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2 RECAPITULAÇÃO TEÓRICA

2.1 Delimitação Audiovisual

2.3.1 Figurativo/ Abstrato

Apresentamos a seguir uma possível divisão na qual se pretendia separar às imagens em figurativas e abstratas. No entanto, em nosso trabalho esta divisão não possui sentido, pois não nos interessa se uma imagem é mais parecida ou remete mais a um objeto do mundo “real”. O que nos interessa é extrair qualidades destas imagens através de uma intenção e de um processo descritivo, da mesma forma como o som pode ser descrito independente de estar vinculado a um emissor ou a uma linguagem.

Segundo a abordagem de alguns estudiosos, tais como Santaella e Nöth na imagem figurativa ocorre a relação entre a imagem e a realidade que ela supostamente representa. Um valor representativo que possui uma relação com a realidade sensível.

As imagens figurativas são aquelas que transpõem para o plano bidimensional ou criam no espaço tridimensional réplicas de objetos preexistentes e, no mais das vezes, visíveis no mundo externo, quer dizer, apontam com maior ou menor ambigüidade para objetos ou situações reconhecíveis. (SANTAELLA, NÖTH, 2005, p. 82)

Podemos citar como exemplo de uma das características da imagem figurativa a questão da “analogia”, ou seja, característica de possuir uma semelhança entre a imagem e a realidade. No entanto, Jacques Aumont, discutindo sobre Gombrich, Goodman e Bazin, aponta para uma relação entre convenção e realidade, pois toda representação é convencional, e que há convenções mais naturais do que outras, pois são as que agem sobre as propriedades do sistema visual (especialmente a perspectiva) (AUMONT, 2001, p. 199).

Ao utilizar Goodman, Aumont diz que “[...] a noção de imitação quase não tem sentido: não se pode copiar o mundo ‘tal como ele é’, simplesmente porque não se sabe como ele é”, e dessa forma, “[...] trata-se sempre de processo de simbolização do real, isto é, de produção de artefatos ‘intercambiáveis’ no interior de uma sociedade, que permite se referir convencionalmente a ele” (AUMONT, 2001, p. 202).

Assim a relação de representação através da analogia entre a fotografia e o objeto real, por exemplo, ocorre porque aprendemos a ver a fotografia como análoga ao objeto real, uma espécie de ilusão.

Aumont sintetizando André Bazin utilizou o exemplo da fotografia em relação à pintura para deixar claro esse caráter convencional, pois a fotografia “[...] fez com que a pintura se libertasse da semelhança, na medida em que satisfez mecanicamente o desejo da ilusão: a foto é essencialmente, ontologicamente, objetiva [...], no entanto [...] só podemos julgá-la como tal em virtude de uma ideologia da arte que atribui a esta a função de representar (e eventualmente de exprimir) o real, e nada além disso” (AUMONT, 2001, p. 201).

A analogia pode possuir ainda algumas características tais como:

- O aspecto de espelho: “a analogia redobra (certos elementos de) a realidade visual” (AUMONT, 2001, p. 199);

- O aspecto mimese: “Mimesis é uma palavra grega que significa ‘imitação’” (AUMONT, 2001, p. 200), que designa o ideal de semelhança entre a imagem e seu objeto;

- O aspecto mapa: “a imitação da natureza passa por esquemas múltiplos: esquemas mentais vinculados a universais, que visam tornar a representação mais clara ao simplificá-la” (AUMONT, 2001, p. 199);

- Possui realidade empírica. “A analogia constata-se perceptivamente, e é dessa constatação que nasceu o desejo de produzi-la” (AUMONT, 2001, p. 203);

- É produzida artificialmente;

- “Sempre foi produzida para ser utilizada com fins simbólicos (isto é, vinculados à linguagem)” (AUMONT, 2001, p. 203);

- “As imagens analógicas, portanto, foram sempre construções que misturavam em proporções variáveis imitação de semelhança natural e produção de signos comunicáveis socialmente” (AUMONT, 2001, p. 203);

Com a arte abstrata se questionou a possibilidade de haver imagens “puras”, sem serem representativas. A imagem abstrata, não-representativa, dessa forma se tornou um sinônimo de afastamento da realidade, e que ‘significa’ a si mesma, por suas características, sem relação com algo externo.

Segundo Santaella e Nöth, as imagens “[...] não-representativas, comumente chamadas de abstratas, reduzem a declaração visual a elementos puros: Tons, cores, manchas, brilhos, contornos, movimentos, ritmos, etc., são formas que não representam, a

As primeiras obras teóricas dedicadas à imagem abstrata e aos valores plásticos em geral foram editadas pela Bauhaus, escola interartística alemã do início do século XX, e que reuniu grandes artistas de vanguarda em escultura, pintura e arquitetura, como Paul klee e Wassily Kandinsky;

Entretanto, essas obras escritas por pintores não se apresentam, em geral, como construções de fato teóricas, uma vez que cada um dos sistemas propostos é consideravelmente idiossincrático, e pouco extensivo às práticas que não sejam do próprio autor. (AUMONT, 2001)

Aumont destaca algumas das características destas imagens abstratas, correspondentes aos valores intrínsecos da imagem, como:

a-) A busca por valores plásticos:

- A plasticidade da imagem que “[...] resulta da possibilidade de manipulações oferecidas pelo material de que é tirada [...]” (AUMONT, 2001, p. 263);

- “A imagem será, pois concebida como plástica se for modelável de modo flexível [...]” (AUMONT, 2001, p. 263) como, por exemplo, a escultura onde sua matéria é modelável e em modificação incessante ou na pintura que é considerada como arte plástica em função dos gestos do pintor, que espalha a massa sobre a tela e a manipula com diversas ferramentas.

b-) A “gramática” plástica:

- Elementos comuns a toda dimensão plástica: Superfície, cor e gama de valores (do preto ao branco) que correspondem aos elementos bordas, cor e luminosidade da percepção visual.

