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Estruturação audiovisual através de qualidades morfológicas

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Academic year: 2021

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ALEXANDRE MARTINELLO SANCHES

ESTRUTURAÇÃO AUDIOVISUAL ATRAVÉS DE

QUALIDADES MORFOLÓGICAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da UNICAMP, para obtenção do Título de Mestre em Música.

Área de concentração: Processos Criativos. Orientador: Prof. Dr. Denise Hortência Lopes Garcia

Campinas

2010

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA

BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP

Sa55e Sanches, Alexandre Martinello. Estruturação Audiovisual Através de Qualidades

Morfológicas. / Alexandre Martinello Sanches. – Campinas, SP: [s.n.], 2009.

Orientador: Profª. Dra. Denise Hortência Lopes Garcia. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,

Instituto de Artes.

1. Composição. 2. Audiovisual. 3. Som. 4. Imagem. 5. Transsensorialidade.

6. Morfologia. I. Garcia, Denise Hortência

Lopes. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

(EM/IA) Título em inglês: “Audiovisual Structure Through Morphological

Characteristics.”

Palavras-chave em inglês (Keywords): Composition ; Audiovisual ; Sound ; Image ; Transensoriality ; Morphology.

Titulação: Mestre em Música.

Área de Concentração: Processos Criativos. Banca examinadora:

Profª. Dra. Denise Hortência Lopes Garcia. Prof. Dr. Rodolfo Caesar.

Prof. Dr. Jonatas Manzolli. Profª. Dra. Vania Dantas Leite.

Prof. Dr. Claudiney Rodrigues Carrasco. Data da Defesa: 07-08-2009

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A meu pai, Roberto Cruz Sanches (in memoriam) e minha mãe, Ana Maria Martinello Sanches.

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AGRADECIMENTOS

À Denise Garcia, minha orientadora, pela confiança, oportunidade e direcionamento em todas as etapas deste trabalho juntamente com o Programa de Pós-Graduação em Música da Unicamp;

À minha família, em especial à minha mãe, Ana Maria, meu pai, Roberto e meus irmãos Márcio e Roberta;

Aos amigos de Bauru, Rodrigo, Érik, Luis Sérgio; de Londrina Cassi, Caíque, Alexandre, Ludmila, Zé, Luana, Heruh, João; de Campinas, Fred, Vanessa, Rodrigo Lima, Zé Padovani, Thais, Rafael, Tati, André, Humberto, Douglas, Atílio, Mari, Willon, Dani, Leilane, Milena; e particularmente a Bruno Carioca, Letícia e Chicão;

A Fred, pelo abstract;

A Tuto Marcondes e Alex Baston pelas gravações;

A Rodrigo Emanoel Fernandes pela ajuda na confecção dos DVDs;

Aos professores da UEL e da Unicamp, em especial a Fábio Parra Furlanette, Janete El Haouli, Fátima Carneiro dos Santos e Jônatas Manzolli.

À Fapesp, pelo apoio financeiro;

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Cada vez que se escreve uma carta, um fantasma bebe seus beijos antes que ela chegue, talvez antes que ela parta, tanto assim que já é preciso escrever outra.

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RESUMO

Neste trabalho propomos desenvolver um modelo para a criação de obras audiovisuais. Inicialmente, apresentamos um levantamento de algumas abordagens referentes à utilização da relação audiovisual e destacamos conceitos advindos dos domínios em separado. Com relação ao domínio do sonoro apresentamos algumas características e interpretações do termo “Som” pelo viés dos compositores e teóricos Pierre Schaeffer e Michel Chion. Da área visual, pontos e características são abordadas através do viés de Rudolf Arnheim, Lúcia Santaella, Winfried Nöth e Jacques Aumont. Na parte destinada ao audiovisual são abordadas linhas de pensamento referentes à sinestesia, ao Fenômeno da Multisensorialidade de Edward L. Marks e do Contrato Audiovisual e Transsensorialidade de Michel Chion. A escolha de qual abordagem referente ao audiovisual utilizamos em nosso trabalho teórico e prático é definida através da crítica dos conceitos apresentados durante a recapitulação teórica e da elaboração de estudos. Estas escolhas podem ser resumidas na busca por estruturar e dar unidade a obra através de resultados perceptivos e parâmetros pertencentes à própria relação audiovisual; na utilização de eventos sonoros e eventos visuais fixados (gravados); e da observação das influências que ocorrem quando há sobreposição ou justaposição de “sons” e “imagens” a partir da idéia de contrato audiovisual de Michel Chion. Os estudos estão divididos em dois volumes com três estudos cada: “Estudo dos Objetos Audiovisuais Vol. I” contendo os estudos “Facture”, “Overlapping” e “Density” e “Estudo dos Objetos Audiovisuais Vol. II” contendo os estudos “Synchrèse”, “Aimantation Spaciale” e “Ritmo”.

Palavras-chave: Composição; Audiovisual; Som; Imagem; Transsensorialidade; Morfologia

(8)

ABSTRACT

The objective of this study is to develop a model for the creation of audiovisual works through morphological qualities. Initially, a survey of some approaches related to the usage of the audiovisual relation and concepts from each of the areas are highlighted. From the sound area, some characteristics and interpretations of the term “sound” are presented, following the works of composers and theoreticians Pierre Schaeffer and Michel Chion. From the visual area, points and characteristics are approached following the works of Rudolf Arnheim, Lúcia Santaella, Winfried Nöth and Jacques Aumont. On the part related to audiovisual, lines of thought related to synesthesia, Edward L. Marks’ Multisensoriality Phenomenon and Michel Chion’s Audiovisual Contract and Transensoriality. The choice of which approach related to audiovisual is used in this theoretical and practical study is defined through the critics of the concepts presented during the theoretical recapitulation and of the study elaboration. These choices may be summarized by the search of a restructuring and unifying of the work through perceptive results and parameters belonging to the very audiovisual relation; by the usage of sound events and visual events fixated (recorded); and by the observation of influences which occur when there is overlapping of “sounds” and “images” from the idea of Michel Chion’s audiovisual contract. The practical studies are divided into two volumes, with three studies each: “Estudo dos Objetos Audiovisuais Vol. I”, containing the studies of “Facture”, “Overlapping” and “Density” and “Estudo dos Objetos Audiovisuais Vol. II”, which contain the studies of “Synchrèse”, “Aimantation Spaciale” and “Ritmo”.

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CD de Exemplos Faixa 01 Faixa 02 Faixa 03 Faixa 04 Faixa 05 Faixa 06 Faixa 07 Faixa 08 Faixa 09 Faixa 10 Faixa 11 Faixa 12 Faixa 13 Faixa 14 Faixa 15 Faixa 16 Faixa 17 Ex. 1 Facture de 00’26” à 00’31”. Ex. 2 Facture de 01’35” à 01’41”. Ex. 3 Facture de 00’51” à 00’57”. Ex. 4 Facture de 03’46” à 03’54”. Ex. 5 Overlapping de 02’55” à 03’14”. Ex. 6 Density de 02’54” à 03’30”. Ex. 7 Facture de 06’01” à 06’06”. Ex. 8 Facture de 06’28” à 06’33”. Ex. 9 Facture de 07’47” à 07’52”. Ex. 10 Facture de 10’02” à 10’07”. Ex. 11 Overlapping de 03’48” à 03’58”. Ex.12 Density de 04’43” à 04’49”.

Ex. 13 Evento audiovisual de Aimantation Spaciale. Ex. 14 Permutação de eventos sonoros e eventos visuais de

Aimantation Spaciale.

Ex. 15 Primeiro processo rítmico do estudo Ritmo. Ex. 16 Segundo processo rítmico do estudo Ritmo. Ex. 17 Terceiro processo rítmico do estudo Ritmo.

