"T ra nsdisciplina rida de , Saúde Coletiva e
H istória "
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Nilson Alves d e Mo r aes
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A
presentando uma proposta de "Trans-disciplinaridade e Saúde Coletiva",zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Naomar de A lmeida Filho mais uma vez pro -vo ca - co m usual co mp etência - um d ebate necessário . O artigo, na verdade uma pro -posta, fundamenta-se e refere-se a autores e mo d elo s analíticos que influenciaram viva-mente - no s últimos vinte ano s - profissio-nais e militantes de saúde no Brasil.
Este trabalho exige uma reflexão prévia, co ntextualizado ra d o tema sugerid o . Inter, trans e multidisciplinaridade são alguns do s desafios e exigências po sto s ao s profissionais de Saúde Coletiva, e não são p o uco s aqueles que acreditam que estes pro ced imento s ou atitudes representam no vidade o u co nquista recente. Faz parte d o pro jeto do s Mo derno s que se imp õ e no século XVIII a idéia do intelectual, artista, técnico e cientista co mo portador ou aquele que do mina determinado campo , fazend o emergir e acelerand o a es-pecialização e a co ncentração de saberes e po deres, afastando -se d o geral e conjuntural em busca do particular. Na verdade, saberes e práticas sociais eram - na antigüidade clás-sica - necessária e o riginalmente articulados entre si e co m diferentes níveis simbó lico s presentes no co tidiano d o s indivíduos e so -cied ad e.
Intelectuais, artistas, cientistas e técnico s empenham-se em desvendar o s caminho s que co nso lid am tal p ro cesso de p ro d ução de verdades em diferentes do mínio s, co m o
res-posta a uma conjuntura que acusa o esgota-mento dos modelos de compreensão e de intervenção nas relações sociais, estéticas, científicas e produtivas. Convive-se, nas duas últimas décadas, com a certeza de que as relações individuais, coletivas, técnicas, téticas ou institucionais encontram-se es-gotadas.
Qualquer pessoa, instituição ou discipli-na, em qualquer situação , aprend eu e anun-cia a "crise de paradigmas", a perplexidade diante da co nstatação da fragilidade, a incap acid ad e ou inexatid ão das fronteiras -arbitrárias, quand o existentes - e do s esque-mas disciplinares de p ro d ução d e saberes de darem co nta das d emand as reclamadas p elo pró prio co nhecimento . Ninguém ignora que, a "crise" não constitui fato iso lado , nem diz respeito apenas ao mund o d o co nhecimento . Partimos da idéia de que as ciências que falam d o ho mem e d e seu mund o relacional nunca foram "muradas", co m o pretendiam os mo d elo s pro duzido s po r New ton ou Descar-tes, permitindo repetido s vazamento s, dada a natureza d o o bjeto . Aí se incluem as repeti-das crises da med icina e repeti-das instituições de
saúde; d o mo d elo d e racio nalidade assistencial e ed ucacio nal; d o mo d elo assistencial-estatal; e, mais especificamente, d o discurso
e pro jeto de "Refo rma Sanitária".
Qualquer que seja a perspectiva que se po ssua so bre Saúde Coletiva, ela será, po r
necessid ad e d o méto d o e d o o bjeto , transdisciplinar. Parâmetro s que orientavam dife-rentes relaçõ es e co ncep çõ es foram lançado s
às fogueiras que elas próprias ajudaram a ==1 Livre-Docente d o Departamento de Saúde Co
le-tiva, UNIRIO.
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constituir. Superar limites científicos,
Quand o , em 1986, a UNESCO organizou em Veneza o Simpó sio "A Ciência e as Fron-teiras do Co nhecimento : O pró lo go de no sso passado cultural", vivia-se intensamente uma angústia; de um lado, o d esencantamento d o mundo (a chamad a crise do s grandes mo d e-los de co nhecimento s, uto pias e relaçõ es so cietárias), e, de outro lado, o d esencantamento co m a ciência (das teorias, meto d o lo -gias e mo d elo s de racionalidades), limites que não co mpo rtavam certezas, expectativas e discursos produzidos ao lo ngo do s últimos século s. Neste sentido e conjuntura, a pala-vra p e rp le x id ad e p assa a ac o m p an h ar ritualisticamente cad a g esto , d iscurso o u co nstatação . Por diferentes e antagô nicas ra-zõ es, o s brasileiros, particularmente o s intelectuais e militantes identificados co m o mo vimento sanitário, viveram e ajudaram a pro -duzir d iferentes p arad o xo s científico s o u político-institucionais.
