas (1986), de João Guimarães Rosa; e o segundo, em Os Sertões (1984), de Eucludes da

Cunha. Ao propor a discussão da “absoluta fidelidade” de Castelo Branco, optou-se por abordar poemas que compõem o segundo momento de seu livro, especificamente, os que estão sob os títulos: “O vaqueiro”, páginas 38 a 39; e “A vaquejada”, páginas 43 a 44; inspirados na obra Os Sertões (1984) respectivamente sob os títulos “O vaqueiro” (páginas 122 a 124) e “A vaquejada” (páginas 128 a 130).

A escrita de Renato Castelo Branco encontra no conto Pierre Menard, autor do

Quixote de Jorge Luis Borges (1989), semelhanças que abordam o laborioso ato de escrever e

reescrever de clássicos da literatura nacional e internacional como o Dom Quixote de la

                                                                                                                         

54Cursou Licenciatura Plena em Letras Espanhol pela Universidade Estadual do Piauí-UESPI (2012);

Especialização em Crítica Genética e Organização de Arquivos pela Universidade Estadual do Piauí-UESPI (2015). É Membro pesquisadora do Núcleo de Estudos em Memória e Acervo-NEMA/UESPI cadastrado no CNPq (desde 2010). Técnica em Biblioteca pelo Instituto de Educação Antonino Freire-IEAF (2015). Cursando Especialização em Educação a Distância pela Universidade Estadual do Piauí-UESPI. É tutora a distância do curso de Licenciatura Plena em Letras/Espanhol-UESPI/UAB/NEAD (2015). E-mail: liaraquel.rodrigues7@gmail.com

55Cursou Licenciatura em Letras (Português e Alemão) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1986);

Mestrado e Doutorado em Teoria Literária pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1991 e 1996). É professora do Instituto de Letras da UFRGS. Pesquisa criação literária, com ênfase em Crítica Genética. Coordena o acervo de Guilhermino Cesar. Tutora PET Letras. E-mail: paramarciaivana@gmail.com  

Mancha (2004), Os Sertões (1984) e Grande sertão: veredas (1986). Para refletir sobre o

processo de escrita dos poemas do livro de Castelo Branco, bem como discutir a fidelidade do autor ao clássico que deu origem ao segundo momento de sua obra, utilizou-se o datiloscrito que trata do processo de criação de Poemas do grande sertão (1993) e do livro Os Sertões (1984), de Euclides da Cunha. Seguiu-se, para tal análise, um referencial teórico metodológico predominantemente bibliográfico e documental, buscando refletir sobre uma questão pessoal e empírica a partir de suposições.

Este texto foi produzido a partir da leitura e da seleção de dois dos poemas de Castelo Branco e da seleção dos trechos no livro Os Sertões (1984), que lhes deram origem. Seu cunho é qualitativo e quantitativo, na medida em que os poemas são descritos, analisados e comparados aos trechos da obra que os originou, nos quais cabem estudos de metrificação e rima.

A análise dos dados obtidos se deu indutivamente, através da interpretação dos fenômenos observados e da atribuição de significados que foi dada a estes. Portanto, o corpus da análise são os dois poemas escolhidos da obra publicada, acima referidos, analisados sob a perspectiva dos estudos e das abordagens da Crítica Genética, sendo relevantes as colocações de Salles (2004,2008), Willemart (1990, 2000, 2005, 2009), Lima (2009), bem como as contribuições da Teoria Literária com Compagnon (2010).

O estudo do corpus leva à verificação da “absoluta fidelidade” que, tanto Renato Castelo Branco, quanto Jorge Luis Borges dizem manter às obras que originaram suas produções.

A REESCRITURA DE RENATO CASTELO BRANCO56 EM POEMAS DO GRANDE

SERTÃO

Poemas do grande sertão foi publicado em 1993. É um livro de poemas com 57

páginas, das quais 45 formam os dois momentos da obra. O primeiro, sob o título de “Poemas

                                                                                                                         

56Renato Pires Castelo Branco nasceu no ano de 1914 em Parnaíba no Piauí e faleceu em 1995 em São Paulo.