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Lista de Figuras Figura 1. Figura 2. Figura 3. Figura 4. Figura 5. Figura 6. Figura 7. Figura 8. Figura 9.

Correspondências entre a escala cromática e a gama de cores ... Seqüência inicial da “batalha no gelo” do filme Alexander Nevsky onde se destaca a correspondência áudio-visual de Eisenstein

através do diagrama do movimento ... Técnica de desenho na película de McLaren ...

Correspondências de cores em Scriabin ... Correspondências de cores em Korsakov ... Contiguidade entre as impulsões e o contínuo ...

Apresentação inicial da disposição da duração dos eventos sonoros e visuais e da duração do tempo entre estes, que nomeamos como vazio/silêncio ... Apresentação final da disposição dos eventos sonoros e visuais a partir de uma defasagem entre o evento sonoro e o evento visual de 0,5 segundos a cada repetição ... Apresentação inicial da duração dos eventos sonoros e visuais e consequentemente da duração de tempo entre estes ...

6 11 14 65 65 111 141 142 143

(11)

SUMÁRIO

1

1.1

1.2

1.2.1

1.2.2

1.2.3

1.3

2

2.1

2.2

2.2.1

2.2.2

2.2.3

2.2.4

2.3

2.3.1

2.3.2

2.3.3

2.4

2.4.1

2.4.2

INTRODUÇÃO ...

Apresentação ...

Influências e contexto da pesquisa ...

Color Organs ...

Cinema experimental ...

Visual Music ...

Etapas do trabalho ...

RECAPITULAÇÃO TEÓRICA ...

Delimitação Audiovisual ...

Som ...

Escuta reduzida e objeto sonoro ...

O som fixado como responsável pelo objeto

sonoro ...

Dificuldades em se pensar o som como objeto

Ampliação do conceito de objeto sonoro –

Auditum ...

Imagem ...

Figurativo/ Abstrato ...

O “Tempo” da imagem ...

A imagem em nosso trabalho ...

Audiovisual ...

Sinestesia: Definição e algumas considerações

Audiovisão-Visuaudição ...

1

2

5

5

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47

47

53

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63

63

69

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2.4.3

2.4.3.1

2.4.3.2

2.4.3.3

2.4.4

2.4.4.1

2.4.4.2

2.4.4.3

3

3.1

3.2

3.2.1

3.2.2

3.2.3

3.3

3.3.1

3.4

3.4.1

Contrato audiovisual e Trans-sensorialidade ...

O som como percepção não homogênea -

“Janela Auditiva” e “Co-Vibração” ...

Contrato audiovisual ...

Trans-sensorialidade ...

Fenômeno da Multissensorialidade ...

Doutrina das informações equivalentes ...

Doutrina dos atributos sensoriais e qualidades

análogas ...

Doutrina de propriedades psicofísicas comuns ...

PRÁTICA ...

Eventos Audiovisuais ...

1º Modelo de Composição: Estudo dos Objetos

Audiovisuais Vol I ...

“Facture” ...

“Overlapping” ...

“Density” ...

Avaliação e crítica às propriedades que julgávamos

comuns ...

Crítica a consideração de eventos sonoros e

eventos visuais sobrepostos ...

Avaliação do “Estudo dos Objetos Audiovisuais

Vol. I” segundo as propriedades de Synchrèse,

Aimantation spaciale e Ritmo ...

Synchrèse em Facture, Overlapping e Density .

70

75

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82

82

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122

124

124

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3.4.2

3.4.3

3.4.4

3.4.5

3.4.6

3.4.7

3.5

3.5.1

3.5.2

3.5.3

4

Aimantation spaciale em “Facture” …...

Aimantation spaciale em “Overlapping” ...

Aimantation spaciale em “Density” ...

Ritmo em “Facture” ...

Ritmo em “Overlapping” ...

Ritmo em “Density” ...

2º Modelo de composição: Estudo dos Objetos

Audiovisuais Vol II ...

“Synchrèse” ...

“Aimantation Spaciale” ...

“Ritmo” ...

CONCLUSÃO ...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...

BIBLIOGRAFIA ...

ANEXOS ...

Estudo dos Objetos Audiovisuais Vol I ...

Estudo dos Objetos Audiovisuais Vol II ...

CD de Exemplos ...

126

128

129

130

132

133

134

134

136

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165

166

167

(14)
(15)

1.1 Apresentação

Esta pesquisa surgiu inicialmente motivada por duas inquietações com relação ao estudo do audiovisual, ou das relações entre o sonoro e o visual. Primeiramente, buscávamos entender qual o motivo, ou por que obras audiovisuais claramente distintas “funcionam tão bem”. Por que são interessantes propostas tão diferentes com relação ao audiovisual como as colocadas pelo cinema tradicional de Hollywood, o cinema soviético do início do século XX, as animações em película ou em meio digital, as instalações que misturam a arquitetura e o sonoro, entre outras.

Ao mesmo tempo, tínhamos a sensação e mesmo a pretensão de que algo ainda não estava sendo proposto. De que, mesmo sendo muito interessantes, estas obras audiovisuais não exploravam a fundo o que poderia oferecer a relação entre o sonoro e o visual.

É claro que esta segunda inquietação não passava de uma sensação, pois percebemos que não se trata de explorar a fundo a relação audiovisual como um todo. Ou seja, não consiste em buscar um denominador comum a todas as obras audiovisuais ou a toda relação audiovisual que permita analisá-las e criá-las, mas sim, observar a relação segundo algum viés ou ponto de vista, e a partir deste viés propor a análise e a criação.

Justamente, delimitar por qual viés se está observando a relação audiovisual consiste em um dos pontos mais importantes e que podem causar maiores equívocos em uma pesquisa sobre a relação entre som e imagem. Termos como “Audiovisual”, “Som” e “Imagem” são empregados e utilizados nas mais variadas formas e em diversos campos de estudo, que muitas vezes são misturados, confundidos, gerando diversas interpretações e generalizações.

O título de nosso trabalho “Estruturação Audiovisual Através de Qualidades Morfológicas”, já indica algumas direções que tomaremos. O termo “Estruturação” é

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utilizado no sentido de formar, colocar ou dispor com certa ordem ou arranjo diferentes partes ou várias coisas. Esta simples definição constitui o propósito de nosso trabalho que é o de dispor com certa ordem ou arranjo várias coisas em diferentes partes, sendo essas coisas, coisas sonoras e coisas visuais, o som e a imagem, o audiovisual.

Retiramos a idéia de qualidades morfológicas da obra de Pierre Schaeffer, Traité

des objets músicaux de 1966. Esta obra foi uma das principais influências que norteou a gênese de nosso trabalho. Nela, Schaeffer propõe uma maneira de descrever qualquer tipo de som com relação a sua própria forma temporal, as suas próprias características, independente da referência a um emissor sonoro ou a uma linguagem músical. A partir desta descrição, o autor elaborou uma tipo-morfologia destas sonoridades que poderiam ser utilizadas para a composição músical. A partir deste ponto de vista, encaramos a possibilidade de expandir esta descrição e classificação também para o domínio do audiovisual.

Desta forma, buscamos criar uma tipologia de qualidades morfológicas do audiovisual. Estas qualidades serão elaboradas através da busca de atributos ou parâmetros audiovisuais, respeitando a influência que ocorre quando há a sobreposição ou justaposição de um som a uma imagem. Isto quer dizer que os elementos sonoros e visuais escolhidos serão organizados e dispostos para fazer emergir uma percepção audiovisual.

Dito de outra forma há parâmetros ou atributos que possuem características que emergem a um sentido específico, tal como a percepção sonora de altura definida e a percepção visual de cor. Mas há também parâmetros ou atributos que não se destinam a uma percepção em especial e podem emergir a ambos os domínios tal qual a percepção rítmica.