No Simpó sio de Veneza foi produzida
uma Declaração que constatava o emparedamento e esclero samento das instituições e do s saberes co ntemp o râneo s em áreas ou
campo s co mpartimentalizado s e, po r vezes, antagô nico s, e apo ntava seis reco mend açõ es: superação d o s abismo s entre as ciências da
vida e as ciências d o ho mem; complementariedade de perspectivas entre p ensamento científico e p ensamento selvagem;
transdisci-plinaridade; no v o s méto d o s e o rientaçõ es ed ucacio nais; ética científica e p ro cesso s d ecisó rio s mais íntegro s e co mpartilhad o s
co letivamente; co nhecimento s mais universalistas. Estas reco mend açõ es partem da co n-cep ção de que o saber científico é apenas ou
principalmente um saber hipo tético , e devem ser encaradas numa perspectiva em que o saber científico exige - mínima e co
nsciente-mente - atitudes antidogmáticas, antideterministas, imperfeitas e temporárias.
As co ntribuiçõ es d e Prigo gine e Stengers, Castoriadis e Morin p ro v o cam a necessid ad e de repensar o s caminho s em que a ciência se co nstituiu, co nsid erand o -a no que ela entend e co m o verdade, materialidade, lógica e, mesmo , sua co mp reensão de ho mem. Estes autores d emo nstram que além da crise dos grand es mo d elo s, d ev e-se co nsid erar que qualquer esfo rço em reo rd enar o real e o co nhecimento esbarra em d escréd ito s e des-co nfianças. Os ano s 90 tro uxeram a necessi-dade de ro mper o grande e reo rd enad o r mito da razão . Razão co mp reend id a co m o sistema lógico-discursivo unificado r de saberes, téc-nicas, estéticas e po líticas.
A inter, trans e multidisciplinaridade re-tomariam um mo vimento reflexivo no exercí-cio da crítica, na relação entre produtor do co nhecimento , seu pro duto e aquele a quem se destina. Sabe-se que não basta "alargar as fronteiras disciplinares", não é suficiente a ação paralela ou justaposta de dois ou mais saberes e práticas. O d ebate se d eslo ca para a d imensão meto d o ló gica e para aspecto s d esco nsid erad o s na co nstituição d aquele mo d elo científico (d imensão ética, ambiental e constituidora de cid ad ania). Empenhad o s em respo nd er à crise repetid amente anuncia-da, muitos intelectuais realizam co mp lexo s exercício s de racio nalização da pro d ução de co nhecimento s e d e o rganização de equipes de trabalho, criando mo d elo s e esquemas de intervençõ es disciplinares que dizem respeito mais ao d o mínio d o institucional que à co ns-trução do o bjeto .
serviços, em instituições da so cied ad e, de no vo s seto res ou "culturas", ampliam as lutas para a legitimidade social da pro d ução do co nhecimento , exigem um diálo go d espre-co nceituo so que não feche o s o lho s para o s diferentes do mínio s, captand o de forma cria-tiva e inovadora as tensõ es e pulsaçõ es d o o bjeto .
A Saúde Coletiva, d esd e o século XIX, no s é apresentad a co m o co mp reensív el e explicável racio nalmente, co m todas as suas implicaçõ es e po ssibilidades, inclusive pela capacid ad e de interferir em suas paisagens. As tramas, mud anças e tensõ es d esenham-se so bre o fund o de um discurso e de uma razão que atravessam armadilhas do co nhe-cimento e d o co tid iano só cio -bio m éd ico , permitindo que sejam retirados e reinventados co nclusõ es e ensinamento s, segund o as co n-veniências conjunturais. É significativo que a questão sugerida po r Hegel da racio nalidade do real, que pretende debruçar-se logicamente no esfo rço de co mp reensão da história da Saúde Coletiva, ainda seja pertinente. Falar de Saúde Coletiva é dialogar co m a teoria e o exercício d o po d er e da d o minação .
O abalo no emp reend imento científico co mo valor e critério orientador desafia sua pretensão de "tradição humanista" e d o mínio "técnico -científico ", uma visão de pro gresso , co mo valor e co nstrução permanente, no s
limites traçad o s d esd e o
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Discours de laM éthode. O ho rizo nte da Saúde Coletiva é
marcado pelo p ensamento pó s-cartesiano e pela aplicação prática deste mo d elo , embo ra a co nstrução desta lógica po ssa ser remetida a Galileu, quand o adota pro ced imento s co mo experimentação e o bserv ação co mo critérios de aceitação de p ro p o siçõ es. A p ro d ução d o co nhecimento não é prerrogativa ou pro cedi-mento o perativo d o ho mem da mo d ernid ad e.