- Estrutura: “o trabalho do artista plástico consiste em fabricar, a partir destes elementos simples, formas mais complexas, combinando e compondo os diversos elementos” (AUMONT, 2001, p. 267).

Com essa abordagem, a arte pictórica pode-se desprender da representação e propor novas abordagens artísticas, no entanto, chegou-se ao extremo de se considerar qualquer representação, qualquer imagem figurativa, como um problema, gerando dois pólos realmente contrários, o abstrato contra o figurativo;

O aparecimento da pintura abstrata fez com que a arte pictórica deixasse de ser considerada tão ligada à representação como o foi durante séculos. Essa nova abordagem tomou, com bastante freqüência, a forma de valorização de uma presença, concebida como real, atual, efetiva, e não como um substituto representativo, imaginário, virtual. Essa idéia é, no fundo, apenas o prolongamento do que acabamos de expor: cada vez mais sensíveis aos valores específicos do material pictórico e de sua organização plástica, pintores e teóricos acabaram vendo, neste material plasticamente trabalhado, a única realidade da pintura, ficando a representação relegada à categoria de subproduto, às vezes decididamente indesejável. (AUMONT, 2001, p. 273)

Constatou-se depois, que esta separação radical, que talvez tenha sido importante na época em função da afirmação desta nova arte, não passava de um exagero e de uma invenção, pois como bem coloca Aumont:

“Essas teses são às vezes excessivas, como se a descoberta, com a arte abstrata, de valores intrínsecos à imagem ‘pura’, levasse a negar que ela também tem valores ‘extrínsecos’, e que estes foram durante muito tempo preponderantes” (AUMONT, 2001, p. 263), e acrescentamos também o contrário, como se as imagens figurativas não pudessem ser descritas com relação à suas próprias qualidades plásticas.

Optamos, portanto, em não utilizar esta divisão em nosso trabalho, mas sim considerar que toda imagem pode ser descrita em função de algumas de suas qualidades, através de uma intenção tal como coloca Rudolf Arnheim e Michel Chion, independente se for mais próxima ou não a um objeto “real”.

Arnheim destaca que “[...] uma diferença entre recepção passiva e percepção ativa está contida mesmo na mais elementar experiência visual” (ARNHEIM, 1969, p. 14), ou seja, há certa intenção com relação ao que estamos observando.

Há todo um campo a ser explorado quando abrimos o olho. Não captamos tudo de uma só vez. Desta forma, podemos nos concentrar em alguma coisa em particular, que se torna mais definida, enquanto as outras são colocadas em segundo plano até que nossa atenção se volte a elas. Este campo já é dado como o autor diz:

Tão logo abro meus olhos, eu me encontro cercado por um mundo dado: o céu com suas nuvens, o movimento das águas no lago, o vento nas dunas, a janela, meu estudo, minha mesa, meu corpo – tudo isso aparece na projeção em minha retina de uma maneira, é dado. Ele existe por si só sem que eu faça qualquer coisa para produzi-lo. (ARNHEIM, 1969, p. 14)

Com esse mundo dado podemos efetuar uma “[...] exploração ativa, seleção, compreensão do essencial, simplificação, abstração, análise e síntese, complemento, correção, comparação, resolução de problemas, assim como combinação, separação, contextualização” (ARNHEIM, 1969, p. 13).

É interessante destacar também uma característica na formação de padrões que direcionam nossa visão à captação do ideal, ou seja, “Ver significa captar algumas características proeminentes dos objetos” (ARNHEIM, 1996, p. 36).

Alguns traços relevantes não apenas determinam a identidade de um objeto percebido como também o faz parecer um padrão integrado

completo. Isto se aplica não apenas à imagem que fazemos do objeto como um todo, mas também a qualquer parte em particular sobre a qual nossa atenção se focaliza. (ARNHEIM, 1996, p. 37) Podemos esclarecer essa questão com um exemplo do próprio Arnheim: “Capta- se o rosto humano [...] como um padrão total de componentes essenciais [...]. E se decidimos nos concentrar no olho de uma pessoa perceberemos aquele olho também como um padrão total” (ARNHEIM, 1996, p. 37).

Michel Chion, por sua vez, ao discutir sobre a escuta reduzida utiliza como exemplo uma possível “visão reduzida”, e que pode ser utilizada para superar a dicotomia entre figurativo e abstrato e direcionar a questão da imagem a um exercício de descrição através de uma intenção perceptiva.

[...] a escuta reduzida não é uma atividade de censura. Ela não nos obriga a recalcar, ainda menos a negar nossas associações figurativas e afetivas. Trata simplesmente de os colocar, temporariamente de fora, sob um campo de nomeação e de observação. Assim como sobre o plano visual, se nós queremos descrever uma laranja em termos de forma, cor, textura, nós não somos obrigados a esquecer que é o fruto denominado laranja, nem de fazer como se nós não soubéssemos. Nós a submetemos simplesmente a um questionamento descritivo que coloca entre parênteses a natureza deste objeto, as associações às quais ele da lugar, os prazeres que ele promete, etc., e, o ato ele mesmo de nomeação e de descrição não exclui que nós tiremos, além de um ensinamento, certo prazer [...] (CHION, 2004, p. 239)