No entanto, há uma diferença em se pensar e perceber o ritmo sonoro, o ritmo visual e o ritmo audiovisual. Nos dois primeiros casos não há uma relação direta, de sobreposição ou justaposição, entre o sonoro e o visual, mas sim uma idéia geral e abstrata

(17)

denominada ritmo que pode ser aplicada ao domínio sonoro e ao domínio visual em separado. Já no caso do ritmo audiovisual, há uma relação direta entre o sonoro e o visual, pois ocorre uma disposição rítmica entre estes dois domínios. Esta relação direta modifica a maneira como perceberíamos se estivéssemos diante apenas do ritmo sonoro ou do ritmo visual devido a uma influência mútua que ocorre entre estes dois domínios.

Assim, o objetivo de nossa pesquisa consiste da sistematização de uma tipo-morfologia audiovisual que utilizaremos para a criação artística. Esta tipo-tipo-morfologia buscará parâmetros ou atributos que emergem a uma percepção audiovisual levando em consideração a influência mútua que ocorre da sobreposição ou justaposição do sonoro e do visual, como por exemplo, no caso do ritmo.

Nossa intenção com esta tipo-morfologia é a de criar um suporte ou mecanismo para organizar e estruturar uma obra audiovisual em função de características da própria percepção audiovisual, por isso ela não pretende ser definitiva nem exaustiva. Ou seja, não estamos propondo um tratado sobre a percepção audiovisual, mas sim buscar uma base teórica consistente que tenha ressonância e seja coerente com o trabalho prático que desenvolvemos simultaneamente a pesquisa teórica.

(18)

1.2 Influências e contexto da pesquisa

Este trabalho se insere, e é influenciado em alguns aspectos, por correntes artísticas desenvolvidas principalmente no final do século XIX e decorrer do século XX. Neste período, várias possibilidades de relações entre o sonoro e o visual foram propostas gerando resultados artísticos distintos, das quais podemos destacar relações possibilitadas pela criação dos color organs e o desenvolvimento tanto do cinema (ao qual denominaremos de “cinema experimental”) quanto da visual music. Apresentaremos a seguir, alguns autores e obras destas correntes com a intenção de contextualizar nossa pesquisa e familiarizar o leitor com este campo de atuação.

1.2.1 Color Organs

O foco da criação de instrumentos utilizando teclado que projetavam luzes consistia da possibilidade tanto de prover a elementos visuais uma característica de manipulação temporal quanto de relacionar algumas características do sonoro com o visual, principalmente a relação entre sons de altura definida e tonalidades de cores.

Um dos precursores e mais citados artistas desse meio é o padre francês Louis-Bertrand Castel que construiu seu Clavencin Ocularie por volta de 1750. Em sua obra, adotou um processo de criação que relaciona cores e sons de altura definida onde “[...] pesquisou e concebeu a construção de um teclado que relacionasse cor e som – o teclado ocular” (CAZNOK, 2003, p. 36).

Segundo Caznok, Castel baseou suas idéias de relações entre cores e sons de altura definida em Newton que havia proposto uma similaridade entre as sete partes do arco-íris e as sete notas músicais. Esta relação ocorreria pelo fato de tanto a luz como o som serem produtos de vibrações e, em função disso, haveria uma relação análoga por natureza entre os dois meios (CAZNOK, 2003, p. 36).

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No entanto, Castel não se limitou apenas às sete notas do arco-íris e às sete notas músicais, mas sim expandiu em direção ao espectro de cores e a escala cromática:

A idéia norteadora da construção de seu teclado ocular foi o relacionamento do espectro das cores [...] com os sons da série harmônica [...] Imaginou, assim, uma escala cromática temperada igualmente de doze notas, que corresponderiam a uma gama de doze matizes de cores específicas. (CAZNOK, 2003, p. 37)

Desta forma propôs a seguinte relação:

Fig. 1 – Correspondências entre a escala cromática e a gama de cores. Fonte: CAZNOK, 2003, p. 37.

No entanto, os resultados perceptivos desta relação não correspondiam esteticamente como afirma Peacock ao comentar que “No início da década de 1920 tornou-se aparente que não havia padrões de correspondência entre cores e sons” (PEACOCK, 1988, p. 404). Assim, novas posturas começaram a ser abordadas com outras formas de analogias através da utilização de teclados.

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Por exemplo, Thomas Wilfred1, rejeitava uma correspondência mais direta das cores com alturas definidas, emprestando termos como ritmo, performance ou mesmo a introdução do “tempo” em obras visuais como interface com o sonoro. Deu grande ênfase ao estudo da forma e do movimento utilizando-se de filtros e projetores controláveis por

sliders para projetar figuras geométricas sobre uma tela, modificando sua forma, seu movimento e a intensidade da cor (PEACOCK, 1988).

Há também Mary Hallock-Greenewalt2 que relacionou variações de intensidade luminosa com a idéia de expressões músicais dando mais ênfase à interpretação e à improvisação. A partir desta idéia patenteou um esquema de notação para suas peças (PEACOCK, 1988).

1.2.2 Cinema experimental

As características que mais destacamos deste cinema se referem à não utilização de personagens e narrativa – ao contrário do que ocorre no cinema tradicional - e da utilização de propriedades músicais, principalmente da música tonal, para organizar os elementos visuais juntamente com o sonoro.

Jean Mitry (1974) destaca esta tendência dos cineastas do início do século XX considerando aspectos músicais como interface entre o sonoro e o visual em detrimento da utilização de uma narrativa ou história. “Esquecer o roteiro – ou seja, a história, a anedota – fazer do cinema uma música visual, se exprimir por meio de um ritmo que não significa nada além dele mesmo, tal foi de fato, o objetivo perseguido pelos pesquisadores durante os anos de 1924-1926” (MITRY, 1974, p. 87).

1 O dinamarquês Thomas Wilfred (1889-1968) possuía formação músical, mas se destacou

principalmente com relação à visual music na criação do instrumento Clavilux e do termo Lumia.

2 Mary Elizabeth Hallock-Greenewalt (1871 - 1951) era inventora e pianista. Apresentou-se como

solista pelas sinfônicas de Philadelphia e Pittsburgh. Sua produção mais conhecida foi a criação de um tipo de visual music que denominou de Nourathar.

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Desta forma, o que buscavam estes cineastas era uma espécie de “adaptação” para o visual de aspectos rítmicos e da idéia de “movimento” da música tradicional como pode ser observado nas obras Spirals (1924-26) e Studie Nr. 6 (1930) de Oskar Fischinger3. Percebe-se nestas obras que há a sobreposição de elementos visuais tais como faixas e pontos que se deslocam sobre a tela acompanhando certas inflexões do ritmo, da melodia e da intensidade sonora de uma composição músical pré-concebida, ou seja, concebida de acordo com normas e técnicas advindas da música tonal.

O mesmo ocorre em outra de suas obras, como por exemplo, Alegretto de 1943, na qual ocorre a aplicação de alguns procedimentos da música tonal ocidental na criação de imagens, assim como define Moritz:

[…] Vemos um equivalente à orquestra músical [...] utilizando círculos e matrizes de cores (tonalidade) ao fundo, de maneira a criar um ritmo e um centro “tonal”, enquanto várias formas com mudanças de cores e clusters movem em padrões complementares, sugerindo melodias, harmonias e contrapontos. (MORITZ, 1986)

Outras características presentes na música tonal tais como a variação, o motivo e o tema também serviram de influência para a “transposição” do que seria uma “músicalidade” das formas plásticas. Viking Eggeling4, a partir de sua formação de pintor, criou a base de uma gramática da pintura na qual relacionou e articulou elementos plásticos experimentando as possibilidades de variações de um motivo inicial, assim como a idéia de motivos e variações na música (BANDI apud MITRY, 1974, p. 80).