Gusdorf, Habermas, Guattari, Carneiro Leão, Sinaceur, Japiassú, Morin, entre outros, afirmam a importância da co mp reensão da mudança do s paradigmas ou questõ es que orientam o mund o mo d erno e dos desafios
enfrentad o s d esd e a Grécia Clássica. O pen-samento g reg o firmava a necessid ad e da "circularid ad e" para o bter a to talidade da co nstrução d o o bjeto e d o co nhecimento . Nos Diálo go s de Platão, há uma afirmação , repe-tida p elo s estud io so s, so bre a transdisciplina-ridade. Diante do co nhecimento Sócrates não só faz tudo, co m o nunca se sente mal em fazê-lo . "Renascentistas", "enciclo pedistas", in-telectuais franceses e alemães do s século s XVIII discutiam este tema no mo mento em que a lógica mecânica, a especialização , a fragmentação crescente e co ncentrad o ra co n-quistam a hegemo nia no o cid ente industrial.
Uma hegemo nia que não se implantou, nem se esgo to u, sem a resistência dos no vo s seto res produtivos, de intelectuais, artistas e mo v imento s so ciais, sem a resistência de práticas e saberes anunciad o s co mo supera-dos ou da o rd em d o imaginário. Considera-mo s que a exp ansão d este Considera-mo d elo não o co r-reu de forma linear, co ntínua e a um só temp o , permitind o que práticas e saberes diferentes, po r vezes antagô nico s, co nvives-sem, em alguns caso s, em harmo nia.
O paradigma bio méd ico , puramente clí-nico , mo stro u-se incapaz d e respo nd er às no vas exigências; exige-se um no vo olhar so bre o s p ro cesso s so ciais e o simbó lico , plural em intermed iaçõ es e representaçõ es, que reco nheça as transgressõ es, resistências e possibilidade de "invasõ es" nas fronteiras disciplinares.
final dos anos 80, definem-se claramente os limites estruturais para o modelo de RS suge-rido, e a necessidade de construir novos paradigmas, ou, no mínimo, de repensá-los.
Certamente, o modelo proposto por este trabalho não ro mpe a tradição e a tradução pasteuriana da medicina e da saúde coletiva
do minantes em nossa fo rmação só cio -histó rica, mas no s obriga a uma cuidadosa revisão intelectual. Neste sentido , quand o o autor
afirma que a clínica constitui a metadisciplina da saúde coletiva, as dúvidas se avolumam. É fundamental observar o comentário d o autor quando sustenta que a "interação e as inter-relações entre as disciplinas são asseguradas por uma metadisciplina que se situa num nível epistemológico superior", co ncluind o que no "campo da saúde coletiva, a clínica bem que poderia o cupar esta po sição metadisciplinar".
Essa afirmação não enco ntra sustentação na história da Clínica, ou em suas práticas e saberes. A ntes, a questão da Saúde Coletiva é so cio po lítica, e a lógica que embasa sua pro d ução d o co nhecimento e práticas enco n-tra-se no d o mínio d o so cial. De fato, em certas conjunturas, trata-se de saberes e prá-ticas co nco rrentes e exclud entes.
A clínica co rresp o nd e a uma outra lógica de pro d ução de práticas e saberes (co nsid e-rando a clínica em sua d imensão histórica, co mo exercício de uma prática médica feita so bre o co rp o de um d o ente, até a clínica
atual que respo nd e a uma imbricação técnico -científica de classificação binaria). Ela diz respeito, fundamentalmente, na lógica cartesiana e ocidental, à medicina. Portanto, a uma o utra v isão , a u m a v isão c u rativ a e
fragmentadora. A importância da clínica está distante d o co ntexto produtor e produzido pela saúde coletiva, e, po r mais importante que seja - ou po ssa vir a ser - a clínica para a saúde coletiva, a política é o seu universo fundante (este co nhecimento inscreve-se na co njugação de diferentes saberes e interesses - estudos po pulacio nais; incidência e distri-buição geo gráfica de d o enças e mortalidades
etc. - em que a economia é o eixo implícito). Historicamente o - conflituado - diálogo en-tre Saúde Coletiva e Clínica, como o próprio diálogo entre o coletivo e o individual, nun-ca foi ou permitiu propriamente um encon-tro consensual ou pacífico, mas conhecê-lo pode ser fecundo para a compreensão do que significa e de que modo se ancoram seus saberes e práticas.
