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Ampliação do conceito de objeto sonoro – Auditum

2 RECAPITULAÇÃO TEÓRICA

2.1 Delimitação Audiovisual

2.2.4 Ampliação do conceito de objeto sonoro – Auditum

A partir da escuta reduzida e do objeto sonoro Schaeffer apontou para a possibilidade de todo o universo sonoro ser passível de se tornar música a partir da escuta do som por ele mesmo, de suas características. Seu Tratado e sua tipo-morfologia influenciaram diversos compositores e serviram de base para muitas obras. Mas a própria característica do som, como vimos anteriormente, e a busca sempre incessante dos compositores por novas possibilidades criativas fizeram expandir os conceitos apresentados por Schaeffer.

A proposta apresentada por Chion, por exemplo, diz respeito ao tempo e a complexidade do objeto sonoro e também de sua necessidade de estar sempre atrelado à escuta reduzida.

a-) Tempo e complexidade do objeto sonoro

De toda a sua tipo-morfologia, Schaeffer destaca alguns objetos sonoros que são mais facilmente captados por nossa percepção e por isso “[...] parecem ser mais aptos que outros a um emprego como objeto músical” (CHION, 1983, p. 97), ou seja, de se tornarem sons musicais.

Ele denomina esses sons de objets convenables. Suas características são de serem simples, originais e memorizáveis possuindo uma duração média, se prestarem facilmente a uma escuta reduzida e poderem ser combinados com outros objetos sonoros com características semelhantes (CHION, 1983, p. 97).

Estas características podem servir muito bem para a análise da obra de Schaeffer, mas observou-se a tendência de compositores posteriores de utilizar exatamente o contrário, sons que possuíssem tamanho e complexidade distintos daquelas propostas pelo autor do Tratado.

Ora, é justamente lá que a música contemporânea e as expressões audiovisuais utilizam seus materiais. Eles recorrem sobretudo a sons sem fim, de sons sem contornos, a sons em processo, de sons que são mais através-do-tempo que dentro-do-tempo, e que não apresentam ao ouvido um traço limitado no tempo e memorizável. (CHION, 2004, p. 249)

b-) Dissociação do objeto sonoro da escuta reduzida

Podemos também, depois de Schaeffer, colocar uma questão crucial. Objeto sonoro e escuta reduzida são correlatos obrigatórios

e indissociáveis um do outro? Podemos reempregar o termo de objeto sonoro lhe aplicando escutas diversas (causais/ figurativas, e codificados)? (CHION, 2004, p. 271)

Segundo Chion, pensar o som, dentro de suas possibilidades, como um objeto sonoro, não necessariamente implicaria em utilizar a escuta reduzida para tal fim. Ela seria uma opção entre as outras escutas possíveis. Isto ocorreria não somente em função das características do som que emergem e destacam mais a referência a seu emissor; ou ao contrário, a emergência de características que destaquem valores musicais, mas em uma intenção de escuta que permitiria um som ser, ao mesmo tempo, relacionado ao seu emissor e também descrito em suas características.

“A escuta de sons de uma música concreta, não coloca em questão nem mesmo impede o ouvinte, em função de uma escuta estética ‘pura’, de propor fontes ao som que saem invisivelmente do alto falante” (CHION, 2004, p. 129).

Da mesma forma que um som de porta, onde reconhecemos que é uma porta e não negamos isso, pode ser descrito em função de uma escuta reduzida, em função de suas características internas. Desta forma, podemos pensar em Schaeffer não em alguém que restringiu as possibilidades do sonoro à objets convenables descartando as múltiplas possibilidades de percepção e interpretação do som, mas como alguém que propôs uma nova forma de se perceber o som e de descrevê-lo. Coube então ao processo de investigação, de pesquisa artística e teórica expandir as possibilidades abertas por Schaeffer.