3 O alemão Oskar Fischinger (1900-1967) foi animador, cineasta e pintor. Possui uma produção de

aproximadamente 50 animações curtas. Trabalhou nos estúdios Paramount (1936), MGM (1937) e Disney (1938-9).

4 O sueco Viking Eggeling (1880-1925) possui formação em história da arte em Milão. Artista e

(22)

Percebemos esta característica na obra Symphonie diagonale (1924), e na observação de Miklos Bandi apresentada por Mitry.

Sobre a tela aparecem formas isoladas; elas se movem em oscilações e modulações até o ponto no qual a forma desabrocha completamente. Algumas vibrações ainda e a forma é dissolvida [...] As formas passam por variações de todas as suas possibilidades simultaneamente e sucessivamente; durante este procedimento rítmico, as forças entram em relação uma após a outra, uma contra a outra, jogando entre elas. (BANDI apud MITRY, 1974, p. 80)

Além destas referências, podemos citar também as obras de Hans Ritcher como

Film studie (1925), Inflation (1928), Rhytmus 21 (1921), Rhythmus 23 (1923) e de Walter Ruttman tais como Film op I (1921), op II (1921), op III (1924), op IV (1925), Lichtspiel

Opus I (1921) que possuem estética semelhante.

Ao falar de cinema do início do século XX, é importante destacar também a criação de uma forma particular de composição audiovisual proposta por Serguei Eisenstein na qual o autor estabelece uma síntese da linguagem do cinema tradicional (com sua relevância à narrativa) a uma técnica de composição audiovisual baseada na idéia de contraponto ou polifonia retirada de um modelo de composição músical.

Neste modelo de composição músical, várias vozes simultâneas, contribuem para uma textura, um fluxo harmônico, ao mesmo tempo em que mantêm sua individualidade e sua independência, ou seja, há uma correspondência entre o fator horizontal e o vertical nesta forma.

Através do uso da montagem, Eisenstein estabelece um plano vertical da imagem e do som semelhante à idéia de uma partitura orquestral que “possui uma estrutura horizontal, mas também a estrutura vertical interliga cada elemento da orquestra dentro de

(23)

cada unidade de tempo determinada” (EISENSTEIN, 1990, p. 52) denominando este procedimento de “Partitura audiovisual” que corresponde a uma “[...] pauta de imagens visuais, que se sucedem e que correspondem, de acordo com suas próprias leis, ao movimento da música, e vice-versa” (EISENSTEIN, 1990, p. 52).

Desta forma, estrutura sua obra “através de um avanço simultâneo de uma série múltiplas de linhas, cada qual mantendo um curso de composição independente e cada qual contribuindo para o curso de composição total da seqüência”. O diretor denomina este procedimento de “montagem polifônica” (EISENSTEIN, 1990, p. 52).

Destacaremos um pequeno esboço do próprio Eisenstein em que demonstra como estabeleceu esta relação no filme Alexander Nevsky, mais precisamente na seqüência da “batalha sobre o gelo”, analisando as “[...] correspondências verticais seqüenciais que, passo a passo, relacionam a música com planos, através de um movimento idêntico, que está na base do movimento músical, assim como do pictórico” (EISENSTEIN, 1990, p. 107).

A figura 2 apresenta o início desta seqüência, onde há os fotogramas do filme; uma divisão com relação às frases músicais; a partitura da trilha sonora; duração ou número de compassos; diagrama das imagens retirada dos fotogramas e um diagrama que representa a relação entre o movimento músical e o movimento dos contornos das linhas do diagrama das imagens.

(24)

Fig. 2- Seqüência inicial da “batalha no gelo” do filme Alexander Nevsky onde se destaca a

correspondência áudio-visual de Eisenstein através do diagrama do movimento. Fonte: EISENSTEIN, 1990, p. 112–113.

Desta forma, a partir do diagrama do movimento, o cineasta estabelece uma espécie de complemento entre uma descrição dos contornos do fotograma - que originalmente, ou seja, enquanto filme projetado se apresenta em seqüência - e uma interpretação do que seria um movimento músical.

O que consideramos mais importante ao citar Eisenstein é sua busca por criar um modelo de composição que se apóie em características da relação entre o sonoro e o visual, que complementa a narrativa propondo outras formas de interpretar o cinema. Através da utilização deste recurso pôde estruturar e dar unidade audiovisual a suas obras.

(25)

1.2.3 Visual Music

A Visual Music surgiu na primeira metade do século XX. Sua origem remete aos

color organs aliado ao desenvolvimento do cinema experimental e da pintura abstrata de Wassily Kandinsky, Piet Mondrian e Paul Klee. Estas influências mais o advento da computação e da tecnologia permitiram maiores explorações tanto na aplicação de procedimentos músicais em obras visuais como também o inverso.

Não há uma definição clara que delimite as fronteiras deste gênero, mas algumas definições e características podem ser levantadas:

- Prioridade e importância de elementos visuais e músicais evitando a utilização de diálogos e atores (TERRY, 2005);

- É tipicamente não narrativa (EVANS, 2005, p. 11);

- Visualização da música, definido como uma “tradução” de determinados critérios músicais em critérios visuais. Esta pode ser realizada com ou sem o auxílio da computação (OX, KEEFER, 2006);

- Composição de obras visuais como se fossem obras músicais. Manipulação de parâmetros visuais como movimento, luz e forma com procedimentos advindos do meio músical, principalmente em seu aspecto temporal (OX, KEEFER, 2006);

- “[...] técnicas temporais em imagens visuais que estabelecem uma arquitetura temporal semelhante à encontrada na música absoluta” 5 (EVANS, 2005, p. 11);

5 Música absoluta a qual se refere é resgatada de Stravinsky “Music means nothing outside itself”

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- Essas obras podem ser acompanhadas ou não de som (OX, KEEFER, 2006) (EVANS, 2005, p. 11);

- Utilização de um mesmo meio ou procedimento para manipulação tanto do som como da imagem (OX, KEEFER, 2006);

- Composições visuais estáticas, mas que permitem uma identificação com algum tipo de movimento tal como é encontrado nas obras de Paul Klee e Wassily Kandinsky (OX, KEEFER, 2006).

A partir da década de 1920 destacam-se os trabalhos de Norman Mclaren e dos irmãos Whitney e mais recentemente de Brian Evans, Bill Alves, Adriano Abbado, Roger Dannenberg, do projeto Global Visual Music, entre outros.

A obra de Norman McLaren6 é extensa e há várias formas de abordar seu trabalho. No entanto, para fins de demonstração e contextualização tal como propomos a este capítulo, apresentaremos somente a relação através da técnica de desenho na película do filme.

Esta técnica consiste em desenhar, ou fotografar formas já desenhadas, diretamente nas películas do filme, frame por frame, tanto na banda de imagens quanto na banda de sons, como observado na Fig 3.

6 Norman McLaren (1914-1987) foi um diretor e animador escocês. Mudou-se para o Canadá em

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Fig. 3 – Técnica de desenho na película de McLaren. Fonte: DOBSON, 2006, p. 165.

Esta concepção visava, além de um maior controle do tempo, de sincronização e de variação rítmica das relações entre o sonoro e o visual, a busca por imagens abstratas mais próximas a música:

Uma pista para a razão de McLaren ocupar-se de filmes abstratos diz respeito a sua consciência ligada ao amor pela dança e pela música. A arte abstrata da música providenciou uma justificação teórica, se fosse necessária, para seu envolvimento com filmes abstratos. (DOBSON, 2006, p. 199-200)

No entanto, com relação ao sonoro, não procurava a criação de novas sonoridades: “Eu não criei eles (meus sons sintéticos) para explorar novos sons, mas simplesmente para minhas próprias necessidades. Eu queria controlar a banda de som precisamente e personalizadamente” (MCLAREN apud DOBSON, 2006, p. 108).

