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2 RECAPITULAÇÃO TEÓRICA

2.1 Delimitação Audiovisual

2.4.2 Audiovisão-Visuaudição

2.4.3.2 Contrato audiovisual

Segundo Chion:

Comparadas uma com a outra, as percepções sonora e visual são de natureza muito mais díspares do que se imagina. Se não se percebe isso é porque no contrato audiovisual estas percepções se influem mutuamente, e emprestam uma à outra, por contaminação e projeção, suas propriedades respectivas. (CHION, 1993, p. 20) O contrato audiovisual é contrário a uma relação natural que remete a uma harmonia pré-existente entre som e imagem. Não há neste sentido, relações entre os dois meios definidos a priori, mas sim examinados nas várias possibilidades de conexões e dentro do contexto na qual estão inseridos (CHION, 1993, p. 12).

Isso quer dizer, que, numa combinação sonoro-visual, uma percepção influi na outra e a transforma: “não se vê o mesmo quando se ouve; não se ouve o mesmo quando se vê” (CHION, 1993, p. 9).

Entre as formas de ocorrer esta influência, Chion propõe a idéia de “Valor

acrescido (Valor Añadido)”. Corresponde ao valor expressivo e informativo com que um

som enriquece uma imagem dada e vice-versa (CHION, 1993, p. 16). “O valor acrescido é recíproco: [...] a imagem, por sua parte, faz ouvir o som de modo diferente de como este

soaria no escuro” (Chion, 1993, p. 31). Nesse sentido a “sincronia” permite estabelecer uma relação imediata e necessária entre algo que se vê e algo que se ouve (Chion, 1993, p. 17).

No entanto, mesmo apoiando toda sua argumentação em função desta percepção díspare, não deixa de reconhecer que há casos nos quais ocorre o contrário:

Está comprovado que os surdos formados em linguagem gestual desenvolvem uma capacidade particular de ler e estruturar os fenômenos visuais rápidos. Isto coloca a questão de saber se, neste caso, não são mobilizadas as mesmas áreas cerebrais que as empregadas pelos sons naqueles que não são surdos: um dos numerosos casos que levam a questionar nossa idéia prévia sobre a separação das categorias do som e da imagem. (CHION, 1993, p. 23)

Esta outra forma de percepção, Chion denomina de Trans-sensorialidade. 2.4.3.3 Trans-sensorialidade

Conforme a definição de Chion:

“Nós chamamos de trans-sensoriais as percepções que não são de nenhum sentido em particular, mas podem emprestar o canal de um sentido ou de outro, sem que seus conteúdos e seus efeitos sejam fechados dentro dos limites destes sentidos” (CHION, 2004, p. 56).

Para exemplificar este fenômeno, o autor utiliza a idéia de ritmo: “[...] quando um fenômeno rítmico nos chega por um caminho sensorial, este caminho, vista ou ouvido, não é senão o canal pelo qual nos chega o ritmo, nada mais” (CHION, 1993, p.130).

A relação com o ritmo é buscada na ontogênese da audição, de um estado pré- natal onde não haveria ainda a diferenciação dos sentidos e que a audição é considerada apenas como variações de pressão.

O estado mais arcaico disto que podemos chamar a sensação sonora, em todo caso, é uma pressão rítmica. Estas bases rítmicas recebidas muito cedo são como a base ‘trans-sensorial’ sobre a qual se construirá toda a música das percepções pós-natais – que este ritmo venha em seguida aos olhos, aos ouvidos, ou ao tocar. (CHION, 2004, p. 17)

Há portanto um ritmo que é percebido pelo feto em contato com a mãe, que é considerado apenas como variações de pressão :

“Os fetos, conforme várias observações, a partir do estado onde o ouvido funciona, ‘escuta’ ruídos que se acompanham de variações de pressão contra as paredes corporais, mas também dois ciclos de batimentos cardíacos, aquele da mãe e de seu próprio ciclo” (CHION, 2004, p. 17).