Definindo o objeto sonoro como correlato da escuta reduzida, Schaeffer fez transpor à aculogia o passo de gigante do qual ela precisava. Ele possibilitou o desenvolvimento da aculogia, descolando o som de sua fonte. Ao mesmo tempo, ele não pôde aparentemente fazê-lo sem privar o objeto sonoro de uma parte de suas características, no mesmo tempo onde ele o colocaria. Seria tempo agora de redefinir a percepção sonora como, aquela que, não tendo mais relação com uma causa real (mas continua a ter uma

dimensão figurativa/ causal), desenha um objeto suporte de diferentes escutas. (CHION, 2004, p. 272)

c-) Auditum

A preocupação de Chion ao propor este novo termo é de evitar confusões com o termo Schaefferiano objeto sonoro, além de expandir as possibilidades de interpretação deste.

A escolha de Schaeffer se explicaria por seu projeto que seria de fundar uma música [...] não figurativa. A palavra objeto sonoro exprime alguma coisa de duplamente limitada, no tempo e como objeto de escuta reduzida. Mas precisamos designar (nomear) o som no sentido no qual seja de interesse também à sua fonte, seus sentidos figurativos, seus efeitos, no suporte que constitui todas as escutas – e nós não queremos recuperar o termo de objeto sonoro e assim arriscar de falsear a compreensão da marca schaefferiana. Nossa primeira proposição seria de mudar de palavra e de chamá-la

auditum19 – particípio passado neutro, tirado do latim audire e querendo dizer ‘coisa escutada’ – o som tanto quanto percebido, deixando, em princípio, a palavra ‘som’ aos técnicos e aos físicos que se ocupam da acústica, mas também ao uso comum, que não pretendemos reformar. (CHION, 2004, p. 272)

Destacaremos as diferenças entre o objeto sonoro e auditum pelas palavras do próprio Chion :

Primeira diferença: enquanto que o ‘objeto sonoro’, tal como o define Schaeffer, supõe alguma coisa que podemos totalizar como objeto da percepção e decupar dentro do fluxo sonoro, portanto com duração limitada, o auditum é uma palavra voluntariamente e conscientemente indeterminada quanto à duração que ocupa o fenômeno. De outra parte, ele pode ser objeto de escuta reduzida ou de escuta causal, pouco importa. Nós estimamos necessário, de fato, adotar um termo que não prejulgue nem da duração nem da forma,

nem da complexidade do fenômeno escutado. (CHION, 2004, p. 272-273)

O auditum é o som como som percebido, sem confusão possível com a fonte real (ou o complexo causal que é a fonte) nem com os fenômenos vibratórios que estudam a disciplina nomeada acústica. À diferença do objeto sonoro schaefferiano, o auditum é objeto de todas as escutas – reduzida, causal, figurativa, semântica, diferentes níveis de apreensão ao mesmo tempo religadas e independentes. (CHION, 2004, p. 273)

[...] o auditum pode ser também um som efêmero que se produz sobre o momento sem ser gravado, como um som fixo. Mas dentro do primeiro caso, certamente, este auditum, in situ não pode ser observável com precisão, o que não impede, sobretudo de ser gravado de algum modo na memória. (CHION, 2004, p. 273)

Destacamos este conceito de Chion pois reconhecemos uma utilização do sonoro pelos compositores pós-Schaefferianos mais ampla do que a idéia de escuta

reduzida e de objetos convenientes. De certa forma, utilizamos também em nosso trabalho prático, como será observado, esta possibilidade de utilizar eventos sonoros fixados aos quais podemos reconhecer uma fonte emissora, mas que isso não impede a observação de outras características do sonoro. Este conceito também é importante em nosso trabalho, pois pretendemos expandi-lo aos domínios visual e audiovisual, principalmente com relação à fixação de eventos e na utilização da descrição para analisar as qualidades destes domínios.

2.3 Imagem

O termo “Imagem” pode sugerir diversas interpretações ou pontos de vista. Destacaremos dois destes pontos que consideramos importantes para nosso modelo de composição, pois correspondem a pontos mais próximos aos conceitos de Schaeffer e Chion que enfatizamos anteriormente.

Ressaltamos, no entanto, que com esta abordagem não estaremos tratando a imagem com propriedades do sonoro, mas sim, que a própria imagem pode possuir essas qualidades através de uma intenção ou exercício da percepção. Estes pontos correspondem à dualidade entre figurativo e abstrato e a idéia de tempo da imagem.