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Este controle a partir do mesmo suporte permitiu ao compositor estabelecer outros tipos de correspondências entre o som e a imagem. Em Dots (1940) há uma proposta de relação rítmica baseado no sistema métrico da música tradicional, onde há divisões rítmicas entre os eventos sonoros sobre uma espécie de pulso que percorre toda a obra.

A estrutura músical de Dots em uma de suas contínuas variações começa com simples sons lentos e separados [...] Estes eram inicialmente escutados em grupo de quatro notas simples (batidas7) no qual se estabeleceu um tempo comum, ou uma métrica 4/4 na obra. Em seguida, duas notas por batida eram escutadas e repetidas e depois ritmos mais complexos ocorriam com a batida e eram repetidos. Eventualmente, os padrões rítmicos se tornavam mais fragmentados e virtuosísticos, mas o sentimento de pulso não era perdido. (DOBSON, 2006, p. 107)

Sincronizado com o sonoro, a imagem obedeceria à mesma proposta rítmica. “O ritmo (duração e espaçamento) dos sons correspondem à ocorrência de imagens visuais. Isto quer dizer, a imagem do sonoro junto com seu equivalente visual ocorre simultaneamente” (DOBSON, 2006, p. 108).

Em John Whitney8 há um tipo de pensamento semelhante ao de McLaren, no que diz respeito à utilização do suporte como princípio que rege a relação entre o som e a imagem.

Jonh Whitney com seu irmão James Whitney criou um sistema de pêndulos que permitia a composição simultânea de sons e imagens abstratas. Esses pêndulos tanto geravam sons como também desenhavam em bandas sonoras criando imagens gráficas. Com este processo criou obras como Film Exercise No. 1 e Film Exercise No.5 entre 1943 e 1944 (Moritz, 1996, p. 228, 229);

7 Tradução de “Beats”.

8O americanoJonh Whitney (1917-1995) foi animador, compositor e inventor. Considerado um dos

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O natural movimento do pêndulo é literalmente um dispositivo de áudio subsônico, o movimento de um pêndulo não é diferente em princípio do movimento de uma corda em um instrumento músical. Simplesmente uma maneira de adaptar o fenômeno natural de um conjunto de pêndulos e gravar (fotografando) seu movimento. (WHITNEY apud PRENDERGAST, 1977, p. 200)

Observa-se então uma analogia entre o aspecto físico que origina um som através da vibração de uma corda (entendendo este como movimento) e conseqüentemente do ar, e o movimento visual. Neste caso, estabelece uma correspondência em função de o próprio objeto visual que apresenta um movimento (o pêndulo) produzir também um correspondente sonoro, ou seja, o suporte estabelecendo a relação.

Com a chegada da computação, o suporte mudou de analógico para digital alterando também as possibilidades de interação entre o som e a imagem. A partir de 1960 Jonh Whitney criou uma série de animações abstratas que utilizam computadores para criar harmonia não de cor, espaço ou intervalos músicais, mas sim de movimentos (ALVES, 2005, p. 46). Neste período, a analogia buscada correspondia à idéia de tensão e resolução presente na música tonal e em outras formas de proporção visual. “Para Whitney, uma tradução sinestésica dos parâmetros básicos da música (altura, intensidade, entre outros) falha em capturar a expressividade das grandes obras músicais, que, para ele, depende mais diretamente de uma multidimensional interação entre tensão e resolução” (ALVES, 2005, p. 46).

Filmes como Matrix I (1972) e III (1972), Permutations (1968) e Arabesque (1973) utilizavam pontos ou outras formas movendo-se com determinados padrões criando pontos de ressonância, simetrias e proporções.

Esses filmes criam formas através da manipulação de expectativa, resolução e surpresa. Normalmente o acompanhamento músical baseia-se na harmonia tonal, cujas

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seqüências de tensão e resolução entram em conflito com a apresentada na imagem (ALVES, 2005, p. 47).

Na década de 80, Jonh Whitney se concentrou no desenvolvimento de programas que permitiam compor com elementos sonoros e visuais simultaneamente em tempo real (MORITZ, 1997, p. 2), permitindo assim, discretizar tanto elementos sonoros quanto visuais, proporcionando maior controle na organização da obra, tanto na micro quanto na macroestrutura.

Disto decorreu a busca por um elemento mínimo capaz de gerar unidade a obra. Este elemento mínimo corresponde ao pixel (visual) e a onda senoidal (sonoro). “Onda senoidal e pixel pode ser usada para gerar estruturas ressonantes, na qual estes elementos contribuem para a criação do todo” (WHITNEY, 1991, p. 598).

No trabalho de Brian Evans9 destacamos a busca de uma analogia das relações entre sons de altura definida, principalmente a idéia de tensão/ resolução para o discurso visual, assim como em Whitney.

Usando uma construção baseada em tensão/resolução, podemos mover dinamicamente – ou seja, músicalmente – através do tempo, materiais visuais. Podemos estabelecer cadências. Com cadências, podemos articular unidades de tempo e desenvolver unidades temporais como motivos, períodos e frases. (EVANS, 2005, p. 13)

Na imagem, Evans define Consonância (resolução) e Dissonância (tensão) baseadas no princípio de proporção. Proporção está vinculada à noção de “certo-errado” com relação à interação entre os elementos visuais. Ou seja, uma composição é definida como a organização de elementos e características em uma área definida, sendo que estes

9 Brian Evans possui formação em composição músical e ciência da computação. Atualmente

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elementos façam sentido quando estão juntos e aparentam uma continuidade, uma harmonia que corresponde à idéia de consonância (BOWERS, 1999 apud EVANS 2005).

“Visual ‘rightness’ is visual consonance” (EVANS, 2005, p. 13). Evans utiliza-se desta idéia para construir sua gramática da visual music. Através da manipulação digital das cores (RGB), atribui-se graus de repouso e tensão entre cores, da mesma maneira como ocorre com sons de altura definida na música, proporcionando uma forma de organizar temporalmente um discurso que tem como conteúdo as cores.

Esta organização tem caráter direcional, tendo uma cor como central (o cinza) na qual as demais cores se relacionam (assim como a definição de uma tonalidade músical) (EVANS, 1988).

A montagem também é utilizada como portadora do tempo, assemelhando-se à músical ao construir este tempo em uma forma e o subdividir em partes, frases e cadências. Remete à teoria de Eisenstein destacando os três tipos de montagem: “Métrica, Rítmica e Tonal” (EVANS, 2005, p. 19).

Bill Alves10 segue linha semelhante à Whitney e Evans. Seu trabalho com síntese de som permitiu um tipo de relação baseada na proporção entre freqüências de som e a velocidade de pontos em movimento circular. Por exemplo, a proporção 1/1 e ½ que músicalmente correspondem a um som e sua oitava corresponde ao movimento circular de dois pontos, um com velocidade x e outro com velocidade 2x. Quanto mais complexas forem essas proporções, mais complexos serão os resultados da percepção. (ALVES, 2005). Partindo deste princípio Bill Alves utiliza a sincronização do movimento entre som e imagem, criando uma música em afinação justa diretamente análoga aos padrões de

10 Bill Alves é compositor, escritor e vídeo artista compondo para instrumentos acústicos e

eletrônicos integrados com animações abstratas. Leciona atualmente no Harvey Mudd College na Califórnia (EUA). Sua formação integra composição músical e computação.

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simetria visual, gerando assim pontos de consonância/ resolução e dissonância/ tensão (ALVES, 2005, p. 51).

“[...] o sucesso de uma nova arte de movimento visual depende dos princípios básicos de tensão e resolução estabelecidos por Pitágoras e utilizados na música tonal européia” (ALVES, 2005, p. 53).

