• Nenhum resultado encontrado

ESTUDO CRÍTICO E GENÉTICO DE HISTÓRIA DA PAIXÃO DO SENHOR

No documento Processos de criação em debate (páginas 43-49)

De 1961 a 1978, o texto da peça foi modificado por João Augusto. O testemunho HPSTVV1[61] apresenta várias alterações genéticas, algumas delas consideradas nos testemunhos HPSTVV2[61] e HPSCOREG-AN-DF[78]/HPSETUFBA[78].

Para edição e estudo crítico e genético, foi selecionado, no conjunto dos testemunhos de História da Paixão do Senhor, HPSTVV1[61], por se tratar de um datiloscrito com modificações autorais. Optou-se pela edição genética desse texto. Conforme Almuth Grésillon (2007, p.91),

[...] as edições genéticas visam à publicação de manuscritos mostrando o trabalho do escritor. A edição genética não tem como objeto a publicação de uma obra textual, mas a edição do que se encontra aquém: um certo estado inacabado ou ainda virtual, da escrita. Ela não estabelece um texto, mas procura tornar visível e inteligível uma etapa de sua gênese ou o processo integral que a originou.

Dessa maneira, a partir da edição, que não será objeto deste trabalho, fez-se o estudo do processo de criação de João Augusto.

No datiloscrito, observam-se algumas rasuras que diferem daquelas, manuscritas. Registram-se casos de supressão e substituição por sobreposição no texto datilografado, além da utilização do recurso da cor da tinta, vermelha, para as rubricas, e preta, para o restante do texto. As alterações manuscritas feitas em HPSTVV1[61] podem ser classificadas em rasuras de substituição, supressão e acréscimo, conforme se poderá observar nos excertos selecionados para análise. A seguir, foram destacadas algumas das rasuras para mostrar o processo de criação de João Augusto nesse texto da peça.

Figura 1 – Rasuras na f.1 de HPSTVV1[61

Fonte: João Augusto, [1961a], f.1

Nota-se, no texto destacado, que há uma rasura10 de supressão seguida de substituição.

Essa alteração genética, mais tarde, foi observada nos dois testemunhos posteriores. Aqui, João Augusto suprimiu velhos à caneta de tinta azul, com dois traços na horizontal sobre a palavra, e a substituiu na entrelinha por grandes: “segundo os velhos [↑grandes] mestres:” (Fig.

1). Outras rasuras são de revisão do texto, acréscimo da letra “u” em Arno[u]ld, do acento agudo em Mistério; a substituição por sobreposição em Jacopone, na qual ele sobrepõe a letra

“n” à letra “m”, a letra o sobre a letra i (emenda datiloscrita); e, na última linha, em Froés,

nota-se também uma rasura de substituição por sobreposição: “e” sobre “i” (emenda datiloscrita). Há a inserção de “[Paul Claudel (A via Sacra)]”, abaixo da segunda linha. Faz uma

anotação à margem do texto, “abrir”, e usa um grande parêntese esquinado para indicar tal

intervenção, separando as informações relativas aos textos tomados para adaptação e a indicação dos responsáveis pela adaptação e tradução de tais textos.

                                                                                                                         

10 Na descrição e transcrição de textos, utilizaram-se os símbolos: abc (supressão); abc /a| (substituição

por sobreposição); abc [↑abc] (substituição por supressão e acréscimo na entrelinha superior); [abc] (acréscimo). Os trechos manuscritos foram transcritos em fonte Lucida Calligraphy, tamanho 10. Fez-se o uso da barra inclinada para a quebra de linhas.

O texto reconstituído pelo editor, levando em consideração todas as alterações manuscritas e datiloscritas realizadas por João Augusto, ficaria assim:

HISTÓRIA DA PAIXÃO DO SENHOR Segundo os grandes mestres:

Arnould Greban (Mistério da Paixão) Jacopone da Todi (O Pranto da Madona) Paul Claudel (A Via Sacra)

adaptação de João Augusto tradução de Estela Fróes

Na f. 2, é possível notar que há rasuras de supressão em “determinada”, eliminando a primeira sílaba, resultando em “terminada”. Registram-se casos de substituição por sobreposição, de supressão e de substituição por supressão e acréscimo na entrelinha superior: “sae/i\m os dois [↑profeta]” (sai o profeta), a ser acrescentado depois de “Escurece” (Fig.2).