Esta percepção anterior seria depois reconhecida por diversos sentidos como por exemplo a audição:

“Estes ciclos pendulares de comportamento diferente se separam e se reencontram, se colocam em fase e em defasagem, como certas músicas ditas repetitivas de Seve Reich, de Stockhausen ou de Phill Glass [...]” (CHION, 2004, p. 17).

E na visão : “O ritmo está para todos ; antigamente, por exemplo, à noite, antes da luz elétrica, o ritmo se encontrava presente na luz palpitante das velas. Uma variação sensorial que nós perdemos e que nós temos que substituir por outras” (CHION, 2004, p. 57).

No entanto, o ritmo está ligado à idéia de tempo e, para Chion, representa um atributo que não pertence a uma percepção em específico podendo acessar vários sentidos, ou seja, é trans-sensorial. Concordamos com o autor neste sentido e utilizamos este atributo em nosso segundo modelo de composição.

No entanto, pelo viés de nossa pesquisa, este ritmo deve ser observado de uma maneira particular. Não se trata de pensar um ritmo sonoro e um ritmo visual como Chion faz crer quando cita o exemplo do ritmo da luz da vela. Nesta afirmação haveria uma idéia abstrata de ritmo que poderia ser preenchida com elementos ou eventos que fazem emergir propriedades que se direcionam a sentidos específicos, neste caso, a visão.

O que pretendemos em nossa pesquisa é utilizar o ritmo como uma propriedade que emerge para a percepção audiovisual, ou seja, que haja um ritmo entre eventos sonoros e visuais. Corresponderia a uma propriedade onde a alternância destes eventos sugerisse disposições rítmicas ora regulares ora irregulares.

A idéia de trans-sensorialidade, portanto, é retomada dos conceitos de janela auditiva e co-vibração que considera a percepção do sonoro como uma percepção não homogênea.

“Em outros termos, falar de trans-sensorialidade, é recordar que seria errôneo pensar que tudo o que é auditivo só é auditivo, e dizer que os sentidos não são entidades fechadas sobre elas mesmas” (CHION, 2004, p. 57).

A princípio, os conceitos de trans-sensorialidade e contrato audiovisual podem parecer contraditórios, pois ao mesmo tempo indicam que as percepções do som e da imagem ocorrem de maneiras iguais e diferentes. No entanto, interpretamos esta contradição de outra maneira, na qual estes dois conceitos seriam complementares: haveriam parâmetros que fariam emergir uma percepção audiovisual denominados de trans-

sensoriais e parâmetros que não, mas, em ambos os casos, haveria o contrato audiovisual se os fenômenos sonoros e visuais estiverem sobrepostos ou justapostos.

Colocado de outro modo, existem parâmetros que emergem a um dos sentidos específicos, que podem ser exemplificados com a relação entre sons de altura definida no sonoro e cor no visual, mas que também pode ser regida por um parâmetro que emerge a percepção audiovisual, tal como o ritmo destacado na Trans-sensorialidade.

Em nosso trabalho nos apoiaremos nestas duas formas de percepção audiovisual: Uma que considera que há uma influência quando ocorre a sobreposição ou justaposição de uma imagem a um som aliada a uma percepção que engloba os dois domínios, através da escolha de parâmetros que contemplem estas duas possibilidades.

No entanto, ao buscar tais parâmetros nos deparamos com algumas problemáticas que parecem comuns ao estudo do audiovisual. Uma delas já destacamos acima e diz respeito à generalização dos termos “Som” e “Imagem” conduzindo a propostas generalizadas das relações audiovisuais. Outra corresponde à escolha de parâmetros audiovisuais que mais se assemelham a idéias abstratas aplicadas aos domínios do sonoro e do visual e não respeitam ou não levam em consideração a influência que ocorre através do contrato audiovisual. Passamos por esta problemática ao elaborar nosso primeiro modelo de composição no qual também determinamos parâmetros “abstratos” para organizar o discurso audiovisual.

Realizaremos a descrição e uma critica a este primeiro modelo de composição na parte prática desta dissertação. Mas anteriormente, é necessário esclarecer como ocorre a utilização de tais parâmetros “abstratos” realizando a critica bibliográfica, mais especificamente com relação à questão do “Fenômeno da Multissenssorialidade”.