Em Adriano Abbado11 temos uma diferente posição em relação à Brian Evans. A utilização do timbre como principal referência músical ao invés da utilização apenas de notas de altura definida e a relação entre tensão e resolução da música tonal. O timbre não sendo uma forma discreta de percepção, exige a criação de nova maneira de organização diferente da tradicional que manipulava alturas e durações.

Em sua obra Dynamics, há três correspondências fundamentais entre som e imagem que delineiam sua forma de pensar o audiovisual:

- Timbre/forma: Ocorre mudança no timbre e na forma (o autor sintetiza primeiramente um timbre e sua modificação temporal; cria então, uma forma visual que apresenta uma mudança semelhante à do timbre).

- Percepção de localização: A localização da imagem em uma tela corresponde à localização espacial do som através de uma quadrafonia presente atrás desta tela. No entanto, a localização do som não é tão precisa quanto à da imagem.

- Percepção de intensidade: A relação se dá na proporção entre intensidade forte/ fraca e brilho forte/ fraco (ABBADO, 1988).

11 O italiano Adriano Abbado (1958-) obteve sua formação no conservatório de Milão em

composição músical. Trabalhou com fotografia e sons ambientais em 1972 e sons e imagens digitais a partir de 1981.

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Interpretação e improvisação também são termos freqüentemente usados no meio músical. Desta forma alguns trabalhos direcionam suas atenções para criar mecanismos para esta possibilidade, gerando manipulação do material audiovisual em tempo real.

A união entre Vibeke Sorensen, Miller Puckette, Mark Danks e Rond Steigner deu origem ao projeto Global visual music. Este projeto tem como foco performances audiovisuais em tempo real com artistas de vários lugares e culturas, inicialmente através de satélites (projeto inicial de Sorensen, ainda não denominada global visual music) e atualmente com a utilização da internet (SORENSEN, 2005).

Os objetivos iniciais do grupo concentravam-se no desenvolvimento de softwares para criação, mediação e disseminação de conteúdo multimídia assim como a criação de uma network que possibilite a utilização destes softwares. Destaca-se também a utilização de softwares livres para este fim e o caráter educacional do projeto com a criação de site para disponibilizar e divulgar material a este respeito: (www.visualmusic.org/)

Roger Dannenberg também se ocupa da relação audiovisual em tempo real, com performances interativas com o auxílio do computador utilizando animação, música interativa e vídeo. As relações entre os meios decorrem de estruturas intrínsecas, “Música e vídeo como expressões de uma mesma ‘estrutura interna’ músical” (DANNENBERG, 2005, p. 25). Imagem não como interpretação ou acompanhamento para o áudio, mas como parte integral da música e da experiência do espectador.

“Eu projeto situações músicais gerando sons e imagens que estimulem a improvisação da performance para certas escolhas músicais” (DANNENBERG, 2005, p. 25). Utiliza um software que cria uma função onde cada nota gera informação MIDI. Esta mesma função também pode ser utilizada para alteração de cor ou desenhar uma linha ou um polígono, criando movimento e um evento visual, mas também o inverso “Na obra

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transformando-as em espectro variável para sintetizar som” (DANNENBERG et al., 2003

apud DANNENBERG, 2005).

Nesta contextualização foi realizado um levantamento de algumas abordagens referentes ao domínio do audiovisual. Realizamos este levantamento apenas para destacar a variedade de possibilidades ou critérios de organização que permitem agrupar estas obras em torno de algum tipo de relação entre o sonoro e o visual, e que contextualiza o trabalho que desenvolvemos. Alguns exemplos influenciaram mais nossa pesquisa e modelo de composição do que outros. Estas influências serão exploradas no decorrer desta dissertação, nos capítulos referentes à recapitulação teórica e a parte prática.

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1.3 Etapas do trabalho

Em nossa pesquisa desenvolvemos a parte teórica e a parte prática simultaneamente, o que resultou na redação desta dissertação e na composição de seis estudos práticos sobre o suporte videográfico divididos em dois volumes12: “Estudo dos Objetos Audiovisuais Vol. I” que contém os estudos “Facture”, “Overlapping” e “Density”; e “Estudo dos Objetos Audiovisuais Vol. II” compreendendo os estudos “Synchrèse”, “Aimantation Spaciale” e “Ritmo”.

Na parte teórica realizamos o levantamento e estudo de obras teóricas e práticas das áreas visuais, sonoras e audiovisuais. Na medida em que parâmetros audiovisuais eram descobertos e interpretados como sendo importantes para nossa pesquisa procedíamos com a realização de um estudo prático tendo como objetivo destacar, na medida do possível, este parâmetro em detrimento de outros possíveis. O material audiovisual para os estudos foi retirado de situações cotidianas a partir de gravações. Sua manipulação ocorreu através da digitalização e edição utilizando softwares disponíveis no mercado.

Como será verificado no decorrer do texto, este tipo de metodologia conduz a constantes verificações e correções devido a novos conhecimentos e interpretações que surgem no percurso do trabalho fazendo com que certas considerações sejam revistas. Assim, ocorreu a necessidade de propor dois modelos de composição representados pelos dois volumes dos “Estudos dos Objetos Audiovisuais”.

Essa dissertação, portanto é dividida em duas partes: “Recapitulação teórica” e “Prática”.

12 Os volumes encontram-se em anexo. A escolha do nome dos volumes de “Estudo dos Objetos

Audiovisuais” é uma homenagem à obra Étude aux Objets (1959) de Pierre Schaeffer, enquanto que o nome dos estudos (“Facture”, “Overlapping”, “Density”, Synchrèse”, “Aimantation Spaciale” e “Ritmo”) se refere a qual parâmetro está sendo priorizado como base para estruturar a obra.

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Na recapitulação teórica, utilizaremos a bibliografia para organizar e definir quais são os pontos que consideramos importantes para a construção de nosso modelo de composição audiovisual. A escolha será realizada a partir da crítica de conceitos advindos das áreas visuais, sonoras e audiovisuais.

Primeiramente apontaremos para a importância em se definir e esclarecer quais são os conceitos e definições dos termos “Som”, “Imagem” e “Audiovisual” para se organizar um modelo de composição audiovisual.

Destacaremos alguns conceitos do domínio músical que servirão de base para nosso estudo e prática apoiados nos compositores e teóricos Pierre Schaeffer e Michel Chion.

Apresentaremos as divisões de escuta (Écouter, Ouïr, Comprendre e Entendre) propostas por Schaeffer e interpretadas por Chion. Conseqüentemente abordamos outros conceitos advindos da teoria de Schaeffer como Escuta Reduzida e Objeto Sonoro e de Chion como Auditum, que são de grande importância e influência para a elaboração de nosso modelo de composição, principalmente em relação à possibilidade de registro e fixação de eventos tanto sonoros quanto visuais, o que permite uma forma de observá-los e descrevê-los.

Da mesma forma, da área visual, apresentaremos alguns pontos que foram utilizados como base para nossa pesquisa. Alguns pontos e dualidades serão levantados referentes às imagens figurativas/ imagens abstratas e a questão do tempo nas imagens (imagens temporalizadas/ imagens não-temporalizadas), que estão presentes em abordagens sobre as artes visuais tais como a fotografia, a escultura, a pintura, o cinema e o vídeo, sob o ponto de vista dos autores Lúcia Santaella, Winfried Nöth e Jacques Aumont. Acrescentamos também a idéia de intenção da visão proposto por Arnheim.

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Assim, propomos para o nosso trabalho a utilização de eventos sonoros e visuais a partir de uma intenção perceptiva que, por um instante coloca de lado outras tantas possíveis referências, e se direcionem as suas próprias qualidades através de possíveis “escutas-visões-reduzidas”.