A reiterada afirmação de que co nvive-mo s co m uma crise no ensino méd ico deve no mínimo ser rep ensad a. As instituiçõ es médicas resistem e se atualizam diante de no vas tecno lo gias, méto d o s de gerenciamen-to e de p ro d ução de no vas tecno lo gias e insumo s. No imaginário de amplo s segmen-tos sociais a clínica - co mo intervenção médica - representa a possibilidade de resolutividade, ao nível individual, de diferentes pato lo gias. A saúde coletiva, ao co ntrário , reclama uma crise que d eve ser vista inclusive em sua lógica interna. Diante d e um mo d elo méd ico que demo nstra uma incrível capacid ad e de impor-se ao pro jeto de saúde coletiva, esta última, ao lançar-se à luta e ao alegar uma crise, busca ap o io , supo rte e legitimação , p ragmaticamente, no p ro jeto heg em ô nico . Po ssivelmente, o co nceito d e transdisciplina-ridade pro po sto no artigo seja mais estratégi-co do que "uma perspectiva pragmática" para exp lo ração e intervenção na saúde coletiva.
A necessid ad e de repensar o d ebate, não só so bre o ensino e a pesquisa méd ica, mas também a atuação d o s demais profissionais de saúde, particularmente no camp o da saú-d e c o letiv a, o b rig a a e nf re ntar no v o s referenciais teó rico -meto d o ló gico s. Este d e-bate é vital d esd e a Grécia. Hipo crates for-mula um discurso co mp o sto d e 13
parágra-fos, em
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A Arte Médica, buscand o co mpro varsaúde coletiva daqueles registros traçados pelo modelo pasteuriano exige a retomada da lógica fundante do pensamento científico em sua dimensão histórica, revendo o discurso que orientou desde o século XIX a própria Saúde Pública, e sua origem - a Higiene.
O empreendimento proposto pelo autor não é tarefa fácil e exige fô lego . O camp o da Saúde Coletiva, isto é, suas práticas, saberes, linguagens e perspectivas, está so brecarrega-do de uma racio nalidade e de uma história que o autor pretend e exo rcizar. Na virada para o século XXI, o autor p o d e estar co n-tribuindo para ajudar a desmo ntar ou reafir-mar velhas armadilhas intelectuais e institucionais, que ainda fazem o século XIX abso -lutamente p resente e influente em no ssas açõ es e intençõ es.
Os abalo s, sejam eles reco nhecid o s o u não , recém-pro d uzid o s e admitidos na ciên-cia e pela ciênciên-cia, e a crescente (e co nscien-te) aceitação da necessid ad e de superação de lógicas causais que fund amentam uma co ncep ção de ciência determinista ajustada mecanicamente co m o única forma de enten-dimento d o mund o e suas relaçõ es, abre caminho para a co mp reensão da realidade co mo "rede co mp lexa de sistemas dinâmico s
caóticos", e para a crítica dos limites do es-paço e tempo, ajudando a repensar as ciên-cias e relações societárias viabilizadas pela modernidade. Sabemos que a Saúde Coleti-va, mesmo que de modo implícito, difuso e nebuloso, sempre buscou influenciar e reelaborar o cotidiano dos indivíduos e ações de Estado.
A Saúde Coletiva, que d eve ser pensada no plural, estuda e intervém na vida do s
ho mens, vida co nsid erad a em seu
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locus so-cial, produtivo, ambiental e d esejante. Neste sentido , ela é co erente ao caminhar e se produzir co m o auxílio d e diferentes recur-so s das Ciências So ciais, História, Eco no mia, Demo grafia, Psico lo gia, entre outras. A Saúde Coletiva, caso faça uma o p ção pelo ho mem (indivíduo ), aband o nand o o u secundarizando sua história e o s ho mens (co letivo ), po derá rearticular-se a d iferentes ló g icas que a d esco nsid eram c o m o mo v imento p ró p rio , entendida co m o "co mplementar", mas aí es-taremo s falando d e o utro s saberes, práticas e relaçõ es institucionais. Esqueceremo s a
Saú-de Coletiva, co m o pretend e a pós-moSaú-dernidaSaú-de, fundada na cultura da Saú-desco ntinuidaSaú-de e fragmento , to rnand o -a tão so mente o bjeto