Nota-se, depois de “será suspenso numa cruz”, um acréscimo de um x e, a seguir, o número 1

Figura 2 – Recorte na f.2 de HPSTVV1[61]

Fonte: João Augusto [1961a], f. 2

No ângulo esquerdo, ao lado da fala de Corifeu, nota-se o desenho de um círculo e, em seu interior, está escrito “veja anexo”, outro círculo menor com a letra “x” e o número “1”, e ainda um “x” do lado externo do círculo maior. Como rasura datiloscrita, tem-se uma supressão em “espinhoso” de “os” resultando em “espinho”.

No anexo, “Pg.2”, traz o texto que fora acrescentado, com algumas anotações manuscritas. Registra-se, entre parênteses, o número 1, no interior de um círculo, à esquerda

da fala que corresponde ao texto que completa o da folha 2. Abaixo da fala de Corifeu, uma anotação entre parênteses, em tinta azul, remete para a folha 2 (ver rubrica / pg 2). Tem-se, à

frente, uma seta (→) que direciona para parte da rubrica que se apresenta na íntegra na folha 2 (Escurece. Sai o Profeta. /A forma-branca move-se e ajoelha-se. /Fala depois) (Fig.3). Confira as

Figura 3 – Recorte no anexo “p. 2” de HPSTVV1[61]

Fonte: João Augusto [1961a], “p. 2”.

Considerando o texto da folha 2 e o acréscimo feito no anexo “p.. 2” e alterações genéticas ali realizadas, chegou-se ao texto reconstituído pelo editor, a saber:

CORIFEU - Um Deus que morrerá por nossa causa. É preciso res- gatar o mal dos outros, as nossas culpas. Ele que deu

ao povo o cetro da realeza receberá uma coroa de es- pinho. Ele que exaltou o povo com grande poder

será suspenso numa Cruz. Sofrendo ele deve remediar o mal. Entre dores e amargura vai resgatar nossa culpa, a fim de que se cumpra as Escrituras. Há de sofrer torturas estendi- do na Cruz. Seu corpo será destroncado. Seu rosto será cuspido. Suas 2 mãos feridas. Seu corpo maltratado. Depois... Não haverá mais crime sem um Deus em cima. Não haverá mais uma cruz sem o Cristo. A Cruz será longa e difícil.

A cruz será dura e pesada, como é pesado o peso dos nossos pecados! Ah, como será difícil levá-la - passo a passo – até morrer sobre ela. E será Ele que levará –sozinho – tudo isso. Pois é preciso carregarmos a Cruz, antes que a Cruz nos carregue.

Escurece. Sai o profeta.

A forma-branca move-se e ajoelha-se. Fala depois de terminada a música.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, realizou-se um estudo crítico e genético do texto História da Paixão

do Senhor de João Augusto, pautando-se na orientação dos trabalhos de Grésillon

(2007[1994]), Silva (2003), Biasi (2010) e Matos (2012), a fim de que se tornassem evidentes possíveis leituras que os movimentos de escrita podem suscitar no processo de criação de um texto, visto que a edição genética incide no estudo aprofundado dos movimentos de escritura de um texto permitindo a identificação desses movimentos e a realização da leitura crítica. REFERÊNCIAS

AUGUSTO, João. História da Paixão do Senhor. Salvador, [1961a]. 12 f. Acervo do Teatro Vila Velha.

AUGUSTO, João. História da Paixão do Senhor. Salvador, [1961b]. 9 f. Acervo do Teatro Vila Velha.

AUGUSTO, João. História da Paixão do Senhor. Salvador, [1978]. 12 f. Acervo da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia.

BIASI, Pierre-Marc de. A genética dos textos. Tradução Marie-Hélène Paret Passos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010.

GRÉSILLON, Almuth. Elementos de crítica genética: ler os manuscritos modernos. Tradução Cristina de Campos Velo Birck et. al. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007[1994].

LEÃO, Raimundo Matos de. Abertura para outra cena: O moderno teatro na Bahia. Salvador: Fundação Gregório de Mattos: EDUFBA, 2006.

MATOS, E. S. D. Edição Genética. In: BORGES, Rosa et. al. Edição de texto e crítica filológica. Salvador: Quarteto, 2012. 230 p.

SILVA, Ana Claúdia Suriani da. Linha reta e Linha Curva: edição crítica e genética de um conto de Machado de Assis. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003.

DE LA VOZ A LA ESCRITA: (AUTO) TRADUCCION Y (RE) CREACION

No documento Processos de criação em debate (páginas 43-49)