Aos 18 anos deixou sua terra natal para concluir seus estudos e trabalhar no Rio de Janeiro. Como a maioria dos jovens de sua época, formou-se em Direito. Foi advogado, publicitário, jornalista e escritor. Fez carreira publicitária em São Paulo, dedicando 50 anos de sua vida à publicidade e tornando-se referência para os publicitários de sua geração e os da geração atual. Fez cursos de pré-história em Paris. Foi membro das Academias Piauiense e Parnaibana de Letras do Piauí. Na área literária, cultivou os gêneros lírico e narrativo, especializando-se no romance histórico. Escreveu também poemas, estes procuram mostrar temas atuais e variados como: alegria, tristeza, indignação, esperança, ternura e um profundo amor ao homem e ao Brasil. Esteticamente, sua poesia é simples, seus versos são trabalhados de maneira paulatina, com rimas em linguagem clara e concisa. Seu acervo digital encontra-se atualmente no Instituto de Estudos Brasileiros – IEB/PUC de São Paulo.

do grande sertão”, traz 14 poemas inspirados em Grande sertão: veredas (2004), de João Guimarães Rosa; o segundo momento é representado com o título “Os sertões”, sendo que seus 12 poemas nasceram da obra do mesmo título, de Euclides da Cunha. As páginas seguintes do livro dão conta das críticas à primeira edição do poema “Os sertões”, trazendo as apreciações de críticos de diversos jornais da década de 40, quando este foi publicado individualmente, como as opiniões de: Edmundo Moniz do Carioca no Rio de Janeiro em 13 de março de 1943; Eloy Pontes do Globo no Rio de Janeiro em 3 de julho de 1943; J. O. Orlandi do O Estado de São Paulo em 15 de abril de 1943 e Lemos Brito do A Vanguarda no Rio de Janeiro em 29 de março de 1943.

A reescrita de Castelo Branco retoma o já escrito de um modo singular, pois o autor inspira-se na narrativa de Euclides da Cunha ao selecionar trechos nos quais considera possível a metrificação e a rima para escrever seus poemas, algo que se assemelha à proposta de Jorge Luis Borges em seu conto Pierre Menard, autor do Quixote (1989).

Ambos os escritores imitam o existente, porém, Castelo Branco o recria, dando sua versão particular. O escritor piauiense, tal qual coloca Aristóteles (s.d), ao afirmar que o poeta imita as coisas de maneira distintas e diversas, glosou as obras de Euclides da Cunha influenciado pela pulsão de ver (Willemart, 2009, p. 3).

Castelo Branco se deixou tocar por algo já presente, contornando, apalpando, investigando seu objeto de inspiração para entender todos os seus segredos, passando pela

pulsão de ouvir (Willemart, 2009, p. 3) para, a partir das vozes ouvidas, submeter-se a essas e

produzir os próprios poemas. Seus poemas tratam de temas atuais, velhos conhecidos do homem que ele tanto estima – o sertanejo nordestino –, como: alegria, tristeza, indignação, esperança, bem como certa ternura para com a terra e o homem, os quais inspiram sua lírica.

Castelo Branco é dono de uma poesia esteticamente “simples”, na qual os versos são trabalhados de maneira paulatina e as rimas trazem uma linguagem concisa, clara. Márcia Edlene Mauriz Lima (2009, p. 107) sugere que sua linguagem é o ponto de destaque de todos os poemas que escreve “pela transparência com que organiza e distribui o jogo estético de imagens, trabalhando, assim, cada vocábulo”. Assim, o pensamento que Castelo Branco imprime em seus poemas traz ao leitor a imagem de um homem e um autor atento ao contexto cultural de sua época; sua escrita se comunica de forma pessoal e humana com o receptor, ao transformar prosa em uma poesia tão íntima daquele que nela, e por ela, é retratado.

POEMAS DO GRANDE SERTÃO: MARCAS GENÉTICAS DE UMA REESCRITURA

No documento Processos de criação em debate (páginas 175-178)