Aliada a esta intenção perceptiva, nos apoiaremos também em possíveis percepções audiovisuais, principalmente às destacadas por Michel Chion através dos conceitos de “Transsensorialidade” e “Contrato-Audiovisual”. Estes conceitos serão apresentados na parte audiovisual da dissertação juntamente com outras propostas de percepção audiovisual com o “Fenômeno da Multissensorialidade” e “Sinestesia”. Faremos a crítica a estes conceitos para determinar quais são os pontos que consideramos importantes e estamos utilizando em nosso modelo de composição.

Podemos sintetizar estes pontos da seguinte forma:

- Estruturação e unidade da obra em função de propriedades da relação audiovisual, através da busca de resultados perceptivos da própria relação audiovisual;

- “Audiovisual” correspondente à utilização presencial (sobreposição ou justaposição) de “sons” e “imagens” sem priorizar um domínio em função do outro;

- Buscamos propriedades que não emergem em um sentido específico, mas se apresentam como algo entre os sentidos. Encontramos tais propriedades abordando conceitos advindos do fenômeno da Multisensorialidade de Edward Marks e da Trans-sensorialidade de Michel Chion;

- Utilização de quaisquer tipos de eventos sonoros e de eventos visuais, pois o que nos importa é destacar as qualidades descritivas deste evento em direção a qualidades de eventos audiovisuais;

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- Utilização de eventos sonoros e eventos visuais fixados (gravados) que permitiria a observação de suas características através de sua repetição;

- Por ser fixada, repetível e apresentada em uma tela de vídeo, propomos pensar a “imagem” também como uma espécie de acontecimento, de evento, pois, assim como o “som”, ela possuiria um começo, um meio e um final. No entanto, não propomos isso para a “imagem” se assemelhar ao “som”, mas porque ela própria pode apresentar esta característica;

- Os eventos sonoros e visuais fixados serão observados através de uma escuta

reduzida (conforme Schaeffer) para os sons e sua adaptação para as imagens numa espécie de “visão reduzida”. Assim, procuramos descrever suas qualidades colocando de lado por um momento outras referências que estes sons e estas imagens poderiam evocar;

- A partir deste procedimento descritivo, buscaremos parâmetros de descrição que não sejam sonoros e visuais, mas sim, audiovisuais;

- A busca de parâmetros audiovisuais deve ser observada em função do contrato

audiovisual de Michel Chion, ou seja, das influências que ocorrem da sobreposição e justaposição dos domínios sonoro e visual.

Uma abordagem mais completa e direcionada ao nosso estudo e prática será demonstrada na parte prática da dissertação, nos capítulos “1º Modelo de Composição: Estudo dos Objetos Audiovisuais Vol. I” e “2º Modelo de composição: Estudo dos Objetos Audiovisuais Vol. II”.

No capítulo “1º modelo de composição- Estudo dos Objetos Audiovisuais Vol. I” realizaremos a descrição do processo criativo do volume “Estudo dos Objetos Audiovisuais Vol. I” que contém os estudos “Facture”, “Overlapping” e “Density”, a partir

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de parâmetros que julgávamos adequados aos pontos que destacamos acima e que correspondem à base de nosso modelo de composição.

Em seguida destacamos e discutimos alguns equívocos deste 1º modelo de composição com nossa linha de argumentação que serão avaliados e reformulados em um novo modelo. Basicamente, podemos resumir estes equívocos em:

- Interpretação equivocada com relação aos parâmetros que julgávamos comuns (facture, sobreposição e densidade);

- A busca de novos parâmetros audiovisuais deve ser observada em função do

contrato audiovisual, ou seja, das influências que ocorrem da sobreposição e justaposição dos domínios sonoro e visual.

A partir desta crítica, procedemos com a elaboração de outro modelo de composição através da escolha de parâmetros que acreditamos estarem em maior consonância com nossa proposta.

Apresentaremos este outro modelo de composição representado pelo trabalho “Estudo dos Objetos Audiovisuais Vol. II” contendo os estudos “Synchrèse”, “Aimantation Spaciale” e “Ritmo”, no capítulo “2º Modelo de composição: Estudo dos Objetos Audiovisuais Vol. II”.

No entanto, anterior a apresentação desta descrição realizaremos uma re-avaliação dos estudos “Facture”, “Overlapping” e “Density” a partir dos novos parâmetros (Synchrèse, Aimantation Spaciale e Ritmo) que delimitamos para nossa pesquisa e que nomeia os novos estudos. Esta nova forma de observar estes estudos surgiu, como destacamos, de novas interpretações da bibliografia estudada e que consideramos como mais coerentes com a abordagem e proposta que sugerimos em nossa pesquisa.

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Destacamos na conclusão nossa preocupação da necessidade de estarmos atentos às diversas possibilidades de interpretação e observação, neste primeiro passo em busca por um modelo de composição audiovisual, e delimitarmos a que parte deste universo denominado “audiovisual” nos restringiremos, para não cairmos em uma colagem de conceitos advindos de inúmeros campos de estudo. Sintetizamos os pontos principais que utilizamos para a realização dos estudos práticos, acreditando estarmos coerentes em relação à proposta conceitual estabelecida e o resultado prático final.

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2.1 Delimitação Audiovisual

Consideramos a delimitação e o esclarecimento de qual uso dos termos “Som” e “Imagem”, e conseqüentemente “Audiovisual”, uma das questões mais importantes para o estudo da relação audiovisual e da proposta de modelos de composição para este domínio. É em função desta(s) delimitação(ões) e esclarecimento(s) que se deve analisar a questão do resultado perceptível de uma obra com o referencial teórico utilizado, pois, desta forma pode-se evitar generalizar quaisquer relações assim como evitar críticas que não estejam direcionadas ao foco do trabalho proposto, em um meio tão heterogêneo quanto o do audiovisual.

Por exemplo, há uma classificação tradicional de que a música é temporal e a pintura, espacial. Qualquer utilização do termo “tempo” e “temporalidade” na imagem passou, portanto, a ser a principal característica que a relaciona com o domínio sonoro.

Os termos podem ser interpretados segundo Parrat, como uma “temporalidade intrínseca” a uma obra visual, ou seja, as relações entre os elementos plásticos que a compõe, e como uma “temporalidade externa” que diz respeito ao modo de apresentação física da obra, como por exemplo, uma obra que não pode ser observada de uma só vez em função de seu tamanho ou disposição no espaço apresentado, como no caso de algumas instalações.

Há também o tempo necessário para a apreensão do “sentido” da obra, que apesar de poder ser observada em sua totalidade, como no caso do quadro pintado, propõe certo tempo para sua reflexão ou admiração.

Uma obra pictural é em geral capturada na sua totalidade em uma única olhada, em um instante [...] Em princípio, tudo é simultâneo, tudo co-existe no espaço do quadro independente do tempo [...] Mas a partir do momento onde intervém a apreciação, o julgamento sobre a obra, o tempo torna-se necessário para que o pensamento

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[...] penetre no espaço pintado. A contemplação visual é uma leitura que decifra os sentidos e que implica um desenrolamento temporal. (PARRAT, N/C, p. 67)

Outra questão referente ao “tempo” nas artes plásticas diz respeito à idéia de improvisação. Esta é uma prática comum no meio músical, principalmente no Jazz, mas com a ausência de uma estética figurativa nas artes plásticas, começou a ganhar força também neste meio.

Segundo Caznok, a improvisação está ligada à arte temporal, no caso a música, pois “[...] faz do instante seu suporte principal”, acrescentando sobre esta possibilidade nas artes plásticas: “A pintura se questiona sobre a possibilidade do ‘gesto único’, sem volta, correndo o risco que os músicos já incorporaram em seus métiers” (CAZNOK, 2003, p. 107).

Os critérios de agenciamento de formas, cores, contrastes e equilíbrios, por não dependerem mais de uma narrativa ou de uma representação, não são totalmente decididos a priori, vão se construindo à medida que o próprio material os solicita. Neste sentido aparece o risco. (CAZNOK, 2003, p. 107)

Do mesmo modo, existe a relação de se pensar o sonoro através de uma característica tipicamente visual, o “espaço”. Parrat interpreta este de três maneiras:

- Pensando que haveria um espaço entre sons de altura definida: “O espaço sonoro resulta em primeiro lugar da percepção da diferença de alturas dos sons. Toda música comporta sons graves e sons agudos” (PARRAT, N/C, p. 65). Esta forma de pensar está ligada também à idéia de notação músical e partitura como descreve Caznok no primeiro capítulo de sua obra citada (2003) onde estabelece a relação, através de uma perspectiva histórica, entre o espaço representado pelos símbolos da partitura músical e suas relações com um possível espaço entre os sons de altura definida.

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- De uma lógica linear e vertical com relação à disposição destes sons, sendo à relação vertical entendida como uma relação espacial:

Estes sons podem ser escutados uns em seguida dos outros, eles se mostram no tempo [...] Eles são escutados igualmente em grupos simultâneos ou acordes [...] A percepção horizontal apreendida no tempo e a percepção vertical dada pelas alturas concentradas em blocos complexos, provocam pela sua combinação na escuta, a sensação de espaço sonoro percebido efetivamente pelo sujeito. (PARRAT, N/C, p. 65)

- E também, pensar o espaço como a disposição dos instrumentistas que determinariam a posição espacial do som: “Na execução da obra, o espaço no sentido físico intervém diretamente; os movimentos do intérprete, comandados pela disposição dos signos na partitura, levam à uma concretização da dimensão espacial” (PARRAT, N/C, p. 66).

Percebe-se nesses exemplos uma interpretação generalizada dos conceitos de tempo e espaço aplicados ao sonoro e ao visual. Ou seja, quais as interpretações e relações dos termos “espaço” e “tempo” são utilizadas quando se propõe relacionar o “espaço” das artes visuais com o “tempo” do sonoro? Esta relação corresponderia ao espaço bidimensional de uma pintura com o espaço do gesto do instrumentista? Tem a ver com a relação entre o emissor visual, um possível resultado sonoro que ele produz e o espaço acústico onde o som se propaga? O tempo visual é tanto um processo criativo (improvisação) quanto um processo perceptivo (tempo de apreensão de uma obra)? O espaço sonoro é tanto o espaço entre sons de altura definida quanto à disposição espacial dos instrumentistas. Este “tempo” seria aquele do observador perceber uma imagem, ou então uma característica da imagem que possui algum tipo de variação temporal? Ou seria apenas a utilização do “espaço” e do “tempo” como metáforas, ou algum tipo de relação poética?

Estes tipos de relações ocorrem também em um exemplo de um teórico que estuda a multissenssorialidade de nossos sentidos, Edward Lawrence Marks:

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Não há dúvidas que diferentes sentidos podem transportar informações sobre as mesmas características do ambiente. [...] Uma pessoa próxima pode se fazer notar de várias maneiras: Através da visão, através do som dos seus passos ou voz, através do odor de sua loção após barba ou perfume. (MARKS, 1978, p. 11)

Neste exemplo ocorre a mistura da relação entre um objeto observado (uma pessoa) e os sons advindos desta (seus passos) que são de naturezas diversas e poderiam proporcionar as mais variadas relações.

Se não levarmos em consideração e não esclarecer quais interpretações utilizaremos, ou mesmo, considerando apenas os termos “Som” e “Imagem” superficialmente, em todas as suas possibilidades, seríamos obrigados a responder que todas estas relações são válidas e perceptíveis, pois algum tipo de relação ocorreria, e mesmo estas relações podem estar presentes em determinadas obras artísticas aclamadas por crítico e público; ou então contestá-las afirmando, por exemplo, que todas estão equivocadas, pois testes de laboratório confirmaram que existe outra correspondência entre um som sintetizado e uma cor qualquer, de acordo com 60% das pessoas entrevistadas.

Esta diversidade de possibilidades de utilização dos termos “Imagem”, “Som” e “Audiovisual” pode gerar certa confusão no momento de se pensar um modelo de composição audiovisual e de avaliá-lo em seguida. Desta forma, tentaremos delimitar o que estamos compreendendo por “Som”, “Imagem” e “Audiovisual” em nossa pesquisa e modelo de composição. Iniciaremos nossa argumentação apresentando alguns conceitos e definições do domínio músical através de Pierre Schaeffer e Michel Chion e do domínio visual através de Jacques Aumont, Rudolf Arnheim e do próprio Chion, que são a base de nosso trabalho.

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2.2 Som

Para a escolha de quais materiais sonoros e visuais que utilizamos, nos apoiamos no conceito de escuta reduzida criado por Schaeffer e ampliado por Chion com relação ao som e expandindo-os para a área visual.

Esta escolha baseia-se na possibilidade de podermos observar, qualificar e classificar algumas características de um som e de uma imagem fixados e da relação entre estes sobre um suporte, ou seja, “gravados”.

Assim, o som gravado possuirá suas características próprias independente de como ou onde ele foi gravado e de possíveis processamentos ou efeitos aplicados a ele. Da mesma forma, a imagem será “uma imagem bidimensional gravada” e apresentada através de uma tela de computador ou de televisão, independente também da referência tridimensional que ela possa sugerir e de possíveis efeitos ou processamentos a ela aplicados.

Por exemplo, um som ou uma imagem qualquer, ou mesmo uma ordem ou seqüência de sons e imagens, serão descritas da forma como elas aparecem em nossa percepção.

Para esclarecer esta nossa escolha, é necessário definirmos alguns conceitos e propostas com relação ao sonoro e ao visual, destacando alguns pontos dos teóricos e compositores Pierre Schaeffer e Michel Chion.

Pierre Schaeffer em sua obra Traité des objets musicaux (1966) propôs quatro tipos possíveis de escuta denominadas: a- Écouter; b – Ouïr; c- Comprendre.; d - Entendre. Estas não são sucessivas, mas partes de um circuito em que uma sobressai sobre a outra em virtude da relação entre a configuração do objeto e nossa percepção.

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Segundo Chion estes quatro setores “[...] servirão para pensar tanto a pesquisa musical quanto o funcionamento da música tradicional, tanto as relações da música com a linguagem quanto do sinal físico e do objeto musical” (CHION, 1983, p. 25).

a-) Écouter: “[...] nós veremos não é necessariamente se interessar por um som. É se interessar pelo som excepcionalmente, e por sua intermediação, visar outra coisa” (SCHAEFFER, 1966, p. 106).

Esta corresponde à escuta da fonte sonora, a que produziu o som. Por exemplo, podemos dizer que é o som de uma porta batendo, ou de alguém batendo à porta. Aqui não fazemos referência a nenhuma característica ou qualidade interna do som, ou ao que ele pode representar, mas sim ao objeto produtor do som, no caso a porta ou a pessoa que a bateu.

No entanto, esta fonte não precisa necessariamente ser uma fonte real. Podemos escutar um som qualquer, e na dúvida, inferir uma causa a este som, por semelhança de suas características internas ou pelo contexto na qual está inserido. É a diferença da qual Chion fala entre escuta causal e escuta figurativa (CHION, 2004, p. 121). Por exemplo, o bater de cocos, muito comum em sonorizações e animações fazem atribuir uma causa inferida, no caso o galope de um cavalo, correspondente a uma escuta figurativa. Outra forma seria perceber como o som de cocos percutidos, o que corresponderia a uma escuta causal.

b-) Ouïr: “[...] é perceber pelo ouvido. Por oposição a ‘écouter’ que corresponde a uma atitude mais ativa, isto que ouço13 é isto que me é dado á percepção” (SCHAEFFER, 1966, p. 104).

Referências

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